Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:457/20.3BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:12/17/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:AUTORIZAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA EXECUÇÃO DE OBRAS;
LOTEAMENTO;
SUB-ROGAÇÃO LEGAL;
REGULAMENTO GERAL DE EDIFICAÇÕES URBANAS;
ART.º 84.º DO RGEU;
ART.º 85.º DO RGEU;
PRINCÍPIO DO PEDIDO;
CUMULAÇÃO APARENTE DE PEDIDOS;
CUSTAS;
PARTE VENCIDA;
DIREITO POTESTATIVO.
Sumário:
I - O loteamento, enquanto operação urbanística, altera a situação jurídica dos prédios abrangidos, garantindo-lhes uma dada edificação ou uma estabilização das suas condições de edificabilidade. Assim, as condições que ficarem definidas, para cada lote, no alvará de loteamento, irão vincular quer o proprietário do prédio, quer os adquirentes do lote, ou outros titulares de direitos reais sobre os terrenos, como, igualmente, tornam-se vinculantes para a respectiva Câmara Municipal;
II - Usando da prorrogativa do art.º 84.º do RGEU, a Câmara substitui-se ao titular do alvará e realizará as obras de urbanização em falta. Depois, numa segunda linha, se a Câmara não promover as obras em falta, um terceiro adquirente de um lote para construção, de um edifício aí construído ou de uma facção autónoma, pode requerer a autorização judicial para promover directamente a execução das obras de urbanização;
III - Usando da faculdade indicada no art.º 85.º do RGEU, os terceiros interessados em promover a obra fá-lo-ão à custa do loteador, pois a caução que tenha sido prestada ficará à sua disposição até ao limite das obras. Caso a caução se mostre insuficiente para pagar os custos das obras, então, ficará a Câmara responsável pelo excedente, com direito de regresso sobre o titular do alvará;
IV - Requerendo-se uma autorização para a promoção directa da execução das obras de urbanização num loteamento, em substituição do Município e nos termos do art.º 85.º do RJUE, não cumpre ao respectivo A. da acção peticionar autonomamente o que vem indicado nos n.ºs 4 e 5 do art.º 85.º do RJUE, pois tais determinações constituem necessariamente uma obrigação do Tribunal, imediatamente resultante do deferimento do pedido de autorização;
V- Numa acção de autorização para a promoção directa da execução das obras de urbanização num loteamento, em que o Município não conteste, nem dê qualquer impulso processual nos autos, as custas da acção cabem, na totalidade, ao promotor faltoso. 2.º R. na acção;
VI - Parte vencida nesta acção é apenas o promotor faltoso, que não tendo sido substituído na sua falta pela Câmara, por via da presente autorização judicial será substituído pelo terceiro adquirente, A. na presente acção, que através dela exerce um direito potestativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Município de Constância interpôs recurso da sentença do TAF de Leiria, que determinou a autorização à V……………, SA (V............) para promover directamente a execução das obras de urbanização que se encontram em falta, referentes ao loteamento “Frei Miguel”, sito em Constância, titulado pelo alvará n.º 01/2007, emitido em 25/01/2007, cujo valor se cifra em €207.851,06, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, sem prejuízo de outras que se venham a mostrar necessárias no decorrer das obras e que não se encontram orçamentadas, por não ser possível à A. identificar, ainda, a necessidade da sua execução e cujos custos se remetem para execução de sentença, assim como, que determinou que fosse colocada à ordem do Tribunal, até ao valor do orçamento da obra, a caução composta pela garantia bancária indicada no referido alvará, com o intuito de responder pelas despesas com as obras autorizadas até ao limite do orçamento, e que determinou que caso a caução seja insuficiente para execução das obras autorizadas, os custos fossem suportados pelo Município de Constância, assim como, que condenou a Câmara Municipal de Constância (CMC) a emitir o alvará a que se alude no artigo 85.º, n.º 9 do RJUE.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1º) A douta sentença recorrida tomou decisões, acima assinaladas, em sublinhado, em condenação do ora Recorrente em objecto diverso do pedido;
2º) A douta decisão recorrida violou, pois, salvo o devido respeito, a norma constante das disposições combinadas dos artigos 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 3º, nº1, do Código de Processo Civil,
3º) Sendo nula, por força das disposições combinadas daquele citado artigo 1º do CPTA e do art. 615º, nº 1, al. e), do CPC;
4º) A condenação do Recorrente em custas violou a regra do art. 535º, nº 1, e nº 2, al. a) do Cod. Proc. Civil, aplicável por força do disposto no art. 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não devendo, pois, manter-se tal condenação“.

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “I- O Recorrente não contestou nem tomou posição ao longo da ação, mesmo tendo sido regularmente notificado para o efeito.
II. No ponto 1º das suas conclusões o Recorrente remete para as suas alegações, sem identificar quais as decisões que constituem, na sua ótica, objeto diverso do pedido, o que por si só deverá determinar o recurso improcedente.
III. O Recorrente ao nunca assumir uma posição processualmente ativa, mesmo quando regularmente notificado para o efeito, pois, em tempo, poderia ter-se insurgido sobre as determinações legais do artigo 85.º do RJUE, as quais representam as determinações da douta sentença proferida pelo tribunal a quo.
IV - Pelo que foram, devidamente, cumpridos os princípios do dispositivo e do contraditório.
V. A condenação do Município Recorrente mais não é do que uma concretização da lei.
VI. Andou bem o tribunal a quo ao condenar as entidades requeridas, conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, porquanto o Município Recorrente deu causa, mesmo que de forma indireta, à ação.
VII. Como tal, a D. sentença recorrida não merece qualquer reparo!”

O DMMP apresentou pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantém:
1. Através de escritura de compra e venda outorgada em 24-07-2019 a Requerente adquiriu, nos autos do processo de insolvência de I………………., S.A., que correram termos no Juízo do Comércio de Santarém, Juiz 3, sob o número 995/12.1TBVNO, os doze prédios identificados no artigo 7.º do r.i., correspondentes a 12 lotes de terreno integrantes do loteamento Frei Miguel, sito em Rua Moinho de Vento, freguesia e concelho de Constância – cfr. doc. 3 junto com o requerimento inicial (r.i.);
2. Para a operação de loteamento em causa, o Município de Constância emitiu, em 25-01-2007, o alvará de loteamento n.º 01/2007 em 25 de janeiro de 2007 – cfr. doc. 4 junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. À data de entrada da presente ação, as obras de urbanização do loteamento em causa não se encontravam concluídas e as infraestruturas necessárias para a construção dos lotes encontravam-se inacabadas – facto confessado;
4. A Autora deu conhecimento de tais factos e circunstâncias ao Réu Município, tendo, inclusivamente reunido com o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Constância e com os serviços técnicos do Município com o intuito de encontrar soluções para a resolução de tal problema – facto confessado
5. Para a conclusão das obras de urbanização mencionadas no alvará de loteamento, será necessário executar trabalhos os trabalhos mencionados no documento 6 junto com o r.i., que ascendem ao valor de €207.851,06 (duzentos e sete mil, oitocentos e cinquenta e um euros e seis cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor – cfr. doc. 6 junto com o r.i.; confissão.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da nulidade decisória e da violação dos art.ºs 1.º do CPTA, 3.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), por a decisão recorrida ter condenado além do pedido no segmento que determinou que fosse colocada à ordem do Tribunal, até ao valor do orçamento das obras, a caução composta pela garantia bancária indicada no alvará nº 01/2007, emitido em 25/01/2007, com o intuito de responder pelas despesas com as obras autorizadas até ao limite do orçamento, em que determinou que caso a caução seja insuficiente para execução das obras autorizadas, os custos seriam suportados pelo Município de Constância e quando condenou a CMC a emitir o alvará a que se alude no art. 85º, n.º 9 do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - RJEU);
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 535.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, por se ter condenado em custas o Município quando esta entidade não deu causa a acção e não a contestou, tendo dado causa à acção a I…………, S.A., a quem cabia levar a cabo o loteamento licenciado.

A PI da presente acção vem interposta contra o Município de Constância e a I.............
Através da mesma requer-se, a final, o seguinte: “se digne a deferir o pedido de autorização judicial para promoção direta de execução das obras de urbanização do loteamento “Frei Miguel” sito em Constância titulado pelo alvará n.º 01/2007 emitido em 25 de janeiro de 2007 e cujo orçamento para a realização das mesmas se estima em € 207.851,06 (duzentos e sete mil, oitocentos e cinquenta e um euros e seis cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, sem prejuízo de outras que se venham a mostrar necessárias no decorrer das obras e que não se encontram orçamentadas por não ser possível à Autora identificar, ainda, a necessidade de execução das mesmas e cujos custos de execução se remetem para execução de sentença.”
Para o efeito, o A. alega na PI que a CMC emitiu o loteamento em apreço e que quando a A. tomou posse dos referidos lotes verificou que as obras aí indicadas não estavam concluídas, estando inacabadas as infraestruturas necessárias para a construção dos lotes. A A. deu conhecimento do facto à CMC. Esta Câmara não lançou mão do disposto no art.º 84.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJEU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 e negou-se a usar tal mecanismo. Por tal razão, o A. vem através desta acção lançar mão do mecanismo previsto no art.º 85.º do RJEU, considerando que a CMC não promoveu directamente a execução das obras em falta.
Por despacho de 21/05/2020, foi o Município de Constância notificado em cumprimento do art.º 85.º, n.º 3, do RJUE. O Município nada veio dizer.
Citados os RR. da PI apresentada, estes não contestaram.
O loteamento, enquanto operação urbanística, altera a situação jurídica dos prédios abrangidos, garantindo-lhes uma dada edificação ou uma estabilização das suas condições de edificabilidade. Assim, as condições que ficarem definidas, para cada lote, no alvará de loteamento, irão vincular quer o proprietário do prédio, quer os adquirentes do lote, ou outros titulares de direitos reais sobre os terrenos, como, igualmente, tornam-se vinculantes para a respectiva Câmara Municipal.
Assim, nas palavras de Fernanda Paula Oliveira, é “em função das condições de edificabilidade dos lotes definida de forma estável na licença ou admissão da comunicação prévia de um loteamento que se definem os deveres e os encargos a assumir pelo promotor do loteamento de forma a garantir que a edificabilidade prevista para a área (isto é, para cada lote a criar com a operação de loteamento) tem condições para poder ser concretizada. Deveres e encargos estes que apenas se compreendem em função dos direitos urbanísticos que a licença de loteamento confere.
(…) Porque estabiliza aquelas regras e parâmetros de edificabilidade, o licenciamento ou a comunicação prévia de uma operação de loteamento introduzem um factor de segurança e estabilidade no mercado imobiliário, criando uma mais-valia que não é descurada por terceiros que adquirem os lotes. Esta mais-valia decorre, para estes adquirentes, da garantia:
– de concretizar no lote a operação urbanística (edificação) para ele prevista e nas condições definidas no respectivo título (em regra, o alvará), ainda que os instrumentos de planeamento se alterem; (cfr. artigo 48.° a contario);
– da execução efectiva das obras de urbanização, já que, caso o promotor do loteamento as não realize (como é seu dever) pode solicitar que a câmara, ao abrigo do disposto no artigo 84.°, as realize em substituição daquele (à custa da caução por ele prestada) ou pode, nos termos previstos no artigo 85.°, requerer autorização judicial para promover directamente a execução de obras de urbanização;
– do cumprimento das condições estabelecidas no alvará ou da comunicação prévia admitida por parte dos restantes adquirentes dos lotes, do promotor e da própria câmara (artigo 77.°, n.° 3);
– de uma certa estabilidade das regras constantes do alvará ou comunicação prévia admitida, uma vez que as respectivas alterações estão sujeitas a regras mais rígidas de legitimidade, em que os adquirentes dos lotes têm uma palavra a dizer (cfr. o disposto no n.° 3 do artigo 27.°) e, tratando-se de alteração da iniciativa da câmara (artigo 48.°), as alterações que prejudiquem os adquirentes dos lotes dão lugar a indemnização.
(…) É pois ao promotor do loteamento (e não aos construtores nos lotes) que cabe o encargo de dotar a área de todas as características destinadas a servir a edificação a erigir, designadamente as necessárias a garantir qualidade de vida dos futuros utentes ou residentes.
(…) O promotor do loteamento tem, ainda, de forma a permitir o cumprimento do fim a que se encontram destinados os lotes (edificação urbana), de realizar as respectivas obras de urbanização (prestando caução que garanta a sua regular execução) e de pagar a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas, que corresponde à contrapartida pela realização, pelo município, de infra-estruturas gerais originadas pela operação de loteamento
(…) Sendo os lotes resultantes de uma operação de loteamento unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa servidos, de forma a garantir a efectiva concretização daquela edificabilidade, pelas necessárias infra-estruturas urbanísticas – as quais devem ser realizadas dentro de determinados prazos, ainda que a edificação nos lotes apenas surja mais tarde –, e por áreas verdes e de utilização colectiva e equipamentos – que ficam logo previstas ou, sendo caso disso, são imediatamente cedidas ao município para aqueles fins (não podendo ser destinados a outros sob pena de reversão) –, bem se compreende que, no mercado, um lote integrado num loteamento tenha um valor mais elevado do que um prédio não abrangido por este tipo de operação” (in OLIVEIRA, Fernanda Paula - Direito do Urbanismo - Do Planeamento à Gestão [Em linha] Cejur, 2010 [Consult. em 2 de Outubro de 2017] Disponível em http://www.fd.uc.pt/~fpaula/ . pp. 226-227).
Portanto, é neste enquadramento que devem ser lidos os art.ºs 84.º e 85.º do RJEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/2.
Não executadas as obras de urbanização pelo promotor, a Câmara, “para salvaguarda do património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das obras por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia quando, por causa que seja imputável a este último:
a) Não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará ou do título da comunicação prévia;
b) Permanecerem interrompidas por mais de um ano;
c) Não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade;
d) Não hajam sido efetuadas as correções ou alterações que hajam sido intimadas nos termos do artigo 105.º” – cf. art.º 84.º, n.º 1, do RGEU.
Ou seja, usando da prorrogativa do art.º 84.º do RGEU, a Câmara substitui-se ao titular do alvará e realizará as obras de urbanização em falta. Para o efeito, a Câmara poderá accionar as cauções prestadas – cf. art.º 84.º, n.º 3, do RJEU. Não ficando o custo da execução das obras em falta garantidas pela caução prestada, a Câmara terá, relativamente à parte restante, que se promover a execução fiscal do promotor faltoso.
Apreciando este poder-dever da Câmara, João Pereira Reis e Margarida Loureiro indicam o carácter excepcional, a necessária parcimónia no uso da medida e alertam para a exigência da verificação dos requisitos legais, quanto aos fins a salvaguardarem-se (cf. REIS, João Pereira; LOUREIRO, Margarida - Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação - Anotado. 2.ª ed., Coimbra: Almedina, pp. 208-209).
Depois, numa segunda linha, se a Câmara não promover as obras em falta, um terceiro adquirente de um lote para construção, de um edifício aí construído ou de uma facção autónoma, pode requerer a autorização judicial para promover directamente a execução das obras de urbanização – cf. art.º 85.º do RGEU.
Ou seja, estes terceiros, porque direitamente interessados na execução daquelas obras em falta, mediante autorização judicial, podem sub-rogar-se ao promotor faltoso e executar, eles próprios, as obras em questão, caso a Câmara também tenham faltado a esse dever.
Nestes termos, o art.º 85.º do RJUE, sob a epígrafe “Execução das obras de urbanização por terceiro” determina o seguinte: “1 - Qualquer adquirente dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de frações autónomas dos mesmos tem legitimidade para requerer a autorização judicial para promover diretamente a execução das obras de urbanização quando, verificando-se as situações previstas no n.º 1 do artigo anterior, a câmara municipal não tenha promovido a sua execução.
2 - O requerimento é instruído com os seguintes elementos:
a) Cópia do alvará ou do título da comunicação prévia, nos termos do n.º 2 do artigo 74.º;
b) Orçamento, a preços correntes do mercado, relativo à execução das obras de urbanização em conformidade com os projetos aprovados e condições fixadas no licenciamento;
c) Quaisquer outros elementos que o requerente entenda necessários para o conhecimento do pedido.
3 - Antes de decidir, o tribunal notifica a câmara municipal, o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia para responderem no prazo de 30 dias e ordena a realização das diligências que entenda úteis para o conhecimento do pedido, nomeadamente a inspeção judicial do local.
4 - Se deferir o pedido, o tribunal fixa especificadamente as obras a realizar e o respetivo orçamento e determina que a caução a que se refere o artigo 54.º fique à sua ordem, a fim de responder pelas despesas com as obras até ao limite do orçamento.
5 - Na falta ou insuficiência da caução, o tribunal determina que os custos sejam suportados pelo município, sem prejuízo do direito de regresso deste sobre o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia.
6 - O processo a que se referem os números anteriores é urgente e isento de custas.
7 - Da sentença cabe recurso nos termos gerais.
8 - Compete aos tribunais administrativos de círculo onde se localiza o prédio no qual se devam realizar as obras de urbanização conhecer os pedidos previstos no presente artigo.
9 - A câmara municipal emite oficiosamente alvará para execução de obras por terceiro, competindo ao seu presidente dar conhecimento das respetivas deliberações à Direção-Geral do Território, para efeitos cadastrais, e à conservatória do registo predial, quando:
a) Tenha havido receção provisória das obras; ou
b) Seja integralmente reembolsada das despesas efetuadas, caso se verifique a situação prevista no n.º 5.” (sublinhados nossos).
Por conseguinte, apresentada a PI, antes de decidir, o Tribunal terá que notificar a Câmara e o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia para responderem no prazo de 30 dias – cf. art.º 85.º, n.º 3, do RGEU.
Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes referem que esta notificação visa permitir que a Câmara e o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia venham ainda a promover as obras de edificação em falta. Acrescentam estas Autoras, que a “realização das obras de edificação pelos adquirentes dos lotes é assim, assumida como a última das soluções a adoptar”, para que não passem a ter um encargo que não seria deles (cf. das Autoras, Regime jurídico da urbanização e edificação. Comentado. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2006. Reimpressão da edição de Fevereiro 2006. p. 399).
Usando da faculdade indicada no art.º 85.º do RGEU, os terceiros interessados em promover a obra fá-lo-ão à custa do loteador, pois a caução que tenha sido prestada ficará à sua disposição até ao limite das obras. Caso a caução se mostre insuficiente para pagar os custos das obras, então, ficará a Câmara responsável pelo excedente, com direito de regresso sobre o titular do alvará.
Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes indicam esta responsabilidade da Câmara como um reverso da sua obrigação “de cálculo correcto da caução que garanta as obras de urbanização” (cf. das Autoras, Regime jurídico…, ob. cit., pp.399-400).
Sendo necessário, o tribunal “ordena a realização das diligências que entenda úteis para o conhecimento do pedido, nomeadamente a inspeção judicial do local” – cf. art.º 85.º, n.º 3, in fine, do RJEU.
Mais se assinale, que apreciada a razão legal, constante do art.º 84.º, n.º 1, do RGEU, para a atribuição da obrigação da Câmara para a feitura das referidas obras, constata-se, que não é coincidente com a razão pela qual se imputa a mesma legitimidade aos terceiros interessados: no caso da Câmara, o poder-dever de sub-rogação nas obrigações do promotor do loteamento visa a protecção dos interesses de terceiros adquirentes de lotes, mas, também, a protecção do património cultural, a qualidade do meio urbano e do meio ambiente, a segurança das edificações e o público em geral. No caso dos terceiros interessados, a legitimidade legal para a atribuição do poder de sub-rogação radica unicamente nos seus próprios interesses e na especial protecção que deriva do título que detém, ou seja, dos direitos que já lhe foram conferidos pela licença urbanística. Identicamente, a indicada sub-rogação é para a Câmara um poder-dever, enquanto para os terceiros interessados configura uma mera faculdade (a este propósito, cf. também os Ac. do TCAS n.º 124/07.5BELLE, de 04/10/2017 ou do TCAN n.º 02824/18.3BEBRG, de 20/12/2019 e n.º 01007/19.0BEBRG, de 18/09/2020).
Como decorre dos autos, no processo em apreço o Tribunal notificou a CMC para responder, no prazo de 30 dias, conforme determinado pelo art.º 85.º, n.º 3, do RGEU.
A CMC nada veio dizer. Citado da acção, o Município também não contestou.
Na decisão recorrida foi deferido o pedido do A. para ser autorizado a promover directamente a execução das obras de urbanização do loteamento em questão, em substituição da CMC, que é a entidade que deveria, em primeira linha, substituir-se ao promotor faltoso.
Por conseguinte, tal como decorre dos n.ºs 4 e 5 do art.º 85.º do RJUE, uma vez deferido tal pedido incumbia também ao Tribunal determinar, oficiosamente, que se cumprissem as obrigações consequentes a tal deferimento, a saber, tinha o Tribunal de fixar especificadamente as obras a realizar e o respectivo orçamento, tinha que determinar que a correspondente caução ficasse à sua ordem, a fim de responder pelas despesas com as obras até ao limite do orçamento, assim como, teria de determinar que na falta ou insuficiência da caução os custos seriam suportados pelo município, sem prejuízo do direito de regresso deste sobre o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia. Tais determinações legais decorrem do deferimento da autorização e estão contidas nesse mesmo pedido, por serem meras concretizações legais daquele.
Verdadeiramente, requerendo-se uma autorização para a promoção directa da execução das obras de urbanização num loteamento, em substituição do Município e nos termos do art.º 85.º do RJUE, não cumpre ao respectivo A. da acção peticionar autonomamente o que vem indicado nos n.ºs 4 e 5 do art.º 85.º do RJUE, pois tais determinações constituem necessariamente uma obrigação do Tribunal, imediatamente resultante do deferimento do pedido de autorização. Por seu turno, se na acção se peticionar especificamente o que vem determinado nos n.ºs 4 e 5 do art.º 85.º do RJUE, esses mesmos pedidos devem ser entendidos como estando requeridos em cumulação aparente – e não real – pois tinham sempre de ser assim julgados pelo Tribunal, no caso de deferir o pedido principal – de autorização.
Por seu turno, no que concerne à determinação judicial contida na sentença recorrida para que a CMC emitisse o alvará para execução de obras pela V............, é uma mera especificação judicial da obrigação legal que já resultava do determinado no n.º 9 do art.º 85.º do RJUE. Tal determinação judicial nada acrescenta de efectivo para além do que já resulta daquele n.º 9. Trata-se de uma mera reprodução do texto da lei. Nessa mesma medida, a indicada determinação judicial é vazia, pois nada introduz de novo no ordenamento jurídico que não derivasse já da própria lei. Após o trânsito em julgado da decisão judicial, por força do n.º 9 do art.º 85.º do RJUE, a CMC ficava imediatamente obrigada a emitir o novo alvará. Sem embargo, essa mesma determinação legal não constitui uma sentença proferida para além do pedido, pois limitou-se a enunciar aquilo que já derivava necessariamente da lei e que era uma consequência necessária do deferimento do pedido de autorização.
Em suma, no caso não houve nenhuma condenação para além do pedido, que conduza à nulidade da sentença recorrida.

No que concerne ao erro decisório por se ter condenado o Município em custas, o recurso já procede.
A presente acção foi interposta contra o Município de Constância e a I............, sendo aquele 1.º R. e esta 2.º R. Citados ambos os RR., não contestaram.
O art.º 85.º, n.º 6, do RJEU, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04/07, determinava que o presente processo “é urgente e isento de custas”.
Porém, o art.º 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 (que entrou em vigor em 20/04/2009) revogou as isenções de custas previstas noutros diplomas que não o aprovado pela indicada lei (isto é, pelo Regulamento de Custas Judiciais – RCJ). Ficou, pois, revogada a parte final do art.º 85.º, n.º 6, do RJEU.
Após a entrada em vigor do referido RCJ, o citado art.º 85.º do RJEU veio a ser alterado, designadamente pelos Decretos-Lei n.º 136/2014, de 09/09 e 214-G/2015, de 02/10.
O art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09/09, refere que se republica o RJEU “com a redação actual”. Conforme o texto da citada republicação, no art.º 85.º mantém-se a seguinte determinação: ” 6 - O processo a que se referem os números anteriores é urgente e isento de custas.”
Essa mesma redacção - que considera em vigor o indicado n.º 6 do art.º 85.º - é considerada no texto de revisão ao indicado artigo constante do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10. Ou seja, ao proceder-se a uma nova redacção do art.º 85.º do RJEU pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, indica-se aquele n.º 6 como estando em vigor, mantendo-se o seu texto anterior (e não com a menção de revogado).
Sem embargo, do texto dos indicados Decretos-Lei n.º 136/2014, de 09/09 e 214-G/2015, de 02/10, não consta expressa a repristinação da parte final do art.º 85.º, n.º 6, do RJEU, designadamente a parte em que se refere à isenção de custas.
Portanto, há que entender que a parte final do art.º 85.º, n.º 6, do RJEU, mantém-se revogada pelo o art.º 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, pois o texto da republicação daquele diploma não tem força de lei (e encerrará um lapso quando mantém a indicada referência como ainda em vigor).
Logo, o presente processo de autorização judicial é agora um processo que está sujeito a custas, regendo aqui as regras dos art.ºs 527.º a 541.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
Conforme o art.º 527.º do CPC a tributação em custas rege-se pelos princípios da causalidade e proveito.
Quanto ao proveito, quem o tirou foi o A., que também obteve ganho de causa. Por seu turno, os RR. nenhum proveito tiveram com a presente acção
No que se refere à causalidade, a presente autorização judicial foi motivada pelo incumprimento pelo promotor do loteamento das suas obrigações. Quanto à sub-rogação da Câmara, como acima indicamos, tem carácter excepcional, é um poder-dever que se justifica para garantia do património cultural e edificado, para segurança deste e do público em geral, mas também, no caso de obras de urbanização, para protecção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, no caso para protecção do próprio A. da acção.
A obrigação em falta não é uma obrigação solidária, do promotor faltoso e da Câmara, mas é apenas uma obrigação do promotor do loteamento, obrigação relativamente à qual se exige a sub-rogação da Camara ou, na sua falta, se permite a sub-rogação do terceiro adquirente. O terceiro adquirente usando da prerrogativa do art.º 85.º do RJEU vem exercer por via da acção judicial de autorização um direito potestativo que decorre da própria possibilidade daquela sub-rogação legal (que lhe é benéfica, como já indicamos).
Funciona aqui o mecanismo da sub-rogação legal, que conduz ao poder-dever da Câmara de cumprir obrigação alheia, passando a colocar-se na posição do promotor faltoso ou, na falta desta, à possibilidade do terceiro adquirente se substituir ao devedor originário. A obrigação em falta é transmitida sucessivamente, primeiro à Câmara, na falta desta ao terceiro adquirente, que se substitui ao devedor originário – o promotor – por efeito do mecanismo da sub-rogação legal. Esta sub-rogação é para o terceiro adquirente uma mera faculdade, que exerce se quiser, mas que o tem de fazer mediante autorização judicial (cf. art.ºs. 85.º do RJUE e 592.º do CC).
Portanto, verdadeiramente não é o Município que dá causa a este processo. Por seu turno, também não é o Município que fica vencido com o mesmo, pois o Município não se apresenta em termos procedimentais e substantivos como uma parte oposta ao terceiro adquirente, A. nesta acção. Só em termos processuais é que o Município se apresenta como parte oposta, não em termos substantivos.
Não foi, pois, o Município que deu causa à acção ou que dela tirou proveito. Também não existe solidariedade na obrigação em falta.
Quanto à invocada não contestação da Câmara ou à inexistência de qualquer impulso processual da sua parte, é um argumento que releva para efeitos da não exigência de custas de parte, não para efeitos de tributação em custas, salvo no que resulta do art.º 535.º, n.º 1, do CPC.
Assim, Câmara não deve ser entendida como parte vencida para efeitos de custas, pois não deu causa à acção, dela não tira proveito e não praticou qualquer ilícito – cf. art.ºs 527.º, n.º 2 e 535.º, n.ºs 1,2, al. a) e 3, do CPC.
Parte vencida nesta acção é apenas o promotor faltoso, que não tendo sido substituído na sua falta pela Câmara por via da presente autorização judicial será substituído pelo terceiro adquirente, A. na presente acção.
Em suma, quem deu causa nesta acção e ficou vencido na mesma foi apenas o promotor inadimplente, a I............. Operam, pois, as regras dos arts.º 527.º, nºs 1, 2, 528.º, n.º 1, 535.º, n.ºs 1,2, al. a) e 3, do CPC, e há que determinar que as custas do presente processo, em 1.º instância, cabem somente ao 2.º R., a I............. Foi a I............ quem incumpriu a obrigação em questão, logo, quem deu causa ao processo e quem ficou vencido no mesmo. É a I............ que vê a sua obrigação a ser cumprida pelo A., por via da autorização concedida através desta acção (não o Município).
As custas do processo em 1.ª instância cumprem, pois, apenas, ao 2.º R., que se considera vencido na totalidade da acção.
Nessa mesma medida, há que revogar a decisão recorrida quando condenou ambos os RR. em custas.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso e determinar que as custas em 1.ª instância ficam, na sua totalidade, a cargo do 2.º R., I............;
- no restante, mantém-se a decisão recorrida;
- custas do presente recurso pelo Recorrente e pelo Recorrido na proporção do decaimento, que se fixa em 80% para o primeiro e em 20% para o segundo (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 17 de Dezembro de 2020.

(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.