Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07269/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2015
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 12.º/5 E 6, DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS/EBF (VERSÃO VIGENTE).
Sumário:1) Tendo sido determinada a suspensão do benefício fiscal, nos termos do disposto no artigo 12.º/6, do EBF, por existência de dívida de IRS de 2001, por liquidar, e determinada a consequente correcção da matéria colectável do IRS de 2004, a invocação da prescrição da dívida de IRS de 2001, na medida em que contende com a exigibilidade da mesma, constitui questão de conhecimento oficioso, de que cumpre conhecer.
2) Do probatório resulta que o prazo de prescrição da dívida de IRS de 2001, na data da aferição dos pressupostos da oponibilidade do benefício fiscal, ou seja, na data do completamento do facto tributário, i.e., Dezembro de 2004, não se mostrava exaurido, pelo que a dívida era exigível, e não tendo sido paga, determina, como consequência, a suspensão do benefício fiscal, como sucedeu no caso em exame – artigo 12.º/6, do EBF (versão vigente).
3) No caso, na data do completamento do facto tributário relevante (Dezembro de 2004) existe dívida fiscal pendente por liquidar, concretamente dívida de IRS de 2001, por um lado, e, por outro lado, a mesma não foi contestada em processo judicial passível de suspender a execução fiscal, pois não foi prestada garantia idónea necessária para o efeito – artigo 169.º/1, do CPPT, pelo que estão verificados os pressupostos do artigo 12.º/5 e 6, do EBF.
4) O regime do artigo 12.º/5 e 6, do EBF não ofende o princípio da proporcionalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

Marcos ………………….. e Maria…………………………………, m.i. nos autos, interpõem o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 109/114, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de IRS de 2004, no valor de €27.765,91.
Nas alegações de recurso, os recorrentes formulam as conclusões seguintes:
A) Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a impugnação judicial apresentada pelos ora recorrentes deveria ter sido julgada procedente, porquanto:
i) A liquidação impugnada nos presentes autos tem subjacente a perda de um benefício fiscal, decorrente de alegada dívida de IRS, que não foi devidamente identificada pela Administração Fiscal, mas que os recorrentes julgam que seja a relativa ao exercício de 2001, a qual se encontra actualmente prescrita, nos termos do art.º 48.º da LGT. Ora, verificada a prescrição da obrigação tributária (neste caso, IRS referente ao exercício de 2001), a correspondente dívida deixa de ser exigível, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva. Pelo que carece de fundamento a perda do benefício fiscal em causa nos autos, bem como, e em consequência, a liquidação adicional aqui impugnada.
ii) Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a Administração Fiscal na decisão de alteração dos elementos declarados (ofício nº ……….. de 27/07/2006) não se pronunciou quanto aos fundamentos invocados pelos ora Recorrentes no seu direito de audição prévia, oportunamente apresentado em 17/01/2006, pois a) continuou sem mencionar o ano a que respeitava a alegada dívida tributária; b) nada disse quanto à reclamação do acto da Administração Tributária para redução/dispensa de garantia apresentada pelos ora Recorrentes que havia sido deferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o que constitui uma nulidade por violação do art. 60º nº 3 e n.º 7 da LGT.
iii) Se a Administração Tributária se tivesse pronunciado quanto aos fundamentos invocados pelos ora Recorrentes, aquela poderia inclusivamente ter suscitado de igual forma novos factos cuja audição dos ora Recorrentes devesse ser necessária, nos termos do artigo 60º nº 3 da LGT. Acresce que, tendo a alteração de elementos da declaração de IRS de 2004 dado lugar a uma nova liquidação, faria todo o sentido para salvaguarda dos direitos de defesa dos contribuintes que os mesmos fossem notificados em sede de audição prévia para se pronunciar, sob pena de violação dos princípios de transparência e colaboração entre as partes, o que expressamente se argui. Qualquer outra interpretação contrária a esta seria inclusivamente inconstitucional por expressa violação do artigo 268º da CRP, o que expressamente se argui.
iv) Os ofícios da Administração Tributária n.º ………… de 24/11/2005 e nº ………… de 27/07/2006 não contêm fundamentação, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito que justificaram a suspensão (?) ou extinção (?) do benefício fiscal relativo ao IRS de 2004, como impunham os artigo 60º, nº 7, 77º da LGT, 124º e 125º do CPA, “ex vi” do artigo 2º, alínea c) da LGT e artigo 268º da CRP, pois (a) não identificaram o ano a que dizia respeito a alegada dívida tributária, (b) não tiveram em conta qualquer um dos argumentos apresentados pelos Recorrentes, (c) invocaram a anterior redacção de um preceito legal (artigo 12º, n.º 6 do EBF), sem identificar qual e porquê da sua aplicação, e (d) consideraram que havia uma mera suspensão, quando por aplicação em abstracto de tal preceito do EBF seria uma extinção.
v) Os ora Recorrentes desconhecem qual seja a alegada dívida tributária de IRS no montante de € 131.630,04, que motivou a perda do benefício fiscal, a que se referiu a Administração Tributária nos seus ofícios. Os Recorrentes ainda pensaram que pudesse ser a alegada dívida de IRS de relativa ao exercício de 2001, no valor de € 65.815,02 (sessenta e cinco mil, oitocentos e quinze euros e dois cêntimos), mas ainda assim os valores não coincidem, nem mesmo se tivermos em conta os juros de mora e custas calculados até à presente data (o que perfaz uma quantia de € 94.309,30). Ora, tal incongruência nunca foi esclarecida pela Administração Tributária.
vi) Conforme refere o artigo 125º nº 2 do CPA equivale à falta de fundamentação, a “contradição” de “fundamentos”, ora, a Administração Tributária refere que por um lado suspenderá o benefício fiscal e por outro de forma contraditória aplica um regime de extinção de um benefício (art. 12º do EBF), cujos efeitos são diametralmente opostos.
vii) Por outro lado, sendo um acto de extinção, a Administração Tributária não refere a eventualidade de uma decisão judicial favorável aos Recorrentes quanto à impugnação e oposição da dívida subjacente à perda do benefício fiscal (que a Administração Tributária não identificou, mas que os Recorrentes pensam que possa ser a alegada dívida de IRS de 2001, embora tal não tenha ficado devidamente esclarecido) e os efeitos que isso comportará.
viii) Acresce que, presumindo-se (já que a Administração Tributária não esclarece) que a Administração Tributária está a aplicar ao caso concreto o artigo 12º da EBF na redacção dada pelo DL nº 229/02, de 31/10, a Administração Tributária deveria ter fundamentado a aplicação do referido artigo e fundamentado, como lhe competiria, da verificação cumulativa dos requisitos ínsitos no mesmo. Ora, a Administração Tributária nada refere quanto à verificação cumulativa de tais requisitos no caso concreto dos ora Recorrentes.
ix) Se a alegada dívida que terá originado a suspensão do benefício fiscal for de IRS do ano de 2001 (o que, como se referiu supra, não ficou devidamente esclarecido), nos termos do art. 12.º da LGT, não será aplicável o art. 12.º do EBF, na redacção do Decreto-Lei nº 229/02, de 31/10, mas o art. 12.º do EBF em vigor à data em que ser verificou o facto tributário.
x) Tendo em conta que a alegada “dívida” tributária de IRS foi devidamente impugnada pelos ora Recorrentes e que não existe decisão judicial definitiva/transitada em julgado sobre a alegada “licitude” de tais liquidações, não se vê como pode ser desde já (e, indo neste caso para a situação mais grave), “extinto” tal benefício fiscal pela Administração Tributária.
xi) A imediata extinção do benefício fiscal referente a 2004 viola o princípio da necessidade e da proporcionalidade. Com efeito, quando se discute ainda, judicialmente, da licitude da liquidação de IRS do ano de 2001, será excessivo, desproporcionado e contrário ao princípio da boa-fé que a Administração Tributária venha extinguir desde já o benefício fiscal referente a 2004, sem que haja uma decisão de mérito sobre a situação.
xii) De resto, a Administração Tributária nem sequer fez prova, como lhe competia da verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 12º do EBF na redacção dada pelo DL nº 229/02, de 31/10.
xiii) Acresce que a exigência de prestação de garantia idónea quando a dívida tenha sido objecto de impugnação, reclamação, oposição é também desproporcionada para os fins que se visam atingir. Com efeito, a Administração Tributária está constitucionalmente subordinada na exercício das suas funções a actuar, designadamente, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé (artigo 266º nº 2 da CRP). A exigência de garantia idónea constituindo um plus, quando tenha sido exercido um meio de reacção legal (reclamação, impugnação, oposição), é excessiva, desproporcionada e injusta. Qualquer interpretação contrária a esta será inconstitucional por expressa violação do artigo 266º nº 2 do CRP, o que expressamente se arguí.
B) Por tudo quanto ficou exposto, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos artigos 12.º, 48.º, 60º nº 3 e n.º 7, 77.º da LGT, 124º e 125º do CPA, “ex vi” do artigo 2º, alínea c) da LGT, 12.º EBF, 266.º, n.º 2 e 268.º da CRP.
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Não há registo de contra-alegações.

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 174/175) no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) Os impugnantes foram notificados por ofício dimanado da Administração Fiscal em 24.11.2005, no sentido de que os benefícios fiscais mencionados na declaração periódica de IRS do ano de 2004 relativo a donativos efectuados iriam ser suspensos ao abrigo do disposto no nº6, do artº 12º do E.B.F. pela existência de uma dívida de IRS no montante de €131.630,04 – cfr. Documento de fls. 35, dos autos.
B) Em 17.01.2006 foi exercido o direito de audição em relação ao projecto de decisão referido supra, na qual alegavam a existência de processos judiciais relativos à dívida ali mencionada e da existência de sentença judicial que anulou a decisão de indeferimento do pedido de redução ou dispensa da garantia, pelo que deveria ser considerado aquele benefício nos termos declarados, tendo sido proferida decisão final de alteração dos elementos declarados no sentido da desconsideração do benefício fiscal mencionado em a), por inexistir processo judicial com prestação de garantia, tendo-se procedido à liquidação adicional de imposto e de demonstração de compensação em 26.07.2006. – cfr. requerimento de fls. 36 e segs. e decisão de fls. 39, e documento de fls. 41, dos autos.
C) Correm termos no T.T. de Sintra uns autos de impugnação judicial e de oposição à execução fiscal relativo à divida a que se refere a decisão mencionada em a), tendo sido proferido sentença judicial que anulou a decisão de indeferimento do pedido de redução ou dispensa da garantia por falta de fundamentação legal, tendo o Órgão de Execução Fiscal competente proferido nova decisão que determinou a prestação de garantia no valor de € 42.215,36, não tendo sido prestada garantia ou paga a dívida exequenda até à presente data. – cfr. “Certidão” de fls. 83 e de fls. 84, dos autos e autos de execução fiscal nº ………………… de fls. 87 e 88, do P.A.; cópia da sentença proferida em 24.11.2005, de fls. 124 a 128 e Despacho proferido sobre a Informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 1, de fls. 132 a 134, Oficio e correspondência postal de fls. 135 e 136, do Proc. Recl. apenso aos autos.
D) Os contribuintes deduziram reclamação graciosa do acto de liquidação adicional de IRS do ano de 2004, em 04.12.2006, não tendo sido proferida qualquer decisão até à data de apresentação da petição de impugnação. – cfr. p.i. de fls. 3 e segs. requerimento de fls. 23 e segs. dos autos, e termos do proc. recl. apenso aos autos.
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Ao abrigo do artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
E) Em 28.10.2002, o Serviço de Finanças de Oeiras-1 extraiu certidão de dívida n.º ………… relativa a IRS de 2001, no montante de €65.815,02, prazo limite de pagamento até 09.09.2002, executados: Marcos…………………….. e Maria ……………….. – fls. 3, do pef.
F) Em 16.05.2003, foi instaurado contra Marcos……………………… processo de execução fiscal por dívida de IRS de 2001, no valor de €65.815,02, com o n.º……………………, a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras-1 – fls. 21, do pef.
G) Em 17.06.2003, os recorrentes apresentaram oposição à execução fiscal em referência – fls. 25, do pef.
H) A citação do executado foi efectuada em 18.07.2003 – fls. 5/6, do pef.
I) Por meio de ofício, recebido em 20.08.2003, a mandatária dos recorrentes foi notificada para prestar garantia – fls. 111 do pef.
J) Por meio de despacho de 14.11.2003, do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras-1, o pedido de dispensa de prestação de garantia deduzido pelo executado foi indeferido – fls. 172, do pef.
K) O despacho referido na alínea anterior foi notificado à mandatária do executado através de ofício de 20.11.2003 – fls. 176, do pef.
L) Em 28.11.2003, os recorrentes requereram a repetição da notificação referida na alínea anterior – fls. 202/204, do pef.
M) O pedido foi cumprido através de ofício de 08.08.2005 – fls. 209, do pef.
N) Em 22.08.2005, os recorrentes deduziram reclamação judicial do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia – fls. 21/228, do pef.
O) Do ofício de notificação com vista ao exercício do direito de audição, datado de 24.11.2005, dirigido aos impugnantes, consta o seguinte: «Fica V. Exa. notificado para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 60.º da LGT que, por força do preceituado no n.º 6 do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, serão suspensos os efeitos dos benefícios fiscais mencionados na declaração de IRS respeitantes aos rendimentos do ano de 2004, descritos infra, pela existência das seguintes dívidas, constituídas até 31 de Dezembro de 2004, que não foram objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia: // Dívidas // IRS €131.630,04 // Benefícios: // Donativos // €14.976,00 (…)». – fls. 35.
P) Do ofício de notificação, datado de 27.07.2006, com vista a comunicar aos impugnantes a alteração dos elementos declarados, consta, designadamente, o seguinte: «Tendo sido V. Exa. notificado pelo ofício n.º……………., de 14.11.2005, para o exercício do direito de audição e mantendo-se as seguintes dívidas, constituídas até 31 de Dezembro de 2004, que não foram objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia: // Dívidas IRS // 131.630,04// Benefícios: // Donativos // €14.976,00 (…) Em cumprimento do disposto no artigo 77.º da LGT, fica V. Exa. notificado de que, por força do preceituado na anterior redacção do n.º 6 do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam suspensos, não sendo considerados na liquidação, os benefícios fiscais constantes da declaração de IRS dos rendimentos do ano de 2004 // donativos - €14.976,00 // Oportunamente será notificado da liquidação, da qual poderá reclamar/impugnar (…)». – fls. 39.
Q) Em 25.11.2005, o TAF de Sintra proferiu sentença que julgou procedente a reclamação judicial deduzida pelos recorrentes contra o despacho do Chefe de Finanças de Oeiras - 1 que indeferiu o pedido de dispensa ou redução de garantia no pef. em referência – fls. 262/264, do pef.
R) Por meio de despacho do Chefe do Serviço de Oeiras-1, de 20.01.2006, foi deferido o pedido de redução da garantia, cujo valor passou a ser de €42.215,36 – fls. 272/275, do pef.
S) Em 25.01.2006, a mandatária dos recorrentes foi notificada do teor do despacho referido na alínea anterior – fls. 275/verso, do pef.
T) Em 25.10.2006, o Director-geral dos Impostos dirigiu ofício aos recorrentes dando conta da intenção de os incluir na lista de devedores tributários na internet- audição prévia – fls. 285 do pef.
U) Em 27.11.2006, foi proferida decisão de não inclusão na lista de devedores tributários na internet – fls. 188, do pef.
V) A decisão referida na alínea anterior foi notificada por meio de ofício de 20.11.2006 – fls. 289 do pef.
W) Em 07.12.2006, o gerente da empresa “……………………………..” dirigiu requerimento, ao Chefe de Finanças de Oeiras-1, dando conta que o recorrente marido não é credor de quaisquer abonos da empresa em causa – 292, do pef.
X) Em 11.11.2013, o mandatário do recorrente dirigiu requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças Oeiras -1, solicitando a emissão de certidão da dívida exequenda – fls. 318 do pef.
Y) O pedido referido na alínea anterior foi cumprido através de ofício de 18.11.2013 – fls. 317 do pef.
Z) Os recorrentes, Marcos………………… e Maria…………………………, são casados – fls. 18/19, dos autos.
No que respeita à execução fiscal instaurada contra Maria………………………., relevam os factos seguintes:
AA) Em 02.01.2004, foi instaurado no Serviço de Finanças de Cascais-1, o pef n.º ………………………, no montante de €65.815,02, com base na certidão de dívida n.º …………, referida em E) – fls. 307 do pef.
BB) Em 19.02.2004, a executada, Maria……………………………… foi citada na execução – fls. 311 do pef.
CC) Não foi prestada garantia nos autos de execução – fls. 51 do pat.
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem interposto recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 109/114, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de IRS de 2004, no valor de €27.765,91.
2.2.2. Através da presente impugnação, os ora recorrentes pretendem «que seja anulada a liquidação de IRS n.º ……………………, com data de 22.07.2006, relativa ao exercício de 2004, no valor de €27.765,91, por ser a mesma ilegal, ordenando-se, em consequência, a reposição do benefício fiscal no valor de €14.976,00».
Por seu turno, para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença esteou-se, entre o mais, na fundamentação seguinte: «[q]uanto ao fundo da questão, importa dizer que efectivamente a simples existência de processo judicial relativo à dívida que impede o funcionamento do benefício fiscal não se basta com a simples interposição, necessário se torna que tenha sido prestada garantia idónea quando a mesma for exigível. Ora, como é inquestionável a sentença proferida em sede de reclamação do acto do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de redução ou de dispensa de garantia com fundamento em falta de fundamentação da decisão, não impede a prolação de nova decisão que não padeça do mesmo motivo de invalidade que determinou a sua anulação. Assim, tendo sido proferida nova decisão que lhe fixou a garantia a prestar e não tendo sido a mesma prestada, nem paga a importância que determinou a suspensão do benefício, tal determina a verificação das condições legais para a referida não produção de efeitos dos benefícios automáticos decorrentes da lei (no caso, do mecenato), o que traduz a invocada decisão de suspensão dos efeitos dos benefícios fiscais a que se refere a decisão controvertida».
2.2.3. Do alegado erro de julgamento quanto à não consideração da prescrição da dívida subjacente à perda do benefício fiscal [conclusão A/i)]
Sob o presente item, os recorrentes invocam a prescrição da dívida de IRS de 2001, com base na qual se fundou a decisão da AF de suspensão do benefício fiscal e consequente correcção à matéria colectável de IRS de 2004. A prescrição determina extinção da dívida, pelo que a mesma deixa de ser exigível o que preclude o preenchimento dos pressupostos da suspensão do benefício fiscal em causa, defendem.
Vejamos.
A liquidação impugnada nos autos foi determinada ao abrigo do disposto no artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, em virtude da existência de dívida fiscal por liquidar de IRS no montante de €131.630,04.
Nos termos do artigo 12.º/5 (“Extinção dos benefícios fiscais”) do Estatuto dos Benefícios Fiscais/EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, com alterações posteriores, «[n]o caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária o acto administrativo que os concedeu suspende os seus efeitos se se verificarem cumulativamente as seguintes situações: // a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema de segurança social e se mantiver a situação de incumprimento; // b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível (…)». Nos termos do n.º 6 do preceito, «[v]erificando--se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou na sua suspensão»(1).
Está em causa a suspensão do benefício fiscal, nos termos do disposto no artigo 12.º/6, do EBF. Os recorrentes censuram a sentença recorrida por ter descurado que a dívida que determinou a aplicação da norma em referência já se encontra prescrita.
A invocada prescrição da dívida em referência constitui questão de conhecimento oficioso, cuja procedência determina a inexigibilidade da dívida, o que contende com os pressupostos do artigo 12.º/5 e 6 do EBF (2), pelo que cumpre da mesma conhecer.
Está em causa o acto de liquidação adicional de IRS de 2004, por suspensão do benefício fiscal, relativo a donativos, em virtude da existência de dívida de IRS de 2001.
O prazo de prescrição é de oito anos e terminaria em 01.01.2008 – artigo 48.º/1, da LGT. O executado foi citado para os termos da execução, em 18.07.2003, o que constitui facto interruptivo da prescrição – artigo 49.º/1, da LGT, versão decorrente da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho. O PEF (3) esteve parado por mais de um ano, desde 21.11.2004, até 08.08.2005, pelo que tem aplicação o disposto no artigo 49.º/2, da LGT. Recorde-se que está em causa liquidação de IRS de 2004, a qual foi determinada na medida em que se encontra por liquidar dívida de IRS de 2001, a qual se mostrava pendente até 31.12.2004, tendo originado a extracção de certidão de dívida, em 28.10.2002 e a instauração do processo de execução fiscal, em 16.05.2003 (4), o que determina a suspensão do benefício fiscal invocado pelos contribuintes na sua declaração de rendimentos, referente ao IRS de 2004. Donde de resulta que o prazo de prescrição da dívida de IRS de 2001, na data da aferição dos pressupostos da oponibilidade do benefício fiscal, ou seja, na data do completamento do facto tributário, i.e., Dezembro de 2004, não se mostrava exaurido, pelo que a dívida era exigível, e não tendo sido paga, determina, como consequência, a suspensão do benefício fiscal, como sucedeu no caso em exame – artigo 12.º/6, do EBF (5).
A alegação de que os recorrentes desconhecem a dívida em processo de execução, bem como o seu montante, também não se mostra procedente.
A dívida em causa corresponde a €131.630,04; os recorrentes são casados. Nos termos do artigo 13.º/2, do CIRS, «[e]xistindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção»; ou seja, existe uma «titularidade plural das obrigações fiscais e uma responsabilidade solidária de ambos os cônjuges pela dívida de imposto» (6). Do probatório resulta que cada um dos recorrentes foi citado em execução fiscal por dívida, cujo montante é de €65.815,02 (7); por esta dívida, de €65.815,02, responde, de forma solidária, cada um dos recorrentes – artigo 13.º/2, do CIRS. O valor de €131.630,04 correspondente ao somatório do valor da dívida subjacente a cada uma das execuções fiscais, instauradas contra cada um dos recorrentes, pois que o que releva tendo em vista a aferição dos pressupostos do artigo 12.º do EBF, citado, é a pendência de execução fiscal em Dezembro de 2004, como foi comunicado aos recorrentes.
Do exposto se infere que não se afigura que procedam as presentes conclusões de recurso.
Termos em que se confirma a sentença recorrida nesta parte.
2.2.4. Do alegado erro de julgamento por invocada violação do disposto no artigo 60.º, n.º 3 e 7, da LGT [conclusão A/ii) e v)]
Sob o presente item, os recorrentes invocam a desconsideração dos argumentos expendidos em sede de audição prévia. Concretamente, referem a falta de referência ao ano do imposto em dívida, bem como a existência de sentença que anulou a decisão do órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia em relação à execução da mesma.
Sem razão, porém.
Os ofícios de notificação da audição prévia e da decisão de suspensão do benefício fiscal em causa contêm a indicação de que a correcção da matéria colectável do IRS de 2004 se deve ao facto de se encontrar em situação de incumprimento a dívida fiscal de IRS de 2001 no montante de €131.630,04 (8). Mais se consignou que não existe processo judicial de impugnação do acto que serve de suporte à dívida com prestação de garantia. Donde decorre que por se mostrarem verificados os pressupostos do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, foi determinada a suspensão do benefício fiscal em causa, ou seja, nas palavras da lei, «[v]erificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou a sua suspensão» - artigo 12.º/6, do EBF, versão vigente.
Os recorrentes invocam também a preterição do disposto no artigo 60.º, n.os 3 e 7, da LGT.
Estatui o artigo 60.º/3, da LGT, que: «[t]endo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e), do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado». Determina, por seu turno, o artigo 60.º/7, que: «[o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».
O exercício do direito de audição prévia respeita ao procedimento que culminou com a decisão de suspensão do benefício fiscal em exame, por aplicação do disposto no artigo 12.º/5 e 6, do EBF.
No quadro do referido procedimento, seja dívida pendente, seja no seu montante, seja no imposto em causa, mostram-se identificados. No que respeita ao argumento relativo à sentença de anulação do despacho do órgão de execução fiscal/OEF, o mesmo foi afastado, atendendo a que a dívida não se encontrava garantida, o que significa que o acto tributário em causa não foi objecto de contestação judicial susceptível de suspender a execução fiscal relativa à dívida por aquele constituída, por falta de prestação de garantia idónea (artigo 169.º/1, do CPPT) (9).
Não se apura, pois, ofensa ao direito de audição prévia dos recorrentes.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, devendo ser mantida, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. Do alegado erro de julgamento quanto à alegada falta de fundamentação dos ofícios que procederam à notificação do acto sob escrutínio [Conclusões A) vi) a ix)]
Sob o presente item, os recorrentes invocam que, quer o ofício de notificação com vista ao exercício da audição prévia, quer o ofício de notificação da decisão final do procedimento não encerram fundamentação suficiente, dado que omitem os elementos seguintes: (a) não identificaram o ano a que dizia respeito a alegada dívida tributária, (b) não tiveram em conta qualquer um dos argumentos apresentados pelos Recorrentes, (c) invocaram a anterior redacção de um preceito legal (artigo 12º, n.º 6 do EBF), sem identificar qual e porquê da sua aplicação, e (d) consideraram que havia uma mera suspensão, quando por aplicação em abstracto de tal preceito do EBF seria uma extinção.
Cumpre referir que a insuficiência ou a falta de fundamentação da notificação do acto de liquidação não afectam a perfeição e validade desta (desde que aquela fundamentação exista e seja anterior ao acto de notificação), contendendo apenas com a sua eficácia, mas não podendo fundamentar a anulação do acto notificado (10).
Tal como referido no ponto 2.2.4., a dívida fiscal que determinou a suspensão do benefício fiscal, seja no seu montante, seja no imposto em causa, mostra-se identificada por parte da decisão que não aceitou a dedução específica e determinou a correcção à matéria colectável. Como referido, foi afastado o argumento relativo à sentença de anulação do despacho do OEF que indeferiu o pedido de dispensa de garantia. Ao invés do alegado, do probatório decorre que a decisão de suspensão do benefício fiscal no exercício de 2004, assentou na consideração do preenchimento dos pressupostos do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, uma vez que, na data do completamento do facto tributário relevante (Dezembro de 2004) existe dívida fiscal pendente por liquidar, concretamente dívida de IRS de 2001, por um lado, e, por outro lado, a mesma não foi contestada em processo judicial passível de suspender a execução fiscal, pois não foi prestada garantia idónea necessária para o efeito – artigo 169.º/1, do CPPT (11).
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, devendo ser mantida, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.6. Do alegado erro de julgamento por violação do princípio da proporcionalidade [conclusões A) xi), xii), xii) e B)]
Sob o presente item, os recorrentes invocam a violação do princípio da proporcionalidade. Por um lado, invocam em abono da sua tese a extinção do benefício fiscal, sem haver decisão judicial sobre a bondade da contestação judicial da dívida em causa. Por um lado, referem a exigência de prestação de garantia idónea, quando foi intentado meio de reacção legal com vista à anulação do acto tributário de suporte e-ou à extinção da execução que nele se baseou.
Do probatório decorre a existência de dívida fiscal, no montante de €65.815,02, por liquidar em Dezembro de 2004. Mais resulta a falta de apresentação de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, associada à prestação de garantia idónea, susceptível de permitir a suspensão da execução fiscal (12).
Recorde-se que, nos termos do artigo 12.º/6, do EBF, n.º 6 do preceito, «[v]erificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou na sua suspensão».
Por seu turno, o princípio da proporcionalidade impõe a aplicação de medida igualmente adequada à prossecução do concreto interesse público, mas menos gravosa para o contribuinte (13). «As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a atingir» (14). «Os actos a adoptar no procedimento serão os adequados aos objectivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade» (15).
«O princípio da proporcionalidade obriga a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão para além do que seja necessário e adequado» (16). «Ainda por força de tal princípio, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa» (17).
No caso em exame, a norma do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, determina a suspensão do benefício fiscal, uma vez verificados os pressupostos referidos. Trata-se de um mecanismo de garantia do cumprimento das obrigações fiscais que pendem sobre os contribuintes. A matéria de liquidação e cobrança das dívidas fiscais está sujeita ao princípio da legalidade tributária (artigos 103º/2, da CRP e 8.º/2/a), da LGT). A aplicação da lei fiscal é uma garantia da generalidade e da universalidade das normas fiscais. Estando em causa a garantia do cumprimento de dívida fiscal por liquidar em Dezembro de 2004, a qual era exigível à data, não se afigura de afastar a aplicação da norma de suspensão do benefício fiscal (18), a qual constitui garantia do cumprimento, não apenas da dívida fiscal, em cobrança coerciva, mas também das normas fiscais relativas ao regime de liquidação e cobrança das dívidas fiscais. Não se oferece, pois, disponível, medida igualmente idónea, mas menos gravosa para o contribuinte, tendo em vista a realização do interesse público indicado.
No que respeita à exigência de prestação de garantia idónea, prevista no artigo 169.º/1, do CPPT, e incluída no elenco dos pressupostos de cuja verificação depende a suspensão do benefício fiscal, determinada pelo disposto no artigo 12.º/5 e 6, do EBF, também não assiste razão aos recorrentes. É que, estando pendente dívida fiscal sob cobrança coerciva, a impugnação judicial do acto tributário que lhe serve de suporte ou a oposição à execução fiscal que tem em vista o seu cumprimento, sem a garantia idónea, não asseguram o interesse do credor exequente no cumprimento pontual e atempado dos créditos fiscais, nem asseguram a tutela judicial efectiva dos contribuintes. É que, apenas através do mecanismo da suspensão da execução fiscal associada à prestação de garantia idónea da dívida exequenda concomitante com a contestação judicial da sua exigibilidade ou da legalidade do acto tributário em razão do qual foi constituída (19), é possível garantir o direito do contribuinte à impugnação judicial da legalidade da dívida sem que daí advenha a paralisia da acção administrativa do Estado. Donde decorre que a exigência de prestação de garantia idónea como pressuposto de cuja verificação depende a não suspensão do benefício fiscal em apreço, nos termos do disposto no artigo 12.º/5 e 6, do EBF, não ofende o princípio da proporcionalidade.
De todo o exposto na presente fundamentação não se afigura, pois, procedente a alegada violação dos preceitos legais indicados no ponto B) das presentes alegações de recurso.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, devendo ser mantida, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)




(1)Versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro.
(2) Porquanto a dívida extinta por prescrição não é exigível, logo, deixa de ser fundamento da suspensão do benefício fiscal em causa nos autos.
(3) Processo de execução fiscal.

(4) Alíneas E) e F) do probatório.
(5)Versão vigente à data.
(6)Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2010, p. 29.
(7)Alíneas E) e H) e Z) AA), do probatório

(8) V. alíneas O) e P) do probatório.

(9) Alíneas O) e P), do probatório.

(10) Acórdão do TCAS, de 05.02.2015, P. 5600/12 e Acórdão do STA, de 29.10.2014, P. 01381/12.
(11) Alíneas O) e P), do probatório.

(12) Alíneas E, O) e P), do probatório.
(13) Artigo 55.º da LGT.
(14) Artigo 5.º/2, do CPA.
(15)Artigo 46.º do CPPT.
(16) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. I, 6.º Ed., p. 449.
(17) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. I, 6.º Ed., p. 450.

(18) Do preceito do artigo 12.º/5 e 6, do EBF.
(19) Artigo 169.º/1, do CPPT.