Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1021/13.9BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:01/21/2021
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL;
CONSTRUÇÃO DE AUTO-ESTRADA;
PRESCRIÇÃO.
Sumário:I. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do artigo 498.º do CC.

II. O direito de indemnização, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 498º do CC, prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, o prazo prescricional conta-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade), soube ter direito à indemnização.

III. Não se pode aplicar o disposto no artigo 325.º, n.º 1, do CC, quanto à interrupção da prescrição se os factos apurados não permitem extrair qualquer reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

IV. Não tendo a Autora agido criminalmente contra as Rés, nem alegado na petição inicial quaisquer factos a respeito da imputação criminal pela prática de qualquer crime pelas Rés, nem decorrendo da factualidade apurada factos que permitam esse ajuizamento, carece de sentido invocar a aplicação do artigo 498.º, n.º 3 do CC.

V. Não sendo impugnado o julgamento de facto da sentença recorrida, nem alegada a sua deficiência ou incompletude, não tem fundamento invocar a omissão de factos relevantes para a decisão da causa, nem a violação do princípio do inquisitório, por não conhecimento oficioso de factos ou de ordenação de diligências de prova.

VI. Mostra-se insubstanciada a mera alegação da violação de normas legais e de princípios de direito, sem a invocação de qualquer razão que a fundamente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

M............., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 13/11/2019, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada contra a B……………, SA e a L……………..ACE e as Intervenientes, F............., C............, SA e a L……………., SA, julgou procedente a exceção de prescrição, absolvendo as Réus e as Intervenientes do pedido, de condenação à colocação de barreiras acústicas e de uma junta de dilatação e ao pagamento de uma indemnização no valor de € 65.000,00, a título de responsabilidade civil extracontratual, por danos não patrimoniais causados pelo barulho decorrente da circulação na ponte de acesso ao lanço Marinha Grande da A8/Louriçal IC8, da A17 – Autoestrada Marinha Grande/Mira.


*

Formula a Autora, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1) Conforme resulta de fls., as Rés/Recorridas procederam à construção da obra do lanço Marinha Grande (A8) / Louriçal (IC8), da A17 Marinha Grande/Mira, sendo que, para o efeito, construíram uma ponte de acesso, a qual foi construída mesmo ao lado da casa da Autora/Recorrente e com cerca de 5 a 7 metros de altura, exatamente por cima da habitação da Autora/Recorrente, e sendo que a distância que medeia da habitação da Autora/Recorrente à ponte é de cerca de 2 metros (vide fotografias integradas no texto da p.i.);

2) A Autora/Recorrente, no dia 05.01.2008, enviou uma comunicação à 1.ª Ré/Recorrida (B............) a informar do ruído face à construção da ponte da autoestrada A17, no sublanço Marinha Grande (A8) / Monte Redondo, a qual ocorreu exatamente por cima da sua propriedade e casa de habitação (vide doc. 7 junto com a p.i.);

3) Consequentemente, e no decurso do tempo, à Autora/Recorrente foi sendo garantido que o referido problema do ruído iria ser resolvido “em breve” (vide parágrafo último, do doc. 13, datado de 08.09.2010, junto com a contestação da 2.ª Ré/Recorrida (L...........);

4) No fim do mês de janeiro de 2010, bem como no dia 28.04.2010, foi realizada uma avaliação acústica ao ruído em causa, tendo inclusivamente os avaliadores se deslocado à habitação da Autora/Recorrente para proceder à referida análise (vide parágrafo 2.º, do doc. 13, datado de 08.09.2010, junto com a contestação da 2.ª Ré/Recorrida (L...........) e artigo 50.º da p.i.), pelo que até às referidas datas (pelo menos até ao dia 07.09.2010), estava apenas em causa o ruído;

5) No dia 08.09.2010 a Autora/Recorrente envia uma comunicação à 1.ª Ré/Recorrida (B............) a reportar não só a resolução que lhe foi garantida quanto ao problema do ruído, como também agora a comunicar o problema respeitante à falha no escoamento/ na canalização das águas, nomeadamente das águas provenientes das chuvas e da autoestrada, uma vez que estas se encontravam (e continuam a encontrar) a cair na propriedade da Autora/Recorrente, arrastando as culturas que aí se encontravam (e continuam a encontrar) semeadas e plantadas, e visto que a água que cai da autoestrada não sofre qualquer tipo de tratamento (é poluída com o alcatrão e demais poluentes do piso) - vide doc. 13 junto com a contestação da 2.ª Ré/Recorrida (L...........);

6) Tendo em conta a inércia das Rés/Recorridas na resolução dos problemas suscitados, e não obstante a prometida garantia da mesma, à Autora/Recorrente não restou outra hipótese senão recorrer ao Tribunal, o que fez no dia 13.06.2011, com a interposição da Ação n.º 3429/11.5TBLRA, tendo sido proferido Despacho-Saneador que declarou os tribunais judiciais incompetentes para julgar a mesma, e tendo sido proferido Despacho no dia 20.06.2013 a inferir a remessa do processo para os Tribunais Administrativos (vide doc. 3 junto com a p.i.);

7) A Autora/Recorrente instaurou a presente ação administrativa, alegando o que supra se transcreveu, sendo que pelas Rés e Chamadas foram apresentadas as Contestações, e respetivos documentos, tendo a Autora/Recorrente respondido nos termos que supra se transcreveram;

8) Os presentes autos não chegaram, por decisão que abaixo se transcreverá, e de que ora se recorre, à fase de produção de prova em sede de audiência e julgamento, tendo-se ficado - salvo o devido respeito - precipitada e precocemente, pela fase da audiência prévia, como resulta de fls.;

9) Sucede, porém, que a Meritíssima Juiz proferiu a Sentença ora recorrida, decidindo o que supra se transcreveu, pelo que, salvo o devido respeito, que é muito, o entendimento patente na Sentença recorrida não corresponde à melhor aplicação do Direito e Justiça;

10) Nos termos do artigo 325.º, n.º 1, do CC, a “prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”, sendo que “o reconhecimento da dívida, considerado facto interruptivo da prescrição pelo art. 325.º do CC pode ser expresso ou tácito” - vide Acórdão do STJ, de 18.11.2004, Processo n.º 04B3459, disponível em www.dgsi.pt e tendo em conta que “o reconhecimento do direito, prescrito ou não, faz iniciar e correr novo prazo prescricional” - vide Acórdão do STJ, de 22.09.2009, in Colectânea de Jurisprudência de 2009, 3.º, 71;

11) Resulta dos autos que no decurso do tempo, à Autora/Recorrente foi sendo garantido que o referido problema do ruído iria ser resolvido “em breve” (vide parágrafo último, do doc. 13, datado de 08.09.2010, junto com a contestação da 2.ª Ré/Recorrida (L...........), sendo que no fim do mês de janeiro de 2010, bem como no dia 28.04.2010, foi realizada uma avaliação acústica ao ruído em causa, tendo inclusivamente os avaliadores se deslocado à habitação da Autora/Recorrente para proceder à referida análise (vide parágrafo 2.º, do doc. 13, datado de 08.09.2010, junto com a contestação da 2.ª Ré/Recorrida (L...........) e artigo 50.º da p.i.), pelo que até às referidas datas (pelo menos até ao dia 07.09.2010), estava apenas em causa o ruído;

12) Resulta dos autos que no dia 08.09.2010 a Autora/Recorrente enviou uma comunicação à 1.ª Ré/Recorrida (B............) a reportar não só a resolução que lhe foi garantida quanto ao problema do ruído, como também agora a comunicar o problema respeitante à falha no escoamento/ na canalização das águas, nomeadamente das águas provenientes das chuvas e da autoestrada, uma vez que estas se encontravam (e continuam a encontrar) a cair na propriedade da Autora/Recorrente, arrastando as culturas que aí se encontravam (e continuam a encontrar) semeadas e plantadas, e visto que a água que cai da autoestrada não sofre qualquer tipo de tratamento (é poluída com o alcatrão e demais poluentes do piso) - vide doc. 13 junto com a contestação da 2.ª Ré/Recorrida (L...........);

13) Resulta dos autos que, em resposta, a 2.ª Ré/Recorrida (L...........) reconheceu o direito da Autora/Recorrente, e para tal veja-se o doc. n.º 14, datado de 08.02.2010, junto pela mesma à sua contestação (vide texto supra transcrito);

14) Do documento junto pela 2.ª Ré/Recorrida (L...........), se extraem claramente os seguintes reconhecimentos: a) Reconhecimento pela Recorrida da existência dos problemas suscitados pela Autora/Recorrente, pelo facto da primeira ter agendado uma “reunião conjunta em Novembro de 2008”; b) Reconhecimento pela Recorrida da existência do ruído, ao ter previamente colocado em hipótese da “colocação das barreiras acústicas”, tendo posteriormente vindo a concluir pela impossibilidade de tal solução (e não pela desnecessidade da mesma); c) Reconhecimento pela Recorrida da necessidade de “resolução rápida” aos problemas suscitados pela Autora/Recorrente; d) Reconhecimento, esse, que se tornou mais patente quando a Recorrida chegou a propor a colocação de “vidros duplos nas panelas ou o pagamento de uma importância” que permitisse aquele que considerou ser o necessário “melhoramento das condições de isolamento acústico” da habitação em causa; e) Reconhecimento, esse, que se tornou ainda mais expresso quando a Recorrida se dispôs a receber “um orçamento” apresentado pelo mandatário da Autora/Recorrente, ora signatário; f) Reconhecimento pela Recorrida ao revelar os “esforços desenvolvidos” pela própria para “ultrapassar o problema a contento” da Autora/Recorrente;

15) No presente caso, é claro, inequívoco e revelador o reconhecimento efetuado quanto ao direito da Autora/Recorrente, reconhecimento o qual aciona a interrupção da prescrição, a qual constitui um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, o que sucedeu no presente caso, pelo que dúvidas não existem de que se impõe a revogação da Sentença ora recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes;

16) “Não afasta a interrupção da prescrição nos termos do disposto no art. 323.º, n.º 2 do CC, o facto de os autores terem proposto a acção num tribunal incompetente” - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13.12.2005, in Colectânea de Jurisprudência de 2005, 5.º, 270;

17) A Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à verificação da invocada prescrição por outros motivos, erro de injustiça da decisão, em virtude da sua não conformidade com o direito substantivo aplicável, erro na construção do silogismo judiciário;

18) Sem prescindir, até pelo menos até ao dia 07.09.2010, estava apenas em causa o ruído, sendo que apenas no dia 08.09.2010 a Autora/Recorrente reportou, não só a resolução que lhe foi garantida quanto ao problema do ruído, como também o problema respeitante à falha no escoamento/ na canalização das águas, nomeadamente das águas provenientes das chuvas e da autoestrada, uma vez que estas se encontravam (e continuam a encontrar) a cair na propriedade da Autora/Recorrente, arrastando as culturas que aí se encontravam (e continuam a encontrar) semeadas e plantadas, e visto que a água que cai da autoestrada não sofre qualquer tipo de tratamento;

19) E só em 2011 a Autora/Recorrente tomou conhecimento dos danos provocados face à sombra provocada pela estrutura da autoestrada que passa exatamente em cima da sua habitação, que no Inverno cobre cerca de 2/3 da área total do prédio desde cerca das 13h00 até ao pôr-do-sol (vide artigos 27.º, 28.º e 30.º da p.i.);

20) Remontando o reporte do conhecimento dos danos provocados pela falta de exposição solar face à estrutura da autoestrada à data da petição inicial apresentada a 13.06.2011 pela Autora/Recorrente;

21) Assim, a data do termo inicial da contagem do prazo prescricional quanto aos problemas do escoamento e poluição das águas em propriedade da Autora/Recorrente, bem como aos problemas da falta de exposição solar sempre deveria situar-se em setembro de 2010 quanto aos primeiros e o ano de 2011 quanto aos segundos, nunca se podendo entender pela verificação da exceção perentória da prescrição aquando da data da instauração da 1.ª ação, ou seja, em 13.06.2011;

22) Após atenta análise dos autos em confronto com a decisão ora recorrida, não há dúvidas que o tribunal a quo não apreciou devidamente os factos invocados e respetiva argumentação que deram origem à causa de pedir;

23) Segundo o artigo 607.º CPC, o juiz deve proceder a uma análise atenta de todo o processo, com especial incidência sobre os articulados, documentos juntos com eles ou posteriormente e outras peças processuais em que as partes tenham eventualmente assumido determinada posição, análise que, salvo devido respeito, não sucedeu no presente caso;

24) Não obstante na decisão recorrida se ter elencado uma série de factos (12 factos) “com interesse para a decisão” (pág. 5 da sentença), injusta e indevidamente se entendeu ao concluir que “não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa” (pág. 8 da sentença), tendo em conta os factos e documentos supra invocados, os quais são relevantes para uma justa decisão, pelo que, também por estes motivos, e tendo em conta a violação do disposto no artigo 607.º CPC, impõe-se a revogação da Sentença ora recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes, o que se requer;

25) As Rés/Recorridas sempre responderão objetivamente pelos prejuízos da construção da obra em causa, uma vez que dela advinham (e ainda advêm) para a Autora/Recorrente, por força do deficiente escoamento das águas, nos termos do disposto no artigo 1347.º do Código Civil - vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.03.2013, in Col. de Jurisprudência de 2013, 2.º, 10;

26) Sem prescindir, ainda se invoca que todos os danos supra referidos, e melhor alegados nos autos em sede dos articulados (especificamente na p.i.), para além de corresponderem a datas diferentes, correspondendo a uma cadeia de novos eventos – daí também se justificado ter surgido primeiramente os danos relativos ao ruído (reclamados em 2008 e reconhecidos em 2010), posteriormente os danos referentes ao escoamento das águas (2010) e por fim os danos respeitantes à falta de exposição solar (2011) – são, também eles, de natureza diferente;

27) Refere Antunes Varela, referindo-se ao artigo 498.º do CC, “a solução estabelecida não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores” – vide Das Obrigações em Geral, volume I, 6.ª edição, pág. 598;

28) Dos autos, possível é identificar vários e diferentes eventos lesivos, pois “apesar da unidade finalística, correspondem a distintos processos de conduta a construção de uma obra e o funcionamento da estrutura acabada. Se se quiser, na perspectiva do devir do dano, é de empírica constatação a diferença entre as agruras que o processo construtivo possa importar, aquando deste, e a ocorrência de outras que advenham da utilização da obra, com novo dano” – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 00346/11.2BECBR, de 19.06.2015, disponível em www.dgsi.pt, tanto mais que “as obrigações futuras emergentes do mesmo tipo de responsabilidade civil só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado” - vide o Acórdão do STJ, de 18.04.2002, in Colectânea de Jurisprudência de 2002, 2.º, 35, e Processo n.º 02B950.dgsi.Net;

29) Uma das questões centrais no presente processo – senão a mais relevante, situa- se no âmbito dos direitos de personalidade da Autora/Recorrente, na sua vertente ambiental, estando em causa direitos atinentes à qualidade de vida, ao descanso, ao sono e um ambiente sadio e equilibrado, num espaço físico que assegure um espaço de realização vital, sendo que o ruído é sabido que, não obstante constar de comunicação de 2008, nunca se esquecendo do reconhecimento patente em comunicação da Recorrida de 2010, constitui, com o decurso do tempo, a realização de novos danos passíveis de constatar através das conhecidas presunções judiciais;

30) Presunções judiciais são ilações que o julgador tira de um facto conhecido – facto base da presunção – para afirmar um facto desconhecido – facto presumido – segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas ou da lógica (artigo 349.º do CC), pelo que a presunção do ruído acima referida deve ser entendida no sentido de que o ruído proveniente da circulação rodoviária na autoestrada, é ainda hoje percetível e audível na casa da Autora/Recorrente e com caraterísticas profundamente perturbadoras do ambiente sonoro que anteriormente nele havia;

31) Dentro de um mesmo que mínimo critério de razoabilidade, nunca se poderá deixar de se considerar que a tão reclamada construção de barreiras acústicas poderia minorar os ruídos provenientes da ainda atual circulação rodoviária, de forma ensurdecedora audíveis na habitação da Autora/Recorrente, o que, como se sabe, acontece em muitos locais nas autoestradas – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.12.2015, Processo n.º 1491/06.1TBLSB.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt;

32) Nos documentos referidos, foram realizadas avaliações acústicas, nomeadamente na habitação da Autora/Recorrente (no fim do mês de janeiro de 2010, bem como no dia 28.04.2010);

33) Contudo, não obstante, e porque a decisão ora recorrida foi proferida de forma precipitada, o Tribunal sempre deveria ter ordenado a junção das conclusões de tais avaliações (factos provados acordados pelas partes, e também com interesse para a boa decisão da causa), e isto no âmbito do princípio processual civil do inquisitório, nos termos da lei processual civil (artigos 411 e 526.º);

34) O juiz tem o poder-dever de determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que o mesmo se apresente relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa – o que aqui está em causa, segundo já se demonstrou supra, consagrando o artigo 411º do CPC o poder-dever do juiz de realizar oficiosamente quaisquer diligências probatórias ou instrutórias que considere indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos de que pode legitimamente conhecer;

35) Segundo os artigos 411 e 526.º CPC, o juiz tem o poder- dever de determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que o mesmo se apresente relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, sendo que a previsão do artigo 526º do NCPC, não contém em si um poder discricionário, mas um «poder-dever» e que verificados os pressupostos contidos na mesma previsão, «deve» o juiz ordenar a junção do documento em causa;

36) O não exercício deste poder-dever corresponde à omissão de um acto que a lei prescreve e que influi no exame e na decisão da causa, artigo 195º NCPC, pelo que se trata de uma nulidade, a qual, desde já e aqui, expressamente, se invoca, com todas as consequências legais daí resultantes.;

37) Estamos perante danos presentes, permanentes, constantes, diversos e reiterados, sendo estas também as caraterísticas do comportamento das Recorridas, pelo que, sempre sem prescindir, sempre se deveriam ter em conta todos os danos que se reportam aos 3 anos antecedentes à propositura da 1.ª ação ou até mesmo, também sem nunca se prescindir, da 2.ª ação, e para tal basta uma mera visita ao local para se concluir pela sua verificação atual;

38) Assim obriga também a lógica teleológica do sistema, nomeadamente aquela patente na previsão legal do artigo 310.º, alínea g) do CC, referente às prestações periodicamente renováveis, pelo que, também pelos motivos ora supra expostos, impõe-se a revogação da Sentença ora recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

39) Sem prescindir, invoca-se a extensão do prazo prescricional nos termos dispostos no n.º 3, do artigo 498.º do CC, pois a conduta das Recorridas configura até uma realização plúrima de atos suscetíveis de integrarem a tipificação dos crimes previstos e punidos nos artigos 212.º, 279.º e 280.º do Código Penal, pelo que ao prazo de prescrição aplicado na decisão recorrida, sempre se deveria ter aplicado o prazo mais longo, nos termos do artigo 498.º n.º 3 do CC;

40) O tribunal a quo não estava (nem está) impedido – estando, antes, até revestido de um dever – de qualificação posterior diferente à ocorrida com a instauração da ação, subsumindo e enquadrando os factos num regime jurídico diferente do inicialmente invocado;

41) Do conteúdo da p.i. extrai-se claramente a imputação dos referidos ilícitos criminais, cujos factos foram legados e são suscetíveis de integrar os respetivos crimes, sendo esse o único requisito do artigo 498.º, n.º 3 CC, pelo que a Autora/Recorrente sempre seria beneficiária de um prazo de prescrição superior ao de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1 CC, por aplicação do seu n.º 3;

42) Os ilícitos supra referidos têm o prazo prescricional de 5 anos, nos termos previstos no artigo 118.º, alínea c) do CP, logo, tendo os primeiros ilícitos (ruído) decorrido aquando da 1.ª carta da Autora/Recorrente, sempre se deveria, sem prescindir, iniciar a contagem desse prazo nessa data, pelo que a sua prescrição só ocorreria no início do ano de 2013.Ora, a ação foi instaurada em 13.06.2011;

43) A aplicação do prazo de prescrição previsto na lei penal não depende do efetivo exercício de procedimento criminal, uma vez que a lei apenas exige que a conduta ilícita constitua crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, o que sucede no presente caso, pelo que a decisão recorrida que concluiu pela verificação da invocada prescrição do direito foi, também aqui e por estes motivos, precipitada e prematura, não tendo o julgador a quo procedido a uma correta valoração dos factos alegados;

44) Os mesmos (factos alegados) sempre exigiriam discussão para efeitos de produção de prova – discussão que não ocorreu, por facto não imputável à Autora/Recorrente, que surge como parte desprotegida nos seus direitos (tutela jurisdicional efetiva);

45) Daí “findo os articulados – e para apreciar a excepção da prescrição – não é suficiente ponderar a matéria da acção apenas na perspectiva do prazo prescricionbal de três anos, ainda que as partes tenham argumentado nesse sentido; importa igualmente atentar se a matéria da acção é ainda succeptível de constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, o que poderá conduzir à improcedência da excepção, nos termos do art. 498.º, n.º 2 do CC)” – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.07.2009, in Colectânea de Jurisprudência de 2009, 3.º, 125;

46) Pois “a qualificação jurídica dada pelas partes não vincula o tribunal, razão pela qual, estando implícita na petição inicial a natureza criminal da actuação do réu, bem como o seu carácter culposo, tanto bastaria para que o tribunal pudesse atender ao prazo prescricional alargado do art. 498.º, n.º 3 do CC” – vide Acórdão do STJ, de 12.09.2013, Processo n.º 1418/10, disponível em www.dgsi.pt;

47) Impugna-se a decisão recorrida, visto que, a final, se pudesse conhecer devidamente dos factos alegados pela Autora/Recorrente na p.i., tendo ocorrido, também aqui, um notório erro na aplicação do direito, na apreciação da causa de pedir e da sua verdadeira amplitude;

48) A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas tem consagração no artigo 22.º da CRP, e o direito ao repouso encontra consagração nas Convenções Internacionais, na CRP e lei ordinária – artigo 24.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 8.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e artigo 66.º da CRP;

49) O direito ao ambiente é um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção do Estado e terceiros de ações ambientalmente nocivas, pelo que o STJ tem-se pronunciado reiteradamente que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade (requisitos inerentes à realização do direito à saúde e à qualidade de vida) constituem emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral e a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente tutelados como direitos fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais;

50) Concluindo o STJ que a ilicitude de uma ação ruidosa que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está no facto de alguém que para além dos limites do socialmente tolerável, lesar aqueles direitos, constituindo um dano real em qualquer das suas componentes;

51) Conforme demonstrado nos autos: a) Trata-se da habitação da Recorrente; b) A Recorrente é já de avançada idade; c) Trata-se da construção e posterior funcionamento de uma autoestrada (com juntas de dilatação feitas em ferro e sem quaisquer barreiras acústicas) exatamente por cima da habitação da Recorrente (a cerca de 5 a 7 metros de altura); d) Trata-se da construção de uma ponte de autoestrada exatamente ao lado da habitação da Recorrente (a cerca de 2 metros); e) Trata-se não só de danos de ruído, como de problema no escoamento das águas poluídas, destruição de culturas, maus cheiros e falta de exposição solar e suas consequências (humidade, frio e nocivo à saúde);

52) Sempre se deverá admitir que a indemnização por expropriação apurada em sede de processo de expropriação (mesmo que amigável) abranja não apenas os danos ocasionados pela expropriação, mas também os decorrentes da construção e posterior utilização de uma obra (in casu, um troço de autoestrada), os quais tiveram lugar posteriormente ao ato expropriativo – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.06.2010, Processo n.º 1176/06.9TBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt;

53) Sempre será constitucionalmente inadmissível a interpretação dos normativos invocados na decisão recorrida quando conclui pela não atribuição da indemnização à Autora/Recorrente, pois tal interpretação é frontalmente violadora do princípio constitucional da “justa indemnização”, consagrado no artigo 62.º, n.º 3 da CRP;

54) E do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, porquanto, além do mais, poderá implicar – como no presente caso implica – a atribuição de indemnização além do valor real e corrente do bem expropriado, tratando desigualmente os vários beneficiários de expropriações e expropriados;

55) E desrespeitando o princípio da proporcionalidade, tendo em conta a discrepância existente entre as consequências da expropriação e a sua reparação – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.06.2010, Processo n.º 1176/06.9TBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt;

56) Impõe-se a revogação da Sentença ora recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes, tanto mais, que o direito da Autora/Recorrente é um direito legal e constitucional;

57) A decisão recorrida viola ainda o disposto no artigo 205º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”, sendo que a decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;

58) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”, pois na verdade, a decisão recorrida viola os princípios consignados na CRP, nomeadamente consignados nos artigos 13º e 20º;

59) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, e, neste caso essa circunstância não se verifica;

60) O Tribunal a quo não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, pois limitou-se a emitir uma decisão economicista, deixando de se pronunciar sobre todas as questões que são essenciais à boa decisão da causa;

61) A Decisão recorrida não está fundamentada, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e, nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”, pelo que ao não se ter fundamentado suficientemente de facto e direito a decisão recorrida, foi cometida uma nulidade;

62) Em suma, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

63) A Sentença recorrida viola:

a) O dispostos nos artigos 323.º, 325.º, 349.º, 498.º, 1346.º e 1347.º do Código Civil;

b) O disposto nos artigos 154.º, 195.º, 411.º, 526.º, 607.º, e 615.º, alíneas b), c) e d) do Código do Processo Civil;

c) O disposto nos artigos 13.º, 20.º, n.º 1, 22.º, 66.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa;

d) O disposto no artigo 24.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos;

e) O disposto no artigo 8.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.”.

Pede a revogação da sentença recorrida.


*

A Interveniente, Fidelidade – C............, SA contra-alegou o recurso apresentado pela Autora, nele tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Ao contrário do que sustenta a Recorrente nas suas alegações de recurso, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, na medida em que, à luz da factualidade alegada pela própria Recorrente na sua petição inicial, não restava outra hipótese ao Tribunal de 1.ª Instância que não a de julgar procedente a exceção peremptória invocada pelos Recorridos.

2. O enquadramento legal do presente caso consiste na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, relativa ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público (“Lei n.º 67/2007”).

3. Por força da remissão prevista no artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, o prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual previsto naquele diploma é regulado pelo artigo 498.º do Código Civil, sendo, por isso, de 3 anos.

4. Tal como sustentado na sentença recorrida, o prazo de prescrição de três anos inicia a sua contagem a partir do momento em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que desconheça a pessoa do responsável ou a extensão integral dos danos (cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 27 de abril de 2006, Processo n.º 0304/05, disponível em www.dgsi.pt).

5. Além de ser indiferente o conhecimento da identidade do lesante ou a extensão integral dos danos, é igualmente irrelevante para efeitos de início de contagem da prescrição se o evento lesivo tem natureza continuada ou instantânea (cfr. por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 4 de dezembro de 2012, Processo n.º 01203/02, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 28 de outubro de 2009, Processo n.º 091/09, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 21 de março de 2019, Processo n.º 755/07.1BELRA, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

6. Ora, in casu, resulta cristalino do facto n.º 1 dado como provado pelo Tribunal de 1.ª Instância que desde, pelo menos, 5 de janeiro de 2008 que a Recorrente tem conhecimento do seu (suposto) direito, razão pela qual o prazo de prescrição iniciou a sua contagem, pelo menos, desde essa data.

7. Sem prejuízo de, em bom rigor, o início do prazo de prescrição se situar, inclusivamente, em data anterior a 5 de janeiro de 2008, mais concretamente em junho de 2007, altura em que entrou em funcionamento a circulação da autoestrada em causa nos autos (cfr. página 11 da sentença recorrida).

8. Por conseguinte, no caso concreto, e ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 296.º do mesmo diploma, o prazo de prescrição de três anos previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil terminou em 5 de janeiro de 2011, sem que fosse interrompido ou suspenso, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 318.º a 327.º do Código Civil.

9. Em suma, bem andou o Tribunal de 1.ª Instância ao julgar procedente a exceção perentória de prescrição e, em consequência, absolver os Recorridos do pedido, razão pela qual deve o presente recurso, desde logo, ser julgado improcedente.

10. Ciente de que a primeira ação judicial já foi instaurada após o decurso do prazo de prescrição do (suposto) direito invocado na presente ação (o que não se concede) – cfr. facto provado n.º 4 da sentença recorrida –, a ora Recorrente sufraga que a Recorrida L........... teria reconhecido o seu suposto direito, ao abrigo do disposto no artigo 325.º do Código Civil.

11. Todavia, para ser aplicável, o n.º 1 do artigo 325.º do Código Civil pressupõe uma declaração de ciência expressa efetuada perante o (alegado) titular do direito, por aquele contra quem o suposto direito pode ser exercido (cfr., por exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 30 de outubro de 2008, Processo n.º 00537/06.8BEVIS, disponível em www.dgsi.pt).

12. Por seu turno, é verdade que o n.º 2 do artigo 325.º do Código Civil admite o reconhecimento tácito, mas o mesmo “só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam” (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 30 de outubro de 2008, Processo n.º 00537/06.8BEVIS, disponível em www.dgsi.pt).

13. Ora, no caso concreto, a ora Recorrente pretende – pasme-se! – que o Tribunal tivesse considerado que a Recorrida L........... teria reconhecido o seu direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 325.º do Código Civil, com base numa carta, datada de 8 de setembro de 2010, que o próprio ilustre mandatário da Recorrente enviou à Recorrida L........... (cfr. Doc. 13, junto com a contestação da Recorrida L...........)!

14. Salvo o devido respeito, não é sequer concebível – como pretende a Recorrente – que se desse por demonstrado um suposto reconhecimento de direito ao abrigo do disposto no artigo 325.º do Código Civil com base numa carta que o próprio (suposto) titular do direito envia para aquele contra quem o alegado direito pode ser exercido (sempre sem conceder).

15. Aliás, basta verificar a carta datada de 8 de setembro de 2010 para se constatar que a própria Recorrente (que enviou a carta em causa através do seu mandatário) não estava convencida – longe disso – que a Recorrida L........... tivesse reconhecido o seu (alegado) direito!

16. Além do Doc. 13 junto com a contestação da L..........., a ora Recorrente invoca também que a Recorrida L........... teria reconhecido o “direito da Autora/Recorrente, e para tal veja-se o doc. N.º 14, datado de 08.02.2010”.

17. Porém, o fax da Recorrida L..........., datado de 8 de fevereiro de 2010, junto como Doc. 16 com a contestação (e não como Doc. 14) permite retirar a conclusão exatamente contrária àquela que a Recorrente pretende, na medida em que, neste documento, a Recorrida L........... é cristalina em não reconhecer o alegado direito invocado pela Recorrente:

Contudo, e como V. Exas. Certamente compreenderão, não pode este ACE aceitar que, sem qualquer demonstração técnica ou outra que demonstre a violação dos limites legalmente estabelecidos, sejam exigidas indemnizações por causa do ruído proveniente da Auto-Estrada em exploração.

Assim, e não obstante se ter proposto às reclamantes a implementação de medidas para mitigar os alegados incómodos, tal facto não traduz a aceitação da legitimidade ou fundamento para, a este título, ser exigido o pagamento de quaisquer indemnizações ou a implementação de medidas corretivas” (cfr. Doc. 16 junto com a contestação da Recorrida L...........).

18. Em suma, ao contrário do que sustenta a Recorrente, a Recorrida L........... não reconheceu qualquer suposto direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 325.º do Código Civil.

19. Ainda na tentativa de superar a inequívoca factualidade que suporta a inatacável decisão do Tribunal de 1.ª Instância, a ora Recorrente tenta sustentar que o prazo de prescrição teria sido interrompido, na medida em que (i) apenas em 8 de setembro de 2010 teria reportado o “problema respeitante à falha no escoamento / na canalização das águas”; e (ii) apenas em 2011 é que a Recorrente teria tomado “conhecimento dos danos provocados face à sombra provocada pela estrutura da autoestrada que passa exatamente em cima da sua habitação”.

20. Todavia, o facto de a ora Recorrente apenas ter reportado o alegado “problema respeitante à falha no escoamento / na canalização das águas” em 8 de setembro de 2010 não significa que o mesmo não se verificasse, desde, pelo menos, a “abertura da estrada” em causa nos autos, isto é, em 2007.

21. Deste modo, para efeitos de início de prazo de prescrição é, evidentemente, irrelevante o momento em que a Recorrente reportou o alegado “problema respeitante à falha no escoamento / na canalização das águas”.

22. Por outro lado, decorre da própria causa de pedir apresentada pela ora Recorrente que a alegada falta de exposição solar verifica-se, como é evidente, desde a construção da autoestrada em causa nos autos, ou seja, 2007, conforme decorre, por exemplo, dos artigos 27.º e 28.º da petição inicial:


27º

Com a construção da auto-estrada, a casa da Autora ficou sujeita à sombra provocada pela respectiva estrutura, que no Inverno cobre cerca de 2/3 da área total do prédio desde cerca das 13h00 até ao pôr-do-sol.

28º

Durante o Inverno o gelo e a geada acumulam-se sobre o telhado e o pátio em consequência desse encobrimento dos raios solares”.

23. Acresce, em qualquer caso, que os supostos danos advenientes da falta de exposição solar (sempre sem conceder) constituem, em bom rigor, uma mera decorrência do mesmo evento causal – a construção da autoestrada –, pelo que não faria sentido que estivessem sujeitos a um prazo de prescrição autónomo, atenta a redação do n.º 1 do artigo 498.º (…“embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos”) (cfr., por exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo datado de 21 de março de 2019, Processo n.º 755/07.1BELRA, disponível em www.dgsi.pt).

24. Em face do supra exposto, é evidente que o prazo de prescrição se iniciou, pelo menos, desde 5 de janeiro de 2008, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura.

25. Ao contrário do que sustenta a ora Recorrente, a sentença recorrida não viola o disposto no artigo 607.º do Código de Processo Civil, na medida em que o Tribunal de 1.ª Instância cumpriu cabalmente a imposição legislativa aí prevista, visto que considerou provados (desde logo, por serem factos documentalmente comprovados) e aplicou o Direito, em particular o artigo 5.º da Lei n.º 67/2007 e o artigo 498.º do Código Civil, tendo julgado procedente a exceção perentória de prescrição.

26. Por outro lado, ao contrário do que sustenta a ora Recorrente, e ainda que o disposto no artigo 1347.º do Código Civil se aplicasse ao caso concreto (o que não se concede), a verdade é que, ainda assim, tal não afastaria a aplicabilidade do disposto no artigo 498.º do Código Civil e, portanto, a sujeição do suposto direito da Recorrente ao prazo de prescrição de 3 anos, por força do disposto no n.º 2 do artigo 483.º do mesmo diploma, aplicável à situação prevista no artigo 1347.º do Código Civil.

27. Ademais, ao contrário do que sustenta a Recorrente, os (supostos) danos invocados na presente ação não decorreriam de “novos eventos” causais, mas do mesmo e único evento causal: a construção da autoestrada, pelo que não há uma “cadeia de novos eventos”, tal como agora alega a Recorrente, que justifique novos e autónomos prazos de prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 5.º da Lei n.º 67/2007.

28. O Tribunal de 1.ª Instância não incumpriu o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil, na medida em que, para se julgar a exceção perentória de prescrição em causa nos autos, não é, evidentemente, necessária a junção das referidas avaliações acústicas, razão pela qual não se verifica qualquer nulidade.

29. Ao contrário do que sustenta a Recorrente, é evidente que a alínea g) do artigo 310.º do Código Civil não é aplicável ao presente caso, na medida em que não se está perante “prestações periodicamente renováveis”, mas uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual a que se aplica o disposto no artigo 498.º do Código Civil, por força do artigo 5.º na Lei n.º 67/2007.

30. Acresce que, ao contrário do que sustenta a Recorrente, a factualidade descrita na petição inicial não possui relevância criminal, razão pela qual o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil não é aplicável ao caso concreto.

31. De facto, a factualidade descrita na petição inicial (sempre sem conceder) não preenche a tipicidade prevista nos artigos 212.º, 279.º e 280.º do Código Penal.

32. A sentença recorrida não incorre em qualquer interpretação inconstitucional ao julgar procedente a exceção perentória de prescrição, na medida em que se limitou a aplicar o disposto no artigo 498.º do Código Civil, o qual estipula um prazo prescricional para o exercício do direito indemnizatório.

33. Tanto mais que, em bom rigor, a ora Recorrente nem sequer concretiza que interpretação normativa – geral e abstrata – formulado pelo Tribunal de 1.ª Instância é que estaria eivada de inconstitucionalidade.

34. De resto, qualquer outra decisão que não fosse a de julgar procedente a exceção perentória de prescrição seria – essa sim – inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.

35. Por outro lado, o Tribunal de 1.ª Instância não violou o disposto no artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, pura e simplesmente, administrou a justiça, aplicando a lei ao caso concreto, em particular o disposto no artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, razão pela qual julgou procedente a exceção perentória de prescrição.

36. Por fim, e conforme resulta claro das 15 páginas da sentença recorrida, é evidente que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância encontra-se fundamentada, quer de facto, quer de Direito, pelo que inexiste qualquer nulidade por falta de fundamentação da sentença recorrida.”.

Pede que o recurso interposto pela Recorrente seja julgado integralmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.


*

A Ré, L........... –……….., ACE, notificada da interposição do recurso da Autora, apresentou contra-alegações, em que concluiu do seguinte modo:

1. A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, não padece de qualquer um dos alegados vícios invocados pela Recorrente;

2. Como irrepreensivelmente decidido pelo Tribunal a quo, aos presentes autos aplica-se a Lei n.º 67/2007 (RCEE), o qual remete, em matéria de prescrição e causas de interrupção e suspensão para o previsto no Código Civil, nomeadamente, para o que aqui nos concerne, o n.º 1 do art. 498.º do Código Civil;

3. A douta sentença proferida não merece qualquer censura, encontrando-se devidamente fundamentada de facto e de direito, correspondendo à correta aplicação do Direito ao caso concreto, uma vez que é por demais evidente que o direito a que a Recorrente se arroga encontrava-se já prescrito em momento muito anterior ao da entrada da presente ação.

4. Aliás, como bem decidido pelo douto Tribunal a quo, aquando da entrada da primeira ação (a qual foi intentada no Tribunal Judicial de Leiria, tendo sido proferido despacho saneador-sentença onde este se declarou materialmente incompetente, tendo a sobredita decisão transitado em julgado a 11 de junho de 2013), já o direito da Recorrente se encontrava prescrito, por força da decorrência do prazo de 3 (três anos) para a efetivação de pedido de responsabilidade civil extracontratual.

5. Nos termos do n.º 1 do art. 498.º do Código Civil, o prazo de prescrição de três anos começa a contar a partir do momento em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, ainda que desconheça a pessoa do responsável ou a extensão integral dos danos;

6. O pedido da Recorrente abrange única e exclusivamente aos danos originados pelo ruído da passagem dos carros na auto-estrada, peticionando uma indemnização por esse facto.

7. Da factualidade dada como provada, que não é impugnada ou controvertida pela Recorrente, resulta que a Recorrente reclama os (alegados) danos provocados pelo ruído, através de carta datada de 05.01.2008;

8. Atendendo a que resulta também como provado que a presente acção deu entrada em 22 de julho de 2013, há muito que já havia decorrido o prazo de três anos;

9. Mesmo que se atendesse à data de entrada da primeira ação em Tribunal materialmente incompetente, que ocorreu a 13 de Junho de 2011, também já neste momento haviam decorrido os três anos desde o conhecimento da Recorrente do seu (alegado) direito.

10. Assim, e como irrepreensivelmente decidido na douta sentença, tendo a citação da Recorrida para contestar ocorrido volvidos mais de 5 meses após o termo do prazo de três anos, esta (a citação) já não foi apta a produzir os efeitos interruptivos da prescrição, previstos no n.º 1 do art. 323.º do Código Civil.

11. A citação já não teve a virtualidade de interromper o prazo prescricional, dado que ele já havia decorrido na íntegra – ou seja, já tinham passado mais de três anos desde que a Recorrida tomou conhecimento do direito que lhe competia, conforme art. 498.º do Código Civil.

12. Deve manter-se a sentença recorrida, sem qualquer alteração.

13. Sem prejuízo, sempre se refira que os argumentos utilizados pela Recorrente não têm qualquer aplicabilidade aos presentes autos.

14. A Recorrente alega que o Recorrido reconheceu o direito a que esta se arroga nos presentes autos, sustentando a sua «tese» no facto de, no seguimento da apresentação de reclamação pela Recorrente, ter afirmado que o problema se resolveria, ter agendado uma reunião sobre o assunto e ter promovido as medições acústicas junto do imóvel da Recorrente, sendo estes factos aptos a promover a interrupção do prazo de prescrição, nos termos do n.º 1 do artigo 325.º do Código Civil;

15. Sucede, porém, que nada mais falacioso, considerando que a Recorrente sustenta o suposto reconhecimento numa correspondência datada de 8 de setembro de 2010, elaborada e enviada pelo Ilustre mandatário da Recorrente à Recorrida L..........., o qual constitui o Doc. 13 junto com a contestação da Recorrida.

16. É de uma manifesta má-fé alegar que houve um reconhecimento desse pretenso direito, tentando sustentar esse reconhecimento numa carta enviada pela parte que pretende fazer valer o (alegado) direito para a parte contra quem o alegado direito pode ser exercido!

17. O reconhecimento desse direito não pode ser feito por pessoa ou entidade diferente do devedor, pelo que tem de improceder a alegação da Recorrente.

18. É até inimaginável e inconcebível uma alegação destas, sendo um verdadeiro e efetivo contrassenso que um Tribunal, deparado com esta situação, viesse a reconhecer a existência de um qualquer facto interruptivo da prescrição, com base numa carta enviada pela (suposta) credora ao (suposto) devedor.

19. Até porque, como tem vindo a ser defendido pela Doutrina e Jurisprudência, para que esse reconhecimento produza os seus efeitos, ele tem que ser um «Reconhecimento como acto jurídico, declaração de ciência, verbal ou escrita, expressa ou resultante de factos concludentes, que inequivocamente o exprimem»;

20. E, quanto ao reconhecimento tácito que se encontra previsto no n.º 2 do artigo 325.º do Código Civil, «O reconhecimento tácito será eficaz (…) pela prática de facto concludentes, isto é, (…) de comportamentos significantes, positivos e inequívocos. Exige-se, assim, que os factos revelem, de forma inequívoca, o reconhecimento da obrigação e não, apenas, com toda a probabilidade.»;

21. Nunca a Recorrida tinha alegado qualquer reconhecimento do seu direito, muito pelo contrário, como consta mesmo da pág. 11 das suas alegações onde afirma, transcrevendo a sua petição inicial: «48.º - A 2.º Ré exclui a sua responsabilidade alegando que foram cumpridos os limites sonoros legalmente estabelecidos.»;

22. Da própria missiva em que a Recorrida tenta, em vão, extrair um qualquer reconhecimento (8.09.2010), resulta de modo evidente que nem a Recorrida considerava que existisse esse reconhecimento do (alegado) direito.

23. É evidente que o Recorrido nunca reconheceu o direito da Recorrente;

24. Sem prejuízo de a missiva de 8.09.2010 ser totalmente insusceptível de constituir qualquer reconhecimento do direito da Recorrente, olvida-se a Recorrente do último parágrafo da correspondência trocada com a data de 08.02.2010, constituindo o Doc. 16 (e não 14 como afirma a Recorrente) junto com a Contestação da Recorrida, a qual também é mencionada como fundamento da alegação da Recorrida, mas que na verdade permite que seja tirada a conclusão inversa: que nunca existiu qualquer reconhecimento de um pretenso direito da Recorrida, afirmando-se que: «Contudo, e como V. Exas. Certamente compreenderão, não pode este ACE aceitar que, sem qualquer demonstração técnica ou outra que demonstre a violação dos limites legalmente estabelecidos, sejam exigidas indemnizações por causa do ruído proveniente da Auto-Estrada em exploração. Assim, e não obstante se ter proposto às reclamantes a implementação de medidas para mitigar os alegados incómodos, tal facto não traduz a aceitação da legitimidade ou fundamento para, a este título, ser exigido o pagamento de quaisquer indemnizações ou a implementação de medidas corretivas» (cfr. Doc. 16 junto com a contestação da Recorrida).

25. Adicionalmente, diga-se que o reconhecimento do direito terá que ser realizado por pessoa que tenha poderes para vincular a entidade, o que manifestamente não sucedeu, já que quem assina nunca foi membro do Conselho de Administração da Recorrida.

26. Por outro lado, vem a Recorrente alegar que os danos referentes à falha de escoamento/na canalização das águas e referentes à sombra/falta de exposição solar só foram por esta conhecidos em momento posterior a 05.08.2008 (data da 1.ª Carta Dirigida à Recorrida reclamando danos originados pelo ruído do tráfego da Auto-estrada), mais concretamente, em 08.09.2010 e em 2011, pelo que não se encontravam abrangidos pelo prazo primitivo de prescrição;

27. Cumpre referir e relembrar este douto Tribunal ad quem que o pedido elaborado pela Recorrente na sua petição inicial abarca, exclusivamente, os danos originados pelo ruído, inexistindo qualquer pedido ressarcitório conexo com a falta de escoamento de águas ou com a sombra a que a casa da Recorrida se encontra sujeita, pelo que o Tribunal a quo sempre estaria limitado pelo princípio do pedido;

28. Os danos alegados pela Recorrente respeitantes ao escoamento de águas e falta de exposição solar são danos decorrentes do mesmo facto que potenciou a reclamação de 05.01.2008 – a construção da auto- estrada;

29. Este facto é inúmeras vezes reconhecido pela Recorrente, quer na correspondência trocada e junta aos autos (carta de 08.09.2010) quer na petição inicial;

30. Inexiste qualquer razão, tanto de facto como de direito, que seja apta a considerar estes alegados danos como eventos novos com prazo prescricional autónomo.

31. Mais, sempre se diga que não é sequer verosímil que só em 2010 (mais de três anos depois da entrada em funcionamento da auto-estrada) é que a Recorrente teve conhecimento de que (alegadamente) o seu imóvel passou a estar mais à sombra e que as águas das chuvas escorreram para o seu prédio…!

32. Assim, sendo estes danos decorrentes da mesma causa de pedir, consubstanciando apenas uma extensão, deverá aplicar-se o mesmo prazo de 3 anos, iniciando-se a sua contagem, pelo menos, no dia 05.01.2008.

33. Por conseguinte, também estes danos se encontram já prescritos desde 05.01.2011, devendo improceder a alegação da Recorrente.

34. A douta sentença recorrida não padece de nulidade por violação do art. 607.º do Código de Processo Civil, sendo evidente, apenas da sua leitura, que se contra devidamente elaborada, fundamentada, tenho sido realizada uma apreciação crítica da prova, facto demonstrado pela indicação dos documentos que fundaram a convicção do Tribunal.

35. O Tribunal a quo não deveria ter ordenado a junção das medições acústicas, por força do Princípio do Inquisitório, por este meio de prova não se demonstrar relevante para a descoberta da verdade material, atendendo a que não foi proferida qualquer decisão de mérito da causa em razão da verificação da prescrição.

36. Não carecia de prova adicional (muito menos das medições acústicas) para julgar procedente a excepção peremptória de prescrição.

37. Em face do exposto, não há qualquer nulidade da sentença recorrida por violação do disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil;

38. Também os arts. 1347.º e 310.º, alínea g) do Código Civil não são aplicáveis aos presentes autos.

39. No primeiro caso, não estão aqui em causa instalação ou depósito de substâncias corrosivas ou perigosas, não existem questões de vizinhança e o «proprietário» da infraestrutura em causa - o Estado Português – nem sequer se encontra em juízo – sendo certo que sempre estaria sujeito ao disposto no n.º 1 do art. 498.º do Código Civil;

40. No segundo caso, é por demais evidente e não carece de grande argumentação que no caso sub judice não se está perante prestações periodicamente renováveis, mas sim um pretenso direito ressarcitório fundado no RCEE, cujo prazo prescricional é de três anos e não de cinco.

41. Também não assiste razão à Recorrida quando afirma que a actuação/conduta da Recorrida seria susceptível de preencher um dos tipos de crimes p.e p. pelos arts. 212.º, 279.º e 280.º do Código Penal.

42. Incumbia à Recorrente alegar e provar que a conduta dos Recorridos constituía um determinado crime, não se bastando com uma alegação vaga e abstracta de que a conduta é susceptível de preencher um tipo de crime;

43. Nem tão pouco se alega o dolo na actuação das Recorridas, o que é essencial para a punição.

44. Acresce que o crime de dano também não pode ser imputado a pessoas colectivas, que é o caso das Recorridas;

45. Quanto ao crime de poluição, não estando alegado ou sequer provado qualquer factualidade que sustente a violação das disposições legais ou regulamentares aplicáveis, carece de fundamento o preenchimento do tipo de crime em questão.

46. Ao que acresce o facto de estarmos perante uma obra pública inserida numa Concessão outorgada pelo Estado Português, que obrigatoriamente cumpriu imperativos ambientais, fiscalizada por inúmeras entidades.

47. Quanto ao art. 280.º do Código Penal - «Poluição com perigo comum», embora possa tratar-se de um perigo para uma pessoa concreta, só se pode falar de perigo comum se se coloca em perigo um grande número de pessoas;

48. Por conseguinte, e ao contrário do que sustenta a Recorrente, a factualidade descrita não possui relevância criminal, daqui resultando a inaplicabilidade do disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil.

49. Por último, também se diga que a sentença recorrida não padece de nenhuma das ilegalidades invocadas, por não violar o principio da justa indemnização, da igualdade ou da proporcionalidade, nem tão-pouco por ter denegado justiça ou violado os direitos da Recorrente.

50. O Tribunal a quo limitou-se a aplicar os normativos em causa, os quais vigoram no ordenamento jurídico nacional sem nunca terem sido declarados inconstitucionais.”.

Pede a improcedência do recurso.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pela Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito quanto à questão da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. No dia 5 de Janeiro de 2008 a Autora enviou à Ré B............ – …….., S. A. uma carta com o seguinte teor: “(…) Venho por este meio, informar V. Ex.a. que com a construção da ponte da autoestrada A17, no sublanço Marinha Grande (A8)/Monte Redondo, por cima da minha propriedade e da minha casa de habitação, o barulho da entrada dos veículo no tabuleiro, na passagem das juntas de dilatação, se torna insuportável e de todo impossível manter a qualidade de vida até aqui existente antes da construção da referida autoestrada. Nos termos acima expostos, pretendo ser indemnizada pelo facto de a B............ não ter tomado em consideração o meu interesse, nomeadamente colocando as respectivas barreiras de protecção, bem como fazendo as obras apropriadas para a redução do ruído que afecta o meu bem-estar (…)” (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial);

2. No dia 7 de Abril de 2008 o Mandatário da Autora enviou um fax à Ré B............ –……….., S. A. uma carta com o seguinte teor: “(…) Venho por este meio, e em representação da minha cliente: M............., residente na Rua………, n.º 3 – LAVEGADAS – MONTE REDONDO – MONTE REAL, solicitar a V. Exas., uma resposta à carta que esta vos enviou em 05 de Janeiro de 2008. A minha cliente, ainda não obteve qualquer resposta por parte de V. Exas, relativamente à construção da ponte da autoestrada A17, no sublanço Marinha Grande (A8(/Monte Redondo), por cima da sua propriedade e da sua casa de habitação, o que lhe causa bastante transtorno, devido ao barulho constante. Assim solicito, resposta às pretensões da minha cliente, já apresentadas na carta enviada em 05/01/2008, caso contrário, serei obrigado a propor a respectiva acção de indemnização em Tribunal (…)”, (cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial);

3. No dia 8 de Setembro de 2010 o Mandatário da Autora enviou um fax à Ré B............ –………….., S. A. uma carta com o seguinte teor: “Venho por este meio, e em representação dos meus clientes (…) M............. (…) informar V. Exa., que as minhas clientes estão em vias de organizar o processo para apresentar acção de indemnização em Tribunal, em virtude dos defeitos de construção que sofre a estrada acima indicada e que já foi comunicado a V. Exas. através de cartas e faxes. Embora os meus clientes tenham presenciado alguns elementos de uma empresa a proceder à análise do ruído – tendo-se deslocado inclusivamente à casa dos meus clientes – no fim de Janeiro de 2010, e no dia 28 de Abril de 2010 – até ao momento ada foi feito em concreto que minorasse os problemas de ruído. Os meus clientes não podem viver assim com o ruído que diariamente têm de suportar, sendo certo que com a colocação de barreiras não vai resolver o problema, porque as casas estão situadas alguns metros abaixo do nível da estrada. Os meus clientes pretendem também que a água proveniente das chuvas, e da auto-estrada, seja devidamente canalizada, pois a água cai da ponte e da auto-estrada, sem qualquer canalização, directamente, e entra na propriedade dos meus clientes, e arrasta as culturas que aí se encontram semeadas e plantadas, desde a abertura da estrada (…)”, (cf. documento n.º 11 junto com a petição inicial);

4. No dia 13 de Junho de 2011 a Autora instaurou uma ação contra a B............ –…………………, S. A. e L..........., ACE, à qual foi atribuído o n.º 3429/11.5TBLRA, no Tribunal Judicial de Leiria, 3.º Juízo Cível, no âmbito da qual foram chamadas, designadamente, a C............, S. A., a F………S. A. e a L……….. S. A., onde a Autora peticionava o seguinte:

1) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial; 2) Reconhecer que o direito desta ao repouso, tranquilidade, descanso e saúde que gozava no prédio identificado no artigo 1.º da petição, foi gravemente afectado com o ruído que a circulação da auto- estrada produz; 3) Reconhecer que, por esse facto, a Autora vem sofrendo danos de natureza não patrimonial e descritos nesta peça processual, consequentemente: 4) A proceder imediatamente à colocação de barreiras acústicas em frente a toda a parte do prédio da Autora que deita para a auto- estrada; 5) E ainda colocar uma junta de dilatação que não provoque tantos barulhos como aqueles que vem provocando desde a sua inauguração, e até ao momento, de modo a que permita que a Autora possa dormir e descansar na sua casa de habitação; 6) A pagar à Autora uma indemnização, no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, até efectivo e integral pagamento” (cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial e certidão a fls. 837 dos autos);

5. No dia 27 de Junho de 2011 a Ré B............ –……….., S. A. foi citada no âmbito do processo n.º 3429/11.5TBLRA (cf. ofício a fls. 928 e seguintes dos autos);

6. No dia 15 e 28 de Junho de 2011 foram devolvidas os ofícios de citação no âmbito do processo n.º 3429/11.5TBLRA dirigidas à Ré L........... ACE, a qual apresentou contestação no dia 3 de Outubro de 2011 (cf. certidão a fls. 837 dos autos);

7. No dia 10 de Maio de 2013 foi proferido saneador-sentença no âmbito do processo n.º 3429/11.5TBLRA, o qual declarou os tribunais judiciais materialmente incompetentes para julgar a referida ação (cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial);

8. No dia 11 de Junho de 2013 transitou em julgado a decisão melhor identificada em 7 (cf. certidão a fls. 837 dos autos);

9. No dia 22 de Julho de 2013 foi instaurada a presente ação (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos);

10. No dia 18 de Setembro de 2013 a Ré B............ –………., S.A. foi citada no âmbito dos presentes autos (cf. aviso de receção a fls. 174 dos presentes autos);

11. No dia 27 de Setembro de 2013 a Ré L........... ACE foi citada no âmbito dos presentes autos (cf. aviso de receção a fls. 181 dos presentes autos);

12. No dia 18 de Junho de 2015 a Interveniente L…………, S. A., a I..........., S. A. e a F............, S. A. foram citadas no âmbito dos presentes autos (cf. avisos de receção a fls. 615 a 617 dos autos).


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Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, quanto à questão da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização

Vem a Recorrente interpor recurso da sentença que julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito, absolvendo as Rés e as Intervenientes do pedido, contra ela dirigindo o erro de julgamento de direito.

Sustenta que existiu o reconhecimento pela 2.ª Ré, L..........., da existência dos problemas suscitados pela Autora, da existência do ruído, ao ter previamente colocado a hipótese de colocação de barreiras acústicas, tendo depois concluído pela impossibilidade dessa solução, mas sem concluir pela sua desnecessidade, assim como o reconhecimento da necessidade de resolução rápida dos problemas suscitados pela Autora, tanto mais perante a proposta de colocação de vidros duplos nas janelas ou o pagamento de uma importância, reconhecimento esse que opera a interrupção da prescrição, nos termos do artigo 325.º, n.º 1 do CC.

Mais alega que até ao dia 07/09/2010 estava apenas em causa o problema do ruído e que apenas no dia 08/09/2010 a Autora reportou o problema da falha no escoamento na canalização das águas provenientes das chuvas da autoestrada, por estas caírem na propriedade da Autora, arrastando as culturas que aí se encontram semeadas e plantadas.

Invoca que só em 2011 a Autora tomou conhecimento dos danos provocados pela sombra provocada pela estrutura da autoestrada, que passa por cima da sua habitação, que no inverno cobre 2/3 da área total do prédio desde cerca das 13H00 até ao pôr-do-sol.

Donde, defender a ora Recorrente que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição quanto aos problemas do escoamento e poluição das águas em propriedade da Autora se situar em setembro de 2010 e quanto ao problema da falta de exposição solar, ao ano de 2011.

Pelo que, invoca que a prescrição nunca poderia ter lugar na data da instauração da primeira ação, em 13/06/2011.

Defende que a sentença não respeitou o artigo 607.º do CPC, que impõe ao juiz uma análise atenta de todo o processo, tendo em conta os factos alegados e os documentos apresentados.

Sustenta que os danos referidos reportam-se a datas diferentes, tendo primeiro surgido os danos relativos ao ruído, reclamados em 2008 e reconhecidos em 2010 e posteriormente os danos referentes ao escoamento das águas, em 2010 e por fim os danos respeitantes à falta de exposição solar, em 2011.

Dos autos resultam diferentes eventos lesivos, situando-se ao nível da lesão dos direitos de personalidade da Autora, ao descanso, ao sono, qualidade de vida, ambiente sadio e equilibrado.

Alega que foram realizadas avaliações acústicas na habitação da Autora no fim de janeiro de 2010 e em 28/04/2010 e que o Tribunal sempre poderia ter ordenado a junção das conclusões de tais avaliações, ao abrigo do princípio do contraditório, cujo não exercício desse poder-dever corresponde à omissão de um ato que a lei prescreve, constituindo uma nulidade, segundo o artigo 195.º do CPC.

Estão em causa danos presentes, permanentes, constantes, diversos e reiterados, pelo que sempre se deveriam ter em conta todos os danos que se reportam aos 3 anos antecedentes à propositura da primeira ação ou até mesmos, da segunda ação, bastando uma visita ao local para se concluir pela sua verificação atual, justificando a lógica teleológica do artigo 310.º, g) do CC.

Também entende ocorrer a extensão do prazo prescricional nos termos do artigo 498.º, n.º 3 do CC, por a conduta das Recorridas configurar uma realização plúrima de atos suscetíveis de integrarem a tipificação dos crimes previstos e punidos nos artigos 212.º, 279.º e 280.º do Código Penal.

Invoca ainda que será constitucionalmente inadmissível a interpretação dos normativos legais que conclua pela não atribuição da indemnização à Autora, por violação do princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 3 da CRP, assim como do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP e do princípio da proporcionalidade.

Sustenta a violação pela sentença recorrida do disposto no artigo 205.º da CRP, por a decisão não se encontrar suficientemente fundamentada, do artigo 204.º da CRP, por a decisão recorrida violar os artigos 13.º e 20.º da CRP e do artigo 202.º da CRP por o Tribunal não ter assegurado a defesa dos direitos da Autora, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão e não aplicar todas as normas legais aplicáveis, em desrespeito do artigo 154.º do CPC, incorrendo em nulidade.

Conclui invocando a violação pela sentença recorrida dos artigos 323.º, 325.º, 349.º, 498.º, 1346.º e 1347.º do CC, dos artigos 154.º, 195.º, 411.º, 526.º, 607.º e 615.º, b), c) e d), do CPC, dos artigos 13.º, 20.º, n.º 1, 22.º, 66.º, 202.º, 204.º e 205.º da CRP, do artigo 24.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do artigo 8.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Vejamos.

A Autora, ora Recorrente, não se conformando com a sentença recorrida vem deduzir uma longa e extensa alegação, assim como respetivas conclusões, sustentando a violação de múltiplas normas jurídicas e de princípios de direito.

Como se irá ver, a alegação da ora Recorrente traduz-se num esforço de tentar reverter a decisão proferida, sendo invocados argumentos e razões de direito sem o menor sustento, algumas das vezes, sem a substanciação mínima exigida e outras vezes, sendo invocados institutos que nem sequer têm aplicação ao litígio configurado em juízo.

A legalidade da decisão sob recurso tem de assentar nos factos demonstrados em juízo, os quais não sendo impugnados no presente recurso, atestam a anuência das partes quanto à sua ocorrência.

Por conseguinte, a Recorrente pode invocar uma multiplicidade de argumentos, mas os mesmos não alteram a realidade dos factos provados, na base da qual, se apreciará do invocado erro de direito em relação à decisão de procedência da exceção perentória da prescrição do direito à indemnização.

Nos termos dos factos assentes, extrai-se que em 05/01/2008 a ora Recorrente apresentou uma carta à Ré, B............, em que reclamava do barulho causado pela passagem dos carros nas juntas de dilatação da ponte da autoestrada A17, pedindo ser indemnizada, o que foi reiterado por carta enviada em 07/04/2008.

Em 08/09/2010 a Autora enviou nova carta, manifestando a intenção de instauração de ação judicial, alegando ter já existido a medição do ruído, incluindo no interior da habitação, no final de janeiro de 2010 e em 28/04/2010, mas sem que nada tivesse sido feito, alegando que a colocação de barreiras não vai resolver o problema, porque as estradas estão situadas alguns metros abaixo da estrada, e ainda reclamando da água proveniente das chuvas, por a água cair da ponte, sem qualquer canalização, entrando na propriedade da Autora e arrastando as culturas existentes.

O que significa que a Autora começou por em 05/01/2008 reclamar do problema do ruído e em 08/09/2010 reclamar do problema das águas das chuvas.

Em 13/06/2011 a Autora instaurou uma ação contra as ora Rés, B............ e L..........., tendo sido chamadas as ora Intervenientes, C............ , SA e a L……., SA, no âmbito do qual foi pedida a indemnização pelo ruído causado pela circulação automóvel e a condenação à colocação de barreiras acústicas em frente de toda a parte do prédio e ainda a colocação de uma junta de dilatação que não provoque tantos barulhos, sendo a indemnização pedida no valor de € 65.000,00.

A Ré, B............ foi citada na referida ação em 27/06/2011 e a Ré L........... foi citada em data posterior a 28/06/2011.

Essa ação veio a culminar com uma decisão de incompetência em razão da matéria, proferida em 10/05/2013, transitada em julgado em 11/06/2013.

Em 22/07/2013 foi instaurada a presente ação, no âmbito da qual a Ré, B............ foi citada em 18/09/2013 e a Ré, L........... foi citada em 27/09/2013, sendo as Intervenientes, L……… e a C............ , citadas em 18/07/2013.

Tendo presente os factos expostos, vejamos o direito aplicável.

Em primeiro lugar impõe dizer-se que embora a Recorrente alegue a violação do artigo 607.º do CPC, assim como os artigos 154.º, 195.º, 411.º, 526.º e 615.º, n.º 1, b), todos os CPC e ainda, do artigo 205.º da CRP, com fundamento na falta de fundamentação da sentença recorrida, abstém-se de concretizar qual a concreta matéria de facto e de direito que devia ter sido conhecida na sentença recorrida e que foi omitida.

A Recorrente conforma-se com o julgamento de facto da sentença recorrida, não procede à sua impugnação, não invocando a sua deficiência, nem requer o aditamento de qualquer facto.

Pelo que a matéria de facto tem de se manter nos termos em que constam da sentença recorrida, por não ser ter sido impugnada, nem decorrer ter sido produzida prova que, mediante conhecimento oficioso do Tribunal ad quem nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, conduzisse a um julgamento diferente.

A Recorrente não logra concretizar qualquer ponto de facto que deveria ter sido julgado provado e não foi, além de não substanciar qualquer diligência probatória que deveria ter sido realizada e não foi.

Do mesmo modo ocorre em relação à questão de direito, pois abstém-se a Recorrente de concretizar qual a questão de direito que não se encontra fundamentada, considerando a concreta decisão proferida.

Chega a Recorrente a alegar na conclusão 60) do recurso que a sentença recorrida não se encontra “exaustivamente” fundamentada, o que permite compreender que a Recorrente admite que a sentença se encontra efetivamente fundamentada.

O grau de fundamentação exigido pela Recorrente não tem sustento na legalidade aplicável, não decorrendo das normas legais invocadas pela Recorrente, as quais, por isso, não se encontram fundamentadas.

Além de que a Recorrente também não concretiza qualquer questão de facto ou de direito cujo conhecimento foi omitido, que se impunha ter sido decidido e não foi pelo Tribunal a quo.

A sentença não omitiu o julgamento de facto, nem omitiu o julgamento da questão de direito, o que decorre do seu exato teor, mas também nos termos em que a Recorrente dirige a sua censura no presente recurso,

A função da sentença é a decidir, fundamentadamente, as questões colocadas para decisão, sem que lhe imponha apreciar cada um dos argumentos invocados, ou sequer, fundamentar exaustivamente, como defende a Recorrente.

Por conseguinte, não incorre a sentença recorrida na alegada nulidade, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, b) do CPC, do mesmo modo que não incorre na nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC.

Acresce, não concretizar a Recorrente qual a razão porque considera que a sentença incorre na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, c) do CPC, nada referindo a esse respeito.

A ora Recorrida não especifica qualquer passagem da sentença que traduza uma contradição entre a decisão e os seus fundamentos, nem invoca existir qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Donde, forçoso ter de se concluir no sentido de a sentença recorrida não incorrer em qualquer das nulidades decisórias invocadas.

De resto, nem a Recorrente logra proceder à distinção entre os fundamentos da sentença, entre nulidades e erros de julgamento, alegando e concluindo de forma global, sem proceder à devida diferenciação.

Neste sentido, a factualidade pertinente para a decisão a proferir é que se encontra apurada na sentença recorrida, por a mesma não enfermar de qualquer nulidade decisória, por falta de fundamentação de facto, nem omitir qualquer diligência probatória, não incorrendo quer em contradição entre os seus respetivos fundamentos, nem na omissão do conhecimento e decisão de qualquer questão.

Perante os factos apurados, importa então apreciar se incorre a sentença recorrida na violação das demais normas jurídicas e princípios invocados pela Recorrente, quanto a saber do alegado erro de julgamento no tocante à questão da prescrição do direito à indemnização.

No que respeita à alegada violação do artigo 498.º do CC, por dever ser aplicável o prazo de prescrição mais longo, por a atuação das Rés se consubstanciar na prática dos crimes previstos e punidos nos artigos 212.º, 279.º e 280.º do Código Penal (CP), é de entender pela falta de razão da Recorrente.

Considerando o Código Penal em vigor à data dos factos, segundo o artigo 212.º, n.º 1 do CP tipifica o crime de dano, “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”.

Comete o crime de poluição, previsto no artigo 279.º, n.º 1 do CP, “Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:

a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades;

b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou

c) Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza;

de forma grave, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 600 dias.”.

E incorre na prática do crime previsto no artigo 280.º do CP, de poluição com perigo comum, “Quem, mediante conduta descrita nas alíneas do n.º 1 do artigo anterior, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, para bens patrimoniais alheios de valor elevado ou para monumentos culturais ou históricos, é punido com pena de prisão (…)”.

É manifesto que a atuação das Rés não foi caracterizada pela Autora do ponto de vista do enquadramento de facto, nem do enquadramento de direito, como se traduzindo na prática de qualquer crime.

Não só não foi apresentada qualquer queixa ou participação criminal pela Autora contra as ora Rés, como os factos alegados em juízo pela Autora não permitem a sua subsunção nos respetivos ilícitos criminais, de forma a que se verifique o âmbito da previsão do disposto no artigo 498.º, n.º 3 do CC.

Além de que nem desse modo a presente ação foi configurada pela Autora, pois analisada a alegação constante da petição inicial por nenhuma vez se mostra imputada a atuação criminosa das Rés, nada se referindo sobre a alegada incorrência na prática de alguns dos ilícitos penais ora invocados no presente recurso.

A Autora nunca configurou a atuação das Rés, seja por ação, seja por omissão, em qualquer tipo de ilícito criminal, nem decorre a alegação de factos que assim o permitam.

Neste sentido, está afastada a violação do disposto no artigo 498.º, n.ºs 1 e 3 do CC, no tocante ao prazo de prescrição, sendo aplicável o prazo previsto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, que estabelece o prazo de 3 anos.

Aqui chegados, importa apurar da alegada verificação do facto interruptivo da prescrição, segundo o disposto no artigo 325.º, n.º 1 do CC.

Segundo a Recorrente existiu o reconhecimento do direito da Autora por parte da Ré, L..........., nos termos dos documentos n.ºs 13 e 14, juntos com a sua contestação.

Compulsados os documentos indicados pela Autora, denota-se que a mesma refere-se incorretamente aos documentos em causa, pois o documento n.º 13 apresentado pela Ré, L........... respeita a uma carta expedida pelo mandatário da Autora, datada de 08/09/2010 e o documento n.º 14 respeita a uma peça desenhada (planta), não identificada.

Naturalmente que não pode um documento da Autora dirigido à Ré servir de reconhecimento do direito à indemnização, do mesmo modo que não serve essa finalidade um elemento desenhado.

Assim, além de não ser possível enquadrar nos respetivos documentos indicados pela Recorrente a factualidade que refere, também decorre, como antes referido, que a Recorrente não vem impugnar o julgamento da matéria de facto, não pedindo o aditamento de qualquer facto com relevo para a decisão a proferir, além de não o concretizar.

Consequentemente, não tem a Recorrente razão ao invocar com os fundamentos invocados a interrupção do prazo de prescrição.

Além de que, mesmo que se considere, não o documento 14 referido, mas antes o documento 16 junto pela L..........., a interpretação a expender não será diferente.

Nesse documento n.º 16, referente a uma carta da L........... em resposta à reclamação retira-se que já em novembro de 2018 foi efetuada uma reunião conjunta no local, com a presença do mandatário da Autora, em que se assumiu não ser possível colocar barreiras acústicas, como antes já transmitido na carta de 04/03/2008.

Com o objetivo de resolver rapidamente a reclamação, a L........... propôs nessa reunião colocar vidros duplos nas janelas ou o pagamento de uma importância que permitisse a melhoria das condições de isolamento acústico da habitação, que seria definido com base num orçamento a fornece pelo mandatário da Autora, mas sendo apresentado, em 25/11/2008 pela Autora o valor de € 65.000,00, a L........... informa nessa carta que sendo o valor totalmente despropositado, nem sério, nem compatível com uma postura de boa-fé, fica inviabilizado qualquer acordo.

Nessa carta é ainda invocado que foram respeitadas todas as exigências, que vão muito além do legalmente exigido, em matéria de ruído, além de não ser demonstrado a violação dos limites legalmente estabelecidos para serem reclamadas indemnizações pelo ruído.

Considerando o exato teor da carta expedida pela L........... à Autora não é possível extrair qualquer reconhecimento do direito à indemnização em consequência do barulho na habitação da Autora, nem tão pouco que tenham violados os limites legais do ruído, sendo recusado esse direito à indemnização sem a demonstração de tais limites terem sido violados.

Por conseguinte, face in totum, razão à Autora ao pretender extrair da carta expedida pela L........... o reconhecimento do direito à indemnização peticionada em juízo.

Além de que a carta em questão apenas se refere ao problema do ruído, sendo completamente omisso em relação ao problema das águas das chuvas ou sequer à sombra em certo período do ano.

A ora Recorrente extrapola da prova documental apresentada em juízo factos que dela não resultam provados, sendo tais documentos impróprios para o alegado reconhecimento do direito à indemnização da Autora por parte da L............

Pelo que, importa negar a alegada interrupção do direito à indemnização.

Assim, aplica-se o prazo de interrupção de 3 anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, sem que ocorra a alegada interrupção.

No que concerne à prescrição julgada verificada na sentença, em face da factualidade provada em juízo, não pode ser outra a decisão a proferir.

Encontra-se provado que em 05/01/2008 a Autora reclamava ser ressarcida dos danos decorrentes do ruído e que apenas instaurou a ação demandando as ora Rés e as Intervenientes, em 13/06/2011, mais de decorridos os três anos após a ocorrência do alegado facto ilícito, tendo a Ré, B............ sido citada em 27/06/2011 e a Ré, L..........., sido citada depois do dia 28/06/2011.

Como decidido na sentença recorrida:

No que respeita especificamente ao direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual resulta do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que “O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”.

Neste sentido, e por remissão para o Código Civil, estabelece o artigo 498.º que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.

Tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência que é indiferente, para início da contagem do prazo de prescrição, que o lesado desconheça a identidade do lesante ou a extensão integral dos danos. Portanto, o prazo de prescrição conta-se a partir o momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito à indemnização, não se exigindo “(…) no entanto, um conhecimento jurídico respeitante aos requisitos da responsabilidade civil, mas apenas um conhecimento empírico que permita o lesado formular um juízo subjectivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma actuação imputável a terceiro (acórdão do STA de 21 de Janeiro de 2003, Processo n.º 1233/02) (…) Desde que se constate a ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo, inicia-se o prazo prescricional, competindo ao lesado desenvolver as diligências para identificar o responsável. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual da Administração, é, em todo o caso, possível deduzir um pedido indemnizatório contra o Estado ou outra pessoa colectiva pública quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular do órgão, funcionário ou agente, mas sejam atribuíveis a um deficiente funcionamento do serviço ou quando não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, embora o dano resulte de um concreto comportamento do agente (cfr. artigo 7.º, n.º 2). Por outro lado, quando os danos não sejam determináveis (ou o não sejam ainda em parte), o lesado poderá deduzir um pedido indemnizatório ilíquido, que permitirá remeter a fixação da indemnização para uma decisão ulterior, conforme prevê o artigo 564.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil (ver nota 7 ao artigo 3.º)”, (cf. Carlos Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 122 e 123).

Daqui resulta que o prazo de três anos, para a prescrição do direito de indemnização, decorrente da responsabilidade civil por facto ilícito, tem o seu termo inicial no conhecimento, pelo lesado, dos respetivos pressupostos, ou seja, que sabe ter o direito à indemnização, sendo, para o efeito, indiferente a natureza continuada ou instantânea do facto (cf. Acórdão do STJ de 21 de Junho de 2018, processo n.º 1006/15.0T8AGH.L1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Junho de 2011, processo n.º 3448/07.6TVLSB.L1-6).

No caso concreto, resulta que a Autora formula o pedido nos seguintes termos: “1) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no artigo 1.º desta p.i; 2) Reconhecer que o direito desta ao repouso, tranquilidade, descanso e saúde que gozava no prédio identificado no artigo 1.º da p.i, foi gravemente afectado com o ruído que a circulação da auto-estrada produz; 3) Reconhecer que, por esse facto, a Autora vem sofrendo danos de natureza não patrimonial e descritos nesta peça processual, consequentemente: 4) A proceder imediatamente à colocação de barreiras acústicas em frente a toda a parte do prédio da Autora que deita para a auto-estrada; 5) E ainda colocar uma junta de dilatação que não provoque tantos barulhos como aqueles que vem provocando desde a sua inauguração, e até ao momento, de modo a que permita que a Autora possa dormir e descansar na sua casa de habitação; 6) A pagar à Autora uma indemnização, no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, até efectivo e integral pagamento; 7) Receber-se a acção sem que a Autora tenha de pagar a taxa de justiça inicial ou outra taxa qualquer; 8) Custas e procuradoria condigna”.

Daqui resulta, portanto, que a Autora assenta a causa de pedir nos ruídos e barulhos oriundos da autoestrada que passa junto à sua propriedade e casa de habitação, os quais, de acordo com o teor do pedido, ao qual o Tribunal se encontra vinculado, violam os seus direitos ao repouso, tranquilidade, descanso e saúde.

Neste sentido, no dia 5 de Janeiro de 2008 a Autora enviou à Ré B............ , S. A. uma carta com o seguinte teor: “(…) Venho por este meio, informar V. Ex.a. que com a construção da ponte da autoestrada A17, no sublanço Marinha Grande (A8)/Monte Redondo, por cima da minha propriedade e da minha casa de habitação, o barulho da entrada dos veículo no tabuleiro, na passagem das juntas de dilatação, se torna insuportável e de todo impossível manter a qualidade de vida até aqui existente antes da construção da referida autoestrada. Nos termos acima expostos, pretendo ser indemnizada pelo facto de a B............ não ter tomado em consideração o meu interesse, nomeadamente colocando as respectivas barreiras de protecção, bem como fazendo as obras apropriadas para a redução do ruído que afecta o meu bem-estar (…)”.

Assim, atendendo à forma como foram alegados os factos em que a Autora assenta o seu pedido e causa de pedir, delimitados petitório citado, entende-se que o prazo de prescrição se iniciou, pelo menos, no dia 5 de Janeiro de 2008, sem prejuízo de se entender que este prazo até poderá ter tido início com a entrada em funcionamento da circulação do viaduto situado junto à casa da Autora, que, segundo a alegação das Rés e Intervenientes, se situará em Junho de 2007. Assim, para que a ação possa estar em tempo é necessário que o prazo de prescrição tenha sido interrompido ou suspenso no seu decurso.

Conforme resulta da remissão operada pelo artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, aplica-se à interrupção e suspensão dos prazos de prescrição o disposto nos artigos 318.º a 327.º do Código Civil. Ora, nos termos do disposto no artigo 323.º do Código Civil “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.

A propósito, tem-se entendido que “(…) não pode deixar de considerar-se interrompida a prescrição pela citação ou notificação judicial de qualquer outro acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, independentemente do processo a que o acto pertença ou o tribunal perante o qual tenha sido praticado. A interrupção da prescrição poderá derivar, nestes termos, de uma notificação judicial avulsa ou da dedução de qualquer outra pretensão que tenha como causa de pedir a ilegalidade de um acto administrativo (…)”, (cf. ob. cit. pp. 128 e 129).

Ora, conforme resulta dos autos a Autora interpelou o Réu extrajudicialmente em 5 de Janeiro de 2008 para que este procedesse à reparação dos danos causados por conta construção “(…) da ponte da autoestrada A17, no sublanço Marinha Grande (A8)/Monte Redondo, por cima da minha propriedade e da minha casa de habitação (…)”. Após esta primeira interpelação, a Autora enviou, através do seu Mandatário, outras duas comunicações, respetivamente, em dia 7 de Abril de 2008 e 8 de Setembro de 2010.

Estas duas últimas interpelações da Autora não poderão ser equiparadas às previstas no artigo 323.º do Código Civil, uma vez que, são normas de natureza excecional, não passíveis, por isso, de interpretação analógica. A este propósito tem entendido a jurisprudência que “1 – O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito. 2 – Em certas circunstâncias a prescrição pode ser interrompida (arts 323.º a 327.º do CC), sendo certo que, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado, começando, em princípio, o prazo integral a correr de novo a partir do acto interruptivo (art. 326.). 3 – A interrupção é determinada por actos que tanto podem resultar de uma iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito (art. 323.º), como por actos do beneficiário da prescrição, ou seja do devedor (art. 325.º). 4 – A prescrição interrompe-se pelos meios que a lei autoriza como tais, pois que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas pelos particulares”, - destaque nosso (cf. Acórdão do STJ de 4 de Março de 2010, processo n.º 1472/04.OTVPRT-C.S1).

Daqui resulta, portanto, que pelo menos desde 5 de Janeiro de 2008 que o viaduto construído junto à casa da Autora se encontra em pleno funcionamento e, por isso, apto a provocar todas as lesões invocadas nos presentes autos.

Por seu turno, dos autos resulta ainda que a Autora instaurou, no dia 13 de Junho de 2011, uma ação contra a B............ –……., S. A. e L..........., ACE, à qual foi atribuído o n.º 3429/11.5TBLRA, no Tribunal Judicial de Leiria, 3.º Juízo Cível, no âmbito da qual foram chamadas, designadamente, a C............, S. A., a F............, S.

A. e a L……………S. A., onde a Autora peticionava o seguinte: “1) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial; 2) Reconhecer que o direito desta ao repouso, tranquilidade, descanso e saúde que gozava no prédio identificado no artigo 1.º da petição, foi gravemente afectado com o ruído que a circulação da auto-estrada produz; 3) Reconhecer que, por esse facto, a Autora vem sofrendo danos de natureza não patrimonial e descritos nesta peça processual, consequentemente: 4) A proceder imediatamente à colocação de barreiras acústicas em frente a toda a parte do prédio da Autora que deita para a auto-estrada; 5) E ainda colocar uma junta de dilatação que não provoque tantos barulhos como aqueles que vem provocando desde a sua inauguração, e até ao momento, de modo a que permita que a Autora possa dormir e descansar na sua casa de habitação; 6) A pagar à Autora uma indemnização, no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, até efectivo e integral pagamento”.

A citação nestes autos não teve, contudo, a virtualidade de interromper o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º do Código Civil, uma vez que no momento em que foi instaurado a ação no Tribunal Judicial de Leiria, 3.º Juízo Cível, aquele prazo já se encontrava esgotado. Em consequência, não poderá ser aplicado aos presentes autos o disposto no artigo 279.º, n.º 2 do CPC, uma vez que as citações no processo n.º 3429/11.5TBLRA não produziram quaisquer efeitos civis, designadamente os decorrentes da interrupção do prazo de prescrição, mas, mesmo que assim fosse, tais efeitos não poderiam ser aproveitados, uma vez que a presente ação foi instaurada após o prazo de trinta dias previsto naquele artigo (cf., sobre a contagem do prazo previsto no artigo 279.º, n.º 2 do CPC, o Acórdão do STJ de 15 de Novembro de 2006, processo n.º 06S1732).

Nestes termos, julga-se procedente a exceção perentória de prescrição e, em consequência, absolve-se as Rés e as Intervenientes do pedido, ficando prejudicado o conhecimento do demais peticionado pela Autora.”.

A decisão recorrida não se encontra enfermada das violações invocadas pela ora Recorrente, pois procede a uma correta subsunção dos factos ao direito, verificando-se efetivamente a prescrição do direito à indemnização reclamada pela Autora, pois à data da instauração da ação cível, enquanto facto juridicamente relevante para a interrupção da prescrição, já se encontrava prescrito o respetivo direito.

A Autora, senão antes, desde o funcionamento da autoestrada, pelo menos, desde janeiro de 2008, conhece os factos geradores dos danos alegados, só vindo a juízo em junho de 2011.

Além de não constituir fundamento para a inércia na instauração da ação pela Autora, o alegado desconhecimento da integralidade de todos os danos, como decorre do teor da conclusão 19) do presente recurso.

Nos termos do artigo 498.º, n.º 1 do CC, o prazo de prescrição não sofre qualquer alteração em consequência do desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.

O prazo de prescrição começa a contar a partir do momento em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que desconheça a integralidade dos danos.

No presente caso é manifesto que a Autora nunca desconheceu os responsáveis pela construção e gestão da autoestrada, pois decorre dos autos terem existido contactos desde 2007 e, com toda a certeza, desde janeiro de 2008, perante a factualidade apurada na sentença recorrida.

Já no que se refere aos danos, a Autora começou por reclamar ser ressarcida dos danos decorrentes do ruído, em janeiro de 2008 e só mais de dois anos e meio depois, em setembro de 2010, reclamou ser ressarcida dos danos decorrentes das águas provenientes das chuvas, nada se comprovando sequer quanto à reclamação em relação à sombra causada na habitação.

O que resulta que a Autora há muito conhece, quer os responsáveis pelos danos invocados, quer os respetivos danos que alega sofrer.

Ao aplicar o direito aos factos apurados em juízo, nos exatos termos em que o fez, a sentença recorrida mais não faz do que dar cumprimento ao dever de decidir de acordo com as prescrições legais aplicáveis, em face do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC e do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas.

Nem tem qualquer sustento a alegação pela Recorrente de que a sentença recorrida incorre na violação do disposto no artigo 22.º da CRP, do artigo 24.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do artigo 8.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos artigos 66.º e 62.º, n.º 3, da CRP.

Além de a Recorrente não concretizar a dimensão do artigo 66.º da CRP que considera ter sido violada pela sentença recorrida, existem regras legais que regulam os termos em que deve ocorrer o exercício do direito, como ocorre em relação à prescrição.

A aplicação da regra de prescrição visa regular o correto e normal exercício do direito, sem que se traduza na violação dos direitos prescritos no artigo 66.º da CRP, ou sequer do disposto no artigo 22.º da CRP, por o direito dever ser exercido dentro de certo prazo.

Do mesmo modo que não se mostram violadas as normas dos instrumentos normativos de direito internacional e europeu invocadas pela Recorrente, a qual se limita à sua mera alegação, sem uma mínima substanciação.

Além de que a norma do artigo 62.º, n.º 2 (e não n.º 3, como por lapso, é referido pela Recorrente) da CRP, não tem aplicação ao presente litígio, pois não está em causa um litígio emergente de requisição ou de expropriação por utilidade pública.

Nem se mostra caracterizada a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade para que se possa entender que a interpretação sufragada na sentença recorrida incorre na violação de tais parâmetros normativos.

Daí que também careça de fundamento a violação do artigo 204.º da CRP, por não ter sido aplicada norma jurídica que infrinja a lei fundamental.

No que respeita à alegada violação dos artigos 20.º e 202.º, n.º 2, da CRP, é de recusar que a sentença recorrida tenha deixado de assegurar a tutela jurisdicional que é própria dos tribunais ou sequer que não tenha assegurado a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, dirimindo o litígio colocado em juízo, sendo que nessa tarefa não cabe a defesa dos direitos e interesses de nenhuma das partes em juízo, mas segundo os ditames impostos pela normatividade aplicável.

Por conseguinte, é de recusar a violação de todas as normas e princípios legais invocados como fundamento do presente recurso, pois a sentença recorrida não enferma quer das nulidades decisórias ou processual invocadas, não tendo omitido os fundamentos de facto e de direito, nem omitido o conhecimento de decisão de qualquer questão, nem incorrido na oposição entre fundamentos e a decisão, nem tao pouco na omissão do poder-dever decorrente do princípio do inquisitório, no tocante ao conhecimento dos factos e das diligências probatórias, além de do ponto de vista do direito material, não incorrer na violação dos direitos ao ambiente, à qualidade de vida ou sequer do direito de propriedade, segundo o disposto nos artigos 1346.º e 1347.º do CC, nem das prescrições previstas na CRP, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas (RRCEE), aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12 e do seu disposto no artigo 5.º, dita a aplicação do artigo 498.º, n.º 1 do CC, segundo o qual o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.

Nesta matéria, os tribunais têm reiteradamente decidido que o momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto, conhecimento esse que deverá enraizar suficientemente nos factos provados, e deverá potenciar ao lesado o exercício do seu direito – cfr. Acórdãos do STA de 07/05/2003 e do TCA Norte de 08/10/2010.

O que não pode deixar de implicar que a norma legal relevante em matéria de prescrição do direito de indemnizar é o disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, não sendo aplicável o seu n.º 3, como defendido no presente recurso.

Consequentemente, sendo de três anos o prazo de prescrição do direito à indemnização e sem que ocorra alguma causa de suspensão ou de interrupção da contagem do prazo, tendo a ação judicial sido instaurada em 13/06/2011, mesmo contando o prazo desde 05/01/2008 e não antes, desde o momento do início do funcionamento da autoestrada, já se encontrava prescrito o direito à indemnização da Autora, ora Recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.

A prescrição, como forma de extinção de direitos, assenta no não exercício desse direito e aproveita a todos os devedores obrigados que dela possam retirar benefício, os quais, uma vez completado o respetivo prazo, podem recusar o pagamento ou opor-se ao exercício do direito, segundo o disposto no artigo 304.º do Código Civil.

Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela improcedência do presente recurso, por não provados os seus fundamentos, sendo de manter a sentença recorrida.


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Em consequência, será de negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do artigo 498.º do CC.

II. O direito de indemnização, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 498º do CC, prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, o prazo prescricional conta-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade), soube ter direito à indemnização.

III. Não se pode aplicar o disposto no artigo 325.º, n.º 1, do CC, quanto à interrupção da prescrição se os factos apurados não permitem extrair qualquer reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

IV. Não tendo a Autora agido criminalmente contra as Rés, nem alegado na petição inicial quaisquer factos a respeito da imputação criminal pela prática de qualquer crime pelas Rés, nem decorrendo da factualidade apurada factos que permitam esse ajuizamento, carece de sentido invocar a aplicação do artigo 498.º, n.º 3 do CC.

V. Não sendo impugnado o julgamento de facto da sentença recorrida, nem alegada a sua deficiência ou incompletude, não tem fundamento invocar a omissão de factos relevantes para a decisão da causa, nem a violação do princípio do inquisitório, por não conhecimento oficioso de factos ou de ordenação de diligências de prova.

VI. Mostra-se insubstanciada a mera alegação da violação de normas legais e de princípios de direito, sem a invocação de qualquer razão que a fundamente.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)