Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3092/15.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO.
CUMULAÇÃO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS E JUROS DE MORA.
Sumário:Não existe identidade, nem sobreposição entre a outorga de juros indemnizatórios e a de juros de mora à taxa agravada. Os primeiros visam o ressarcimento pela privação da disponibilidade da quantia paga a título de imposto; e os segundos visam sancionar o incumprimento pela executada do julgado exequendo.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
A Fazenda Pública apelou para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 22/03/2016 [retificada em 03/05/2016] em sede de execução de julgados do acórdão arbitral prolatado no processo n.º ………/2014-T, do CAAD, já transitado, em que é exequente A............... I..............., SGPS, SA, na parte em que determinou a procedência «do pedido de pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito» e do pedido de pagamento «de juros de mora desde a data limite do incumprimento espontâneo do julgado anulatório até à emissão da nota de crédito».
Nas alegações, insertas a fls.252 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a executada, ora recorrente, Fazenda Pública, formula as conclusões seguintes:”
a) (…) //
b) Encontram-se preenchidos os requisitos para a admissão do presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo:
c) A Recorrente entende que aquela sentença recorrida incorre em erro de interpretação e aplicação do direito ao concluir pela condenação da AT a pagar à ora Recorrida juros indemnizatórios desde a data em que considerou ocorrido o termo do prazo para o cumprimento espontâneo da decisão arbitral até à data da emissão da nota de crédito, cumulados com juros de mora no mesmo período temporal.
d) Naquele período temporal são devidos apenas juros de mora, pelo que a decisão violou as normas constantes do artigo 43.º, 100.º e 102.º, n.º 2 da LGT e 61.º, nºs 4 e 5 do CPPT.
e) A questão decidenda é, pois, uma questão de direito, mais concretamente o termo final de cálculo dos juros indemnizatórios previstos no art. 43º da LGT quando a AT não cumpre espontaneamente o julgado no prazo expressamente previsto para o efeito, constituindo-se em mora nos termos do nº 2 do art. 102º da LGT, sendo manifesto que a sentença recorrida decidiu sobre o mérito da causa apresentada a juízo.
f) O valor da causa é superior a três milhões de euros, fixando-se, em concreto em €4.485.040,94 e o processo não versa sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social.
g) A jurisprudência do STA que tem vindo a pronunciar-se, uniformemente, no sentido de que não há cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal por não se poder justificar uma dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade da quantia indevidamente paga (por ex. os acórdãos de 19/12//2001, recurso n.º 26608, de 20/10/2004, recurso n.º 338/04, de 02/05/2007, recurso n.º 9/7, de 02/03/2011, no processo n.º 0880/11);
h) Mais concretamente que «em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do art. 102º, nº 2», conforme acórdão de 02/07/2008, no processo n.º 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo n.º 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421.
i) A introdução do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, aditado pela Lei nº 64-B/2011, não justifica qualquer alteração a este entendimento jurisprudencial reiterado.
j) Que ambos os juros partilham a mesma natureza indemnizatória resulta da jurisprudência e da doutrina anteriores à redacção do n.º 5 do artigo 43.º da LGT introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), a propósito quer da taxa de juros de mora, ao concluir que seria a taxa prevista para os juros indemnizatórios, quer a propósito da não cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios no mesmo período temporal sob pena de duplicação injustificada de reparação do mesmo prejuízo.
k) Antes daquele aditamento, não existia qualquer norma que dispusesse expressamente sobre qual a taxa de juros de mora devidos pela inexecução espontânea de uma decisão judicial,
l) Sendo pacífico na jurisprudência que a «a taxa dos juros moratórios a favor do contribuinte é a taxa de juros legal de 4% ao ano», conforme entendimento sufragado pelo STA no acórdão de 31/01/2008, no processo n.º 0839/07, e acórdão de 02/07/2008, no processo n.º 0303/08, sendo aquela função reparadora concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa de juros legais, fixada ao abrigo do artigo 559.º do Código Civil.
m) Quanto aos respectivos períodos de retardamento, pronunciou-se o STA, considerando que «em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do art. 102º, nº 2», conforme acórdão de 02/07/2008, no processo n.º 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo n.º 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421.
n) Daquelas teses resulta, em síntese, que existindo incumprimento da execução espontânea do julgado e havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, aos respectivos períodos de retardamento aplica-se a mesma taxa legal de 4% ao ano, inexistindo cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal.
o) Com o aditamento daquele n.º 5 o legislador passou a dispor expressamente sobre qual a taxa dos juros de mora previstos no n.º 2 do artigo 102.º da LGT, alcançando-se, deste modo, uma igualdade de tratamento entre os juros de mora devidos ao contribuinte e os juros de mora devidos ao Estado, conforme resulta da redacção do n.º 3 do artigo 44.º da LGT introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12.
p) A alteração legislativa acabada de referir não alterou a razão de ser dos juros de mora, que continua a ser o direito do contribuinte a ser compensado pela privação de uma disponibilidade financeira, tendo por fundamento a inexecução espontânea de uma decisão judicial transitada em julgado que condena à restituição do imposto.
q) O contexto específico do incumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado justifica a aplicação de uma taxa de juro agravada para o dobro, que esteja em harmonia com a mora naquele incumprimento, por forma a cumular a sua função reparadora com uma função sancionatória pelo incumprimento do prazo para pagamento de dívida já reconhecida por sentença judicial;
r) Não se vislumbrando, por conseguinte, como defende uma parte da doutrina acolhida na decisão recorrida, que o disposto no n.º 5 do artigo 43.º da LGT se esgote na prossecução de uma finalidade sancionatória, destinada a compelir a Administração Tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado,
s) Uma vez que essa finalidade já é prosseguida por outros mecanismos legais que garantem o direito à tutela judicial efectiva na vertente do direito à execução das decisões judiciais, como são o disposto no artigo 159.º do CPTA, sob a epígrafe «Inexecução ilícita das decisões judiciais», que prevê a responsabilidade civil, disciplinar e criminal quando a Administração não cumpre os deveres que lhe incumbem em virtude de decisão judicial, e o disposto no artigo 169.º do CPTA sob a epígrafe «Sanção pecuniária compulsória», que a decisão recorrida veio efetivamente a determinar.
t) Aquele agravamento destina-se, por conseguinte, a reforçar as medidas legislativas já existentes, destinadas a compelir ao cumprimento do julgado, e, simultaneamente, a manter a função reparadora que desde sempre lhe reconhecido aos juros de mora.
u) A entender-se de outro modo, o legislador teria, necessariamente, acolhido no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, uma solução legislativa manifestamente desproporcional, destituída de qualquer justificação razoável, conducente ao pagamento de juros de mora, «a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas», em cúmulo com juros indemnizatórios, o que na prática conduz ao pagamento de juros pelo retardamento a uma taxa de 11,5% a título de juros de mora acrescida de 4% a título de juros indemnizatórios, a que poderá ainda acrescer eventual sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 169.º do CPTA, todos durante o mesmo período temporal.
v) Por outro lado, sabedor da jurisprudência uniforme dos Tribunais, caso a intenção do legislador fosse a de retirar aos juros de mora a sua natureza reparadora é expectável que o tivesse expresso, o que de todo não fez.
w) Como tal, haverá que concluir que ao considerar que «da leitura do nº 5 do art.º 43 da LGT, conjugada com os artigos 100º e 102º nº 2, do mesmo normativo e, os nºs 4 e 5 do artigo 61 do CPPT, entendemos poder haver lugar à cumulação de juros indemnizatórios e de juros moratórios, podendo coincidir a sua contagem em parte do mesmo período de tempo», a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito, violando aqueles dispositivos.
x) A leitura adotada pela decisão recorrida não só se afigura ilegal, mas manifestamente inconstitucional.
y) A acolher-se o entendimento vertido na decisão recorrida de que não existe impedimento a que juros indemnizatórios e moratórios se cumulem e se acresçam no mesmo período temporal, será admitir-se que então a taxa de juros global a suportar pelo Estado se cifre num juro verdadeiramente usurário, e sem paralelo na legislação vigente.
z) Afiguram-se inconstitucionais os artigos 43.º, 100.º e 102.º, n.º 2 da LGT e 61.º do CPPT, na interpretação normativa segundo a qual há cumulação de juros indemnizatórios e de juros de mora pelo mesmo período temporal, com início após o termo do prazo para execução espontânea do julgado, porquanto tal viola o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.ºda CRP), na medida em que se estabelece um regime de taxa de juros global a suportar pelo Estado após o termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial bastante mais gravoso (mormente face ainda da possibilidade de cumulação de outros mecanismos coercivos, como a sanção pecuniária compulsória) do que o previsto para os contribuintes.
aa) Deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando parcialmente a sentença recorrida na parte em que a mesma condena a AT ao pagamento de juros indemnizatórios no período decorrido entre a data em que considerou ocorrido o termo do prazo para o cumprimento espontâneo da decisão arbitral até à data da emissão da nota de crédito.
bb) À cautela, sem conceder, em caso de improcedência do presente recurso, com a consequente condenação da entidade Requerida em custas, requer-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça, atendendo à simplicidade da causa bem como ao comportamento processual das partes, tudo ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.»
As conclusões terminam com o pedido de procedência do recurso.
X
A sociedade exequente, ora recorrida, A............... I............... SGPS, SA., apresentou contra-alegações (requerimento de fls. 294 e ss. numeração do processo em formato digital – sitaf), expendendo conclusivamente o seguinte:
«1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a execução de sentença de anulação de atos administrativos, determinando a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, no respeitante à obrigação de reembolso da importância indevidamente paga, no montante de € 3.994.795,80, e a procedência dos pedidos (i) de indemnização dos encargos incorridos com a prestação da garantia indevida, (ii) de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, (iii) de juros de mora desde a data limite do cumprimento do julgado anulatório até à emissão da nota de crédito e de (iv) fixação de sanção pecuniária compulsória;
2.ª Conforme supra se aludiu, a questão controvertida nos presentes autos reside na cumulação de juros indemnizatórios e de juros de mora no mesmo período de tempo, qual seja, entre o termo do prazo para o cumprimento espontâneo da decisão e a emissão da nota de crédito;
3.ª No entendimento do Tribunal recorrido, os juros indemnizatórios são devidos até ao processamento da nota de crédito e os juros de mora começam a contar-se desde o termo do prazo para a execução espontânea do julgado, podendo ocorrer a sua cumulação, enquanto que, no entendimento da Recorrente, uma vez que não é alegadamente admissível a cumulação destes juros, os juros indemnizatórios são devidos até ao termo do prazo para execução espontânea do julgado, sendo a partir dessa data devidos apenas juros de mora até ao cumprimento da decisão;
4.ª Salvo o devido respeito, a posição sufragada pela Executada, ora Recorrente, no seu recurso não tem qualquer suporte legal;
5.ª Com efeito, o direito aos juros indemnizatórios constitui um efeito jurídico decorrente do simples facto de o ato tributário ter sido anulado contenciosamente com fundamento na sua ilegalidade, a qual, neste contexto, determina a imputabilidade do erro gerador daquele ato à administração tributária, pelo que a ilegalidade determinante da anulação do ato em apreço faz nascer ope legis o direito aos juros indemnizatórios da ora Recorrida;
6.ª Nestes termos, bem decidiu a sentença recorrida no sentido de que, em face do título executivo consubstanciado na decisão arbitral anulatória de ato administrativo, encontra-se a administração tributária obrigada a repor a situação anterior à prática da ilegalidade e, bem assim, a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o ato julgado ilegal, só assim se dando cabal cumprimento ao determinado nos artigos 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 173.º, n.º1, do CPTA;
7.ª De forma a reconstituir a situação atual hipotética não basta restituir o imposto indevidamente arrecadado sendo necessário ressarcir o contribuinte pela forçada improdutividade das importâncias desembolsadas, pelo que o período sobre o qual incidem os referidos juros decorre desde o pagamento do imposto até ao momento do processamento da nota de crédito em que estes constam;
8.ª Trata-se do único entendimento passível de ser extraído do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT e que se coaduna com o objetivo do regime dos juros indemnizatórios, qual seja, de “(...) reparar a privação indevida de meios financeiros dos contribuintes por razões imputáveis à administração tributária’", uma vez que “O juro é o preço do dinheiro em função do tempo e remunera o seu titular em função da sua disponibilização temporal a terceiro. (...) Os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada imputável à administração tributária" (cf. PIRES, José Maria Fernandes, et. al., Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, p. 357).
9.ª Com efeito, as normas vertidas nos artigos 61.º, n.º 5 do CPPT, 43.º, n.º1, e 100.º, ambos da LGT, quando interpretadas no sentido de que a plena reconstituição da legalidade não compreende o pagamento de juros indemnizatórios desde que se verifica o pagamento indevido de imposto até ao processamento da nota de crédito, padecem de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 22.º e 266.º, ambos da CRP, o que se invoca para efeitos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e não poderá deixar de ser conhecido por esse Tribunal;
10.ª Desde logo, tais normas são contrárias ao artigo 22.º da CRP que consagra o princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, uma vez que, na interpretação supra enunciada, o contribuinte a quem vem a ser reconhecida razão em processo por anulação de ato ilícito suporta os prejuízos com a demora no processo de reconhecimento da ilicitude, designadamente a improdutividade da importância arrecadada ilegalmente;
11.ª Em suma, e em face de todo o exposto, bem julgou a sentença recorrida que o dever de execução de julgado, no caso sub judice, compreende o pagamento de juros indemnizatórios à ora Recorrida nos termos peticionados na petição inicial, isto é, até ao processamento da respetiva nota de crédito, começando a contar-se juros de mora desde o termo do prazo para cumprimento espontâneo do julgado até ao seu efetivo cumprimento;
12.ª Razão pela qual, deve julgar-se improcedente o recurso deduzido pela ora Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
13.ª Este entendimento da ora Recorrida surge reforçado pelas alterações à redação dos artigos 43.º e 100.º da LGT, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro [Lei do Orçamento do Estado para 2012], através das quais deixa de ser aplicável o anterior entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo segundo a qual, por forma a compatibilizar o disposto nos artigos 100.º e 102.º, n.º 2 da LGT, nas situações em que o pagamento do imposto por parte da administração tributária ocorra em momento posterior ao termo do prazo para execução espontânea pela administração tributária, os juros indemnizatórios vencem-se até ao termo do prazo para execução voluntária da sentença e não até à referida emissão da nota de crédito, sob pena de se cumular no mesmo período juros indemnizatórios e juros de mora;
14.ª Na verdade, em face da referida Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, ocorrendo o reembolso do imposto em momento posterior ao termo do prazo de execução voluntária das decisões judiciais - como sucedeu no caso vertente -, há lugar à cumulação entre juros indemnizatórios e juros de mora desde aquele prazo.
15.ª Com efeito, a aludida Lei aditou ao artigo 43.º da LGT um n.º5 pelo qual se atribui ao sujeito passivo o direito a juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora previstos para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, tendo o artigo 151.º, n.º 3, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, determinado que “A nova redacção do n.º5 do artigo 43. ºe do n.º3 do artigo 44.ºda LGTtem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data da entrada em vigor da presente lei".
16.ª Em sentido favorável à cumulação de juros, ensinam JORGE LOPES DE SOUSA (et. al.) que “(...) estabelecendo-se que estes juros de mora agravados são devidos relativamente ao período entre o termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito, é de concluir que, nos casos em que esteja em causa executar uma decisão e se trate de uma situação enquadrável no n. º 1, em que são devidos juros indemnizatórios, estes juros de mora serão cumuláveis com os indemnizatórios, pois estes são «contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos. (art. 61.º, n.º5, do CPPT)." (cf. LGT anotada e comentada, 4.ªEdição, 2012, p. 344, sublinhado nosso), acrescentando ainda que “(...) a atribuição dos juros de mora não é explicada pela intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente, mas sim pela ideia de sancionar a administração tributária pelo incumprimento do dever que a lei lhe impõe de executar as decisões judiciais nos prazos previstos na lei e, nos casos em que incorreu em incumprimento, compeli-la a pôr rapidamente termo a essa situação de incumprimento, para não sofrer a consequência do pagamento de juros de mora fortemente agravados. Isto é, a atribuição de juros de mora agravados, nesta específica situação, tem afinidade funcional com sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 179.º, n.º3, do CPTA, para impor à administração a execução das decisões judiciais e não identidade teleológica com os juros indemnizatórios, sendo estas diferentes finalidades que permitem justificar a cumulação de juros»" (cf. idem);
17.ª Ficam, pois, inquinados os argumentos da Executada que sustentam a alegada impossibilidade de cumulação na “dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade” (cf. página 6 das alegações de recurso);
18.ª Como supra se demonstrou, a finalidade compensatória dos juros de mora, assente no prejuízo causado pela demora no cumprimento de uma decisão, é distinta da dos juros indemnizatórios, assente no prejuízo causado pela privação do imposto, pelo que nada obsta à sua cumulação;
19.ª Trata-se de entendimento que também não é afastado pelas disposições normativas relativas à responsabilidade da administração tributária pela inexecução ilícita de decisões e à sanção pecuniária compulsória, porque estas se suportam, por um lado, em factos ilícitos, o que é diferente da mera demora no cumprimento de uma decisão, e, por outro lado, no atraso no cumprimento de uma decisão já proferida em sede de execução de sentença;
20.ª Estas disposições normativas tutelam, assim, valores distintos daqueles em que suportam os juros de mora, pelo que a sua existência também não pode suportar a alegada falta de pagamento dos mesmos juros.
21.ª Assim, tendo presente que a decisão que pôs termo ao processo em crise, qual seja a decisão arbitral do Tribunal Arbitral a funcionar junto do CAAD de 19.12.2014, transitou em julgado ao redor do dia 04.05.2015, e portanto, em momento posterior ao da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2012, afigura-se evidente a sua aplicação ao caso concreto, sendo devidos juros de mora desde o termo do prazo para a execução espontânea da decisão até à data da emissão da nota de crédito, em cumulação com os juros indemnizatórios acima peticionados, como bem decidiu a sentença recorrida (cf. neste mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 18.02.2016, no processo n.º 09163/15);
22.ª Atento o exposto conclui-se que são devidos os juros de mora peticionados, desde o termo do prazo para a execução espontânea da decisão até à data da emissão da nota de crédito, em cumulação com os juros indemnizatórios até à data do processamento da nota de crédito, não podendo o recurso deixar de ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
23.ª Por último, sempre cumpre referir ainda que também não procede a inconstitucionalidade invocada pela Recorrente no seu recurso na interpretação dos artigos 43.º, 100.º e 102.º da LGT com fundamento na violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP;
24.ª A posição da administração tributária, dotada de poderes de autoridade e votada ao cumprimento do princípio da legalidade tributária, não é comparável à posição do contribuinte a quem é reconhecido o direito ao não pagamento do imposto mediante a prestação de garantia idónea para a suspensão da execução fiscal, pelo que não ocorre, assim, qualquer violação do princípio da igualdade;
25.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.»
Termina-se, pedindo que o recurso seja julgado improcedente.

X
Por decisão sumária do Senhor Juiz Conselheiro Relator, datada de 22/10/2020, foi decidido declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e atribuir essa competência ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido, nos termos do disposto no artigo 18º, nº1, do CPPT.
X
Recebidos os autos neste TCA-Sul, os mesmos foram com vista ao Digno Procurador-Geral Adjunto, que não emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional, por entender que o caso dos autos não impõe a defesa de algum dos direitos, interesses, valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A)
Em 30.01.2013, foram emitidas as liquidações de retenções na fonte de IR, referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, nos montantes de €1.484.143,11, €1.406.690,21 e €1.476.219,45, respetivamente;
(cf. doc. 2 junto com o requerimento inicial)
B)
Para a cobrança coerciva dos montantes indicados foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs …………………530, …………………..549 e ……………….557;
(cf. doc. 3 junto com o requerimento inicial)
C)
Em 30.05.2013, o Serviço de Finanças de Lisboa 8, procedeu ao penhor de três contas bancárias, na C ………………., Banco …………… e Banco …………, nos montantes acima referidos;
(cf. doc. 4 junto com o requerimento inicial)
D)
Em 31.05.2013, a exequente suportou encargos com a prestação dos três penhores, nos montantes de €11.352,04, €10.759,89 e 11.291,29, no total de €33.403,22;
(cf. doc. 4 junto com o requerimento inicial)
E)
Em 19.12.2014, foi proferida Decisão Arbitral no processo n.º ……../2014-T, cujo segmento decisório se dá por reproduzido;
(cf. doc. 1 junto com o requerimento inicial)
F)
A notificação da decisão arbitral foi efetuada à, ora exequente, em 19.12.2014;
(cf. fls. 75 dos autos)
G)
Em 13.01.2015, a AT interpôs recurso da decisão arbitral para o Tribunal Constitucional, junto do CAAD;
(cf. doc.1 junto com a contestação)
H)
Em 15.01.2015, o Tribunal Arbitral proferiu despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional;
(cf. doc. 2 junto com a contestação)
I)
Em 26.01.2015, a executada apresentou Reclamação junto do Tribunal Constitucional;
(cf. doc. 3 junto com a contestação)
J)
Em 19.03.2015, a executada foi notificada do acórdão do Tribunal Constitucional que indeferiu a reclamação;
(cf. doc. 4 junto com a contestação)
K)
Em 27.11.2015, a executada procedeu ao pagamento das quantias pagas pela exequente no montante de €3.994.795,80;
(cf. doc. 5 junto com o requerimento inicial e docs. 5 a 7, 8 a 10 e 11 a 13, juntos com a contestação).
X
“Factos não Provados // Não se provaram outros factos com relevância para presente decisão.” // “MOTIVAÇÃO // A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão e a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença sob escrutínio.
A mesma julgou procedente a presente execução de julgado [decisão arbitral de anulação de liquidações adicionais de 2009/2010 e 2011, retenção na fonte]. Em consequência e na parte, que ora releva, julgou procedente o pedido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito e julgou procedente o pedido de juros de mora desde a data limite do incumprimento espontâneo do julgado anulatório até à emissão da nota de crédito. Considerou, em síntese, o seguinte:
«No caso dos autos, a decisão transitou em julgado em 13.04.2015, data a partir da qual a AT dispunha de 30 dias para o seu cumprimento espontâneo, nos termos do n.º 3 do art.º 175.º do CPTA, o qual terminava em 26.05.2015. // Segundo o entendimento doutrinal, findo este prazo de 30 dias para a execução espontânea, sem que a AT tenha efetuado a devolução dos montantes indevidamente pagos, entrou em mora em relação ao atraso no cumprimento do julgado anulatório, mora que prolonga, coincidindo, a partir dessa data, com os juros indemnizatórios, até à emissão da nota de crédito. // Os juros de mora são cumuláveis com os juros indemnizatórios, no lapso de tempo referido, mas não incidem sobre estes. // Sobre esta questão já se pronunciou o TCAS no acórdão proferido no processo n.º 09163/15 de 18-02-2016 onde se estabeleceu que, «1) Nos termos do n.º 1, do artigo 43.º da LGT, «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». // 2) O n.º 5 do artigo 43.º, introduzido pela Lei do Orçamento de Estado para 2012, corresponde a um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2. º, n.º 1, do CPC). // 3) Estes juros de mora agravados são devidos relativamente ao período entre o termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito, pelo que é de concluir que, nos casos em que esteja em causa executar uma decisão e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, em que são devidos juros indemnizatórios, estes juros de mora serão cumuláveis com os indemnizatórios, pois estes são «contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos. (art. 61.º, n.º5, do CPPT). » // Pelo exposto, podemos concluir que a inserção legal de que os juros de mora, nestas circunstâncias são pagos em dobro, deve ser entendida como uma medida sancionatória, imposta pelo legislador tributário, no atraso do cumprimento das decisões judiciais, por parte da administração».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento, assacando-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável.
Apreciação. Não está em causa o cômputo do prazo em relação ao qual são devidos os juros de mora, nem o cômputo do prazo em relação ao qual são devidos os juros indemnizatórios. A questão colocada pelo presente recurso reside em saber se, no decurso do mesmo lapso temporal, os juros de mora e os juros indemnizatórios, que sejam devidos, são cumuláveis.
No caso de procedência, total ou parcial, de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticada a ilegalidade, compreendendo esta reconstituição «o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei» (artigo 100.º da LGT).
Relativamente ao período que medeia entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, quanto ao imposto que deveria ter sido restituído por tal decisão judicial transitada em julgado, «são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas» (artigo 43.º, n.º 5, da LGT). Os juros indemnizatórios «são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos» (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT)
A propósito da cumulação de juros indemnizatórios e de juros de mora, refere-se que «o legislador, no artigo 100.º ao dizer que há lugar a juros indemnizatórios, na sequência de decisões favoráveis ao contribuinte nos processos impugnatórios que nele se indicam, após o termo do prazo de execução espontânea não incorreu em qualquer lapso, antes manifestou uma intenção reiteradamente assumida. Naquele art.º 100.º não se disse algo que não se pretendida legislativamente, antes se disse menos do que pretendia, ao não fazer referência a juros indemnizatórios relativos ao período entre o pagamento indevido e o termo do prazo da execução espontânea. // É com este pressuposto de que os juros indemnizatórios, nos casos de procedência do processo impugnatório com fundamento em erro imputável aos serviços, abrangem todo o período que vai do pagamento indevido, até à emissão da nota de crédito, nos termos do art.º 61.º, n.º 3, do CPPT, que tem de ser analisada a questão dos juros de mora. // [É] também de ter como pressuposto que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga» (1).
A orientação dominante na doutrina e na jurisprudência, foi afastada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (Lei Orçamento para 2012), com a introdução do n.º 5 do artigo 43.º da LGT. Esta lei aditou um n.º 5 ao art. 43.º, atribuindo-se ao sujeito passivo o direito a juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro dos juros de mora previstos para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. Este regime é excepcional, com natureza sancionatória e compulsória, procurando que a Administração Tributária execute tempestivamente as decisões transitadas em julgado, de acordo com o direito à tutela judicial efectiva (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), que abrange o direito à execução das decisões judiciais (artigo 2. º, n.º 1, do CPC (2).
Os juros de mora agravados são devidos relativamente ao período entre o termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito, sendo «de concluir que, nos casos em que esteja em causa executar uma decisão e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, em que são devidos juros indemnizatórios, estes juros de mora serão cumuláveis com os indemnizatórios, pois estes são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º n .º 5, do CPPT). Isto significa que, nos casos em que esteja em causa a execução de uma decisão judicial e seja excedido o prazo de execução espontânea da decisão, não se aplicará o entendimento que o STA tem vindo a adoptar sobre a não cumulação de juros de mora com juros indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, por não se justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga (…). No caso previsto neste novo n.º 5 do art. 43.º não deixa de valer, naturalmente, este juízo, mas a atribuição dos juros de mora não é explicada pela intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente, mas sim pela ideia de sancionar a administração tributária pelo incumprimento do dever que a lei lhe impõe de executar as decisões judiciais nos prazos previstos na lei e, nos casos em que incorreu em incumprimento, compeli-la a pôr rapidamente termo a essa situação de incumprimento, para não sofrer a consequência do pagamento de juros de mora fortemente agravados. Isto é, a atribuição de juros de mora agravados, nesta específica situação, tem afinidade funcional com a sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 179.º, n.º 3, do CPTA, para impor à administração a execução das decisões judiciais e não identidade teleológica com os juros indemnizatórios, sendo estas diferentes finalidades que permitem justificar a cumulação de juros» (3).
No Acórdão do STA, de 26-05-2022, p. 01611/11.4BELRS-A (4), consignou-se o seguinte: «[n]os termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão. // Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no art.º 22, da Constituição da República Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios. // No que se refere aos juros de mora, estipula o artº.102, nº.2, da L.G.T., que em caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão estes devidos, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. A previsão de juros moratórios a favor do contribuinte é uma inovação da Lei Geral Tributária que até então não existia. // Face ao preceituado no artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, sendo essa a posição já expendida por este Tribunal». (5)
No aresto citado, referiu-se ainda o seguinte:
«Com a entrada em vigor do aludido artº.43, nº.5, da L.G.T., aditado pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), passou o legislador a prever um regime de natureza excepcional para a dívida de juros de mora, os quais devem ser computados a partir do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito respectiva, a uma taxa equivalente ao dobro da definida na lei geral para os juros de mora a favor do Estado, regime este que deve ser concatenado com o artº.102, nº.2, da L.G.T. (....). // Ou seja, o legislador ao elevar para o dobro a taxa dos juros de mora devidos pelo contribuinte (cfr.artº.44, nº.3, da L.G.T., na redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12) e ao instituir a obrigação do pagamento de juros de mora, a favor do contribuinte, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (cfr.artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da mesma Lei 64-B/2011, de 30/12), sendo que incluiu tal obrigação de pagamento de juros de mora no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios também a favor do contribuinte, não pretendeu, claramente, estabelecer um regime legal em que os juros indemnizatórios e moratórios fossem alternativos ou que mutuamente se excluíssem. Antes pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave. Pelo que, a instituição do mecanismo dos juros de mora a favor do contribuinte é uma opção de política legislativa reflexa daquela que se encontra prevista no citado artº.44, nº.3, da L.G.T., destinando-se a garantir um princípio de igualdade e de reciprocidade nas relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária. Isto é, a atribuição de juros de mora agravados, nesta específica situação, tem afinidade funcional com a sanção pecuniária compulsória, prevista no artº.169, do C.P.T.A., para impor à Administração a execução das decisões judiciais e não identidade teleológica com os juros indemnizatórios, sendo estas diferentes finalidades que permitem justificar a sua cumulação (…). // Em conclusão, face ao preceituado no artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da citada Lei 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, sendo essa a posição já expendida por este Tribunal (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 7/06/2017, rec.279/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/02/2017, rec.285/16)» (6).

Em face do exposto, a sentença sob recurso não enferma do erro ou vício que lhe é apontado. Mais se refere que tal orientação corresponde aos ditames do princípio constitucional da igualdade entres as partes no contencioso tributário, porquanto se trata de sancionar e de obviar à situação de incumprimento do julgado anulatório, imputável à recorrente. Não havendo, por isso, qualquer medida discriminatória associada à aplicação da condenação da executada no pagamento de juros mora agravados, em cumulação com os juros indemnizatórios, enquanto permanece a situação de não acatamento da decisão judicial anulatória, dado que cada figura assume finalidade distinta. Motivo porque se rejeita a alegação de inconstitucionalidade da solução normativa em causa.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso não merece censura. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.3. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (7). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (8). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €4.485.040,946.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. Nesta perspetiva, a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa, particularmente se estiverem em causa procedimentos de muito elevado valor, pode contender com este direito fundamental, «evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa» [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC, do qual resulta que são especial complexidade as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta- Ana Cristina de Carvalho)

(2ª. Adjunta – Susana Barreto)


(1)Jorge Lopes de Sousa, Sobre a responsabilidade civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pp. 116/117.
(2) Diogo Leite Campos, Jorge Lopes de Sousa e Benjamim Silva Rodrigues LGT, Anotada e Comentada, 2012, anotação ao artigo 43.º.
(3)Diogo Leite Campo, Jorge Lopes de Sousa e Benjamim Silva Rodrigues LGT, op. e loc. cits.
(4)Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário.
(5)Acórdão do STA, de 26-05-2022, p. 01611/11.4BELRS-A.
(6) No mesmo sentido, v. Acórdão do TCAS, de 07-05-2020, P. 2565/04.9BELSB-A.
(7)Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(8)Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.