Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:34/22.4BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:02/07/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Decisão

(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)



I. Relatório

H…………………………….., director desportivo da S ……………….– F…………..SAD, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 2.02.2022, contra a Federação Portuguesa de Futebol uma acção de impugnação de acto administrativo com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto impugnado, pedindo que seja “decretada a medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida na pendência da presente acção e, a final, ser a presente acção julgada procedente, revogando-se a decisão recorrida”, relativamente ao acórdão de …………… do Pleno do Conselho de Disciplina da Requerida que confirmou a pena disciplinar que lhe havia sido aplicada, em processo sumário, de multa no montante EUR 6.375,00 e de suspensão por 30 dias, por referência ao artigo 136.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal.

Juntou 8 documentos com o r.i., procuração forense e remeteu aos autos, na sequência do despacho de 4.02.2022, o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente, que a decisão suspendenda é ilegal por entender que violou o direito de audiência prévia dos arguidos e os princípios do acusatório, do contraditório e in dubio pro reo. Em síntese, sustenta que “ao inviabilizar a produção de qualquer dos meios de prova solicitados pelo Requerente, a Requerida acaba por consagrar a punição do Requerente como decorrência automática e incontrolada daquilo que o árbitro escreveu no seu relatório”.

Mais alega que a decisão condenatória, no que respeita apenas à sanção de suspensão por 30 dias, afecta de forma grave e irreparável a sua esfera jurídica e os seus direitos fundamentais à liberdade de expressão e ao livre exercício (efectivo) da profissão. Ficou o Requerente inibido de se exprimir publicamente de forma livre, vendo-se assim coarctado no exercício da sua liberdade de expressão; não lhe é possível executar as tarefas inerentes ao seu cargo de Director desportivo, uma vez que não pode estar presente e não pode circular pela zona técnica dos estádios nos dias de jogo. Nos termos da sua alegação, sanção de suspensão aplicada, consistente na proibição de estar na presente na zona técnica dos recintos desportivos em dias de jogo e de intervir publicamente em matérias desportivas, “compreende um impedimento gravoso e relevantíssimo ao exercício da sua actividade profissional. //[s]eja como Director Desportivo, na medida em que não pode acompanhar a equipa nos jogos nem intervir publicamente em representação da S….. CP, seja como Delegado do Clube, cujas funções são necessariamente exercidas nos jogos da equipa”.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul e convolação processual

Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 3.02.2022, foram os autos remetidos a este TCA Sul (em 4.02-2022, conforme registo 04373567 do SITAF), para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

O Requerente entende que, por ser “manifesta e extraordinária urgência do decretamento da medida cautelar, requer[…] que a audição da requerida seja dispensada como forma de viabilizar o proferimento de decisão em tempo útil, sob pena de o Requerente se ver impedido de se expressar e exercer a sua profissão já no próximo jogo da sua equipa, agendado para 6 de Fevereiro de 2022”, considerando que a “natureza dos concretos factos em causa e do pedido formulado na presente peça não se compadece com os prazos estabelecidos para a citação da requerida e constituição do colégio arbitral – está em causa uma decisão sancionatória de suspensão do requerente cujo efeito este já se encontra a sofrer, e que se acentua a cada dia que passa”.

Perante o que antes se sintetiza:

1. Nos casos em que se suscite a questão da aplicabilidade do n.º 7 do artigo 41.º da LTAD, ao Presidente do TAD cumpre apenas transmitir informação para que o Ex.mo Desembargador Presidente decida se estão reunidas as condições de que o preceito faz depender o conhecimento de providências cautelares requeridas.

2. Fundamentando o Requerente a especial urgência no atual e permanente dano que sofre com a eficácia do ato impugnado e na circunstância de ocorrer evento desportivo já próximo dia 06/02/2022, limita-se o signatário a comunicar não ser viável a constituição da formação arbitral que possibilite a apreciação pelo TAD da medida requerida até essa data”.

No caso sub judice, verifica-se que, apesar de o evento desportivo referido se ter entretanto realizado (à data em que foi proferido o despacho ainda não o tinha sido), entende-se como firme a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo de dar resposta útil ao que vem cautelarmente peticionado. Face aos prejuízos que o ora Requerente alega e à sua imediata continuidade temporal, terá que concluir-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).



III. Da dispensa da audição da Requerida

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias e não pode ser legalmente encurtado, é susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária dos documentos juntos, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.



IV. Da instância

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Regularizada a instância na sequência do despacho de 4.02.2022, não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) O requerente, H ……………………… é director desportivo da S………………. – Futebol SAD.

b) Como constante do mapa de castigos junto aos autos como doc. 2, foi aplicada ao Requerente uma sanção de multa, no valor de EUR 6.375,00 e de 30 dias de suspensão.

c) Dessa sanção apresentou o requerente “recurso hierárquico impróprio”, para o Pleno do Conselho de Disciplina, o que originou o processo n.º ………..

d) Por acórdão de …………. proferido nesse processo foi “julgado improcedente o presente Recurso Hierárquico Impróprio e, consequentemente, confirmada a decisão disciplinar recorrida” que sancionou o Recorrente com suspensão de 30 dias e multa de EUR 6.375,00, nos termos do artigo 136.º, n.º 1 do RDLPFP, por factos ocorridos no jogo n.º ………. (203.01.164), entre a S ………….. SAD e a SC …………SAD, realizado no dia ……………….., a contar para a Liga Portugal Bwin.

e) Do acórdão supra, consta como factualidade provada a seguinte:

§1. Factos provados

12. A factualidade apurada foi a seguinte:

1º - No dia ……………., no estádio ………….., pelas 20h30, realizou-se o jogo n.º 11902 entre a S ………… SAD e a S. ……. SAD, a contar para a……… jornada da Liga Portugal Bwin.

2º - A equipa de arbitragem designada e que conduziu o mencionado jogo foi composta pelos seguintes elementos: H ………….. (Árbitro); B ………….. (Assistente 1); R ……….. (Assistente 2); D …………… (4º Árbitro); J ……….. (VAR) e T ……… (AVAR).

3º- No referido jogo, o Recorrente assumiu e exerceu as funções de delegado ao jogo, enquanto director da S …………… SAD.

4º - Cerca do minuto 90+8, o Recorrente foi expulso, após a exibição do cartão vermelho, porquanto «[U]tilizou linguagem ofensiva e insultuosa para com a equipa de arbitragem, dizendo: "Agora é que dão cartão ao guarda redes? Isto é uma vergonha, vocês São uma vergonha!” Após a exibição do cartão vermelho disse para o árbitro "Vai-te foder."»

5º - Depois, já «[N]o túnel de acesso aos balneários dirigiu-se à equipa de arbitragem dizendo "Diz-me porque é que me expulsaste. Não tens coragem! Não tens coragem!”»

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6º - O Recorrente agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, consubstanciava conduta prevista e punida pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de a realizar. 7º - O Recorrente H…………….., depois de notificado para o efeito, exerceu o seu direito de defesa em sede de audiência prévia no âmbito do processo sumário, na sequência do qual veio a ser punido nos termos da sanção impugnada. 8º - À data dos factos o Recorrente apresentava antecedentes disciplinares na presente época desportiva, tendo sido sancionado, nos termos do disposto no artigo 136.º, n.º 1, do RDLPFP, por mais do que uma vez, designadamente nas épocas 2019/2020 e 2021/2022.

§2. Factos não provados

13. Inexistem factos não provados com relevo para a decisão a proferir.

f) E foi a seguinte a motivação da decisão vertida em e) supra:

§3. Motivação quanto à matéria de facto

14. No caso vertente, para a formação da nossa convicção, foi tido em consideração todo o acervo probatório carreado para os autos (o qual foi objeto de uma análise crítica à luz de regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade), com particular destaque para os seguintes elementos probatórios:

i) Os factos descritos em 1.º, 2.º , 3º, 4º e 5.º de §1. Factos provados resultam do Relatório de Árbitro de fls. 51 (especialmente quanto às palavras e expressões proferidas), do Relatório de Delegado de fls. 60 e da ficha técnica de clube de fls. 62;

ii) O facto descrito em 6.º de §1. Factos provados, isto é, a ligação psicológica que se surpreende entre o agente e o facto, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo, à luz das regras da experiência comum e da lógica;

iii) O facto descrito em 7.º de §1. Factos provados resulta dos documentos de fls. 19 a 22, 49 e 68 a 71 dos autos; iv) O facto descrito em 8.º de §1. Factos provados resulta do extracto disciplinar do Recorrente, junto a fls. 72;

15. Como é sabido, no âmbito disciplinar desportivo, a concreta conformação do princípio da livre apreciação da prova vê-se “condicionada” pelo valor probatório especial e reforçado que os relatórios oficiais e declarações complementares das equipas de arbitragem e dos delegados da LPFP merecem em tal contexto. Com efeito, o RDLPFP – numa aproximação à previsão constante do artigo 169.º do Código de Processo Penal – prevê, na al. f) do artigo 13.º, que os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da FPF no exercício de funções, constantes das declarações e relatórios de jogo, se presumem verdadeiros, enquanto a sua veracidade não for “fundadamente” posta em causa.4

16. Neste particular e no que respeita às palavras e expressões que constam do Relatório do árbitro, o Recorrente limita-se, sem mais, a negar a “imputação factual" que lhe é feita e a alegar que não fez uso de qualquer expressão, desenho, escrito ou gesto injurioso, difamatório ou grosseiro para com qualquer órgão ou agente desportivo susceptível de preencher os pressupostos do ilícito disciplinar previsto no artigo 136.º, n.º 1, do RD.

17. Dito de outro modo, o Recorrente, ao não explicar (ou tentar explicar) as razões pelas quais rejeita liminarmente a conduta que lhe está imputada – e eventualmente não apontando outra ou outras formulações das palavras e das expressões acima referidas ou quaisquer outras circunstancia de tempo, modo e lugar (como seria normal e até habitual) -, centra este recurso e a impugnação da decisão num plano em que o círculo fica completamente fechado, não deixando qualquer margem para apreciação, como se o ónus para inverter fundadamente a presunção e o valor probatório daquele relatório não lhe pertencesse.

18. Com efeito, nada foi trazido aos autos que contrarie, fundadamente (como era mister) a veracidade da versão veiculada no Relatório de Árbitro, documentos esses que beneficiam, como se disse, da sobredita presunção de veracidade, pelo que inexiste razão ou fundamento para desconsiderar o respetivo conteúdo.

g) Enquanto Director Desportivo, compete ao Requerente supervisionar a estrutura ligada ao futebol profissional, servindo de ponto de ligação entre a equipa profissional de futebol e a administração da sociedade desportiva que integra.

h) No jogo realizado no dia ……… o S ……………….. venceu o F ……………….. por 2-0 (facto público e notório).

Nada mais vindo alegado, de facto, nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB; idem, a decisão de 17.12.2021, proc. n.º 155/21.0BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

Certo é que o fumus boni juris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo.

No caso concreto, o Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a sanção punitiva é ilegal. Afirma que lhe foi negado o direito de defesa, por não lhe ter sido disponibilizado o acesso a elementos de prova (gravações), nem o depoimento de testemunhas que requereu. A decisão suspendenda violou, portanto, o direito de audiência prévia dos arguidos e os princípios do acusatório, do contraditório e in dubio pro reo.

Em relação ao periculum in mora, alega que a suspensão de eficácia do acto em análise é a única via de garantir a efectividade dos seus direitos subjectivos, que se encontram ameaçados por esse acto. Neste ponto sustenta que fica inibido de se exprimir publicamente de forma livre, vendo-se coarctado no exercício da sua liberdade de expressão. E, também, não lhe é possível executar as tarefas inerentes ao seu cargo de Director desportivo, uma vez que não pode estar presente e não pode circular pela zona técnica dos estádios nos dias de jogo. Ou seja, em consequência da sanção de suspensão aplicada, fica proibido de estar na presente na zona técnica dos recintos desportivos em dias de jogo e de intervir publicamente em matérias desportivas.

Vejamos então.

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a acção principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

Ora, em face do que vem alegado e considerando a jurisprudência firmada relativamente às sanções aplicadas em processos sumários e a afectação do direito de defesa dos arguidos (cfr. i.a. os ac.s do T. Constitucional n.º 594/2020, de 10.11.2020, processo n.º 49/2, e acórdão nº 742/2020, de 10.12.2020, proc. nº 506/20; idem, os ac.s deste TCAS de 10.12.2019, proc. nº 49/19, de 18.12.2019, proc. nº 35/19, de 16.04.2020, de 30.04.2020, de 26.11.2020, de 10.12.2020, de 21.01.2021 proc. n.º 114/20, de 18.02.2021 proc. 112/20, e 18.03.2021, proc. n.º 121/19), aceita-se que ocorre probabilidade da existência do direito invocado.

A situação descrita nos autos é semelhante àquela tratada no ac. de 18.11.2021 deste TCAS, proc. 95/21.3BCLSB. Neste aresto escreveu-se:

Repare-se que do acórdão recorrido não resulta o entendimento de que considerou a prova produzida nos autos insuficiente para aplicar a punição disciplinar ao Recorrido, como vem alegado no recurso.

Razão pela qual, certamente não foram levados à factualidade considerada provada, os factos apurados na sequência das diligências probatórias produzidas nos autos, como a inquirição das testemunhas do Recorrido, a visualização do filme com as imagens do jogo no momento em que foram proferidas as palavras em referência nos autos e as respostas aos esclarecimentos escritos prestados pelos árbitros [tendo só a falta destas sido objecto de impugnação no presente recurso, na parte restante a decisão da matéria de facto transitou em julgado].

A decisão recorrida incide num momento prévio à valoração da prova produzida, o de saber se foram asseguradas todas as garantias de defesa ao Recorrido no âmbito do procedimento que lhe aplicou a referida punição.

Começando por referir o valor probatório reforçado do relatório da equipa de arbitragem que, nos termos da mencionada alínea f) do artigo 13º do RD da LPFP, goza da presunção de veracidade do seu conteúdo, passa a evidenciar que tal presunção é ilidível, mediante prova em contrário oferecida/requerida por quem aproveita:

No caso em apreciação, o Recorrido que, visando provar que o que consta do relatório da arbitragem não corresponde à verdade quer nas palavras que proferiu quer quanto aos seus destinatários, requereu diligências de prova que ou foram indeferidas [como o referido acesso às gravações resultantes do sistema de comunicação da equipa de arbitragem] ou não admitidas nos seus exactos termos.

Foi o que sucedeu com o pedido de inquirição de certos elementos da equipa de arbitragem que foi transformado em esclarecimentos escritos em resposta a uma pergunta, cujo texto não foi formulado tendo em conta a versão apresentada pelo Recorrido, nem obteve o acordo prévio deste, mas para confirmar o que consta do referido relatório.

Efectivamente, como foi evidenciado pelo tribunal recorrido a questão formulada respondia ela própria a uma parte significativa do que se pretendia clarificar com este meio de prova afirmando, após um, que as palavras e expressões dirigidas à equipa de arbitragem, proferidas no final do jogo por Rubem Filipe Marques Amorim, são exactamente aquelas que se encontram reproduzidas no Relatório? Induzindo os destinatários, autores do relatório, a responder apenas à segunda parte da mesma, confirmando que as palavras que ouviram (sem esclarecer se as mesmas lhe eram dirigidas) são as que constam do relatório.

E ao não permitir ao Recorrido provar a sua versão, a presunção de veracidade do conteúdo do relatório da arbitragem tornou-se inilidível, o que redunda numa interpretação materialmente inconstitucional da referida alínea f) do artigo 13º do RD da LPFP, por violação do direito de audiência do arguido, previsto no nº 10 do artigo 32º da CRP.

Assim, o Colectivo de Árbitros entendeu, e bem, que ao Recorrido não foram facultados todos os meios de defesa permitidos por lei, para poder ilidir a presunção da veracidade do conteúdo do relatório, pondo em causa o núcleo essencial do seu direito de defesa enquanto arguido, violando os artigos 2º [que consagra a República portuguesa como um Estado de direito democrático], 9º, alínea b) [que estipula como uma das tarefas fundamentais do Estado, a garantia dos direitos e liberdades e o respeito pelos princípios do estado de direito democrático], 18º, nº 3 [que prevê que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais] e 32º, nº 10 [referido e referente às garantias do processo criminal que determina que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa] da CRP.

O que preenchendo a previsão da alínea d) do nº 2 do artigo 161º do CPA,

(…)

No mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal, designadamente no acórdão de 10.12.2020, no proc. nº 94/20.2BCLSB, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

I. A decisão sobre a prática da infracção disciplinar não pode ser tomada sem antes se ter facultado à arguida o exercício dos direitos de audiência e defesa, conforme imposto pelo n.º 10 do artigo 32.º da CRP.

II. Tais direitos também devem ser assegurados no âmbito dos procedimentos disciplinares que seguem sob a forma de processo sumário previsto no RD da LPFP.

III. Não tendo sido facultado à arguida o exercício dos referidos direitos de audiência e defesa, a sanção disciplinar aplicada é nula nos termos do disposto no art.º 161.º, n.º 2, al. d) do CPA.

Sendo que o Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso de revista interposto desse acórdão, como constante do recentíssimo acórdão de 27.01.2022 desse Supremo Tribunal, nele se afirmando: “o tribunal de recurso, confirmando o julgamento do TAD, decidiu com acerto, não aparentando padecer primo conspectu de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, fundamentado numa interpretação coerente e razoável das regras e direito aplicáveis e invocados, e sem evidência de desconformidade com jurisprudência produzida sobre a temática.

É certo que consta da deliberação em crise que o Requerente “H………………, depois de notificado para o efeito, exerceu o seu direito de defesa em sede de audiência prévia no âmbito do processo sumário, na sequência do qual veio a ser punido nos termos da sanção impugnada (cfr. 7.º de §1. Factos provados e documentos de fls. 19 a 22, 49 e 68 a 71 dos autos). // 40. Desta factualidade decorre, naturalmente, que o Recorrente não viu coarctadas ou restringidas as suas garantias de defesa, na medida em que foi notificado pela Comissão de Instrução Disciplinar (CID) e depois defendeu-se do modo que achou por bem fazê-lo.// 41. Nem sequer se pode seriamente afirmar que o conteúdo do Relatório da equipa de arbitragem representou para si uma surpresa, não só porque a expulsão do Recorrente foi pública, mas ainda pela simples razão de a ficha técnica de clube de fls. 62 se encontrar assinada pelo outro Delegado ao jogo da S ………………. (assinala-se as 23:23:39 do dia ……………) , onde se dá nota, de modo expresso e evidente, a expulsão do Recorrente aos 90+8 minutos, pelo que seria de todo inacreditável que num quadro destes não tivesse havido o cuidado ou a mera curiosidade, por parte do Recorrente ou do clube, em conhecer as razões da referida expulsão.

Mas a questão situa-se em momento anterior: o que o Requerente assinala é que houve diligências de prova que foram rejeitadas e, portanto, o seu direito de defesa ficou afectado. Designadamente a inquirição de prova testemunhal (os árbitros).

Perante isso afirma o Pleno do CD que essa diligência “sempre seria legalmente inadmissível, em face do disposto no nº 2 do artigo 393º do CC: “[T]ambém não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.” Temos muitas dúvidas que assim seja, desde logo porque o relatório não assumirá a natureza de documento com força probatória plena nos termos do art. 363.º, n.º 2, do CC [“Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares”]. E no caso estamos perante um relatório do árbitro e/ou um relatório do delegado; não perante, por exemplo, um relatório das Forças Policiais. Sendo que também esses admitem prova em contrário. Ou seja, estamos perante prova ilidível.

E o facto de o Requerente não ter requerido em sede do recurso para o Pleno, procedimento administrativo de 2.º grau, aquele meio de prova, em nada afecta a invalidade procedimental cometida e consolidada e que terá afectado o acto punitivo.

Donde, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, pode concluir-se pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente. Ou seja, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

Isto estabelecido, vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Neste capítulo, importa deixar fixados alguns considerandos.

Relativamente ao jogo ontem disputado, esta alegação tornou-se inútil – rectius, impossível -, uma vez que por via da presente providência já não poderá obter o Requerente o efeito pretendido. Assim sendo, neste ponto nada mais cumpre conhecer.

Será em relação ao efectivo exercício da profissão que a utilidade da lide se coloca, dado que o Requerente, enquanto durar período de suspensão, não poderá emitir opiniões publicas sobre os jogos, nem lhe será possível executar as tarefas inerentes ao seu cargo de Director desportivo, uma vez que não pode estar presente e não pode circular pela zona técnica dos estádios nos dias de jogo. Trata-se, portanto, de uma situação em que a tutela cautelar se justificará em razão da existência de lesão continuada ou repetida (cfr., a este propósito, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, p. 112-119).

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se detecta é que o periculum in mora alegado funda-se, como se disse já, na impossibilidade de o Requerente exercer efectiva e plenamente as funções de Director desportivo do S……………………., com afectação da sua liberdade de expressão e do direito ao livre exercício de profissão.

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, o cenário de impossibilidade do exercício efectivo e pleno das funções que o Requerente desempenha, pelo período que ainda falta transcorrer até ao terminus dos 30 dias de suspensão, constitui, em si, um prejuízo grave e de difícil reparação. Ou, para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso o Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA). E em causa não está a sanção de multa aplicada ao Requerente, o que não constitui objecto da lide cautelar.

Por outro lado, em reforço do que se vem de dizer, ter-se-á que atentar que o dano que resulta do acto suspendendo se prolonga por um período de tempo considerável: por 30 dias. E mesmo levando em linha de conta que parte desse período se encontra já transcorrido na presente data, certo é que faltarão ainda 18 dias para o referido período de suspensão terminar. O que significa que estamos perante uma compressão assinável dos direitos do Requerente - a liberdade de expressão o e o direito ao livre exercício de profissão são valores constitucionalmente consagrados (art. s 37.º e 47.º da CRP)- e que impossibilita, também por esta via, de uma incapacidade de efectiva reconstituição do statu quo ante.

Razão tem, pois, o Requerente quando alega que “a sanção de suspensão aplicada ao Requerente – consistente na proibição de estar na presente na zona técnica dos recintos desportivos em dias de jogo e de intervir publicamente em matérias desportivas – compreende um impedimento gravoso e relevantíssimo ao exercício da sua actividade profissional”.

Deste modo, tudo ponderado, na situação concreta em análise e no que respeita à sanção de suspensão de funções, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao tribunal verificar se o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC). Isto é, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos. O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Ora, certo é que não vislumbramos que o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva; o que é consequência “natural”, aliás, do provimento da medida cautelar. Como alegado pelo Requerente, a pretensão sancionatória “em caso de improcedência do pedido, sempre poderia ser satisfeita – ao contrário do Requerente, cuja posição jurídica jamais poderá ser reintegrada se indevidamente cumprir a sanção de suspensão”.

Com efeito, não se entende que a não execução imediata da sanção (pelo período restante) seja susceptível de afectar, e muito menos de modo grave, a esfera jurídica da Requerida e dos valores que a mesma defende no processo. Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que não se afigura ser o caso.

Pelo que, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).

Uma última referência cumpre efectuar, para afirmar que, contrariamente ao que vinha demonstrado nos autos de processo n.º 18/22.2BCLSB, em que a aplicação da sanção disciplinar surgia como eventual, nestes autos esta apresenta-se como definitiva, em face da improcedência do recurso interposto para o Pleno do Conselho de Disciplina da Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol, o qual foi julgado improcedente.



VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto decide-se:

- Julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da sanção de suspensão do exercício de funções aplicada ao Requerente, H ………………………., em 25.01.2022 no âmbito do processo sumário que lhe foi movido e mantida pela deliberação de 29.01.2022 do Pleno do Conselho de Disciplina da Requerida.

Custas da responsabilidade do Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2022

Pedro Marchão Marques

Juiz presidente