Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:734/09.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TERMO DE AVALIAÇÃO
JUÍZOS CONCLUSIVOS E SUBJETIVOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FORMAL
Sumário:I-O dever de fundamentação da avaliação insere-se, desde logo, no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
II-Os atos de fixação do valor patrimonial, como atos tributários lesivos que são, proferidos no âmbito de procedimentos tributários de avaliação, têm de estar fundamentados por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que os motivaram, tudo conforme preceitua o citado normativo 77.º n.º 1 da LGT.
III- Verifica-se falta de fundamentação quando não é possível extrair o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente que conduziu ao resultado da avaliação.
IV-O termo de avaliação que apresenta juízos conclusivos, expressões vagas e de cariz subjetivo, não cumpre esse dever de fundamentação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

l – RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M………., contra o ato de fixação do valor patrimonial decorrente da segunda avaliação, que fixou em €10.850,91, o valor patrimonial do lote …….., inscrito na matriz sob o artigo…….., da freguesia de São João dos Montes, concelho de Vila Franca de Xira.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a parte da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida por M…….., NIF ………, tendo como objeto o ato de fixação do valor patrimonial em €10.850,91, decorrente da segunda avaliação do lote ……, inscrito na matriz sob o artigo …….., da freguesia de São João dos Montes”, concelho de Vila Franca de Xira.

B. A Fazenda Pública entende que não existe qualquer falta de fundamentação, compondo-se a decisão do “termo de avaliação”, em total respeito pelos cânones do direito à fundamentação, e em conformidade com a Jurisprudência e a melhor doutrina.

C. As exigências de fundamentação variam de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido bastando-se, com a expressão clara das razões que levaram a determinada decisão, não tendo de reportar, a todos os factos considerados, vicissitudes ocorridas e a todas as ponderações feitas durante o procedimento que conduziu à decisão.

D. Assim, importa não ignorar que a fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do ato e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, e que o grau de fundamentação exigível deverá estar diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente.

E. Nesse sentido, acompanhamos o entendimento perfilhado pelo Magistrado do Ministério Público, designadamente quando refere: “Ora, analisando o termo de avaliação realizado em 9 de Janeiro de 2009 – cfr.fls.140 e vº do PA apenso – constata-se, em nosso entender, que cumpre as exigências de fundamentação pois indica os critérios utilizados para a fixação dos valores e reporta-os ao ano de 2001.

A forma utilizada, em nossa opinião, permite que qualquer observador possa saber ou entender como se chegou ao referido valor patrimonial.

Não há, pois, no caso em apreço, a falta de externação dos concretos pressupostos que permitiram a fixação do valor atribuído pela comissão.

O que acontece, é que o impugnante não concorda com os pressupostos que foram considerados e, nessa medida não estamos perante falta de fundamentação mas perante eventual erros nos pressupostos, cabendo ao impugnante demonstrar o erro na consideração de tais pressupostos, nomeadamente, que em situações idênticas o valor patrimonial foi inferior.

Ora, o impugnante apesar de na PI fazer alusão a prova que protestou juntar, apensar de devidamente notificado, nunca a veio juntar pelo que não logrou demonstrar que os critérios utilizados estava errados.”.

F. O Tribunal a quo assentou a sua crítica de que a avaliação não é acompanhada de mais elementos circunstanciais justificativos dos conceitos utilizados, de que nada se alcança do referido quanto à realidade da situação onde se encontra o terreno, que se desconhece os elementos que concorreram para o apuramento dos valores de área total do terreno e de construção, por não se explicar como se manteve a percentagem de 13,5% e do valor unitário atribuído à construção nos 400,00€.

G. Mas entendemos, que não estamos perante uma falta de fundamentação, mas antes uma incompreensão pelo Tribunal a quo da referida avaliação, com o devido respeito., que não significa que ocorra falta de fundamentação ou que a fundamentação esteja incorreta ou insuficiente.

H. Importa realçar que estamos perante um ato de carácter técnico, com expressões próprias e com algumas especificidades, e daí que as partes envolventes sejam especialistas e profissionais da área, e não um mero cidadão normal.

I. É nesse sentido, que designamos as partes integrantes dessas avaliações de carácter técnico de peritos, e nessa senda, são também esses peritos que são chamados pelo Tribunal, sempre que existe a necessidade de uma pronúncia técnica, por serem “os entendidos na matéria”.

J. Com isto, pretendemos sensibilizar, que não estamos perante uma falta de fundamentação pelo facto de na avaliação não estarem esmiuçados os critérios utilizados ou explicados em que significam, mas antes pelo facto do Tribunal a quo não ter compreendido.

K. Conforme bem esmiuçado em sede de contestação nos art.26.º a 33.º, designadamente no art.26.º, que se reitera para todos os efeitos, explicando, os peritos na 2.ª avaliação, alicerçaram o seu entendimento no seguinte, designadamente:

- descrição do lote de térreo, respetiva localização, n.º matricial e área de construção (317m2);

- avaliação da situação da zona/localização em que se encontra o referido terreno bem como as partes envolventes;

- em relação à percentagem atribuída ao terreno no valor total do prédio –13,5% - (art.36.º ss do CCPIIA), os louvados fundamentaram o facto de o terreno se encontrar localizado numa AUGI, tendo a Lei 91/95 de 02/09 estabelecido o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), e sendo aplicável ao prédio em causa já que o impugnante adquiriu o mesmo no ano de 1973;

- ou seja, a percentagem atribuída pela referida comissão teve em conta que o imóvel se situava, à altura dos factos, num local onde os proprietários não possuíam licença de loteamento e que nos respetivos planos diretores municipais de ordenamento do território (PMOT), estavam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no art.5.º da Lei n.º91/95 de 02/09;

- a percentagem atribuída de 13,5%, situa-se bastante aquém do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção consagrado atualmente na Lei n.º287/2003 de 12/11 que fixa o intervalo entre 15% e 45% (art.45.º do CIMI);

- a referida comissão teve igualmente em conta a falta de infraestruturas.

L. Na avaliação é expressamente efetuada a referência ao facto de o terreno estar numa zona de AUGI e com a maior parte das infraestruturas por realizar, o que olvida a fundamentação do que consistem esses conceitos e a sua pertinência, porque a sua indicação decorre da legislação.

M. Nessa senda, o Tribunal a quo não deveria ter julgado pela falta de fundamentação, mas antes ter solicitado esclarecimentos às partes ou oficiosamente solicitado a apreciação de um perito.

N. Porque, conforme expressamente realçado pelo Magistrado do Ministério Publico, que o Impugnante nunca demonstrou o erro dos pressupostos que invoca, nem demonstrou em que medida estavam errados os critérios utilizados na avaliação, sendo consentâneo que o Impugnante compreendeu o alcance da avaliação, designadamente o entendimento da Autoridade Tributária na avaliação.

O. Portanto, entendemos que mal andou o Tribunal a quo, ao ajuizar erradamente a sua incompreensão técnica dos critérios da avaliação, com o conceito de falta de fundamentação, dando indevidamente a procedência da impugnação com o provimento desse fundamento.

P. Deste modo, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto a incorreta aplicação do conceito de fundamentação, e consequentemente, à consideração da anulação do ato que constitui a 2.ª avaliação realizada ao lote de terreno em questão, com as legais consequências, razão pela qual se impõe a sua revogação e substituição por Acórdão que declarando improcedente, por não provada, a impugnação, mantenha vigente, por legais, no ordenamento jurídico tributário, o ato de fixação do valor patrimonial em € 10.850,91, decorrente da segunda avaliação do lote…….., inscrito na matriz sob o artigo …….., da freguesia de São João dos Montes”, concelho de Vila Franca de Xira.

Q. Finalmente, sendo a impugnação julgada totalmente improcedente, será a Recorrida, como parte vencida, que deverá suportar a totalidade do pagamento das custas, impondo-se, portanto, também nestes segmentos, a reforma da sentença recorrida.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por Acórdão que julgue improcedente, por não provada, a impugnação judicial, e, em consequência, mantenha, vigentes no ordenamento jurídico tributário, por legais, a liquidação impugnada.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado Ministério Público (DMMP), junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se documentalmente provados, atendendo, ainda, à posição processual assumida pelas partes nos articulados, os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. Em 1973, o Impugnante e A…….. outorgaram contrato promessa de compra e venda, através do qual aquele prometeu comprar e este prometeu vender uma parcela de terreno não aprovada, com a área de 317 m2, tendo pago o preço acordado e tomado posse do referido lote (cf. artigo 3.º da p. i., não impugnado na informação para que remete a contestação);

B. Em 2001, o Impugnante requereu, através da declaração modelo 129, a inscrição na matriz de “um lote de terreno para construção urbana” sito na “Quinta do A……., lote ….”, com a área de 317 m2 (cf. fls. 53, 150 e 151 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Na sequência do que, foi atribuído ao lote de terreno em questão o valor patrimonial de € 10,850,91, com base em proposta com o seguinte teor essencial (cf. fl. 52 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

D. Em 14 de Março de 2002, o Impugnante requereu a realização de uma 2.ª avaliação “nos termos do art.º 279.º do CCP” (cf. fl. 49 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 25 de Julho de 2002, foi lavrado o “termo de avaliação” do “lote de terreno para construção urbana, artigo urbano n.º ……., da freguesia de São João dos Montes”, com o seguinte teor essencial: “a comissão após visita ao local decidiu por maioria manter os valores definidos na 1.ª avaliação, tendo em conta a área de construção que irá ser permitida (216 m2) e afectando um valor unitário de 350€/m2, apura-se um valor final do terreno que até é inferior ao definido inicialmente de 20%. O louvado da parte não concorda com a decisão pelo motivo de considerar que há grande disparidade dos valores de avaliações entre o ano de 2000 e 2002. O louvado da parte considera ainda que a presente avaliação deveria ser efectuada considerando ser um terreno agrícola, visto não estar ainda o plano de reconversão” (cf. fl. 83 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Não se conformando com esta 2.ª avaliação, o Impugnante impugnou judicialmente a mesma perante este Tribunal, que, por sentença de 23 de Junho de 2008, proferida no processo n.º 609704 – 157/02.4.2, julgou procedente a impugnação judicial e anulou “a decisão da comissão de avaliação do lote de terreno para construção urbana, artigo nº ………. da freguesia de São João dos Montes”, com base, essencialmente, em que “ficamos sem saber porque decidiu a referida comissão de avaliação, porque foi aquela e não de outra. Ficamos sem saber atribuir um, valor unitário de 350€/m2. E porque considerou que o valor em causa é inferior em 20% do valor fixado anteriormente. Que critérios utilizou para considerar a percentagem de 20% e não outra” (cf. fls. 97 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. Em 9 de Janeiro de 2009, foi realizada nova 2.ª avaliação do lote de terreno em questão, com o seguinte teor essencial (cf. fl. 140 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

H. Em 15 de Janeiro de 2009, foi o Impugnante notificado da 2.ª avaliação realizada (cf. fls. 145 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. A p. i. da presente impugnação judicial foi enviada a juízo via telecópia em 15 de Abril de 2009 (cf. fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).”


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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tributário de lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de fixação do valor patrimonial decorrente da segunda avaliação, que fixou em €10.850,91, o valor patrimonial do lote ………., inscrito na matriz sob o artigo ………, da freguesia de São João dos Montes, concelho de Vila Franca de Xira.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o ato de avaliação padece de falta de fundamentação formal conforme decidido pelo Tribunal a quo. Entendendo-se que o ato impugnado não padece da arguida falta de fundamentação formal cumpre conhecer, em substituição, do erro de determinação do valor de avaliação.

Apreciando.

A Recorrente convoca erro de julgamento na medida em que o termo de avaliação não padece da arguida falta de fundamentação, porquanto permite perceber todos os pressupostos em que se fundou a visada avaliação, sendo que, em rigor, a questão radica na incompreensão desses mesmos pressupostos.

Advogando, assim, que o Recorrido não concorda com os pressupostos que foram considerados e, nessa medida não estamos perante falta de fundamentação formal, mas face a erros nos pressupostos, competindo ao mesmo demonstrar o erro na consideração de tais pressupostos, nomeadamente, que em situações idênticas o valor patrimonial foi inferior.

Conclui, a final, que o ato visado é um ato de carácter técnico, com expressões próprias e com algumas especificidades, daí que as partes envolventes sejam especialistas e profissionais da área, e não um mero cidadão normal, logo não estamos perante uma falta de fundamentação pelo facto de na avaliação não estarem esmiuçados os critérios utilizados e o seu concreto significado.

O Tribunal a quo esteou a procedência, relevando, desde logo, que “[o] emprego de expressões como “ajustados à realidade da situação em que se encontra o terreno, sua envolvente, critérios utilizados na época para avaliações deste género, por si só, desacompanhadas de outros elementos circunstanciais justificativos, não permite perceber em que medida tal se traduziu numa determinada quantificação e não noutra qualquer.”

Mais relevando que, nada se sabe sobre a sua envolvente e quanto aos “critérios utilizados na época para avaliações deste género” e bem assim quanto à “% atribuída ao terreno no valor total do prédio” e ao “valor unitário atribuído à construção”, porquanto desconhece-se porque motivo foi atribuída aquela específica percentagem e não qualquer outra.

Concluindo, assim, que do “termo de avaliação” não constam, de forma suficiente, os critérios que conduziram à determinação dos valores considerados, as razões por que foram alcançados os valores atribuídos e os factores tidos em conta para tal atribuição, de forma suficientemente reveladora do percurso cognoscitivo e valorativo percorrido e em termos alcançáveis e compreensíveis por um destinatário normal, médio, hipoteticamente colocado na situação real do Impugnante.”

Vejamos, então, se a sentença padece do erro de julgamento que lhe é assacado.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

O dever de fundamentação da avaliação insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente”

cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675..

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente

neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt..

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto

Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt..

É inquestionável que, de facto, os atos de fixação do valor patrimonial, como atos tributários lesivos que são, proferidos no âmbito de procedimentos tributários de avaliação, têm de estar fundamentados por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que os motivaram, tudo conforme preceitua o citado normativo 77.º n.º 1 da LGT.

“Segundo o n.º 2 desse artigo 77.º, da LGT a fundamentação, embora possa ser efectuada de forma sumária, deve sempre conter “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”; e segundo o n.º 3 do artigo 84.° desse diploma legal “A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.

Deste modo, o acto de fixação do valor patrimonial tributário do prédio urbano da Impugnante, ora Recorrente, que constitui a forma de determinar a matéria tributável de tributos a que está sujeita, primacialmente em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, deve conter todos os elementos que conduziram a essa fixação, com a indicação dos critérios utilizados e das operações de apuramento da matéria tributável, de modo a que seja possível, tanto a ela como ao Tribunal, extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.

Daí que, embora o grau de fundamentação tenha de ser o adequado ao tipo concreto do acto e às circunstâncias em que foi praticado, é essencial que proporcione a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo(s) autor(es) da avaliação para a fixação do valor patrimonial tributário do prédio avaliado, de forma a poderem conhecer-se claramente as razões por que se avaliou dessa forma e não de forma diferente, por que se chegou àquele valor patrimonial e não a valor diverso, de modo a que os interessados possam aceitá-lo ou rebatê-lo, bem como possibilitar ao tribunal um efectivo controlo sobre a sua legalidade, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual"(destaques e sublinhados nossos).

Vide Acórdão do STA, Pleno da Secção do CT, proferido no processo nº 0307/11, de 02 de maio de 2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Visto o direito que releva para o caso sub judice, e transpondo o mesmo para o caso vertente entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, uma vez que interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fáctica ao caso vertente, na medida em que, como veremos, o termo de avaliação apresenta juízos eminentemente conclusivos, com expressões vagas e de cariz subjetivo.

Atentemos, para o efeito, no teor do termo de avaliação e façamos o competente escrutínio.

Começa, desde logo, por evidenciar que “os procedimentos utilizados foram perfeitamente ajustados à realidade da situação onde se encontra o terreno, bem como a sua envolvente e ainda os critérios utilizados na época, para avaliações deste género.”

Mas a verdade é que o supra expendido não traduz a fundamentação formal exigível para um destinatário normal ficar ciente dos elementos, pressupostos e razões que fundaram a conclusão atinente ao ajustamento dos critérios e à própria envolvente.

Não assistindo, assim, razão à Recorrente quando aduz que o Recorrido não sindica a falta de fundamentação formal, mas apenas a sua fundamentação substancial, porquanto, de uma leitura atenta da p.i. constata-se que o mesmo convoca, efetivamente, a falta de enumeração e densificação dos pressupostos e critérios que permitiram a fixação do valor de avaliação fixado, e ora, em contenda, o que, naturalmente, é prévio e impossibilita a apreensão dos mesmos. Em nada relevando, naturalmente, a questão atinente à prova que protestou juntar, na medida em que essa questão é a jusante.

Com efeito, o termo de avaliação teria de identificar e densificar, de forma clara e suficiente, quais as razões que permitem assumir a adequação dos critérios, concretizando as premissas referentes à área envolvente, e quais os critérios que, à data, eram considerados usuais e bem assim quais, em concreto, foram utlizados, e não limitar-se, como fez, a assumir a conclusão em que radicou o seu entendimento.

O mesmo se terá de inferir no que respeita à atribuição da percentagem de 13,5%, na medida em que nada é corporizado no aludido termo de avaliação para se percecionarem os motivos que estão na génese do apuramento e fixação dessa percentagem, e porque motivo é essa percentagem e não qualquer outra.

É certo que é evidenciada a inserção numa AUGI, mas a verdade é que a evidenciação dessa natureza e qualificação não permite, per se, aquiescerem-se os motivos para essa específica ponderação percentual, os quais, naturalmente, têm de ser, devidamente, enumerados e identificados sob pena se de coartar a possibilidade de defesa.

Inversamente ao propugnado na decisão recorrida, não basta a mera indicação de inserção em zona AUGI, porquanto ainda que a aludida qualificação decorra da respetiva base legal, a verdade é que o seu âmbito objetivo é abrangente, bastando, para o efeito, atentar na Lei nº 91/95, de 02 de setembro, mormente, seu artigo 1.º, tendo, naturalmente, de particularizarem-se as razões que fundaram esse concreto qualificativo.

No mesmo sentido se terá de concluir quanto à asserção atinente à circunstância da maioria das infraestruturas básicas se encontrar por realizar, na medida em que se desconhece o alcance quantitativo e qualitativo das infraestruturas e bem assim da concreta densificação de infraestruturas básicas, as quais, naturalmente, tinham de ser, devidamente, substanciadas no espaço e no tempo.

No concernente ao valor de construção entende-se, igualmente, que a menção de que o valor de construção foi o que “nos pareceu mais ajustável para a época e para o tipo de construção a realizar”, nada permite discernir sobre as razões atinentes a essa asserção, rigorosamente indaga-se: ajustável porquê? de que forma e com que extensão é reputada ajustada ao período visado? qual o tipo de construção que foi ponderada, e porque razão esse tipo de construção permite justificar o preço de construção avançado? Nada se sabe, e nada é externado, como legalmente se impunha.

A final é feita uma enumeração para outros lotes de terreno que, alegadamente, se encontrariam na mesma situação, mas a verdade é que não se identificam quais são esses lotes, e porque motivo se entende que se encontram nas mesmas situações.

Donde o ato em contenda padece, efetivamente, de falta de fundamentação formal, importando, relevar, a final, que inversamente ao propugnado pela Recorrente, a questão não radica numa alegada incompreensão por parte do Tribunal a quo da referida avaliação, porquanto é à AT que compete demonstrar, de forma clara, sustentada e cabal os pressupostos em que radicou o seu juízo de entendimento, não podendo, assim, fundar-se em qualquer incompreensão, sendo certo que, em bom rigor, se existe incompreensão está, como visto, relacionado com um incumprimento do dever de fundamentação prévio, vinculativo e a montante.

Em nada podendo relevar, outrossim, o aduzido em K), porquanto o termo de avaliação tem de conter em si o percurso que levou ao ato avaliativo, não podendo, como é bom de ver, relevar as explicações constantes no articulado de contestação porquanto não contemporâneas do ato em contenda. Daí que, não assista, consequentemente, razão ao aduzido em M), porquanto a falta de fundamentação formal de um ato não é suprível mediante ulteriores esclarecimentos sob pena inclusive de se subverterem os ónus e inclusive acarretar uma desigualdade de armas.

No caso vertente, a AT não pode concluir sem antes demonstrar qual o caminho que percorreu para assumir tal conclusão. Mostrava-se, assim, imperioso que fossem explicitadas as razões que conduziram a que nesse ato aqueles conceitos vagos tivessem sido concretamente decisivos.

Note-se, ademais, que a segunda avaliação foi requerida em 2002, donde sem recurso às fórmulas objetivas constantes no atual artigo 38.º do CIMI.

Com efeito, e conforme resulta claro do preâmbulo do CIMI, aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, “[c]om este Código opera-se uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em fatores objetivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjetividade e discricionariedade do avaliador. (…) considerando-se, nomeadamente, a relevância do custo médio de construção, da área bruta de construção e da área não edificada adjacente, preço por metro quadrado, incluindo o valor do terreno, localização, qualidade e conforto da construção, vetustez e caraterísticas envolventes. Estes fatores são complementados com zonamentos municipais específicos, correspondentes a áreas uniformes de valorização imobiliária, com vista a impedir a aplicação de fatores idênticos independentemente da localização de cada prédio e de cada município no território nacional.”

Donde demandava, justamente, um esclarecimento cabal de todas as premissas, com uma densificação objetiva, devidamente particularizada, enunciando, de forma razoável ainda que sucinta, os pressupostos em que radicaram as conclusões vertidas no Termo de Avaliação, o que não sucede no caso vertente.

Como doutrinado no Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 09162/15, de 08 de março de 2018:

“É a consideração do princípio da fundamentação e dos requisitos objectivos do acto administrativo que lhe estão imanentes (“pressupostos de facto, fim, causa e motivo”), que leva a doutrina a concluir que são constitucionalmente “claudicantes todas as fórmulas que não ofereçam transparência à motivação concreta que levou a Administração a praticar um determinado acto, como é o caso de conceitos vagos ou indeterminados, tipo «conveniência de serviço», «segurança e tranquilidade», «interesses públicos» (…)”, sendo imperioso explicitar as razões que conduziram a que nesse acto aquele “conceito vago” tivesse sido concretamente decisivo, ou seja, aplicado”.

Daí que a Jurisprudência deste Tribunal que acolhemos, e já devidamente citada, conclua que “Padece de vício de falta de fundamentação por insuficiência, o acto de 2ª avaliação desses terrenos que, para além de recorrer a expressões vagas e conclusivas (“elevada qualidade do empreendimento”, “infra-estruturas existentes” e “áreas envolventes”) e não obstante revelar (nele expressamente ou na documentação que o compreende), o número do processo, o número do lote, o artigo matricial e a área do lote, não permite entender o modo como foram obtidos, designadamente, o valor do metro quadrado de construção, o valor total de construção, a área do lote padrão, o valor por metro quadrado do lote padrão por, sendo estes parâmetros avaliativos determinantes no cálculo do valor venal por metro quadrado de cada um desses terrenos, o seu desconhecimento não permitir captar o iter cognoscitivo e valorativo seguido no acto tributário

Vide o já citado Acórdão do TCA SUL, proferido no processo nº 09162/15..

No mesmo sentido, se decidiu no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº387/15, de 11 de julho de 2019 e relatado pela, ora, Relatora, no qual se expende, designadamente, o seguinte: “verifica-se falta de fundamentação quando não é possível extrair o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente que conduziu ao resultado da avaliação; O termo de avaliação que apresenta juízos conclusivos, expressões vagas e de cariz subjetivo, não cumpre esse dever de fundamentação.”

Ora, em face de todo o exposto entende-se que, na esteira do defendido pelo Tribunal a quo, verifica-se, efetivamente, falta de fundamentação formal por não se conseguir extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente que conduziu ao resultado da avaliação

Neste particular, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº 0882/11, de 23 de maio de 2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt..

Assim, tudo visto e ponderado, improcede o erro de julgamento assacado à decisão recorrida respeitante à decisão relativa à falta de fundamentação formal, ficando prejudicada a apreciação do erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputados ao ato impugnado, por impossibilidade da sua apreciação.



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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Jorge Cortês)