Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04291/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/17/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA.
PRESCRIÇÃO. VEÍCULOS USADOS.
REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO DA MARGEM.
LUCRO TRIBUTÁVEL.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A prescrição é de conhecimento oficioso também pelo tribunal, em sede de impugnação judicial, mas só se os autos se mostrarem instruídos com os pertinentes elementos em ordem a possibilitá-lo;
2. No regime especial de tributação da margem o preço de compra de veículos em 2.ª mão ocorrida em País membro da EU não incluía o IA (e nem podia incluir), posteriormente suportado pelo adquirente, já que constituía um imposto nacional e apenas tinha lugar após essa aquisição, desta forma não podendo figurar no respectivo documento de aquisição;
3. Também este IA suportado pelo contribuinte nestas aquisições de veículos, não pode ser considerado no apuramento do lucro tributável do IRC relativo ao mesmo exercício, por mera decorrência da improcedência da impugnação judicial que tinha por objecto apenas este IVA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A......, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na parte que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. A liquidação objecto do presente recurso respeita a IVA relativo ao período entre Janeiro a Dezembro de 1996.
2. Analisando o regime da sucessão de Leis no tempo verificamos que temos dois regimes, o estabelecido no art.º 34.º n.º 1 do CPT, ou seja 10 anos e o estabelecido no art.º 48.º n.º1 da LGT, ou seja 8 anos.
3. Ora, por imposição do disposto no art.º 5.º n.º1 do DL 398/98, de 17.12 e aplicando o disposto no art.º 297.º do Código Civil concluímos que o prazo consagrado pela LGT, por ser mais favorável, também se aplica aos prazos já em curso, mas que apenas se conta a partir da entrada da nova Lei, a menos que pela Lei antiga falte menos tempo para esse prazo terminar.
4. Assim, facilmente concluímos que a dívida tributária relativa a IVA 1996 encontra-se prescrita.
5. Não tendo a prescrição sido apreciada pelo douto tribunal "a quo", como devia, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser ordenada a anulação da liquidação de IVA no valor de Esc. 4.225.371$00 (€ 21.076,06), por prescrição, o que desde já se requer
PARA QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, O QUE APENAS SE ADMITE POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO:
6. Entendeu o douto Tribunal "a quo" que a correcção efectuada pela Administração fiscal e que deu origem à liquidação relativa a IVA/96 no valor de Esc. 4.225.371$00 (€ 21.076,06), pela errónea aplicação do "método da margem" na transmissão dos veículos usados no mercado nacional, não merece qualquer reparo aderindo para tanto à fundamentação do douto acórdão n.º 0507/07 do STA de 14.11.2097,
7. Ora, tal acórdão tem por base a interpretação do regime do DL 199/96 de 18.10.96 qual apenas entrou em vigor em 22.10.1996.
8. O período do imposto em causa é Janeiro a Dezembro de 1996,
9. Logo, até à data de entrada em vigor daquele DL, teremos que aplicar o disposto DL 504-G/85, de 30.12
10. O Art.º 1.º n.º 2, do DL 504-G/85 de 30.12 tinha a seguinte redacção: "O valor das transmissões referidas no n.º 1 é constituído pela diferença devidamente justificada entre a contra prestação obtida ou a obter do cliente e o preço da
compra dos mesmos bens, com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente"
11. O n.º 2 daquele artigo remete para o n.º 1 do mesmo artigo, o qual refere que "O regime previsto na alínea j) do n.º 2 do art.º 16.º do código do valor acrescentado é aplicável unicamente às transmissões de bens em segunda mão
ou (...)"
12. E por sua vez a alínea f), do n.º 2, do art.º 16.º do CIVA, antes da alteração efectuada pelo DL 199/96 de 18.10.96 que era a seguinte "Para as transmissões de bens em segunda mão (...) efectuadas de acordo com legislação especial = ou seja de acordo com o DL 504-G/85 de 30.12 - a diferença devidamente justificada entre o preço de venda e o preço de compra, salvo opção expressa pela aplicação do disposto no n.º 1"
13. Concluímos que em nenhuma das citadas disposições legais é efectuada qualquer menção quanto à inclusão ou exclusão do IA
14. Pelo que, na omissão da Lei especial aplicamos a Lei Geral e dado que a alínea f) do n.º 2 do art.º 16.º não é por si só esclarecedora,
15. Temos que interpretar aquela lacuna ao abrigo da alínea a), do n.º 5, desse mesmo art.º 16.º do CIVA e consequentemente incluir no valor da compra o IA.
16. Até porque o n.º 5 do art.º 16.º, nomeadamente a sua alínea a) é um "complemento" de tudo o anteriormente referido naquele dispositivo legal.
17. Uma norma deve ser interpretada no seu todo e não individualmente alínea a alínea. Se essa fosse a intenção do legislador este teria "distinguido" o seu conteúdo das demais dando-lhe um artigo autónomo.
18. E tal não é de modo algum uma interpretação analógica, é simplesmente uma interpretação não restrita, ou literalista do art.º 1.º n.º 2, do DL 504-G/85 de 30.12.
19. Acresce que, conforme referido no próprio preâmbulo do DL 504-G/85 de 30.12, a entrada em vigor daquele regime especial de tributação tem em vista desagravar as condições de exploração dos operadores e encorajar a comercialização dos circuitos normais.
20. Sendo certo que não podemos deixar de atender à própria definição de IVA, o qual, por definição atinge apenas o valor acrescentado em cada fase do circuito das operações e um imposto, nomeadamente o IA, não é um valor acrescentado
pelo contribuinte em nenhuma das fases do circuito económico,
21. Assim, excluir o valor do IA do valor de aquisição é contrariar os próprios fins visados por aquele regime especial - desagravar as condições de exploração dos operadores e encorajar a comercialização dos circuitos normais
22. E, na nossa modesta opinião, é igualmente contrário aos princípios constitucionais mais básicos, como o da igualdade, uma vez que, como muito bem ensinou o Professor Doutor Jorge Miranda "Igualdade significa proibição de arbítrio e intenção de racionalidade e, em último termo, intenção de Justiça", in Manual de direito constitucional, Tomo IV, pág. 239
23. Tanto mais que a "Igualdade fiscal tem sido concebida como proporcionalidade de sacrifícios: a igualdade realiza-se, não quando todos os contribuintes fazem o mesmo sacrifício, mas quando todos fazem sacrifício na mesma proporção, ou seja quando todos perdem, ao pagarem impostos, a mesma aliquota por exemplo, a mesma quinta parte - da utilidade total que o rendimento lhe proporcionar", in Teixeira Ribeiro, n Ota 1, pág. 286
24. Excluir o IA do valor da compra é exigir um esforço superior ao contribuinte, uma vez que ficciona a sua margem de lucro, imputando no cálculo da mesma, um valor - o correspondente o montante do IA - que ele entregou ao estado
25. O que viola, claramente, o princípio da igualdade - tal como supra definido - constitucionalmente consagrado, uma vez que o "lucro" obtido sobre esse mesmo valor (o do IA) é rigorosamente igual a ZERO.
26. Termos em que, a não se entender como referido em II, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser ordenada a anulação da liquidação de IVA no valor de Esc. 4.225.371$00 (€ 21.076,06), por errónea quantificação e qualificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários (art.º 99.º alínea a) do CPPT- anterior art.º 120.º alínea a) do CPT) o que desde já se requer
PARA QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, O QUE APENAS SE ADMITE POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO:
27. A julgar-se improcedente o presente recurso no que respeita à anulação da liquidação de IVA no valor de Esc. 4.225.371$00 (€ 21.076,06), no que não se concede, então deve ser ordenada a correcção do IRC de 1996 no valor da liquidação de IVA ou seja, Esc. 4.225.371$00 (€ 21.076,06) e consequentemente ser o lucro tributável declarado, de Esc. 2.895.637$00, corrigido na mesma e exacta proporção, mais se apurando, um prejuízo fiscal que deverá ser reportado a final no valor de Esc. 1.329.734$00 e decidindo pela devolução à Recorrente do valor de IRC pago indevidamente no ano de 1996, acrescido de juros moratórios a favor da mesma desde a data do seu pagamento até à data do douto acórdão que vier a ser proferido nos presentes autos
28. Porque: não se pode efectuar correcções em sede de IVA, sem efectuar as correspondentes correcções em sede de IRC.
29. E dizer que não se efectua essas correcções porque as mesmas "implica que o resultado fiscal corrigido seja negativo", não tem qualquer fundamento legal
30. Muito pelo contrário é uma decisão totalmente arbitrária
31. Uma coisa é condicionante da outra
32. Não o fazer e contrariamente ao referido na douta sentença recorrida, a nosso ver integra igualmente os fundamentos prescritos no art.º 99.º alínea a) do CPPT - anterior art.º 120.º alínea a) do CPT, uma vez que a falta de correcção do lucro tributável declarado pelo contribuinte na mesma proporção do valor que foi corrigido para efeitos de IVA traduz claramente uma "errónea quantificação e qualificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários"
33. E, consequentemente a entender-se, como entendeu a douta sentença recorrida que a Recorrente é devedora do indicado valor de IVA, devia e podia ter ordenado a correcção do IRC, tal como supra mencionado
34. Não o tendo feito, a nosso ver violou o disposto art.º 99.º alínea a) do CPPT ­anterior art.º 120.º alínea a) do CPT, por errónea quantificação e qualificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado e consequentemente decidir-se pela anulação da liquidação de IVA aqui em apreciação.

Para quando assim se não entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio sem conceder, deve ser ordenada a correcção do IRC de 1996 no valor da liquidação de IVA ou seja, Esc. 4.225.371$00 (€ 21.076,06) e consequentemente ser o lucro tributável declarado de Esc. 2.895.637$00 C9rrigido na mesma e exacta proporção, mais se
apurando, um prejuízo fiscal que deverá ser reportado a final no valor de Esc. 1.329.734$00 (€ 6.632,69) e decidindo pela devolução à Recorrente do valor de IRC pago indevidamente no ano de 1996, acrescido de juros moratórios a favor da mesma desde a data do seu pagamento até à data do douto acórdão que vier a ser proferido nos presentes autos
Assim se fazendo JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, dizendo aderir ao parecer pré-sentencial proferido pelo Ministério Público, junto do Tribunal “a quo”, sendo que quanto à prescrição, por não fazer parte de qualquer ilegalidade de tal liquidação não tem a mesma de ser apreciada nestes autos, a menos que os elementos para tanto constassem dos autos, o que não é o caso.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se deve ser conhecida da prescrição em sede desta impugnação judicial quando os autos não se mostram para tal instruídos; Se na aquisição de veículos em 2.ª mão ocorrida em País membro da EU, ao tempo em que vigorava o IA, este deve fazer parte do preço de compra; E se este IA suportado pela ora recorrente, deve ser deduzido no apuramento do lucro tributável do IRC do mesmo exercício.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante foi sujeita a uma acção de fiscalização externa, no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto aos autos a fls. 148 e segs. cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
A inspecção constatou que:
a. A impugnante não incluiu o IA no valor tributável das aquisições intracomunitárias, conforme dispõe o Art.º 17/3 RITI, ainda que não seja liquidado simultaneamente. Assim não procedendo, em relação aos períodos 03, 05, 07 e 10 de 1996 a AF apurou IVA em falta no montante de 5.194.475$.
b. Optando pela aplicação do «método da margem» na transmissão, não excluiu o valor do IA do preço de compra, incumprindo com o disposto no n.º 2 do Art.º 1º do Decreto - Lei 5O4-G/85, de 30 de Dezembro, e na alínea f) do n.º 2 do Art.º 16º do CIVA, de que resultou IVA em falta no montante de 4.225.371$ (fls. 150 cujo con­teúdo se dá por reproduzido).
3. A viatura Opel matrícula 42-21GV foi adquirida a um particular (fls. 43 e 44 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
4. Por efeito dos factos referidos nas alíneas a) e b) do n.º2 destes factos provados, apurou-se a quantia de 4.225.371$ de IVA em falta no mon­tante de 9.419.846$.
FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.
MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial na parte em que o foi, considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os veículos transmitidos no mercado nacional não deveriam mencionar como parte do seu preço o do respectivo IA, no sistema da “tributação da margem”, como a impugnante fez, pelo que a correcção respectiva não padece de qualquer ilegalidade nesta parte em que se mantém, ou seja, unicamente nesta parte em que a liquidação ainda se mantém erecta e pelo montante do IVA de Esc. 4.225.371$, como veio a aclarar no seu despacho a fls 292/294 dos autos.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação (e outra) que se vem a insurgir, continuando a pugnar que o IA deva ser considerado parte do respectivo preço de aquisição por nenhuma norma então vigente o impor, para além de vir invocar a prescrição da dívida e que, a manter-se, então, ao nível do IRC devem ser reduzidos os proveitos respectivos, com a correspondente dedução.

Vejamos então.
Passemos então a conhecer se a questão da prescrição das obrigações tributárias agora também invocada pela ora recorrente como um dos fundamentos do recurso, que por ser também de conhecimento oficioso, tanto pelo tribunal, como pela própria administração tributária, nos termos do disposto no art.º 259.º do CPT e hoje 175.º do CPPT, deve ser conhecida no presente recurso.

Esta, como é sabido, constitui um efeito jurídico que apenas contende com a exigibilidade da obrigação de pagamento do tributo que constitui o objecto imediato do acto tributário, e que não interfere com a legalidade do acto de liquidação.
Como referem, Diogo Leite de Campos e outros(1)...a prescrição pode até ocorrer sem que tenha tido lugar o acto de liquidação, dado que a mesma está referida directamente à dívida tributária e aos factos tributários.
Ora, como se sabe, a dívida tributária é uma dívida que emerge na Ordem Jurídica logo que, na prática da vida, ocorram os pressupostos de facto que preencham os abstractamente enunciados no Tabestand da norma de tributação (incidência).

E nos termos do disposto no então art.º 120.º do Código de Processo Tributário (CPT) e hoje no art.º 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na impugnação judicial são apreciados os vícios que afectem a validade do acto impugnado, consubstanciados em qualquer ilegalidade. E estas são apenas as que afectem a validade ou existência do acto, como se deduz da finalidade do processo de impugnação judicial, então prevista no art.º 143.º do CPT e hoje no art.º 124.º do CPPT.
As circunstâncias posteriores à prática do acto, que não afectam a sua validade, mas que possa afectar a exigibilidade da obrigação tributária liquidada são fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do art.º 204.º do CPPT (anteriormente do art.º 286.º do CPT), não podendo em regra, ser apreciadas em processo de impugnação judicial.

Não poderão, em regra, ser utilizados como fundamentos de impugnação judicial, factos que não afectem a validade dos actos, mas apenas tenham a ver com a sua eficácia, como é o caso da falta de notificação ou da prescrição.
A prescrição, por não ter que ver com a legalidade do acto de liquidação, sendo-lhe posterior, nada tem a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação, não constituindo por isso, em princípio, um fundamento válido de impugnação judicial.

Esta constitui também a jurisprudência largamente dominante no Supremo Tribunal Administrativo, como nos dá conta Jorge Lopes de Sousa - In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, pág. 463, cuja lista de acórdãos aí publica na nota de rodapé 494.

Apenas em casos restritos, em sede de impugnação judicial, se poderá admitir, conhecer da prescrição da obrigação tributária, e que se reconduzirão àqueles casos em que o pagamento do tributo se não mostre efectuado e também não tenha sido conhecido em sede da própria execução fiscal, tendo em vista apreciar a manutenção da utilidade no prosseguimento da lide de impugnação judicial.
A razão subjacente a este entendimento reside em que não tem qualquer interesse continuar a discutir a legalidade de uma obrigação tributária, quando o devedor já não pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la, e que a prescrição é de conhecimento oficioso, tanto pelo tribunal, como pela própria administração tributária, nos termos do disposto no art.º 259.º do CPT e hoje 175.º do CPPT.
Nos demais casos, a prescrição da obrigação tributária, deverá ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal constituindo um fundamento válido para esse efeito - cfr. art.º 286.º n.º1 d) do CPT e hoje, art.º 204.º n.º1 d) do CPPT.

No mesmo sentido se pronuncia Diogo Leite de Campos(2)...desde que a obrigação não esteja paga nem esteja instaurado processo de execução fiscal para a sua cobrança coerciva, o processo de impugnação judicial apresenta-se então, como sendo o meio judicial que propiciará a tutela mais eficaz e efectiva do direito do contribuinte, dado que obviará à instauração do processo de execução e à prática, nele, de actos que poderão prejudicar seriamente o contribuinte (como a penhora).
...
Nas outras hipóteses não abrangidas na condição posta, a prescrição só poderá ser invocada como fundamento de oposição.
E a pág. 274: ...essa prescrição abarca, também, a parte dos impostos abolidos que não estejam ainda paga (imposto e juros) cujo pagamento esteja ao abrigo de qualquer regime excepcional de pagamento em prestações previsto na lei.

É que pago o imposto extinguiu-se a correspondente obrigação da relação jurídica respectiva, não fazendo mais sentido, e sendo impossível fazer extinguir, pela prescrição, o que já não existe, tendo já sido extinto, ainda que por outro fundamento!

Satisfeita uma obrigação que entretanto prescreveu, torna-se a mesma em obrigação natural, logo não exigível, não podendo contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição, como dispõem as normas dos art.ºs 304.º e 403.º do Código Civil.

No caso, como bem salienta a Exma RMP, junto deste Tribunal no seu parecer, os autos encontram-se falhos de qualquer instrução relativamente às citadas causas que podem impedir a declaração dessa prescrição, desde logo a falta de informação se a quantia exequenda se encontra paga ou se por mor da dedução da presente impugnação judicial foi prestada garantia no processo de execução fiscal e os seus correspondentes efeitos de interrupção/suspensão do decurso do mesmo – cfr. art.ºs 34.º, n.º3 do CPT e 49.º, n.ºs 1 a 3 da LGT – pelo que não obstante tal possibilidade de conhecimento oficioso, na falta de tal instrução, não é a mesma de ser conhecida no âmbito do presente recurso de decisão proferida em impugnação judicial(3), sendo certo que a ora recorrente nenhum prejuízo terá em ora deixar de ser apreciada tal questão, já que o pode fazer, quer suscitando oficiosamente tal questão junto da AT, quer formulando requerimento à mesma a solicitá-lo, e sempre com possibilidade de sindicância judicial do despacho que, indevidamente, lho negar, nos termos do disposto nos art.ºs 150.º, 151.º, 175.º e 276.º e segs do CPPT, pelo que improcede a matéria das suas primeiras cinco alíneas das conclusões do seu recurso.


4.1. Na matéria das suas conclusões 6. a 26. continua a ora recorrente a pugnar que no âmbito temporal em que ocorreram as transmissões em causa – 1996 – era aplicável o disposto no art.º 1.º do Dec-Lei n.º 504-G/85, de 30/12, onde não excluía a inclusão do IA no preço de compra dos veículos usados, o que só veio a acontecer pelo regime introduzido pelo Dec-Lei n.º 199/96 de 18/10, mas que lhe não tem aplicação, pelo que tal IA como imposto suportado pela ora recorrente, antes da venda desses veículos, deve fazer parte desse preço de venda, sob pena de, além do mais, de violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade.

Convém frisar desde logo, que o regime instituído pelo Dec-Lei n.º 504-G/85, de 30-12, no que ao valor das transmissões concerne, no chamado regime especial de tributação da margem, em causa nos autos, apenas possibilita que possa constituir o preço de compra dos bens, para a partir daí apurar o respectivo valor tributável destas transmissões de bens e serviços, e que pode incluir o imposto sobre o valor acrescentado, mas só caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente (negrito nosso) – cfr. art.º 1.º, n.º2 deste Dec-Lei – o que deixa bem impresso o propósito do legislador de proceder a uma enumeração taxativa do que em tal preço se possa conter e não o inverso, como parece pretender a ora recorrente, que por em tal regime se não conter a sua proibição, logo, implicar a permissão de fazer parte dele o IA, entretanto por si suportado, sendo que este, como imposto nacional que era, jamais poderia vir contido em tal factura, já que apenas foi liquidado posteriormente a tal aquisição dos veículos automóveis nesses países membros da EU, não podendo deixar de ser esta a interpretação dos textos legais em causa dentro da unidade do sistema jurídico que, como tal, nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º1 do Código Civil, deve ser a acolhida pelo aplicador do direito.

Por outro lado também e em contrário do invocado pela recorrente, em que pugna que este entendimento só poderá ser aceite para transmissões ocorridas a partir da vigência do Dec-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, diploma este que procedeu à expressa revogação daquele outro – do Dec-Lei n.º 505-G/85 – este novo diploma que àquele outro sucedeu, nesta aspecto nada de novo lhe veio a acrescentar, como se pode ler do seu preâmbulo, onde destaca que, o regime agora instituído decorrente da transposição, no essencial idêntico ao que já vigorava para o mesmo tipo de transacções, tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados, pelo que a sentença recorrida que assim entendeu e decidiu não pode deixar de ser assertiva, a qual para aqui aportamos também como discurso fundamentador do presente acórdão.

Aliás, em casos análogos e no mesmo sentido se tem pronunciado o STA em diversos arestos, quer na vigência do citado Dec-Lei n.º 504-G/85, quer do Dec-Lei que lhe sucedeu, como se podem ver dos seus acórdãos de 8-6-2005, 7-3-2007 e de 14-11-2007, recursos n.ºs 1958/03, 647/06 e 507/07, respectivamente, entre outros, e cuja doutrina não vemos razões para alterar e nem a ora recorrente a invoca, nem a mesma ofende os invocados princípios da igualdade e da proporcionalidade, sabido que o IVA não visa tributar os rendimentos mas sim o consumo de bens e pode mesmo ter incidência em imposto, ainda que indevidamente mencionado em factura emitida pelo sujeito passivo(4) – cfr. art.º 2.º, n.º1, alínea c) do CIVA – pelo que improcede a matéria das conclusões do recurso relativas a esta questão.


4.2. Na matéria das restantes conclusões do recurso continua a ora recorrente a pugnar que, em todo o caso, deveria esta importância relativo a IA suportado ter as necessárias repercussões no apuramento do lucro tributável do mesmo exercício, de forma a que tal montante fosse deduzido no resultado apurado, ainda que, a final, o resultado do exercício fosse negativo, ao que o M. Juiz do Tribunal “a quo” fundamentou que, esta questão não pode se decidida nesta impugnação judicial, mas sim em impugnação judicial própria em que tal vício fosse assacado a esse acto de liquidação de IRC desse exercício em causa, por alguma das ilegalidades de que o mesmo pudesse padecer.

E, na verdade, assim não pode deixar de ser.
A presente impugnação judicial tem por objecto o IVA liquidado adicionalmente relativo a tais transmissões de bens ocorridas em 1996, pelos vícios que a impugnante entendeu assacar-lhe e que, na realidade, o Tribunal, na sua maior parte, entendeu que se verificavam e anulou as liquidações correspondentes.

Mas não tem por objecto a liquidação do IRC do mesmo exercício, desde logo cuja liquidação, por cumulação de pedidos não veio formular (que nem seria legal, cfr. art.º 104.º do CPPT), pelo que só através de meio impugnatório próprio, gracioso ou judicial, poderia a mesma ver apreciado tal vício, e, caso o não tenha feito no tempo e modo próprios, tal liquidação de IRC consolidou-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que na impugnação do IVA, e perante a sua improcedência, ainda que com eventuais directos efeitos nesse lucro tributável apurado de IRC, não pode ser conhecido, desta forma improcedendo também, a matéria destas conclusões do recurso.


Improcede assim, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis UCs.


Lisboa,17/05/2011
EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRA


1- In Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, VISLIS, pág. 287, ponto 4.2.
2- Ob. cit. pág. 288.
3- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 9-2-2011 e de 10-3-2011, recursos n.ºs 857/10 e 1004/10, respectivamente.
4- Cfr. neste sentido, o acórdão do STA de 24-4-2002, recurso n.º 26636.