Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03589/09
Secção:CT - 2:º Juízo
Data do Acordão:01/12/2010
Relator:José Correia
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
ANULAÇÃO DE VENDA. TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE ANULAÇÃO.
CONCEITO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO.
ERRO SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DO BEM VENDIDO.
Sumário:I. - Nos termos dos art. 257° nºs 1 al. c) e 2, do CPPT a anulação da venda com fundamento nos casos previstos no Código de Processo Civil pode ser requerida no prazo de 15 dias e o prazo conta-se da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento.
II. -Assumindo o processo de execução fiscal natureza judicial, por mor do disposto no artigo 103º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para a prática de qualquer acto no seu âmbito conta-se nos termos do Código de Processo Civil por injunção normativa contida no artigo 20º, nº 2, do CPPT.
III. -Tendo o prazo de 15 dias para apresentação da oposição o seu termo «a quo» no dia 13/12/2007 e o seu termo «ad quem» no dia 09/01/2008, conclui-se que à data de entrada em juízo da petição inicial em 28/01/2008, já se havia esgotado o dito prazo de que a requerente dispunha para apresentação da petição.
IV. -Em tal conspecto ocorreu, inexoravelmente, a caducidade do direito de acção, excepção peremptória, que implica a absolvição do pedido, nos termos previstos no artigo 493º, nº 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, al. e), do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. A..., com os sinais dos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmº Juiz do TAF de Sintra que julgou improcedente o pedido de anulação de venda por si formulado, veio interpor o presente recurso para formulando as seguintes conclusões:
1. A recorrente requereu, em 28.01.2008, a anulação da venda de bem imóvel da propriedade do seu marido, realizada em 12.12.2007.
2. Para tanto, a recorrente invocou factos que comprovam o conhecimento extemporâneo, posterior e acidental, da referida venda (designadamente os alegados nos arts. 7.° a 10.° da PI).
3.A recorrente invocou a verificação de nulidades processuais diversas, anteriores à realização da venda ocorrida em 12.12.2007, nos termos e com os efeitos previstos pelo art. 201° do CPC.
4. O Tribunal a quo prolatou Despacho -Sentença, conhecendo apenas a questão da caducidade do direito de acção e não se pronunciando sobre as demais nulidades invocadas.
5. O conhecimento antecipado da caducidade, bem como a aplicação imediata dos respectivos efeitos cominatórios, parece-nos precipitado e infundado, atento o facto de desvalorizar a invocação dos factos que sustentam o conhecimento posterior da ocorrência da própria venda,
6.Como viola o direito da recorrente de apresentar e fazer prova do momento em que teve efectivo conhecimento de tal venda.
7. O despacho saneador -sentença sub judice viola, clara e frontalmente, o disposto no art. 510°,1, a), do CPC, tendo sido apreciada excepção peremptória em detrimento das nulidades processuais suscitadas pela ora recorrente,
8. Mais violando o disposto pelos arts. 3°, 4, e 3°-A, ambos do CPC, bem como o disposto pelo art. 257°, 2, do CPPT, ao impedir, com o referido conhecimento antecipado (e precipitado), a merecida e oportuna produção de prova ao alcance da recorrente.
Termos em que e nos demais de Direito,
Deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, por fundado e provado, e, em consequência, ser a Sentença em crise revogada, mais se ordenando à 1ª Instância se digne prolatar despacho saneador que obedeça ao estatuído pelo art.º 510° e segs. do CPC.
Assim farão Vossas Excelências a Merecida e Costumada Justiça!
Houve contra – alegações concluídas do seguinte modo:
1. A Recorrente veio requerer, em 28/01/2008 a anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n°3140199207001371;
2. A Recorrida suscitou a questão prévia de caducidade do direito de acção;
3. A sentença de que se recorre julgou procedente a invocada excepção;
4. Nos termos do artigo 257°, n°1, al. c) do CPPT o prazo para ser intentada a anulação da venda é d e 15 dias a contar da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação;
5. Recai sobre quem requer a anulação da venda o ónus da prova de que teve conhecimento da mesma em momento posterior ao da sua realização,
6. Em momento algum a Recorrente refere qualquer facto demonstrativo da data em que, ela, Requerente, tomou conhecimento da venda, referindo apenas factos relativos ao seu marido;
7. Não invocando tais factos muito menos os prova;
8. Pelo que se tem de presumir que o conhecimento ocorreu na data da concretização da venda, 12/12/2007
9. Encontrando-se, em 28/01/2008, há muito ultrapassado o prazo legalmente previsto para apresentação do requerimento de anulação da venda;
10. Sendo intempestiva a petição de anulação da venda, não caberá conhecer dos restantes pedidos
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem confirmar a sentença de que se recorre, pois só assim se fará JUSTIÇA.
A EPGA emitiu parecer no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso, vindo os autos à conferência com dispensa de vistos.
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2. -A decisão recorrida considerou que dos documentos juntos pela requerente e do processo de execução fiscal apenso o seguinte:
a. corre termos no Serviço de Finanças de Amadora - 2 o processo de execução fiscal n° 3140199207001371, em que é executado hélder antónio fonseca de A..., para cobrança de dívida à Caixa Geral de Depósitos (Processo de Execução Fiscal apenso);
b. a requerente é casada com o executado, desde 21/07/1990, sob o regime de separação de bens (Processo de Execução Fiscal apenso);
c. na execução fiscal, foi penhorado o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Brandoa, concelho da Amadora, sob o artigo 1451.°, pertencente ao executado (Processo de Execução Fiscal apenso);
d. por despacho do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Amadora - 3 datado de 22/11/2007, o prédio urbano penhorado foi adjudicado à Caixa Geral de Depósitos pelo preço de € 498.797,90 (Doc. de fls. 36 e Processo de Execução Fiscal apenso);
e. com realização de escritura pública de venda à Caixa Geral de Depósitos no dia 12/12/2007 (Doc. de fls. 38/41 e Processo de Execução Fiscal apenso);
f. no dia 08/01/2008, o executado requereu no processo de execução fiscal a passagem de certidão dos documentos de fls. 312 a 317, 326 a 328, 339, bem como do termo de adjudicação e escritura de compra e venda, para efeitos de diligência judicial que pretendia instruir (Doc. de fls. 26);
g. a certidão requerida foi emitida no dia 17/01/2008 (Doc. de fls. 27);
h. no dia 17/01/2008, o executado requereu no processo de execução fiscal a passagem de certidão dos documentos de fls. 123, 196, 211, 212, 215, 216, 221, 223, 232, 234, 257 a 260, 261 e 307, para efeitos de diligência judicial que pretendia instruir (Doc. de fls. 44);
i. a certidão requerida foi emitida no dia 17/01/2008 (Doc. de fls. 45);
j. a requerente apresentou a presente petição inicial de anulação da venda no dia 28/01/2008.
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3. -Fixada a matéria de facto vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (artºs. 684º e 690º do CPC) pelo que, na perspectiva das razões invocadas pela recorrente, a questão que se coloca é a de saber se o pedido de anulação foi tempestivo.
O Mº Juiz «a quo» julgou verificada a excepção peremptória da caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu os requeridos do pedido de anulação da venda com a seguinte fundamentação:
“Com interesse para o caso dispõe o artigo 257.° do CPPT: "1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do nº 1 do artigo 203°;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no nº 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do nº 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa."
Os fundamentos invocados pela requerente para efeito da anulação da venda reportam-se a nulidades processuais e apenas são susceptíveis de enquadramento na citada alínea c) do artigo 257°, nº 1, do CPPT, que se reporta aos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
E estes casos são os previstos no artigo 909º, nº 1, do CPC, que dispõe como segue:
- "Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n° 3 do artigo 921.°;
c) Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201.";
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono".
Em causa nos presentes autos estará a eventual anulação do acto da venda nos termos do artigo 201°, segundo o qual a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – nº 1, e quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente – nº 2.
Assim, o prazo para ser intentada a anulação da venda era inequivocamente de 15 dias, cf. artigo 257º, nº 1, al. c), que se contará da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, cf. artigo 257º, nº 2.
Segundo o artigo 343º, nº 2, do Código Civil, "nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei".
Aqui estamos no âmbito da excepção à regra, pois o legislador optou por impor a quem requer a anulação da venda o ónus da prova de que teve conhecimento da venda em momento posterior ao da sua realização.
Presume-se, pois, que quem requer a anulação da venda teve conhecimento da mesma na data da sua concretização, cabendo-lhe elidir tal presunção, fazendo a referida prova.
A requerente não indicou prova testemunhal e juntou quatro documentos.
Nota-se, em primeiro lugar, que em momento algum da petição inicial a ora requerente alega como facto a data do seu conhecimento da venda.
E conforme se encontra estabelecido no artigo 342º, nº 1, do Código Civil, "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
Por outro lado, estabelece o artigo 664º do CPC, a submissão do juiz, em regra, aos factos articulados pelas partes.
Da conjugação destas duas disposições legais decorre que, quem deduz uma pretensão em juízo, tenha de alegar o factualismo que lhe incumbe provar, o que não foi feito pela requerente.
Mais ainda se admitisse que, como afirma a requerente na sua resposta à contestação, dos artigos 7º a 10º da petição inicial resulta a data em que a requerente tomou conhecimento (acidental) da venda, o que como já visto não sucede, nem assim se poderia ter como provado o conhecimento posterior da venda.
Com efeito, os elementos documentais trazidos aos autos pela requerente atestam apenas que em determinada data, no caso o dia 08/01/2008, o executado pediu uma certidão de determinados elementos da execução fiscal, entre os quais figurava a escritura pública da venda em causa; e que 9 dias depois, a certidão pretendida foi entregue ao executado, cônjuge da aqui requerente.
Contudo, daí não se extrapola que é em alguma dessas datas, ou em momento anterior ou em momento posterior, que a requerente, que nem sequer é quem pede tais certidões, teve conhecimento da venda, mas tão-só que pelo menos na primeira daquelas datas o executado já tinha conhecimento da venda.
Por outro lado, invoca singelamente a requerente que o seu cônjuge (ora executado) teve conhecimento verbal da venda no dia 07/01/2008, sendo certo que lhe incumbia alegar e provar que foi também nessa data que a própria requerente tomou conhecimento desse facto.
De todo o modo, é imperativo concluir que a requerente não ofereceu prova de tal facto.
É, assim, manifesto que não logrou a requerente provar que teve conhecimento da venda em momento distinto do da sua concretização.
Tendo o processo de execução fiscal natureza judicial, conforme decorre do disposto no artigo 103º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para a prática de qualquer acto no seu âmbito conta-se nos termos do Código de Processo Civil, cf. artigo 20º, nº 2, do CPPT.
Assim, o prazo de 15 dias para apresentação da oposição iniciou-se no dia 13/12/2007 e completou-se no dia 09/01/2008.
À data de entrada em juízo da petição inicial, 28/01/2008, já se havia esgotado o mencionado prazo de 15 dias de que a requerente dispunha para apresentação da petição.
A caducidade do direito de acção constitui excepção peremptória, que implica a absolvição do pedido, nos termos previstos no artigo 493º, nº 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, al. e), do CPPT.”
Tal como também advoga a EPGA, nada há a censurar ao despacho que declarou extemporânea a interposição da anulação da venda pela ora recorrente por ser por demais manifesto que esta não fez a prova, como lhe competia, sobre o momento em que tomou conhecimento da venda do imóvel.
Logo, porque se fez boa interpretação e correcta subsunção nos preceitos legais indicados na decisão recorrida, esta deve ser mantida pelos fundamentos dela constantes, até porque o conhecimento da caducidade é prioritário e a sua verificação impede o conhecimento das questões suscitadas na conclusão 7ª.
Improcede, consequentemente, o presente recurso.
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4. -Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.

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Lisboa, 12/01/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)