Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01359/06
Secção:CT- 2º JUIZO
Data do Acordão:07/15/2009
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:BENEFÍCIO FISCAL.
SISA.
ART.º 11º -A DO EBF
SUJEITO PASSIVO
Sumário:1.O art.º 11.º-A, do EBF, introduzido pelo DL 229/2002OUT31, ao impor o pagamento, por parte do sujeito passivo, de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, bem como, das contribuições para a Seg. Social, para poder usufruir de benefícios fiscais, estabelece uma condição suspensiva e não um qualquer pressuposto do direito ao benefício fiscal;

2. Ao estatuir sobre os efeitos dos factos-pressupostos que dão origem ao benefício fiscal, o disposto no art.º 11.º-A, do EBF, apenas é aplicável, nos termos do n.º 2, do art.º 12.º, do CCivil, às situações em que a ocorrência dos ditos factos-pressupostos seja posterior ao início da sua vigência;

3. Solicitado o benefício de isenção de Sisa, ao abrigo do DL 404/90DEZ21, na aquisição de imóveis de sociedades adquiridas pela impugnante, o sujeito passivo, para efeitos do art.º 11.º-A, do EBF, é, apenas, a adquirente dos imóveis.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «D………….- A………., S.A.», com os sinais dos autos, veio intentar a presente Acção Administrativa Especial, visando a anulação do despacho de SESEAF, datado de 2004JUL14 e que lhe indeferiu pedido de isenção de imposto municipal de sisa, bem como dos emolumentos e outros encargos notariais, apresentado a coberto do Dec.-Lei n.° 404/90DEZ21, sustentando, no essencial, que o suporte jurídico do referido despacho, pela utilização do art.° 11.°-A, do EBF, consubstanciou, no caso, não só uma sua aplicação retroactiva como uma interpretação ilegal do que tal normativo dispõe por ampliação indevida do seu âmbito subjectivo de aplicação.

- Com o articulado inicial juntou prova documental.

-A EDemandada veio contestar o pedido sustentando, de igual forma, no essencial, que nem a aplicação do referido art.° 11.°-A do EBF foi retroactiva uma vez que o acto foi praticado após a entrada em vigor do diploma legal que o introduziu, nem a interpretação que, de tal normativo foi feita consubstancia a imputada ampliação do seu âmbito subjectivo de aplicação.

- Com a sua contestação procedeu à junção do processo administrativo apenso.

- A instâncias do Tribunal a A. veio juntar aos autos cópia, traduzida para português, do original do doc. documentado a fls. 56 e segs. destes autos.

- Foi proferido despacho saneador, julgando, além do mais, não existirem questões prévias ou nulidades obstativas do conhecimento de mérito e concedendo ás partes a oportunidade de produzirem alegações (c/r. fls. 239 e v.°).
- Quer a A., quer a ED, produziram alegações reafirmando as suas respectivas posições e entendimentos, já manifestados nos respectivos articulados, concluindo da seguinte forma;

a) a Autora;

I- É objecto da presente acção, o Douto Despacho proferido por Sua Excelência, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, proferido em 14 de Julho de 2004, relativo ao pedido apresentado pela Alegante, de isenção de sisa, emolumentos registrais, encargos notariais e imposto de selo, formulado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.°404/90, de 21 de Dezembro.

II- Os benefícios requeridos respeitaram exclusivamente à aquisição pela A. às sociedades P…………………, S.A., P….-E……………, S.A. e PAPELACO ESPANA, S.A., da totalidade dos activos corpóreos e incorpóreos que se encontravam afectos à prossecução da actividade que cada uma delas desenvolvia.

III- O pedido de benefício fiscal, ao abrigo do Regime referido, foi indeferido com exclusivo fundamento no facto de as sociedades alienantes (cindidas), que não a Requerente do benefício, ora A., terem dívidas ao Estado e não apresentarem qualquer meio de garantia susceptível de as suspender, através da extensão do âmbito subjectivo de aplicação do art.° 11.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais que determina o impedimento do reconhecimento do direito aos benefícios fiscais quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto ou contribuição.

IV- A interpretação dos Serviços, no sentido de considerar abrangidos pelo âmbito subjectivo de aplicação do art.° 11.°-A do EBF todas as entidades intervenientes no processo de reestruturação é ilegal, por errada interpretação e aplicação do art.°11.°-A do EBF, e ainda por violação dos artigos 12.°, 18° e 55.° da LGT.

V- O artigo 11.°-A do EBF é aplicável, nos termos da respectiva autorização legislativa, e nos termos dos respectivos pressupostos de facto e de direito, ao beneficiário/sujeito passivo do requerimento formulado ao abrigo do DL n.° 404/90, de 21 de Dezembro.

VI- A ora Alegante é a única beneficiária do Regime de benefício fiscal na medida em que foi a Requerente do respectivo pedido e por se verificar em relação a esta vinculação ao cumprimento da prestação tributária originada pela transmissão onerosa de imóveis a seu favor nos termos do n.° 3 do artigo 18.° da LGT.

VII- E se dúvidas subsistissem, bastaria atentar na interpretação administrativa ao artigo 11.°-A do EBF, veiculada pelo Despacho n.°1078-XV, de 12 de Setembro de 2002, de Sua Excelência, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao exigir na pendência da publicação do art.° 11.°-A do EBF, como condição de acesso aos benefícios fiscais, a regularização da situação tributária que nos processos que envolvessem o reconhecimento ou a concessão de benefícios fiscais, fosse previamente objecto de análise o regular cumprimento pelo «beneficiário/requerente», das respectivas obrigações tributárias.

VIII- Em consequência, a interpretação lata do conceito de «sujeito passivo» efectuada pela AF nos termos da qual «nunca existe só uma empresa beneficiária do beneficio aí previsto» não tem qualquer fundamento legal e enferma de erro quanto aos pressupostos de facto e de Direito previstos nos artigos 11.°-A do EBF devidamente conjugado com o artigo 18.°, n.° 3 da LGT.

IX- Sustentam ainda os serviços que, nos termos do art.° 9.° do CC o artigo 11.°-A do EBF deverá ser interpretado no sentido de se considerarem beneficiários todos os intervenientes do processo de reestruturação em primeiro lugar, por uma questão de equidade fiscal, e ainda pelo facto de a AF nas circunstâncias da operação, se encontrar impossibilitada de reaver os seus créditos na medida em que as sociedades cindidas foram extintas.

Ora,

X- Do ponto de vista sistemático, não existe qualquer norma, de natureza legal, regulamentar ou administrativa que determine a exigência de cumprimento das obrigações fiscais pelas sociedades alienantes para reconhecimento do benefício, o que se compreende, dado que as mesmas não são beneficiárias do Regime fiscal de isenção.

XI- Os benefícios que as sociedades intervenientes na operação de reestruturação tenham, do ponto de vista económico-financeiro, poderiam determinar, do ponto de vista de iure constituendo, a exigência de diferentes pressupostos de facto e jurídicos, quer no DL 404/90, quer no próprio EBF, o que não sucede.

XII- Do ponto de vista fiscal, o Regime consagrado, e visado pelo legislador é o de aplicar a sanção impeditiva de reconhecimento aos benefícios fiscais em relação aos beneficiários requerentes, quando as sociedades alienantes, não só não têm legitimidade para formular o pedido, como não são, sobretudo, sujeites passivos de quaisquer impostos para efeitos de concessão de benefícios fiscais.

XIII- Nesta medida, o despacho recorrido é ilegal por errada interpretação e aplicação do art.° 11.°-A do EBF devidamente conjugado com o art.° 9.° do CC.

XIV- O fundamento segundo o qual a AF não conseguirá obter a recuperação de dívidas fiscais, é um argumento de mera praticabilidade que não poderá presidir à interpretação de uma norma excepcional na medida em que se torna impeditivo da liberdade de celebração de negócios jurídicos lícitos, e não apenas limitativo da susceptibilidade de obtenção de benefícios fiscais.

XV- A proceder a argumentação dos Serviços, teríamos que concluir que não poderiam ser concedidos benefícios fiscais, designadamente, no âmbito do Mecenato Cultural ou do Apoio à Contratação de Jovens, quando as entidades terceiras em relação aos beneficiários (vg. Fundações ou trabalhadores) se encontrassem em incumprimento fiscal.

XVI- esta interpretação também não poderá proceder sob pena de violar o princípio da proporcionalidade que obriga a Administração a não afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados não adequados aos objectivos a realizar (art.º55.° LGT).

Sem prescindir,

XVII- O Despacho recorrido enferma ainda de ilegalidade por efectuar aplicação retroactiva de Lei inexistente à data da verificação dos pressupostos materiais de que dependia a concessão dos benefícios requeridos ao abrigo do Decreto-Lei n.°404/90, de 21 de Dezembro. De facto,

XVIII- No momento da verificação dos pressupostos de que, nos termos do Decreto-Lei n.°404/90, de 21 de Dezembro, dependia a concessão dos beneficies requeridos, não estava em vigor o art.° 11.°-A do EBF.

XIX- Pelo que, a aplicação do art.° 11.°-A do EBF ao caso sub Júdice viola ainda o disposto nos artigos 12° da LGT e 11° do EBF.

- Conclui que, pela procedência da acção, se determine a anulação do despacho em causa, com todas as consequências legais e, designadamente, as da sua substituição por outro que reconheça à A. o direito aos benefícios requeridos ao abrigo do DL 404/90DEZ21 e do reconhecimento do seu direitos a juros indemnizatórios contados desde a data em que efectuou o pagamento da sisa, imposto de selo e demais encargos susceptíveis de isenção, até à data do efectivo recebimento de tais importâncias.

b) SESEAFiscais;

A) O acto impugnado não viola, pois, a lei - nem o normativo do art°11º-A do EBF, nem a lei que autorizou o Governo a legislar sobre a matéria. Acto de conteúdo diferente, nem a Constituição;

B) O acto que a A pretende e persegue com a AAE sub judicio é que violaria um e outra;

C) O sentido do termo BENEFICIÁRIO no art.° 11.°-A do EBF não exclui os patrimónios (activos e passivos) das empresas incorporadas na empresa incorporante;

D) Não sofre, pois, o acto posto em crise de qualquer dos vícios que lhe são apontados pela A.

- Conclui no sentido de se julgar a acção improcedente, por não provada, com a inerente absolvição do pedido.

- O EMMP, junto deste Tribunal, pronunciou-se, a fls. 141, no sentido da improcedência da presente AAE, por adesão total à argumentação expendida na contestação.

*****

- Colhidos os vistos legais cabe decidir.

- Com pertinência ao dirimir da controvérsia estabelecida nos autos, à luz do ordenamento jurídico aplicável, e com suporte na prova documental carreada para os autos e referenciada em cada uma das subsequentes alíneas, dá-se, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -

A). Em 2002MAR22, a A. e «D…………, S.A.», na qualidade de compradoras, e «PD…-P……………….., S.A.» «P………………, S.A.» e «P……- Sociedade de R……………., S.A», na qualidade de vendedoras, outorgaram no contrato denominado contrato de transmissão de estabelecimento, documentado defls. 145 a 187, inclusive, dos autos e que, aqui, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

B). Com tal contrato as primeiras adquiriram às segundas o «PAB», ou seja, a soma dos negócios «PD....», «A......................», «P.........................» e «P.......................» - cfr. fls. 151 e 153 dos autos;

C). A Cláusula 11ºde tal contrato é, além do mais, do seguinte teor;

Cláusula 11
(Responsabilidades excluídas dos negócios cedidos)
1. Pelo presente contrato, o PAB é transferido e cedido pelos VENDEDORES aos COMPRADORES, sem qualquer responsabilidade relativa à actividade e negócio dos VENDEDORES antes da data de Conclusão. No entanto, as obrigações que decorram do normal desenvolvimento da actividade mantida pelo PAB são transferidas com a cessão do PAB aos COMPRADORES.
2. (...)
(i)
(ii) Qualquer responsabilidade ou obrigação decorrente de quaisquer impostos, designadamente, rendimentos nacionais, locais ou estrangeiros, impostos sobre vendas, pessoal, listas de pagamento de quaisquer outros impostos, incluindo multas e juros, de qualquer natureza, salvo as responsabilidades decorrentes da transmissão de imóveis, pessoal, contratos operacionais ou direitos operacionais (nomeadamente impostos municipais, salários proporcionais, seguros ou quaisquer outras obrigações operacionais contratuais) que venham a ser devidas e susceptíveis de ser pagas após a data da conclusão;
(...)
(vii) Qualquer incumprimento do contrato, queixa ou violação de qualquer lei ou decisão final de qualquer estado, judicial ou corpo governamental;»
(cfr. fls. 167 e 168 dos autos);

D). Na sequência e por força do contrato a que se faz alusão na precedente al. A)., a A.., «D.............................., S.A.», requereu a SE o Ministro das Finanças, ao abrigo do DL n.°404/90DEZ21, a isenção de sisa relativa à aquisição de imóveis às vendedoras, bem como a dispensa de pagamento de imposto de selo, de emolumentos devidos pelo registo da transmissão e dos encargos notariais devidos pela realização da escritura respectiva, tudo nos termos do doc. que constitui fls. 15 a 19, inclusive, dos autos e que, aqui, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

E). Para os efeitos referidos na alínea que antecede, a A. demonstrou que, às datas de 2006JAN30 e 2006ABR13, tinha a sua situação, perante, respectivamente, a Segurança Social e a Administração Fiscal, regularizada - cfr. docs. de fls. 30 e 31 dos autos que, aqui, se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;

F). Por oficio de 2006MAI03, o Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, notificou a A. para remeter aos referidos Serviços "(...) as declarações autenticadas emitidas pela Seg. Social de que todas as sociedades intervenientes no processo têm a situação regularizada ", afim de ser apreciado e decidido o pedido referenciado na precedente al. D). - cfr. fls. não numeradas do Proc. Instrutor apenso;

G). Através de oficio da mesma data de 2006MAI03, a Direcção de Serviços referida em F), solicitou ao CSFinanças de O..... 3, com o objectivo de apreciação do pedido de isenção formulado pela A. e acima referido, que se todas as sociedades intervenientes no contrato mencionado em A), eram "(...) devedoras de quaisquer contribuições ou impostos ao Estado (...) e em caso afirmativo se se encontra(vam) garantidas" - cfr. fls. não numeradas do Proc. Instrutor apenso;

H). Em 26 daquele mesmo mês de Maio de 2003, foi dada resposta ao oficio referido em G), informando-se, além do mais, que a tal data existiam no SFO.... 3 “(...) dívidas de contribuições e impostos à Fazenda Pública, com base nas quais foram instaurados processos de execução fiscal" contra as sociedades «P................., S.A.» e «P......-E........................., S.A.» -cfr. fls. não numeradas do Proc. Instrutor apenso;

I). Em 2004MAR10, aquele mesmo S Finanças informou a DSISTPatrimónio, com referências às duas sociedades devedoras de impostos mencionadas na alínea que antecede que as mesmas "(...) não apresentaram qualquer meio de garantia passível de suspender as dívidas existentes. " - cfr. fls. não numeradas do Proc. Instrutor apenso;

J). Em 2003AGO21 a A. deu resposta ao oficio mencionado na al. F), que antecede, através do expediente documentado a fls. 28 e 29 dos autos e onde, no essencial sustentou que a obrigação legal de comprovação da inexistência de dívidas perante o Fisco e a Seg. Social não abrangia as restantes sociedades intervenientes no contrato referido em A), e, particularmente, as mencionadas em H).;

K). Em 2004MAR26 foi proferida a informação nº 431/04, documentada de fls. 33 a 37, inclusive, dos autos e que, aqui, se dá por integralmente reproduzida, no sentido do indeferimento do pedido referido em D), no entendimento de que "(...) as sociedades cindidas não têm a sua situação regularizada perante o Estado e não fez prova se têm a situação regularizada perante a Segurança Social (...) ";

L). Sobre tal informação recaíram os pareceres documentados a fls. 38 e 33, para que se remete, respectivamente de 2004MAR29 e 2004ABR05 e confirmativos da mesma;

M) Sobre a informação mencionada em K), veio a recair, em 2004ABR08, despacho do Sr. Subdirector-geral dos Impostos do seguinte teor; "Proceda-se à audição. prévia por escrito - prazo 15 dias. ";

N). Em 2004MAI04, a A. exerceu, por escrito, o seu direito de audição nos termos documentados de fls. 39 a 43, inclusive, destes autos e que, aqui, se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;

O). Na sequência do exercício do direito de audição referido na alínea que antecede veio a ser proferida, no âmbito da DSISTPatrimónio, nova informação conformativa daquela outra de 2004MAR26 bem como dos pareceres que sobre ela recaíram, no entendimento de que a A. não aportou elementos novos - cfr. fls. 47 e 48 dos autos que, aqui, se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;

P). Após pareceres confirmativos da informação a que se faz alusão na precedente alínea, datados de 2004MAI19, 2004MAI25 e 2004JUL13, veio a ser proferida o despacho da autoria de SESEAF, aqui sindicado, em 2004JUL14, e do seguinte teor;
«Concordo.» - cfr.fls. 47, 48 e v.º dos autos.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

- Em função do que a A. alegou no seu articulado inicial e que veio a sintetizar nas conclusões das suas alegações, são duas as questões que, aqui, importa enfrentar no sentido de saber se o despacho cuja eliminação da ordem jurídica se pretende padece, ou não, de vício de violação de lei.

- Tais questões são, por um lado, a de saber se a aplicação, ao caso que aqui nos ocupa, do disposto no art.° 11.°-A, do EBFiscais, introduzido pelo Dec.-Lei n.° 229/2002OUT31, consubstancia uma aplicação retroactiva e indevida da lei.

- Na defesa do seu entendimento sustenta a recorrente que o dito art.° 11°-A, do EBF, ao determinar que os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não podiam ser concedidos se o sujeito passivo tivesse impostos, - sobre o rendimento, a despesa ou o património -, ou contribuições para a segurança social, em dívida para com esta última ou para com o Estado, veio a consagrar um novo pressuposto genérico de tais benefícios, o qual, contudo, apenas terá passado a vigorar na ordem jurídica em 2002NOV05, quando o registo dos imóveis adquiridos pela A., no âmbito do negócio referenciado na al. A), do probatório, foi requerido em 2002SET16 (cfr. art.°s 19.° a 26° da p.i.).

- A ED, por seu turno, sustenta não haver qualquer aplicação retroactiva da lei apoiando-se na consideração de que o acto da autoria de SESEAF, aqui sindicado, foi praticado depois da entrada em vigor do art.°11.°-A em causa.

- Adiante-se, desde já, que ainda que se não acompanhe o entendimento sustentado pela A. e acima referido, se crê, no entanto, que a razão lhe assistirá.

- É que, a nosso modo de ver, o estatuído no referido art.°11º-A/l, do EBF não constitui nenhum pressuposto do benefício fiscal, antes se traduz no requisito condicional de operatividade do benefício, sendo-lhe, nessa medida, estranho e exterior, não se acompanhando, por isso, a linha argumentativa da A. no sentido de que se trata de um pressuposto genérico do direito ao benefício.

- Crê-se que, na linha do que se vem de dizer se pode convocar a doutrina de Guilherme d' Oliveira Martins(1) quando sustenta que;

«Quanto à verificação das causas de impedimento ao reconhecimento dos benefícios fiscais, do artigo 11.°-A do EBF resulta a consagração de um dever de cumprimento imputável ao sujeito passivo, como condição prévia da usufruição dos benefícios fiscais, qualquer que seja a modalidade de reconhecimento envolvida. Esta é uma medida de self-assessment, ainda que rudimentar, porque não assume o carácter preventivo, mas resulta da detecção das dívidas fiscais já contraídas, por transferir parcialmente para o sujeito passivo a responsabilidade no controlo e assunção das dívidas fiscais decorrentes da adopção dos seus comportamentos económicos.
E, resulta desta responsabilização um regime suspensivo, e nunca um regime extintivo, para a concessão dos benefícios fiscais a usufruir, que tem como efeito a manutenção da tributação normalmente aplicável ao facto tributário relevante. Quer isto significar que a manutenção da tributação normalmente aplicável fica sujeita a uma condição suspensiva, na medida em que o cumprimento das dívidas fiscais permite a usufruição dos benefícios, inclusive à data da verificação dos pressupostos, tendo em conta o artigo 11.° do EBF. Desta forma, em nosso entender, o artigo 11.°-A não constitui fundamento de indeferimento dos benefícios fiscais, quando estejam dependentes de reconhecimento, por acto ou por contrato. Na verdade, estando verificados todos os pressupostos quanto á sua concessão, nada impede que o pedido de concessão seja deferido, devendo, no entanto, condicionar a respectiva usufruição ao cumprimento das dívidas fiscais identificadas na disposição.».

- Crê-se, no entanto e na linha do que se vem de afirmar, que se não está perante um qualquer normativo que pretenda estatuir sobre o conteúdo de um qualquer direito aos benefícios fiscais, com indiferença dos factos que lhe estão na génese, mas antes que dispõe sobre os efeitos dos factos pressupostos que dão origem ao direito ao benefício, caindo, nessa medida, no âmbito de aplicação da primeira parte do n°2, do art°12.°, do Código Civil.

- Por consequência, e sendo certo que nada na lei determina a sua aplicação no que concerne aos efeitos dos ditos factos pressupostos já verificados, forçoso se impõe concluir, a nosso modo de ver, que o referido art.° 11.°-A do EBF, apenas é aplicável, nos termos gerais, para o futuro.

- Crê-se, aliás, que a própria ED não contesta o que se vem de afirmar; antes o que sustenta é que quando o despacho aqui questionado foi sindicado já se encontrava em vigor o referido art.°11º-A do EBF, centrando, assim e se bem interpretamos a posição que assumiu nos autos, a questão da aferição da aplicação retroactiva de tal normativo na data da prolação do despacho sindicado (cfr. art.°14º da contestação).

- Tal posição crê-se não ser de sufragar.

- É que, como acima se referiu, o referido art.°11.°-A, do EBF, veio dispor sobre impedimentos ao reconhecimento do direito a benefício fiscal, pretendendo, assim e como acima se deu conta, obstar a que, verificado tal direito, o mesmo pudesse surtir os seus naturais efeitos jurídicos, enquanto se verificasse a pendência de tais impedimentos.

- Reporta-se, assim, a nosso ver e necessariamente, o referido artº 11.°-A ao momento da constituição do direito ao benefício, momento a partir do qual o seu titular pode, por princípio, dele usufruir.

- Mas sendo assim e sendo certo, por outro lado, que o direito o nascimento do direito ao benefício se reporta, por princípio, ao momento da verificação dos respectivos pressupostos, nos termos do art.°11.°, do mesmo EBF, então há que extrapolar que o referido art°11.°-A apenas é aplicável às situações em que os pressupostos do direito ao benefício ocorram após a entrada em vigor de tal normativo e independentemente da data, naqueles que estejam dependentes de reconhecimento, em que for proferido o despacho que os reconheça ou denegue.
- Assim, não se controvertendo, sequer, no caso dos autos, que os pressupostos do direito ao benefício de isenção de sisa pretendida pela A. se verificaram com anterioridade à entrada em vigor do referido art.°11º-A do EBF, entende-se que. tal como é sustentado no articulado inicial, tal normativo não é aplicável ao caso dos autos.

- E, assim sendo, logo se mostra prejudicada a apreciação do outro fundamento alegado pela A..

- Sem embargo sempre se dirá, ainda que sinteticamente, que, também aqui, se crê que a razão se encontra do lado da A..

- Ainda que de forma simplista, atenta a solução encontrada, vejamos o porquê deste nosso entendimento.

- Segundo A. Xavier (2) “ sujeito passivo da relação jurídica tributária é, (...), o titular de toda e qualquer situação jurídica passiva regulada pelo Direito Fiscal; quando a situação em causa tem natureza material, isto é, respeita, à própria obrigação de imposto, então o conceito confunde-se com o de devedor de imposto, de que é puro sinónimo; mas o conceito de sujeito passivo é mais amplo porque se pode referir a situações jurídicas instrumentais, nomeadamente as ligadas ao processo tributário gracioso (dever de apresentar declarações, sujeição a exames à escrita, etc.).".

- A LGT (cfr. art.º 18°), por seu turno, veio estabelecer que é sujeito passivo da relação jurídica tributária "(...) a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável", ou, como escreve o Prof. DLCampos (3), “O sujeito passivo é obrigado pela lei a prestar o imposto", sendo de notar que "(...) o sujeito passivo propriamente dito é aquele que é titular da capacidade contributiva, do rendimento ou da riqueza, sobre que incide o imposto” (4).

- Ora, na linha do que refere a A., o art.° 11.°-A do EBF, dispõe que é obstáculo à concessão de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento "(...) quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema de segurança social." (negrito 2 sublinhado da nossa responsabilidade); Ou seja, o normativo em causa estabelece uma relação de dependência entre a concessão do benefício dependente de reconhecimento e o sujeito passivo, necessariamente, que dele pode usufruir, o que acarreta que seja aquele que, em consonância com a definição dada pela Lei e em resultado da sua capacidade contributiva, está obrigado a prestar o imposto devido e que terá de ser prestado no caso da não concessão do benefício.

- E, uma vez mais na linha argumentativa da A., que assim é decorre da Lei de Autorização Legislativa, ao abrigo da qual o Governo legislou o art.° 11.°-A do EBF, aqui em causa, ao reportar o cumprimento das obrigações tributárias mencionadas no art.°11.°-A, ao beneficiário do, passe a redundância, titular do direito ao benefício, o que nos reconduz àquela mesma noção de sujeito passivo.

- Ora, estando em causa o imposto de sisa, devido pelo adquirente de bens imóveis transmitidos a título oneroso, segundo as regras de incidência do CSisa (cfr. art.°s 1°, 2.º e 7°), a referência a sujeito passivo, beneficiário da isenção de tal imposto, apenas pode ser o adquirente do bem imóvel, no caso a A...

- Mas sendo assim e por força daquela relação de dependência estabelecida pelo art.°11º-A/l, do EBF, acima referida, entende-se que apenas a A. estava vinculada ao cumprimento dos condicionalismos mencionado em tal normativo com condição de operatividade do direito ao benefício.

- Diga-se, por último, e com referência à argumentação da ED (cfr. art.º 20.º da contestação), no sentido de que a operação de concentração em causa não pode ter deixado e envolver, para a A., a incorporação das dividas fiscais das sociedades cindidas, que tal argumentação não tem aderência á realidade já que, como resulta do probatório, a transmissão, para a A. das dívidas por força das quais se entendeu não ser de conceder o benefício solicitado e aqui em questão, foi expressamente excluída entre as partes intervenientes no contrato referido em A), da matéria de facto dada por provada.

- Peticiona, ainda, a A., o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data em que efectuou o pagamento da Sisa, imposto de Selo e demais encargos e até ao efectivo pagamento que lhe for feito de tais importâncias.

- Os juros indemnizatórios têm por finalidade compensar o contribuinte do prejuízo sofrido pelo pagamento indevido de prestação tributária e são consequência de erro imputável aos serviços, por um lado e, por outro, da obrigação da plena reconstituição da legalidade, nos termos do art.° 100.°, da redacção inicial da LGT, hoje com consagração expressa, no que toca às AAEspeciais, nos art.°s 2º /f, 4.° e 95° do CPTA.

- Constitui, assim, pressuposto do direito a juros indemnizatórios o pagamento indevido da prestação tributária; Ora, no caso em análise, e tanto quanto se apura dos autos, não se encontra demonstrado/documentado o pagamento do imposto em causa, bem como do imposto de Selo e demais encargos, razão por que se não pode reconhecer o direito da A. a juros indemnizatórios.

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- DECISÃO

- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção administrativa especial e, em consequência;

1) Em anular o despacho recorrido, condenando a ED ao reconhecimento do benefício de isenção de Sisa em causa, na medida em que o recusou ao abrigo do art.º 11°-A do EBF;
2) Em julgar improcedente a presente acção no que concerne ao pedido de juros indemnizatórios.
- Custas pela Autora, na proporção em que não obteve ganho de causa.
09JUL15
LUCAS MARTINS
ASCENSÃO LOPES
MANUEL MALHEIROS
(1)Cfr. "Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime", págs. 103
(2)Cfr. "Manual de Direito Fiscal", vol. I, 354
(3)Cfr. Direito Tributário, págs. 187
(4) Cfr., também, Braz Teixeira, Princípios de Direito