Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07294/14
Secção:CT- 2º JUIZO
Data do Acordão:11/13/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL; FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO; NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:i) A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é passível de recurso para o Tribunal Constitucional, na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada e, bem assim, para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

ii) Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, tal como consagrado no art. 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, tendo assim um campo de aplicação muito limitado. São eles, taxativamente, os seguintes: a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no art. 16.º daquele diploma.
Nos termos do disposto no art. 615.º, nº. 1, al. b), do CPC (na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, discordando da decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º …./2013–T, intentado por S………. – Sociedade …………………, SGPS, SA, vem apresentar impugnação de tal decisão, com invocação do disposto no artigo 27.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 29 de Agosto), formulando as seguintes conclusões:

A. A presente impugnação da decisão proferida em processo arbitral é apresentada ao abrigo do disposto no art. 27.º e alínea a) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT, tendo por fundamento a não especificação, dos fundamentos de facto e de direito, maxime, relativamente ao montante de € 960,24.

B. E vem apresentado dentro do prazo de 15 dias contados da notificação da decisão arbitral impugnada, a qual ocorreu a 12 de Dezembro de 2013, através de correio electrónico, conforme comprovado no Processo Arbitral junto, pelo que a mesma deve ser admitida por tempestiva e o Tribunal ser competente em razão da matéria e do território, sendo, aliás, o único meio, dado o subsequente arquivamento do processo e consequente extinção do Tribunal Arbitral, para a administração tributária reagir contra a decisão proferida.

C. O objecto da presente Impugnação é a decisão arbitral proferida, em 6 de Dezembro de 2013, no processo arbitral n.º ……./2013-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), o qual teve origem num pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado por S……. -Sociedade …………….., SGPS, S.A. (Semapa), com o NIPC ………………..,

D. O ora Impugnante não pretende contestar a decisão arbitral proferida nos segmentos decisórios referentes à apreciação da questão da incompetência material e à apreciação do mérito da causa no que concerne à questão da admissibilidade do procedimento de revisão do acto tributário como meio administrativo legalmente admissível de correcção de erros de autoliquidação de tributos.

E. Contudo, não se conforma com a decisão arbitral proferida na parte do seu segmento decisório que determina "Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial e anulação do acto de liquidação de IVA relativo ao ano de 2007, consubstanciado nas 12 declarações (que constam dos documentos 1 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral), na parte relativa ao montante de € 293.990, 19",

F. por se considerar, em síntese e especialmente no que concerne ao montante parcial de € 960,24, que se verifica a ausência total de fundamentos de direito e de facto que justificam a decisão (cf. alínea a) do n.º 1 do art. 28° do RJAT), conforme infra se explicita.

G. No pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado por Semapa pretendia-se, por um lado, a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, por outro, a declaração de ilegalidade parcial e respectiva anulação das autoliquidações de IVA respeitantes ao exercício de 2007 e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago, no montante total de € 293.990,19.

H. Relativamente às autoliquidações de IVA referidas, a S……….. submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral a sua legalidade com respeito a dois aspectos:

i) O pro rata definitivo de dedução (aplicado aos recursos de utilização mista) deve, ao invés de 16% (utilizado na autoliquidação do último mês de 2007), ser de 84%, perfazendo um montante de IVA dedutível, não deduzido de € 285.564,88;

ii) O IVA suportado em aquisições nos meses de Fevereiro, Março, e Julho a Dezembro, que foram redebitadas, com liquidação de IVA, a sociedades participadas, IVA aquele suportado que não foi total ou parcialmente deduzido, no montante de € 8.425,31.

I. Na Resposta apresentada nos termos do art. 17° do RJAT, e para o que a presente Impugnação importa, referiu-se, na matéria de facto, que relativamente aos fundamentos que subjazem à legalidade das autoliquidações de IVA em causa, foi elaborada a Informação n.º 7-IND/2012, de 2012-05-23, da Divisão de Inspecção a Empresas Não Financeiras 11 (DIEF 11) da Unidade dos Grandes Contribuintes (cf. fls. 235 a 252 do processo administrativo junto), na qual se conclui, em resumo, que:

«a. O pró rata definitivo do ano de 2007, calculado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.o do Código do IVA é de 84%.

b. Do IVA suportado no exercício que totaliza € 432.925,11 foi efectuada uma análise documental a registos no valor total de € 341.238,60 resultado daqui que:

i. € 7.465,07 correspondente à parte totalmente dedutível por se tratar de Imposto suportado na aquisição de serviços redebitados com a liquidação de IVA às participadas da S………….

ii. (...) (cf. fls. 242 do processo administrativo junto)

J. Simultaneamente naquela Resposta, referiu-se na matéria de direito, em síntese e igualmente para o que ora importa, que relativamente aos fundamentos que subjazem à legalidade das autoliquidações de IVA em causa assiste parcialmente razão à S………, uma vez que o resultado do cálculo da percentagem de dedução é, conforme peticionado, de 84%, perfazendo um montante de IVA dedutível, não deduzido de € 285.564,88 (cf. pontos 2 a 10 da referida informação, fls. 237 e 238 do processo administrativo junto),

K. mas, quanto ao IVA suportado na aquisição de serviços redebitados com a liquidação de IVA às suas participadas, apenas deve ser considerado o montante de € 7.465,07, uma vez que, conforme se explicita no ponto 13 da referida Informação:

«13. No pedido de revisão apresentado, o sujeito passivo reclama, relativamente ao IVA de redébitos, o exercício do direito à dedução de € 8.608,51 (€ 9.155,27- € 546,77) correspondente ao remanescente do valor de € 9. 155,27 que não foi deduzido inicialmente. Contudo, foi observado que parte deste valor, no montante de € 1.143.43, encontra-se suportado nas notas de débito identificadas com os n.º ………….., ………….. e ………. que foram objecto de anulação pela emissão da nota de crédito n. o ……….dado que o serviço subjacente foi igualmente anulado pelo próprio fornecedor. Significa isto que do total de IVA reclamado relativo a redébitos só o montante de € 7.465,07 (€ 9.155,27 - € 1.143,43 - € 546,77) é passível de dedução.» (cf. fls. 238 do processo administrativo junto, sublinhado e negrito nossos).

L. No âmbito da reunião do Tribunal Arbitral Colectivo nos termos e para os efeitos do art. 18° do RJAT, realizada em 23 de Outubro de 2013, o mandatário da S………. declarou reduzir o valor da utilidade económica do pedido para € 293.029,35 (€ 285.564,88 + 7.465,07), conforme acta daquela reunião junta na cópia do processo arbitral em epígrafe.

M. Na sequência da reunião, o Impugnante apresentou, em 25 de Outubro de 2013, requerimento no qual, pugnando-se que a procuração forense junta com o pedido de pronúncia arbitral não confere poderes especiais ao mandatário para desistir do pedido nos termos do artigo 45.o do Código de Processo Civil de 2013, e atenta a manifestação de vontade expressa na sobredita reunião, requereu-se ao Tribunal Arbitral Colectivo a notificação do mandatário para juntar aos autos procuração forense suficiente com ratificação do processado e a subsequente prolação de despacho de homologação de desistência parcial do pedido.

N. Por despacho de 25 de Outubro de 2013, determinou-se a junção aos autos do requerimento apresentado e a respectiva notificação do sujeito passivo.

O. Em sede de alegações escritas, a S………., para o que ora importa, pugnou o seguinte:

«18. A terminar uma palavra ainda a propósito do IVA dedutível relacionado com redébitos: com a aceitação pela S………. da redução do seu pedido a este respeito de € 8.425,31 para € 7.465,07, o que se peticiona (também) a este propósito está integralmente validado pela AT (cfr. artigo 182.º da Resposta da AT).

19. Mais se acrescenta que caso a requerente não venha a juntar em tempo útil procuração com poderes especiais a prever a referida redução do pedido (conforme Instada pela requerida a fazê-lo), sempre esta Tribunal Arbitral estará naturalmente mais do que habilitado, em face de todo o processado, a concluir que a parte do pedido, relativa aos redébitos, no montante de € 8.425,31, não pode ser atendido para além dos € 7.465,07 que foram validados pela UGC,

20. pela razão simples de que a requerente não apresentou razões ou elementos que contrariassem esta validação quantitativa efectuada pela UGC.» (negrito nosso)

P. Proferido o acórdão arbitral sub judice, verifica-se que, não obstante constar do respectivo segmento decisório "Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial e anulação do acto de liquidação de IVA relativo ao ano de 2007, consubstanciado nas 12 declarações (que constam dos documentos 1 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral), na parte relativa ao montante de € 293.990, 19”,

Q. compulsados os respectivos fundamentos de facto e de direito que subjazem nesta decisão, há absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que suportem tal pronúncia, maxime relativamente ao montante de € 960,24 (€ 8.425,31 - € 7.465,07) sobre o qual foi manifestada intenção de desistência parcial do pedido.

R. Efectivamente, na decisão arbitral inexiste qualquer apreciação, de facto e de direito, quanto à questão substantiva referente à legalidade das autoliquidações de IVA do ano de 2007 consubstanciadas nas duas questões supra melhor identificadas, que, como pugna a Semapa em sede de alegações, apenas foram contestadas pelo Impugnante na exacta medida da desistência do pedido arbitral.

S. Saliente-se ainda que, conforme se constata da cópia do processo arbitral em epígrafe, não foi proferido qualquer despacho interlocutório quanto a esta questão.

T. Em suma, no que concerne à questão da Ilegalidade das autoliquidações de IVA em causa, a decisão arbitral não permite que as partes conheçam as razões {de facto e de direito) em que se apoiou o veredicto do tribunal, concretamente contendo pronúncia no sentido do deferimento total do peticionado pela Semapa, não obstante a manifestação nos autos de desistência parcial do pedido no montante de € 960,24 (€ 8.425,31 - € 7.465,07).

U. Pelo que, nestes termos e mormente para os efeitos do artigo 640.º do Código do Processo Civil de 2013, relativamente ao segmento decisório sub judice deve a decisão arbitral ser substituída por outra em que, no que concerne à matéria de facto provada, se determine, por um lado, ter sido admitido pelo ora Impugnante que assiste parcialmente razão à S………, uma vez que o resultado do cálculo da percentagem de dedução é, conforme peticionado no pedido de pronúncia arbitral, de 84%, perfazendo um montante de IVA redutível, não deduzido de € 285.564,88, o que se suporta nas fls. 237 e 238 do processo administrativo junto;

V. E, por outro lado, quanto ao IVA suportado na aquisição de serviços redebitados com a liquidação de IVA às suas participadas, se pugne que foi observado pelos serviços competentes da Autoridade Tributária que parte do valor peticionado se encontra suportado nas notas de débito identificadas com os n.os …………., ………….. e …………. que foram objecto de anulação pela emissão da nota de crédito n.º …………. dado que o serviço subjacente foi igualmente anulado pelo próprio fornecedor, determinando que o IVA passível de dedução ascende apenas a € 7.465,07, o que se suporta nas fls. 237 e 238 do processo administrativo junto .

W. No que concerne à matéria de facto não provada deve passar a constar que relativamente à parte do pedido referente aos redébitos, no montante de € 8.425,31, não foram apresentadas pelo sujeito passivo razões ou elementos que contrariassem a validação quantitativa efectuada pela UGC apenas no montante de € 7.465,07.

X. No que concerne à matéria de direito, importa que se aprecie no sentido de, em conformidade com a matéria de facto provada e não provada que apenas assiste razão parcial à S……….., devendo ser, nesse sentido, deferido, o montante de € 293.029,35 (€ 285.564,88 + 7.465,07), atenta a validação de tais valores pelo ora Impugnante, os quais foram aceites pela S.……...

Y. Por fim, atento todo o exposto, deve a decisão arbitral no segmento decisório em causa ser substituída por outra, devendo ser proferida decisão que julgue procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial e anulação do acto de liquidação de IVA relativo ao ano de 2007, consubstanciado nas 12 declarações (que constam dos documentos 1 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral), na parte relativa ao montante de € 293.029,35.

Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V.XAS doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente, com as devidas consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer emitido (artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), pronunciou-se no sentido de a impugnação não merecer provimento.

Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A decisão impugnada deu como provada a seguinte matéria de facto:

a. A requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”) cujo objecto consiste na gestão de participações sociais e na prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas;

b. No ano de 2007, a Requerente realizava operações de financiamento e prestava às participadas serviços técnicos de consultoria;

c. O desenvolvimento de operações, nuns casos tributadas e com direito à dedução, noutros casos isentas e sem direito à dedução, implicou que a Requerente, como sujeito passivo misto, tivesse que adoptar um regime de dedução parcial de IVA;

d. A requerente calculou a percentagem de dedução do IVA para o ano 2007, em todas as 12 declarações que constam dos documentos n.ºs 1 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, incluindo todas as componentes de rendimentos na fracção de apuramento do pro rata, incluindo os dividendos e as mais-valias derivadas da venda de participações sociais;

e. A Requerente determinou um pro rata de 16% para o ano 2007 o que originou IVA a deduzir no montante de € 67.970,52, do total de imposto dedutível incorrido nesse ano, de € 421.398,46.

f. Posteriormente, a Requerente entendeu que terá havido um lapso seu e que «expurgando-se do denominador da fracção de apuramento do pro rata supra referido € 26.049.937,90 obtidos com a alienação de participações sociais que aí se encontravam, e adicionando-se € 869.375,10 obtidos com operações isentas sem direito à dedução, o pro rata de dedução apurado passa para 84%» e que «o valor de € 869.375,10 adicionado ao denominador compreende mais € 61.765,64 do que o valor de € 807.609,46 constante dos cálculos juntos com o pedido de revisão oficiosa — sendo que esta adição diminui o pro rata de dedução de 85% para 84%. O valor de € 807.609,46 inicialmente apurado havia sido calculado com base na diferença entre o valor global dos proveitos (relevantes para efeitos de IVA e o total das operações tributadas, incluindo as registadas em contas de Balanço, sendo que estas últimas não são relevantes para o efeito — apenas as reflectidas em contas de proveitos ou rendimentos (contas de resultados) o são, daí o aumento da diferença (i.e., do valor apurado de operações isentas sem direito à dedução) para € 869.375,10», de acordo com o quadro seguinte:

(petição do pedido de revisão do acto tributário que consta do processo administrativo e documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g. No ano de 2007, foram feitas pela Requerente aquisições no montante de € 67.824,39 a que correspondeu um IVA suportado no montante de € 12.485,95, aquisições estas que, no montante de € 58.094,05, foram redebitadas a participadas da Requerente, com liquidação de IVA; do IVA suportado com as referidas aquisições apenas € 630,44 foram deduzidos (por aplicação do método do pro rata), sendo que o valor efectivamente passível de dedução, na medida dos redébitos, por aplicação do método da afectação real, é de € 9.055,75, resultando numa diferença de € 8.425,31 em IVA dedutível que não foi deduzido (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

h. Em 1 de Setembro de 2010 deu entrada, na Direcção de Finanças de …, pedido de revisão oficiosa da liquidação de IVA, no que ao pro rata de dedução definitivo concerne e aos redébitos, respeitante ao exercício de 2007 (processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

i. O Pedido de revisão de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 1-2-2013, que manifestou concordância com a proposta apresentada na Informação n.º …, que consta do processo administrativo 3.ª parte, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

«III-ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO

24. Consistindo o objecto da presente petição, no reconhecimento do direito que a Requerente alega assistir-lhe, de proceder à correcção, a seu favor, do IVA suportado relativamente ao exercício de 2007, do qual apenas deduziu 16% quando, por força da nova fórmula de cálculo da percentagem de dedução, poderia ter deduzido 85%, terá o mesmo de ser analisado de acordo com as normas legais reguladoras daquele direito, consignadas no Código do IVA, uma vez que a possibilidade da revisão oficiosa não pode sobrepor-se àquelas

25. Isto porque, a revisão oficiosa, prevista no art.º 78º da LGT, da autoliquidação de IVA, não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para o exercício do direito à dedução, especificamente consignadas no código do IVA, conforme se referiu, ou tais normas ficariam desprovidas de qualquer efectividade.

26. De acordo com a petição apresentada, pretende agora a requerente (em 2010/09/01) regularizar a seu favor o valor de € 305.972,94, relativamente ao ano de 2007, do IVA que não foi deduzido por:

• Utilização de uma percentagem de dedução inferior à devida, com referência ao imposto incorrido nos recursos de utilização mista;

• Não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em despesas que foram redebitadas pela requerente às suas participadas, com liquidação de IVA.

27. Ou seja, pretende, em suma, proceder à correcção de um erro material ou de cálculo nos registos a que se referem os artigos 44º a 51º e 65º e nas declarações mencionadas no artº 41º, logo sujeito à disciplina consignada no n.º 6 do art.º 78º do CIVA, pelo que, de acordo com a referida norma, a sua regularização, facultativa por dela resultar imposto a favor do sujeito passivo, apenas poderia ser efectuada no prazo de dois anos, o qual, por se tratar do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito, nos termos do n.º 1 do artº 22º

28. De facto, a situação em análise constitui um "erro material ou de cálculo efectuado nos registos e/ou declarações", o qual se encontra definido no ponto 9.3 do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro da DSIVA, conforme se transcreve:

(...)

"Consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros.

(...) A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos.

Caso se trate de correcções de erros relacionados com imposto dedutível (p. e. erro na transcrição, para a declaração periódica, do imposto dedutível) o prazo é contado a partir do nascimento do direito à dedução (normalmente a data das facturas, mas no caso de não ter sido observado o prazo legal para a sua emissão, a data em que este termina).

Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado. "

29. O mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19º a 26º do CIVA e faz parte da essência do próprio imposto, referindo o art. º 19º que, para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser reflectida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do nº 1 do art.º 29º do CIVA.

30. A requerente alega (cfr. §§ 3º,4º e 5º da p. i, a fls. 3 dos autos)

No âmbito da sua actividade, a Requerente efectua operações isentas (nomeadamente a concessão de crédito) e não sujeitas a IVA, as quais não conferem o direito à dedução do imposto incorrido e, simultaneamente, operações passíveis de tributação em IVA (v.g., prestação de serviços de consultoria), que conferem o direito à dedução do imposto.

Tendo presente que uma parte dos bens e serviços adquiridos pela requerente é utilizada, simultaneamente, em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem este mesmo direito, esta dispõe de dois métodos de determinação da medida de IVA dedutível: a afectação real e a percentagem de dedução, nos termos consagrados no Código do IVA e na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 ("Directiva IVA”).

No ano 2007 a Requerente apurou o montante de IVA dedutível exclusivamente com base no método do pró rata, de harmonia com o artigo 23º do Código do IVA. A percentagem de dedução alcançada foi de 16%, a qual foi aplicada ao IVA incorrido nos "inputs comuns, isto é, aqueles utilizados indistintamente nas diversas actividades desenvolvidas pela requerente.

(...)"

31. Assim, refere que, quanto à alteração do cálculo do pro rata de dedução de 2007, por virtude de a alienação de participações sociais não consubstanciar uma actividade económica para efeitos de IVA, e por isso não influenciar o apuramento do pro rata de dedução, recalculou o seu pro rata definitivo daquele ano, constatando que de acordo com o regime legal aplicável o mesmo deveria ser de 85%, razão pela qual pretende agora exercer o direito á dedução do IVA em causa, no valor de € 297.364,43, que não recuperou, por ter utilizado de uma percentagem de dedução inferior á devida.

32. Alega também que, quanto ao redébito de despesas, por aplicação do método de imputação directa, se constatou a aquisição de diversos serviços (formações, conferências, comunicações, entre outras), com IVA, que refacturou às suas participadas liquidando, igualmente, o IVA correspondente à taxa aplicável, cujo imposto deduziu apenas na percentagem do pro rata, quando, efectivamente, aquele imposto não respeitava a "custos comuns" ou "recursos de utilização mista", sendo por isso passível de dedução total, razão pela qual pretende agora exercer o direito à dedução do IVA que deixou de deduzir, no montante de € 8.608,51.

33. Ou seja, conforme anteriormente referido, pretende regularizar a seu favor o IVA ainda não deduzido referente às situações descritas, as quais resultaram de erros materiais, cuja possibilidade de regularização se encontra prevista no nº 6 do art. o 78º do Código do IVA.

34. De acordo com o disposto no n.º 2 do artº 22º do Código do IVA, que constitui a regra geral, e sem prejuízo do disposto no artº 78º do mesmo diploma. "... a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de alteração. ", determinando ainda o n.º 3 da citada norma que, "se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. "

35. Isto significa que, em conformidade com a legislação ao caso aplicável, bem como do que tem sido o entendimento expresso dos Serviços, apesar de o n.º 2 do art.º 98º do Código do IVA estabelecer que o direito á dedução pode ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não é dado ao sujeito passivo de IVA a liberdade de este poder determinar o momento de exercer esse direito, limitando-se a referida norma a fixar, apenas, um limite máximo de carácter geral, a partir do qual o direito á dedução não pode já ser exercido 36.

De acordo com o entendimento firmado, o limite máximo do direito à dedução só é, assim, aplicável, em virtude desse carácter geral, quando não exista norma especial fixando limite inferior ou superior para o exercício do direito à dedução.

37. Caso contrário, tais normas que prevêem prazos especiais do exercício do direito à dedução não teriam qualquer sentido útil, já que se lhe sobreporia sempre a norma que estabelece o prazo de quatro anos do direito á dedução que é o artº 98º, nº 2 do C.I.VA.

38. Está em causa, assim, o enquadramento da situação exposta em qualquer das normas que prevêem prazos especiais do exercício do direito à dedução."

39. Ora, estabelecendo o n.º 1 do artº 22º do CIVA que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o disposto nos artigos 7.º e 8º, efectuando-se o seu apuramento mediante subtracção ao montante do imposto liquidado durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível no mesmo período, esse direito deve ser exercido no período de tributação de recepção das facturas, ou no período de tributação da sua emissão, se anterior, conforme anteriormente referido.

40. Logo, a regra geral de dedução do IVA na declaração periódica do exercício do direito à dedução na declaração do período em que o imposto se tiver tornado exigível deve, assim, ser compatibilizada com o disposto no artº 78º n.º6 do CIVA, que dispõe que a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51º, nas declarações mencionadas no artº 41 º e nas guias ou declarações a que se referem o art.º 67º nº 1, alíneas b) e c), é facultativa quando resulte imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito, nos termos do artº 220 n.º 1, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado."

41. Quanto ao prazo de quatro anos mencionado no n.º 2 do artº 98º, refere-se que o mesmo tem carácter geral, pelo que a sua aplicação se restringe às situações para as quais não existe um prazo especial fixado, o que não se verifica na presente situação.

42. Tal entendimento foi já acolhido em jurisprudência recente, como é o caso do Acórdão do STA, proferido no Proc. N.º 966/10, de 2011.05.18.

43. Assim, por tudo o anteriormente exposto e de acordo com as normas legais referidas, afigura-se que ao pedido de revisão oficiosa de erro praticado na autoliquidação de Janeiro a Dezembro de 2007, apresentado pela requerente em 2010/09/01, não é aplicável o prazo geral de quatro anos a que se refere o n.º2 do artº 98º, dado que, para a sua regularização, o n.º 6 do artº 78º do Código do IVA consagra um prazo especial de dois anos.

IV -CONCLUSÕES

44. Tendo em conta todas as considerações precedentes e verificadas as disposições legais citadas, há a referir o seguinte:

• Tal como se refere no n.º 1 do art.º 78º da LGT, a revisão dos actos tributários, pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa, ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, referindo o n.º 2 do mesmo artigo que, sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do n.º 1, o erro na autoliquidação.

• O mecanismo de apuramento do IVA, pelas suas características, tem perfeito enquadramento no conceito de autoliquidação, pelo que o ato tributário em causa poderia ser revisto pela administração tributária no prazo geral de quatro anos, nos termos do n.º 1 do art.º 78º da LGT e do nº 2 do art.º 98º do CIVA, se não estivesse prevista a sua regularização no n.º 6 do art.º 78º do CIVA ou em qualquer outra norma que estabeleça prazo especial.

• A situação em apreço, resultante de erros internos e sem qualquer interferência na esfera de terceiros, configura a prática de erros materiais ou de cálculo, cuja correcção se encontra, obrigatoriamente, sujeita à disciplina do n.º 6 do art.º 78º do CIVA.

• O prazo legalmente fixado no n.º 6 do art.º 78º do CIVA para a regularização dos erros materiais ou de cálculo é de dois anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução, o qual ocorre na data de emissão das facturas ou no termo do prazo para a sua emissão, caso este não tenha sido observado.

• Para além desse prazo, não existe qualquer disposição legal que permita ao sujeito passivo o exercício do direito á dedução em momento posterior aos estabelecidos no artº 22º do Código do IVA, nos casos de ocorrência de erros materiais ou de cálculo registados na sua contabilidade, detectados em momento posterior àquele em que o deveria ter exercido.

45. Em face de todas as considerações precedentes, e de acordo com o disposto nas citadas normas, somos de parecer que deverá ser rejeitado o pedido de revisão de ato tributário com fundamento em erro na autoliquidação, em virtude de se encontrar decorrido o prazo especial de dois anos fixado no n.º 6 do artº 78º do CIVA para a regularização dos erros materiais ou de cálculo praticados no seu apuramento.

46. No âmbito do princípio da participação previsto no artº 60º da LGT, bem como das instruções sobre o direito de audição prévia veiculadas através do n.º 3 da Circular n.º 13, de 1999/08/07 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, propõe-se que seja dispensada a audição prévia, uma vez que a AT, na sua decisão, apenas se limitou a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis aos factos invocados pela requerente».

j. O indeferimento notificado à Requerente em 20 de Fevereiro de 2013 (Doc. n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

k. Em 17-5-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).

2.2. Factos não provados:

Não se provou:

– que a Administração Tributária tivesse emitido instruções genéricas no sentido de que fosse vedado às SGPS a utilização do método da afectação real ou que a Requerente tivesse seguido quaisquer orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira (não foi apresentada qualquer prova e no pedido de revisão do acto tributário a Requerente diz que agiu da forma que referiu por lapso);

– que a Ciência e Técnica Fiscal n.º 418, relativa a Julho-Dezembro de 2006 tivesse sido publicada entre 2008 e 2009 (essa afirmação da Requerente é desmentida pelo documento n.º 1 junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, de que se conclui que aquele número estava distribuído, pelo menos, desde 6-7-2007, data em que foi um dos artigos nele contidos foi registado na base de dados da Procuradoria-Geral da República).

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo e em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.



II.2. De direito

O Impugnante discorda da decisão arbitral, imputando-lhe, em síntese, os seguintes vícios:

- A decisão arbitral é nula, carecendo em absoluto de falta de fundamentação, no que concerne ao montante parcial de EUR 960,24, englobado no deferimento total do peticionado pela S………..;

- A decisão arbitral errou na fixação dos factos provados e não provados;

- E errou em matéria de direito ao não considerar que apenas assistia razão parcial à S………. relativamente ao valor de EUR 293.029,35.

Vejamos então, importando deixar inicialmente estabelecidas algumas premissas essenciais na análise das questões com que somos confrontados.

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 10/11, de 20 de Janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (RJAT).

O art. 2.º do RJAT fixa quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral, encontrando-se abrangidas pela sua competência a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, bem como a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

De igual modo, foi acolhida como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais. Esta regra não prejudica a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, nos casos em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada, bem como o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Em conformidade com o que se dispõe no art. 25.º, n.º 1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo. Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3, do citado artigo. Este recurso para o Supremo Tribunal Administrativo está dependente de a decisão arbitral estar em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Temos, pois, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é passível de recurso para o Tribunal Constitucional, na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada e, bem assim, para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

No que respeita aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, prevê o art. 28.º, n.º 1, do RJAT o seguinte:


Artigo 28º

1-A decisão arbitral é impugnável com fundamento na:

a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) Oposição dos fundamentos com a decisão;

c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º

2 - A impugnação da decisão arbitral tem os efeitos previstos no artigo 26.º.

Do regime legal transcrito, consta-se que este consagra uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação da decisão arbitral. Neste sentido, refere Jorge Lopes de Sousa que (in Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pp. 234 e s.): “a indicação explícita destes fundamentos e apenas destes, que não esgotam sequer a lista de nulidades de sentença arroladas no artigo 125.º do CPPT e no artigo 668.º, n.º 1 do CPC [actualmente o art. 615.º], inculca que se pretendeu fazer uma enumeração taxativa …”.

No mesmo sentido se orienta a jurisprudência. Veja-se o acórdão deste TCAS de 27.02.2014 (processo nº 07088/13), onde lê:“(…) a impugnação visa, (…), a anulação da decisão arbitral (art.º 27.º, n.º 1), com os fundamentos taxativamente impostos pelo art.º 28.º, n.º 1” ou, também, o que se deixou dito, a este propósito, no acórdão deste Tribunal, de 11.12.2012 (processo nº 5856/12): “(…) Ora, tal tipo de raciocínio argumentativo apresenta-se abusivo, uma vez que se tem por assertivo que, nesta matéria, o legislador adoptou um tipo fechado quanto às formas de reacção das decisões dos tribunais arbitrais, sendo que, a espécie recursiva apenas é admitida, e ainda assim limitada ao mérito da pretensão, para o Tribunal Constitucional e para o STA, nos termos do estatuído nos n.º 1 e 2, do art.º 25.º, do aludido DL n.º 10/2011.//E não colhe a pretensão de amparo ao referido n.º 2, do art.º 27.º, o qual, prevendo como forma de reacção para este tribunal apenas a impugnação das decisões arbitrais, e à míngua de uma regulamentação processual, expressa e exaustiva, relativa à respectiva tramitação processual, remete, a título subsidiário, para o CPTA, isto é, tal diploma legal será aplicável, por um lado, onde não contrarie o expressamente determinado no RJAT e, por outro, na medida em que se mostre com ele compatível, ou seja e no dizer da lei «com as necessárias adaptações».//E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo CPPT e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do Decreto-Lei em causa, quando e ao que aqui releva, refere que «A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na [não] especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes», manifestando, assim e de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T.C. Administrativos” (idem, os ac.s deste TCAS de 19.02.2013, proc. n.º 5203/11, de 21.05.2013, proc. n.º 5922/12, de 18.06.2013, proc. n.º 6121/12 e de 10.09.2013, proc. n.º 6258/12, e, mais recentemente, de 27.03.2014, proc. n.º 5739/12, de 29.05.2014, proc. n.º 6023/12, de 12.06.2014, proc. n.º 6224/12, e de 18.09.2014, proc. n.º 7647/14, estes dois últimos por nós relatados).

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no art. 27.º, com os fundamentos previstos no transcrito art. 28.º, n.º 1, do RJAT.

Na verdade, a impugnação prevista no art. 27.º, n.º 1, do RJAT, funciona como um verdadeiro “recurso de cassação” (vide o ac. deste TCAS de 27.02.2014, proc. n.º 7088/13). Por isso, está vedado ao TCA – e decorre linearmente do disposto no art.º 24.º, n.º 1, do RJAT –, pronunciar-se sobre o mérito da decisão arbitral numa perspectiva de reexame da mesma, tal como sucede nos recursos ordinários previstos no art. 280.º, n.º 1, do CPPT (a regra geral de irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais constitui, de resto, o padrão comum na maioria dos ordenamentos jurídicos que acolhem a arbitragem jurisdicional como meio de solução alternativa de litígios – v. o aresto acabado de citar). Mesmo sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o TCA deve apenas anular a decisão e ordenar a devolução do processo para que o tribunal arbitral reforme a decisão em consonância com o julgado anulatório e, eventualmente, profira nova decisão sobre o mérito (da qual caberá, então, recurso para o TC ou para o STA nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 25.º do RJAT).

Estabelecidas estas premissas de análise, de regresso ao caso dos autos e de acordo com as conclusões da sua alegação, resulta desde já incontornável que a pretensão dirigida pelo Impugnante a este Tribunal Central de ver (re)apreciado, em sede da por si apelidada impugnação da decisão arbitral – que, na verdade, é um recurso nessa parte - o mérito da mesma, concretamente o julgamento de facto e a interpretação e aplicação do direito que foi feita nessa decisão arbitral e a que se referem as conclusões u), v), w), x) e y) está votada ao fracasso. Tal recurso não é, nos termos expostos, sequer admissível, não cabendo a este Tribunal tomar conhecimento do seu objecto.

Aliás, neste ponto, dir-se-á que não existe dúvida quanto ao verdadeiro alcance da pretendida intervenção deste Tribunal, pois que nas conclusões supra referidas o Impugnante imputa expressamente à decisão arbitral erro de julgamento quanto à fixação dos factos provados e não provados, sendo que na conclusão x) pretende que este TCA “aprecie no sentido de, em conformidade com a matéria de facto provada e não provada que apenas assiste razão parcial à S…………., devendo ser, nesse sentido, deferido o montante de € 293.023,35 (€ 285.564,88 + 7.465,07), atenta a validação de tais valores pelo ora Impugnante, os quais foram aceites pela S………”. O que, como se vem de explicitar, escapa aos poderes cassatórios legalmente atribuídos a este Tribunal.

Posto isto, vejamos o arguido pelo Impugnante no que respeita às sobrantes questões suscitadas.

Pretende o Impugnante que a decisão é nula por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Nos termos do disposto no art. 615.º, nº. 1, al. b), do CPC (na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Sendo pacífico que a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.

Ora, por um lado, apresenta-se como manifesto que a decisão arbitral consignou a factualidade que julgou relevante – se errou na sua fixação é questão diversa e de que não cumpre conhecer –, autonomizando-a e discriminando-a (v. supra), e, por outro lado, o discurso fundamentador da decisão arbitral contém expressa motivação de direito, àquela se referindo.

Com efeito, na fundamentação (de direito) da decisão ora impugnada, a qual nos abstemos de transcrever por razões de economia de escrita face à extensão da mesma, é feita menção à situação de facto apurada, bem como às normas legais entendidas por pertinentes, dando-se exaustiva nota do quadro normativo aplicável e daquele aplicado na resolução do caso concreto.

Em síntese, o Tribunal arbitral consignou os factos provados que valorou como relevantes, cabalmente descritos no probatório fixado, e apreciou a questão controvertida com enunciação dos argumentos de direito, da jurisprudência que seleccionou e das normas jurídicas que considerou pertinentes. Vindo a decidir o mérito da causa de forma desfavorável à ora Impugnante, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito por erro de interpretação do art. 78.º, n.º 6, do CIVA, determinativo da anulação do despacho em questão, daí retirando os efeitos que julgou verificados ao nível dos juros indemnizatórios peticionados (cujo pedido foi julgado parcialmente procedente).

Pelo exposto, não pode senão concluir-se que a decisão impugnada não padece do vício que lhe vem imputado de falta de fundamentação.

Poder-se-ia, é certo, interpretar a alegação do Impugnante relativamente à ausência de decisão incidental quanto à alegada redução do pedido arbitral em causa e suas repercussões na decisão da causa como consubstanciadora da arguição de uma eventual nulidade do processo (cfr. o alegado em 21.º e s. desta impugnação e respectivas conclusões l) a s)). Em causa, porém, não está qualquer vício intrínseco da sentença a que alude o art. 615.º, n.º 1, do CPC, mas, sim, no campo das hipóteses, estar-se-ia perante uma nulidade processual (conceptual e adjectivamente distinta das nulidades da sentença).(1)

Sucede que, como já dissemos, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, tal como consagrado no art. 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma.

A impugnação da decisão arbitral junto dos Tribunais Centrais tem, assim, um campo de aplicação muito limitado, admitindo como fundamentos, taxativamente, os seguintes (art. 28.º, n.º 1, citado):

a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) Oposição dos fundamentos com a decisão;

c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º. (2)

Ora, a assim configurada eventual nulidade do processo, susceptível de enquadrar a previsão do art. 195.º, n.º 1, do CPC, tendo presente os apertados fundamentos de impugnabilidade da decisão arbitral, escapa aos poderes cassatórios que o legislador entendeu conferir a este Tribunal pelos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, do RJAT.

Donde, perante o exposto, tem a presente impugnação da decisão de arbitral que ser julgada improcedente.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é passível de recurso para o Tribunal Constitucional, na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada e, bem assim, para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

ii) Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, tal como consagrado no art. 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, tendo assim um campo de aplicação muito limitado. São eles, taxativamente, os seguintes: a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no art. 16.º daquele diploma.

iii) Nos termos do disposto no art. 615.º, nº. 1, al. b), do CPC (na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar a presente impugnação da decisão arbitral improcedente.

Custas pelo Impugnante.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014
Pedro Marchão Marques
Cremilde Almeida
Joaquim Condesso



(1) Sobre a distinção entre nulidades da sentença e nulidades processuais e respectivos regimes, v., i.a., o acórdão deste TCAS de 26.06.2014, proc. n.º 4398/10).

(2) Dispõe o artigo 16.º sob a epígrafe “Princípios processuais” o seguinte:


“Constituem princípios do processo arbitral:

a)O contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo;
b)A igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa;
c)A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas;
d)A oralidade e a imediação, como princípios operativos da discussão das matérias de facto e de direito;
e)A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros;
f)A cooperação e boa fé processual, aplicável aos árbitros, às partes e aos mandatários;

g)A publicidade, assegurando-se a divulgação das decisões arbitrais devidamente expurgadas de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.”