Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:106/09.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO PROCESSUAL
PODER/DEVER
ATO DE LIQUIDAÇÃO CORRETIVO
Sumário:I-O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, importando atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional servindo de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada.

II-A convolação processual surge como um poder/dever e só deve ser afastada quando se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado.

III-A emissão de ato de liquidação corretivo não reabre a possibilidade de discussão contenciosa da legalidade da dívida.

IV-Se o pedido formulado na petição é adequado à forma processual idónea para o efeito, não sendo manifesta a improcedência da pretensão e sendo tempestiva a petição, impõe-se ao Tribunal ad quem ordenar a convolação para o processo reputado como próprio, sendo, aliás, uma decorrência do princípio da adequação formal e do pro actione os quais devem pautar e nortear a atuação dos julgadores, visando-se, dessa forma, a obtenção de uma solução global e justa do litígio.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO



E..., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº 09..., instaurado pelo Serviço de Finanças de Évora.


O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“1ª

Ao recorrente foi instaurado um Processo de Execução Fiscal para cobrança de dívida de IRS do exercício de 2004.


O processo de execução teve como fundamento a exigência do pagamento de mais- valias ao recorrente, resultante da venda de um imóvel.


O recorrente apresentou prova documental de que não havia lugar ao pagamento de mais-valias dado ter reinvestido o valor da venda do imóvel em obras que tiveram lugar no seu domicílio.


O valor das obras levadas a cabo foi de valor superior ao da venda do imóvel.


A Administração Fiscal nunca notificou de que tivera lugar uma segunda avaliação, razão pela qual não lhe foi dada a oportunidade de exercer o contraditório.


Apesar da situação, foi intentado contra o recorrente Processo de Execução Fiscal.


O recorrente apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja em 17 de Fevereiro de 2009 a sua Oposição à Execução.


A sentença recorrida decidiu não apreciar a matéria de facto por inutilidade superveniente da lide por entender que quando foi deduzida a oposição ainda corria prazo para impugnar a liquidação, uma vez que o prazo para o pagamento voluntário da dívida terminou em 17/12/2008 e a acção entrou no Tribunal em 16/02/2009, isto é antes do final do prazo para pagamento voluntário (artigo 102° n.° 1 do CPPT).


Mais considera haver lugar à INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE pelo facto de em 23 de Março de 2011 ter sido notificado 0 Tribunal que nesta data havia sido corrigida a liquidação objecto da acção.

10ª

A Oposição deduzida tem como fundamento a NULIDADE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO POR INEXISTÊNCIA DO IMPOSTO - alínea a) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT.

11ª

Temos assim que o recorrente não aceitou a liquidação, razão pela qual deduziu oportunamente Oposição Judicial.

12ª

Houve um manifesto erro na aplicação do direito na sentença recorrida.

13ª

A sentença recorrida viola o n.° 2 do artigo 659° do CPC, o n.° 1 do artigo 203°, alínea f) do artigo 102° todos do CPPT,

14ª

Contrariamente ao afirmado na sentença a Oposição deduzida encontra fundamento na alínea a) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT.

15°

Deve a Oposição apresentada em Tribunal ser aceite e 0 processo deve ser julgado de acordo com a legislação aplicável não se recorrendo ao expediente fácil evocado na sentença de “INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE”. Assim,

16ª

Deve ser anulada a sentença recorrida e ser substituída por outra em que seja analisada a prova factual apresentada pelo ora recorrente em sede de Oposição à Execução.

Ao proceder como se conclui far-se-á JUSTIÇA!”


***




A Recorrida, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.



***




Os autos foram com vista ao DMMP que emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão.



***




Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.



***


II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 2009.01.09, no Serviço de Finanças de Évora foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) nº 09..., contra E... e F..., residentes no M…, Foros do Queimado, S. Miguel de Machede (cf. fls. 1 do PEF);

B) Tem por base:

a. Certidão de dívida nº 2009/30918, emitida em 2009.01.08, que atesta que os executados são devedores de € 14 021,49, dos quais €12 753,55 de IRS do exercício de 2004, e € 1 267,94 de juros, com pagamento voluntário até 2008.12.17, acrescido de juros de mora contados a partir de 2008.12.18;

C) Em 2009.02.16, no Serviço de Finanças de Évora, deu entrada a presente oposição;

D) Na sequência da oposição a DTC – Equipa de gestão tributária da Direcção de Finanças de Évora, iniciou processo de análise interna e elaborou informação constante de fls. 40 a 45 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e que concluiu pelo apuramento de uma mais-valia fiscal de € 19 385,83 e não € 33 455,83 (...) o que origina imposto em falta no montante de € 7 086,84 (...) foi liquidado a mais o montante de € 5 666,71;

E) Em 2009.03.12, por delegação do de competências do Director de Finanças (D.R. II Série nº 121, de 2008.06.25, foi proferido despacho constante de fls. 46 a 47 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se transcreve:

“a. (...);

b. Concordo com a revisão do acto tributário proposto (...), efectuada ao abrigo do artigo 78/1 da Lei Geral Tributária, desprezando-se como valor de realização o que resultou da avaliação e considerando-se apenas o declarado de venda (€ 110 000,00), por se admitir que houve erro dos serviços ao não notificar o alienante do resultado da avaliação;

c. Elabore-se documento de correcção (DCÚnico) – tipo 6, corrigindo-se apenas o valor de realização de € 138 140,00 para € 110 000,00, mantendo-se os restantes valores constantes do Anexo G do documento de correcção elaborado em 2008.09.25, do que resultará imposto em falta no montante de € 7 086,84 (conforme simulação efectuada) e a anulação parcial da quantia de € 5 666,71, prosseguindo assim o processo de execução fiscal instaurado para cobrança do montante de € 12 753,55, apenas pela mencionada quantia de € 7 086,84, bem como do acrescido (juros e custas);

d. (...);

F) Em 2011.03.21, a dívida exequenda foi parcialmente anulada, no montante global de € 5 662,96, dos quais € 4 395,02 de IRS e € 1 267,02 de juros (cf. fls. 196 dos autos);

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “Os factos apurados resultam dos documentos e informações constantes do processo.”


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:
D) A 12 de março de 2009, a Técnica de Administração Tributária, da Direção de Finanças de Évora-DTC Equipa de Gestão Tributária, proferiu informação da qual se extrata, designadamente, o seguinte:

«Imagem no original»



«Imagem no original»





(cfr. fls. informação instrutora junto ao PEF apenso);
***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº 09..., instaurado no Serviço de Finanças de Évora.


Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se a decisão prolatada pelo Tribunal a quo, deve manter-se na ordem jurídica analisando, para o efeito, o pedido e as concretas causas de pedir e, consequentemente, se a pretensão do Recorrente é insuscetível de apreciação neste meio processual. Ajuizando-se, nesse sentido, se está inviabilizada qualquer convolação processual, importando, para o efeito, aquilatar se o Tribunal a quo errou na atinente valoração da realidade de facto, na medida em que partiu de uma, errónea, assunção de consolidação do ato de liquidação atento um comportamento omissivo.


Vejamos, então.


O Recorrente defende que apresentou prova documental de que não havia lugar ao pagamento de mais-valias dado ter reinvestido o valor da venda do imóvel em obras que tiveram lugar no seu domicílio, sendo que o valor das obras levadas a cabo foi de valor superior ao da venda do imóvel.


Aduzindo, ainda, que de todo o modo nunca foi notificado de que tivera lugar uma segunda avaliação, razão pela qual não lhe foi dada a oportunidade de exercer o contraditório.


Logo, a oposição deduzida tem como fundamento a nulidade do processo executivo, atenta a inexistência de imposto, enquadrando-se, assim, na alínea a) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT. De todo o modo, sendo o fundamento da presente ação a nulidade do imposto sempre a impugnação poderia ser deduzida a todo o tempo, em ordem ao consignado no artigo 102.º, nº3 do CPPT, não podendo, in casu, extrair-se qualquer conduta de conformação com o ato de liquidação que inviabilize a convolação.


Salientando, in fine, que não tem qualquer cabimento afirmar-se que com a anulação parcial da dívida e emissão de novo ato-ainda que, de todo o modo, nunca para tal tenha sido notificado-voltou a correr novo prazo para impugnação e que, ora, a discussão da legalidade da dívida se encontre inviabilizada.


Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado, começando por ter presente as razões que nortearam a improcedência.


O Tribunal a quo começa por sustentar que na linha do propugnado pelo DRFP e DMMP existe impropriedade do presente meio processual mas que o mesmo é insuscetível de qualquer convolação, na medida em que “[o] Oponente podia ainda impugnar a liquidação, a verificação do erro na forma de processo não legitima, nem deve dar lugar, à convolação judicial da oposição em impugnação, por corresponder, afinal, ao exercício de uma opção do contribuinte.”


Mais relevando, para o efeito, que “[d]epois, notificado da revisão do acto de liquidação, o Contribuinte ou se conforma com a decisão ou impugna-a: não cumpre, pois, aqui e agora, apreciar a legalidade da liquidação, nem é de convolar (…) porquanto “[o] problema que condiciona a pertinência da lide é o de saber se o Contribuinte aceitou ou não a liquidação, se e quando não impugnou o acto, em prazo. Circunstância esta lhe impede, por superveniência, a apreciação de mérito (…) determinando, nessa medida uma “inutilidade superveniente da lide, carecida agora de objecto”, visto que o ato de liquidação “[c]onsolidou-se”.


Ora, do supra expendido resulta que o Tribunal a quo entendeu que na presente lide o Oponente apenas pretendia discutir a legalidade, em concreto, da dívida exequenda, logo não era esta a sede para o efeito, no entanto, apartou qualquer possibilidade de convolação processual visto que à data da oposição ainda estava em curso o prazo de impugnação, o que tem de ser interpretado como uma clara opção garantística do contribuinte, inviabilizando-a.


Apreciando.


Como visto o Recorrente corrobora, efetivamente, que visa, tão-só, que sejam consideradas ilegais as correções aritméticas materializadas na Categoria G, atenta a inexistência do facto tributário, entendendo que a questão é subsumível no artigo 204.º, nº1, alínea a), do CPPT, avançando, no entanto, que de todo o modo não era possível sindicar-se a insusceptibilidade de convolação processual para a impugnação judicial, na medida em que, por um lado, inexistiu qualquer aceitação do ato de liquidação e por outro lado a impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo.


Pelo que importa, desde já, aferir se existe, efetivamente, erro de julgamento na assunção da impropriedade do meio, e em caso afirmativo se é de validar a ajuizada insusceptibilidade de convolação processual.


Vejamos.


O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado (2). Porquanto, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (3). Logo, para se aferir da existência ou não de erro na forma de processo, cumpre atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional servindo de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada (4).


Atentemos, então, qual o pedido constante na petição inicial de oposição sob recurso, fazendo a devida transcrição: “Pelo que, não poderá ser considerado como rendimento para efeitos de tributação o valor obtido com a venda do imóvel sito no Bairro do Bacelo. Mais se deverá considerar verificar-se a existência do vício estatuído na al. a) do nº1 do artº 204º do CPPT: “a) inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação.”


E, em consequência ser a presente oposição considerada procedente por provada e arquivados os presentes autos de execução fiscal.”


De facto, atentando no seu teor e realizando uma interpretação meramente literal retira-se que o seu pedido explícito está coadunado com a procedência da oposição, porém, se ponderarmos o seu pedido implícito dimana que o Recorrente, convoca a inexistência do facto tributário por entender que as mais valias estão isentas de tributação na medida em que procedeu ao reinvestimento dentro do prazo legal para o efeito, pretendendo que daí sejam retiradas todas as legais e devidas consequências, particularmente, que não seja “[c]onsiderado como rendimento para efeitos de tributação o valor obtido com a venda do imóvel sito no Bairro do B…” inferindo-se, portanto, a anulação do ato tributário de IRS de 2004, objeto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal0914200909000054.


Note-se que, a Jurisprudência vem entendendo que deve flexibilizar-se a interpretação do pedido final da petição, de modo a apreender-se a verdadeira pretensão jurídica e conferir a maior tutela à parte.


De convocar, neste particular, o Aresto do STA, proferido no processo nº 01508/14, de 16 de dezembro de 2015:


“II-Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.

III - Tendo presentes esses princípios e as concretas causas de pedir invocada, o pedido de extinção da execução formulado a final pelo oponente enquanto consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse acto.”

No mesmo sentido se doutrina no Acórdão do STA, proferido no processo nº 01133/14, de 21 de junho de 2017, no qual se evidencia, neste e para este efeito que, se deve entender que “[o] pedido formulado na petição inicial de forma lata, (pedido de que, se determine a extinção da presente execução) como dirigindo-se à anulação da liquidação do tributo em causa.”


Pelo que face ao exposto aquiesce-se que o pedido constante na p.i. se adequa à forma de processo de impugnação judicial.


Sendo certo que, conforme aduzido na decisão recorrida todas as causas de pedir estão relacionadas com a ilegalidade em concreto da dívida exequenda, visto que as mesmas se coadunam, por um lado, com a falta de notificação do ato de avaliação que legitimou a fixação de um novo Valor Patrimonial Tributário (VPT) o qual acarretou a alteração do valor de realização-erro, de resto, já reconhecido e situação já sanada- e por outro lado, com a inexistência do facto tributário face ao reinvestimento declarado e, efetivamente, concretizado.


De relevar, neste particular, que os fundamentos não se subsumem no artigo 204.º do CPPT, desde logo, porque na alínea a), convocada pelo Recorrente na sua p.i., e ora reiterada, tal ilegalidade em abstrato, conforme é jurisprudência unanime (5) “[n]ão reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação”. Noutra formulação, a alínea a), reporta-se exclusivamente à ilegalidade do próprio tributo e já não à ilegalidade do ato de tributação, como, in casu (6).


Por outro lado, nenhuma das aludidas alegações pode, igualmente, reconduzir-se à alínea i) uma vez que, por um lado, não se trata de questão a provar apenas documentalmente, tendo a Recorrente, desde logo, arrolado testemunhas, e por outro lado, envolve, como visto, a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda.


Face ao exposto resulta, efetivamente, que nos encontramos perante uma petição inicial cujo pedido se adequa ao processo de impugnação judicial, o mesmo sucedendo com as respetivas causas de pedir, donde secunda-se a decisão da impropriedade do meio processual arbitrada pelo Tribunal a quo.


Aqui chegados, importa aferir se igual anuência se verifica no atinente à decretada insusceptibilidade de convolação processual.


Vejamos, então.


Ab initio, importa ter presente que sempre que nos encontramos perante uma petição inicial cujo pedido é suscetível de ser enquadrado no processo de impugnação judicial, visando a anulação do ato de liquidação, o mesmo sucedendo, como visto, com as respetivas causas de pedir, deve reconhecer-se a existência de erro na forma do processo, competindo enquanto poder/dever e passo subsequente avaliar a possibilidade, em concreto, da convolação para a forma processual adequada a esse pedido (cf. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).


Sendo que tal convolação processual apenas deve ser afastada quando se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado (7).


In casu, entendemos que nada obsta à convolação processual para a espécie processual, afigurando-se que o Tribunal a quo não interpretou da melhor forma a realidade fática em contenda, não podendo, outrossim, e conforme aduzido pelo Recorrente inferir-se qualquer aceitação do ato de liquidação que possa obstar à sua sindicância em sede própria e menos ainda validar-se a assunção de uma inutilidade por falta de objeto.


Mas, expliquemos porque assim o entendemos.


Para o efeito, comecemos por ter presente a factualidade que subjaz aos presentes autos.


A 30 de abril de 2004, o Recorrente alienou um prédio urbano pelo valor de €110.000,00, tendo apresentado a competente declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, declarando, na categoria G, a respetiva alienação e no quadro 5 a intenção de reinvestimento desse mesmo valor.


Na sequência da aludida alienação, o aludido bem imóvel foi objeto de avaliação tendo sido alterado o VPT para € 138.140,00, razão pela qual a AT notificou o Recorrente para apresentar declaração de substituição, por forma a refletir essa alteração no cômputo do Valor de Realização, o que não logrou efeito útil.


Face ao exposto, a 28 de julho de 2008, iniciou procedimento de análise interna, propondo a alteração do valor de realização do imóvel alienado para € 138.140,00, e por outro lado, a eliminação da intenção de reinvestimento, por falta de prova atinente ao efeito, tendo sido emitido o competente projeto de relatório e ulterior relatório definitivo.


Em resultado das aludidas correções, foi emitido o ato de liquidação nº 20085004643842, com imposto a pagar de € 12.753,55 e juros compensatórios no valor de € 1.267,94, com data limite de pagamento voluntário de 17 de dezembro de 2008, o qual motivou a instauração do processo de execução fiscal nº 09....


Notificado do aludido ato de liquidação, o Recorrente apresentou a 18 de fevereiro de 2009, a presente oposição ao processo de execução fiscal, desencadeando a reapreciação da situação fática, tendo sido constatado que, efetivamente, o resultado da avaliação apenas havia sido notificado ao adquirente e não ao Recorrente, razão pela qual a AT entendeu, oficiosamente, corrigir o valor de realização de €138.140,00, para €110.000,00 e manter o entendimento atinente à falta de prova do reinvestimento.


Tenda, nessa conformidade, sido emitido o correspondente DC, o qual materializava a correção do valor de €138.140,00 para €110.000,00, mantendo os restantes valores constantes no anexo G, promanando, por conseguinte, imposto em falta no montante de €7.086,84. Acarretando, consequentemente, a anulação parcial da quantia de €5.666,71, e ulterior emissão de ato corretivo e a prossecução do processo de execução fiscal para cobrança da quantia de €7.086,81.


Ora, como é bom de ver, à data da dedução da presente oposição estava em curso o prazo para deduzir impugnação judicial, o qual conforme plasmado no, à data, artigo 102.º, nº1, alínea a), do CPPT, cifrava-se em 90 dias a contar da data do pagamento voluntário, logo só expirava a 17 de março de 2009.


Pelo que, não obsta à aludida convolação processual a tempestividade inerente ao meio idóneo, o mesmo se diga quanto à circunstância do Recorrente ter optado pelo meio processual de oposição em detrimento de impugnação judicial, não podendo, de todo, coartar-se essa garantia contenciosa pela simples circunstância de o contribuinte ter, erroneamente, optado por um meio que não era o adequado e próprio à sua pretensão.


Note-se, ademais, que a valorar-se a circunstância ponderada na decisão recorrida sempre estaria inviabilizada qualquer possibilidade de convolação processual, porque, em regra, opta-se por um meio processual e por uma via de discussão da dívida em prejuízo de outro, sendo certo que, e sem embargo do exposto, o sujeito passivo pode optar por mais do que um meio, designadamente, oposição e impugnação judicial, na medida em que têm finalidades díspares.


Não ocorrendo, de todo, uma impossibilidade superveniente da lide por carência de objeto, porquanto existiu, tão-só, uma anulação parcial da dívida, com a consequente emissão de ato corretivo e executório e respetiva anulação parcial da dívida no processo executivo.


Acresce que a emissão do aludido ato corretivo não reabre a possibilidade de discussão contenciosa da legalidade da dívida. Com efeito, os atos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes de petições apresentadas pelos sujeitos passivos, mormente, oposições ao processo de execução fiscal, parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado na primitiva liquidação, mais não representam que liquidações corretivas, as quais não sendo lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido, não permitem a reabertura de qualquer discussão contenciosa. Noutra formulação dir-se-á que, os eventuais vícios anulatórios cometidos no ato de liquidação adicional apenas podem ser apreciados no ato de sindicância do mesmo e não já na dos atos correctivos (8).


Aliás, se o Oponente tivesse logo deduzido impugnação judicial, aquando da anulação parcial do ato de liquidação, não ocorreria, per se, uma situação de inutilidade superveniente da lide, mas, tão-só, uma revogação parcial do ato tributário a qual teria de levar ao cumprimento ao disposto no artigo 112.º, nº3 do CPPT, segundo o qual “no caso de o ato impugnado ser revogado parcialmente, o órgão que procede à revogação deve, nos 3 dias subsequentes, proceder à notificação do impugnante para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o processo se o impugnante nada disser ou declarar que mantém a impugnação.”


Pelo que, inexistem os aduzidos óbices à convolação processual convocados pelo Tribunal a quo.


Destarte, atento o pedido formulado na petição e inexistindo inidoneidade da petição inicial, não sendo manifesta a improcedência da pretensão e sendo tempestiva a petição em função do meio processual adequado, impõe-se ao Tribunal ad quem ordenar a convolação para o processo de impugnação judicial, sendo, aliás, uma decorrência do princípio da adequação formal e do pro actione os quais devem pautar e nortear a atuação dos julgadores, visando-se, dessa forma, a obtenção de uma solução global e justa do litígio.






***




IV. DISPOSITIVO


Face ao exposto, os juízes da Segunda Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar A DECISÃO recorridA e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí de se proceder à convolação do processo de oposição para impugnação judicial, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Custas pela Recorrida.

Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de fevereiro de 2022


(Patrícia Manuel Pires)


(Cristina Flora)


(Luísa Soares)





(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.


(2) vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01549/13, com data de 18 de junho de 2014.


(3) Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378


(4) Neste sentido vide Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01223/16, de 18 de janeiro de 2017.


(5) Vide, designadamente, Aresto proferido no processo n.º 076/14, com data de 09.04.2011.


(6) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01133/14, de 21.06.2017.


(7) Vide, designadamente, Acórdão STA, processo nº 0409/12, de 16.05.2012.


(8) Vide, Arestos prolatados pelo TCAS no âmbito dos processos nº 02981/09, e 20008/16, datados de 25.11.2009 e 28.10.2021.