Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 53/20.5BCLSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 10/15/2020 |
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Relator: | CATARINA VASCONCELOS |
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Descritores: | LIBERDADE DE EXPRESSÃO TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO |
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Sumário: | I – Não se abstraindo, o autor das declarações, de uma base factual, é tolerável, atento o contexto de discussão futebolística, a crítica, ainda que feroz, exacerbada e contundente, à atuação do árbitro.
II - O interesse da livre discussão da atuação dos árbitros nas competições desportivas, desde que não envolva a discussão daquele núcleo irredutível, prevalece em relação à sua honra e reputação enquanto agentes desportivos. |
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Votação: | MAIORIA |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório: A Federação Portuguesa de Futebol, nos termos dos art.ºs 8º, n.ºs 1, 2 e 5 da LTAD, interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 27 de março de 2020 que anulou a decisão proferida pela Secção Profissional do seu Conselho de Disciplina, em 5 de novembro de 2019, no âmbito do processo disciplinar nº 23-1/20, nos termos do qual o S….., SAD havia sido condenado numa sanção de multa no valor de €40.800,00 pela prática de uma infração disciplinar p.p pelo artigo 112º, nºs 1, 3 e 4 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP). Formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 27 de março de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º ….. 2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular as sanções de suspensão e multa aplicadas pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.9 ….., que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 112.9, n.9 1, todos do RD da LPFP. 3. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar. 4. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto. * O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.* II – Objeto do recurso: Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir as seguintes questões: - Erro de julgamento: interpretação e aplicação do art. 112º, nº 1 do RDFPFP. Subsidiariamente, no caso do recurso merecer provimento, cumprirá ainda conhecer o recurso ampliado que tem por objeto o erro de julgamento quanto à matéria de facto, designadamente: - omissão de factualidade relevante (a identificada na 12.ª conclusão das contra-alegações); - o errado julgamento da factualidade vertida nos pontos 4. a 7. como provada; - o errado julgamento da factualidade vertida no ponto 3. (nos termos definidos na 15.ª conclusão das contra-alegações). * III - Fundamentação De Facto:No acórdão recorrido foi julgada provada a seguinte factualidade: 1. No dia 23.09.2019, a arguida produziu e publicou, no sítio da internet com o endereço ….., concretamente na Edição n.° …..da “…..”, acessíveis através do separador “Agora”, daquele sítio, e disponíveis no link ….., nomeadamente, as seguintes declarações: “P.S.: Pela terceira jornada consecutiva, terceiro erro de árbitros e VAR incompreensíveis em benefício do F…... Depois da expulsão do jogador do V….., do penálti fantasma marcado contra o P….., ontem um penálti indiscutível com respetiva expulsão de um jogador do F….. ficou por marcar, prejudicando claramente o S…... O ano passado foram 10 pontos a mais, este ano, sucedem-se os erros, sempre em benefício da mesma equipa e por equipas de arbitragem que já estiveram ligadas na época anterior a muitos desses erros que deram pontos. Ontem, a imagem do jogador do S….. a sangrar e o árbitro a dar indicação para o jogo continuar, como se nada se tivesse passado, diz tudo e faz pensar e questionar— não acham que já é de mais?" 2. No dia 30.09.2019, a arguida produziu e publicou, no sítio da internet com endereço ….., concretamente na Edição n.° …..da "…..", acessíveis através do separador "Agora", daquele sítio, e disponíveis no link ….., nomeadamente, as seguintes declarações: "SINAIS PREOCUPANTES No momento em que se pode fazer o balanço das sete primeiras jornadas do campeonato da Primeira Liga, para além da melhoria da qualidade e competitividade da maioria das equipas, um outro dado voltou infelizmente a estar em destaque: a existência de diversos erros incompreensíveis, sempre a favorecer a mesma equipa. Decisões, nos jogos com V….., P….. e S….., tão evidentes e tão claras, que mais escandalosas se tornam quando se verifica que o próprio VAR conseguiu não ver o que toda a gente viu. Erros que valem pontos e erros que, a exemplo do ano passado, vêm das mesmas equipas de arbitragem que permitiram que o F….. fosse beneficiado em pelo menos dez pontos. Mas os sinais preocupantes aumentaram muito este fim de semana com aquilo a que se assistiu na Luz: uma dualidade de critérios chocante com factos que importa questionar. Qual o motivo por que O….. foi admoestado com um cartão amarelo num primeiro lance de suposta demora na reposição da bola em jogo e o guarda-redes do V….., em pelo menos seis reposições demoradas, não o foi? Qual o motivo para a expulsão de T….. e o mesmo não ter acontecido num lance muito mais indiscutível como foi o da entrada faltosa sobre R…..? Qual o motivo para o prolongamento do tempo adicional? E qual a justificação para a grande penalidade sobre R….. não ser assinalada, bastando ver o que se passou no V…..— P….., onde o juízo ao lance que dá a marcação da grande penalidade foi corretamente outro? Mas o pior ainda estava por vir... Fomos ontem confrontados com a informação de que o árbitro do encontro terá escrito no seu relatório ter sido atingido por uma moeda que lhe terá provocado um hematoma. Ora esse facto é de enorme gravidade. Porque, tal como as imagens podem comprovar, essa informação é falsa, até porque, pelo que se vê, nem sequer o árbitro foi atingido, nem em momento algum houve qualquer tipo de reação compatível com essa denúncia existente no relatório. Inventar supostas agressões com uma moeda de cinco cêntimos, causadoras de hematomas, envergonha uma classe em que existem excelentes profissionais que todos os fins de semana, em vários campos do País, têm de enfrentar, aí sim, por vezes momentos de enorme tensão. Importa que, de uma vez por todas, o Conselho de Arbitragem assuma as suas responsabilidades. A invasão do centro de treinos da Maia e as constantes ameaças e coação sobre árbitros e seus familiares levaram a que, no deve e haver, no final da época e em tempos de balanço, uma equipa seja sempre a beneficiada. Esta época, pensem bem, com quem aconteceram erros que, por unanimidade, se reconheceu serem difíceis de entender? E quem foi sempre beneficiado nessas situações? A paragem do Campeonato que seja aproveitada para uma profunda análise e reflexão. O pior que poderia acontecer seria, para além de uma equipa ser beneficiada, agora, no nosso caso, termos arbitragens que qualquer observador independente reconhece ter critérios difíceis de entender. E — só faltava — com relatórios com informação ficcionada e a existência de segundas moedas inventadas. 3° Nas declarações transcritas a arguida fez referência a jogos concretos, disputados na Liga NOS na época desportiva em curso (…..), o que permitiu identificar os elementos das equipas de arbitragem elencados nos pontos seguintes: 4° C….. (árbitro), J….. (assistente 1), M….. (assistente 2), D….. (4.° árbitro), A….. (VAR), B….. (AVAR) e R….. (observador), que arbitraram o jogo entre a F…..,, SAD, e a V….. SAD, disputado no dia 01.09.2019, a contar para a 4.a jornada da Liga NOS. 5º R….. (árbitro), T….. (assistente 1), J….. (assistente 2), G….. (4.° árbitro), V….. (VAR), B….. (AVAR) e C….. (observador), que arbitraram o jogo entre a P….., SAD, e a F….., SAD, disputado no dia 15.09.2019, a contar para a 5°jornada da Liga NOS. 6º ° L….. (árbitro), R….. (assistente 1), V….. (assistente 2), H….. (4° árbitro), R….. (VAR), N….. (AVAR) e A….. (observador), que arbitraram o jogo entre a F….., SAD, e a S….., SAD, disputado no dia 22.09.2019, a contar para a ó.a jornada da Liga NOS. 7º T….. (árbitro), P….. (assistente 1), R….. (assistente 2), M….. (4.° árbitro), B….. (VAR), A….. (AVAR) e A….. (observador), que arbitraram o jogo disputado entre a S….. S.A.D. e a V….., S.A.D., realizado no dia 28.09.2019, a contar para a 7.° jornada da Liga NOS. 8º A Arguida, sabendo-se responsável pela publicação na imprensa privada ou sítios na internet por si explorados, não só não impediu a sobredita publicação, como não manifestou, em momento posterior, qualquer repúdio ou discordância com o seu conteúdo. 9º A Arguida S….., SAD, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares, tendo sido sancionada, mediante decisões disciplinares já definitivas na ordem jurídica desportiva, pelo ilícito disciplinar p. e p. no artigo 112.° do RDLPFP, em épocas anteriores, sendo por isso, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.° n.° 1, e 112.°, n.° 3, ambos do RDLPFP, reincidente”. Não foram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do litígio, tendo a restante matéria alegada e não constante do enunciado supra sido desconsiderada pelo Tribunal nesta parte, por consubstanciar matéria de direito, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa, pelo que assim se decide a segunda questão supre referenciada.” * IV – Fundamentação De Direito:Entende, a Recorrente, que o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) errou ao julgar que as afirmações vertidas na factualidade provada se compreendiam nos limites da liberdade de expressão. Analisando a questão que lhe era colocada sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, olvidou, segundo entende, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade, da proteção das competições desportivas, do fair play, valorando apenas o direito ao bom nome e reputação. Mais entende o TAD emitiu pronúncia relativamente a matéria reservada da Administração. Considera, portanto, que se procedeu a uma errada interpretação e aplicação do art.º 112º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Este preceito regulamentar tem como epígrafe “lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros” e é o seguinte o seu teor: 1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC. 2. Se dos factos previstos na segunda parte do número anterior resultarem graves perturbações da ordem pública ou se provocarem manifestações de desrespeito pelos órgãos da hierarquia desportiva, seus dirigentes ou outros agentes desportivos, os limites mínimo e máximo das sanções previstas no número anterior são elevados para o dobro. 3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro. 4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa. A questão do conflito entre a liberdade de expressão e a honra, o bom nome e a reputação de árbitros não é nova tendo sido objeto de vários acórdãos deste Tribunal (v.g. os proferidos no âmbito do processo n.º 154/19.2BELSB em 16.01.2020, 155/19.0BCLSB em 13.02.2020, 18/19.0BELSB em 04.04.2019, 63/20.2BELSB em 01.10.2020 e 50/20.0BCLSB também em 01.10.2020). Não se ignorando o que recentemente foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo nesta matéria, nos acórdãos n.ºs 0154/19.2BCLSB de 04.06.2020, 038/19.4BCLSB, de 10/09/2020 e 0139/19.9BCLSB, de 02/07/2020, julgamos, neste momento, inexistindo ainda uniformização de jurisprudência, assumir a posição que tem, maioritariamente, defendido este Tribunal. No recente acórdão deste Tribunal de 1 de outubro de 2020, proferido no processo 63/20.2BELSB, procedeu-se a uma análise tendencialmente exaustiva e atualizada da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nesta matéria, jurisprudência que, aliás, se encontra compilada na também recente publicação desse Tribunal “Guide sur l’article 10 de la Convention européenne des droits de l’homme. Liberté d’expression.” Conseil de l’Europe/Cour européenne des droits de l’homme. Première édition – 31 mars 2020 disponível em https://www.echr.coe.int/Documents/Guide_Art_10_FRA.pdf). Como se evidenciou nesse acórdão, a jurisprudência do TEDH vem defendendo que “quando estejam em causa assuntos relativos ao debate politico, ou de interesse geral, que se relacionem com políticos ou figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais largos que aqueles que se admitem para um simples particular, para alguém relativamente anónimo. Para o TEDH os políticos ou as figuras públicas “expõem-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus actos e gestos, quer pelos jornalistas, quer pela massa de cidadãos” (in Ac. do TEDH, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º 33287/10, de 23-10-2013, tradução nossa, a partir do original em francês; vide, no mesmo sentido, os Acs. ali citados e, em especial, os Ac. do TEDH Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28-09-2000 e Laranjeira Marques da Silva c. Portugal, P. n.º 16983/06, de 19-01-2010). No Ac. do TEDH Steel and Morris c. Reino Unido, P. n.º 68416/01, de 15-02-2005, pronunciando-se sobre o crime de difamação, este Tribunal defende que estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta terá de aferir-se com base na respectiva sustentação, atendendo aos factos existentes. Assim, a conduta só será desproporcional quando não haja factos que a sustentem. Ao invés, existindo tais factos, a opinião, enquanto manifestação da liberdade de expressão, tem de ser admitida. Este preceito regulamentar deverá ser ainda “interpretado e enquadrado atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelo que as expressões contantes daquele RD relativas ao “desrespeito”, à “injúria”, à “difamação” ou à “grosseria” terão, necessariamente que ajustar-se àquela mesma realidade.” (…) Igualmente, no Ac. do TRP n.º 10/11.2TAVRL.P1, de 08-02-1012, afirma-se: “É consabido e aceite por toda a comunidade que um árbitro, pela exposição a que se coloca pelas funções que exerce, na maior parte das vezes, não agradando à equipa perdedora, não pode ser um individuo com uma sensibilidade idêntica ao cidadão médio e comum, antes tem de estar mais “aberto”, receptivo e imune, a críticas ferozes e comentários, por vezes, infelizes. Por outro lado, são conhecidas as paixões e controvérsias que as questões relativas ao futebol frequentemente geram.” A honra pode ser encarada numa vertente pessoal, subjetiva e numa vertente social, objetiva, sendo que a primeira se traduz no respeito e consideração que cada um tem por si próprio e a segunda no respeito e consideração que cada pessoa merece ou que goza na comunidade a que pertence. Para se formular um juízo correto sobre em que termos existe uma ofensa à honra e reputação de alguém, necessário é que se tome em conta a situação concreta em que os factos ocorreram, o que nos pode levar a realidades que ampliam ou diminuem aquele direito à honra. E pode a situação objetiva até afastar a relevância normal de certas expressões, à partida, ofensivas, sendo esta irrelevância frequentemente tida em conta quando elas são veiculadas pela comunicação social. A linha demarcadora entre a licitude e a ilicitude duma ofensa é sempre indeterminada, havendo que ter em conta para a sua determinação a múltiplos fatores, mormente ao conflito com outros direitos consagrados legalmente, o que determina um esforço jurisprudencial para o efeito, pelo que a distância entre a lei e o caso concreto passa a ser particularmente grande, havendo todo um caminho a percorrer pelo julgador em ordem a, no caso concreto, aferir da licitude ou ilicitude. Como resulta da jurisprudência do TEDH, a tutela do direito à honra tem muitas vezes de ceder perante o interesse, manifestamente superior, de denúncia da verificação de uma alegada injustiça, pelo que a linha de fronteira entre o ilícito e o lícito não pode passar pela renúncia da imputação a outrem dessa alegada injustiça. Com efeito, nos dias que correm, tem cada vez mais aceitação a teoria que, pelo menos no caso de corrupção e em sociedades democráticas como a nossa, é de admitir que a preponderância do direito à honra deverá apenas existir em relação a um núcleo irredutível da intimidade das pessoas, dando-se assim oportunidade a que os valores da liberdade de expressão e de informação sobressaiam na defesa dos pilares fundamentais das sociedade democráticas, como a da boa governação ou da transparência. Sendo assim, há que reduzir ao máximo os casos em que aquela liberdade de expressão deve ser obstruída, aceitando-se que apenas deve ser limitada quando está em jogo aquele núcleo fundamental dos direitos humanos. Em suma, tem-se entendido que os limites da crítica admissível devem ser mais largos quando o visado é uma personalidade pública do que quando o visado é uma personalidade particular. Naquele caso, há uma inevitável e consciente exposição dessa personalidade (pública) à opinião pública, com o também inevitável controlo das sua ações e gestos, quer pelos jornalistas, quer pelos cidadãos, sendo de exigir a essa personalidade uma maior tolerância da que é exigida a personalidades que não desempenham funções públicas. É claro que esta personalidade pública tem o direito de ver protegida a sua reputação, mesmo para além da sua vida privada, mas essa proteção dever ser equilibrada com o interesse da livre discussão das questões públicas. A crítica, mesmos quando equivale a uma “falta de consideração”, constitui um valor bem mais importante do que a proteção do prestígio de uma instituição estática, qualquer que ela seja. Postos estes conceitos, voltemos ao caso concreto em apreço. Nos termos do disposto no nº1 do artigo 112º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, “o clube que use expressões , desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas , assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75UCe o máximo de 350 UC.” Em resumo e de acordo com a matéria de facto dada como provada, a Recorrida S….. SAD tinha sido responsável pela publicação num sítio da internet por si explorado de textos em que se declarava que a classificação da sua equipa de futebol tinha sido prejudicada por erros de árbitros, cometidos para beneficiar a classificação de outra equipa concorrente – o F…... Para o efeito, afirmou-se, nomeadamente, que “pela terceira jornada consecutiva, terceiro erro de árbitros e VAR incompreensíveis em benefício do F…..”, sucedendo-se “os erros, sempre em benefício da mesma equipa e por equipas de arbitragem que já estiveram ligadas na época anteriores a muitos desses erros que deram pontos” ao F….., “que permitiram que o F….. fosse beneficiado em pelo menos dez pontos”, fruto de “uma dualidade de critérios chocante com factos que importa questionar” e que a “arbitragem” produzia “relatórios com informação ficcionada.” Ora, tendo em conta os conceitos acima referidos, entendemos que no caso concreto em apreço, considerando a situação objetiva em que os factos ocorreram, não pode ser sancionado o comportamento da Recorrida. Os árbitros desportivos, tendo em conta o meio onde desenvolvem a sua atividade, não podem deixar de serem considerados, nesse exercício, como personalidades públicas e, consequentemente, expostos à crítica da opinião pública – incluindo a crítica dos demais agentes desportivos – veiculada pelas diversas formas de expressão ao seu dispor. Os termos em que essa crítica é feita necessariamente são influenciados por aquele meio, sendo do conhecimento geral que para a generalidade das pessoas que estão nele inseridas ou que se interessam por ele, a contundência das críticas é a regra, utilizando-se termos que no aceso contexto desportivo, pela sua generalização, não têm a carga valorativa que têm noutras atividades. Sublinhe-se que não compete aos tribunais valorar ou modificar esta realidade, apenas lhes compete utilizá-la como um facto a ter em conta em busca das soluções que considera mais justas para os casos concretos que lhe são submetidos a apreciação. Dentro deste contexto, entendemos que as expressões/afirmações contidas nos textos em análise não podem ser consideradas lesivas da honra e reputação dos árbitros, apesar de se reconhecer que são contundentes. Mas mesmo que se conceba que as expressões em causa podem ser tidas como ofensivas da honra e reputação dos árbitros, o seu sancionamento disciplinar conflitua com o interesse manifestamente superior de denúncia de uma alegada injustiça, sendo que não está aqui em causa o núcleo irredutível da intimidade dos árbitros – e de qualquer pessoa - como seria o caso da invocação de factos da sua vida privada não decorrentes da sua atividade desportiva, o que não ocorreu no caso concreto em apreço. O interesse da livre discussão da atuação dos árbitros nas competições desportivas, desde que não envolva a discussão daquele núcleo irredutível, prevalece em relação à sua honra e reputação enquanto agentes desportivos. Note-se ainda que as afirmações em causa são contextualizadas. O seu autor insurge-se contra o que entende constituírem erros fazendo alusão às concretas “faltas” indevidamente sinalizadas e às que ficaram por sinalizar, discordando, de forma frontal e acutilante das decisões tomadas pelos árbitros. Apesar de emitir um juízo sobre os erros e sobre quem dos mesmos beneficiou, as afirmações proferidas são justificadas (no sentido de explicadas), não podem considerar-se gratuitas ou puramente ofensivas. * Entende ainda a Recorrente que o TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da F….. se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira – limites gerais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da F…..” tendo, portanto, emitido pronúncia relativamente a matéria reservada da Administração, julgando da conveniência ou oportunidade da sua decisão. Não tem razão. Nos termos do art.º 1º, n.º 1 da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho “o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira” tendo “competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto” (n.º 2). “No julgamento dos recursos e impugnações previstas nos artigos anteriores, o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito”, segundo dispõe o art.º 3º do mesmo diploma legal. Tem-se presente que, nos termos do art.º 3º, n.º 1 do CPTA, “ no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.” Mas, como se evidencia em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.02.2018 (processo 01120/17, publicado em www.dgsi.pt), “o TAD não é um tribunal administrativo, não integrando a jurisdição administrativa, não obstante as regras do CPTA possam ser de aplicação subsidiária. E o processo disciplinar é de natureza sancionatória sabendo nós que em matéria penal os tribunais penais aplicam uma concreta pena e dessa forma têm jurisdição plena no caso. Não se vê porque o legislador não tenha podido e querido dar ao TAD especificidades relativamente às tradicionais competências dos tribunais administrativos não obstante as normas do CPTA sejam de aplicação subsidiária, no que seja compatível. Pelo que, não existe qualquer absurdo em que o TAD beneficie de um regime, em sede de sindicância da atividade administrativa que, em sede de recurso da sua decisão, não é tido como o tradicionalmente conferido aos tribunais administrativos, limitados na sua ação pela chamada “reserva do poder administrativo”.
Concluímos, portanto, que o Tribunal a quo não errou na interpretação e aplicação do art.º 112º, n.º 1 do RD da LPFP pelo que o recurso não merece provimento. * Não merecendo, o recurso, provimento, não se apreciará o objeto do recurso ampliado, cuja apreciação foi requerida, pela Recorrida, a título subsidiário (art.º 636º do CPC). * As custas serão suportadas pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol, nos termos dos art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC. * V – Decisão: Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, manter o acórdão arbitral. Custas pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol. Registe e notifique. Lisboa, 15 de outubro de 2020 Catarina Vasconcelos (relatora por vencimento) Sofia David (em substituição da Juíza que substituiria o Juiz - 2.º Adjunto, que se encontra ausente ao serviço, por impedimento legal daquela) Ana Cristina Lameira (vencida, conforme declaração que se segue) Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora (por vencimento) atesta que a Sr.ª Juíza Desembargadora Adjunta Sofia David tem voto de conformidade e que a Sr.ª Juíza Desembargadora Ana Cristina Lameira votou vencida, nos termos da declaração que se segue. Voto de vencido:
Salvo o devido respeito pelo entendimento que obteve vencimento, teria seguido outro caminho e solução. Desde logo, conheceria da ampliação do recurso formulada pelo Recorrido, em primeiro lugar, porquanto: Nas suas contra-alegações a Recorrente na 11ª Conclusão e seguintes desse articulado formulou o pedido de ampliação do objecto do recurso interposto pela Recorrida. O recurso ampliado tem assento na desacreditação dos pontos 4º a 7º da matéria de facto provada, que considera deverá ser como não provada, no ponto 3º que deve ser reformulado, e ainda ser aditada a matéria de facto constante da conclusão 12ª, de modo a afastar os pressupostos de facto da aplicação da sanção disciplinar prevista no artigo 112º, nºs 1, 3 e 4 do RDLPFP. A ampliação do objeto do recurso vem prevista no artigo 636.º do CPC e pressupõe que o tribunal de recurso possa conhecer do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação, ou seja trata-se de um pedido que só será apreciado em caso de procedência dos argumentos (de facto ou de direito) aduzidos no recurso pelo recorrente. Segundo o entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa difundido in CPC Anotado, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 324 e 325, em anotação ao artigo 633.º do CPC: «…8. Não deve, contudo, estabelecer-se qualquer confusão entre o recurso subordinado e a ampliação do objeto do recurso a que se reporta o art. 636º. No recurso subordinado, a parte é vencida quanto ao resultado da ação (ou seja, quanto a um pedido ou a um segmento do pedido), ao passo que nas situações reguladas no art. 636º releva a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido (ainda) no resultado final. 9. Assim, tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da ação ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objeto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente».. – (Vide ac. do TRL proferido em 07/02/2019 no processo 19391/15.2T8LSB.L1-2). Esta é a regra, apreciação do recurso independente, autónomo, até interposto em primeiro lugar precede naturalmente a do recurso ampliado, subsidiário, que só será conhecido após e em caso de procedência do primeiro. Acontece que, como salientado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 16.03.95, in Bol. n.º 445, p. 404; no mesmo sentido, ainda, Acórdão do STJ de 31.01.96, in Bol. n.º 453, p. 413; e mais recente o Acórdão do mesmo Colendo Tribunal de 22.11.2018, proc. n.º 1559/13.8 TBBRG.G1.S1, e na doutrina, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 425, esta “normal” ordem de conhecimento não tem valor absoluto, devendo ceder quando as circunstâncias imponham um diferente procedimento. Tanto mais que se o Tribunal ad quem acolhesse o recurso ampliado, o eventual resultado do recurso principal – confirmação da sanção aplicada por verificação dos pressupostos de facto e de direito de aplicação da pena – estaria em contradição e esvaziaria de fundamento de facto a decisão sobre o recurso independente. Assim sendo, impunha-se apreciar e decidir sobre o recurso relativo à matéria de facto provada e não provada, como a primeira decisão controvertida prolatada nos autos, ao qual negaria provimento, em virtude de os factos que pretende provar não se encontram documentados nem têm relevância para o litígio, e por outro não contraria a prova que conduziu à matéria de facto provada. Quanto ao recurso principal concederia provimento ao recurso, pelas razões que de seguida se expõem: Com efeito; A questão a resolver foi claramente identificada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4/6/2020, no Pº nº 154/19.2BCLSB, nos seguintes termos:
Prescreve o art.º 112.º, do RDLPFP, que tem como epígrafe: “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros”, nos seus nºs 1, 3 e 4 o seguinte: “1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC. A sanção aí prevista deriva do dever da Recorrida em “manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva” (artigo 19º, nº 1, do RDLPFP), sendo “ proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga, bem como das demais estruturas desportivas” (nº 2 do mesmo preceito legal). Sendo considerada “infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável” (art. 17º do RDFPFP). Da matéria de facto provada resulta que a Recorrida / Demandante na sua página oficial, e que não pode deixar de ser responsável e conivente com o seu conteúdo (vide nº 4 do citado artigo 112º do RDFPFP), partindo do que entendeu serem erros dos árbitros em questão e do VAR perfeitamente identificáveis, como resulta dos pontos 3º a 7º da matéria de facto, teceu juízos de valor pondo em causa a credibilidade, imparcialidade das pessoas em questão, usando expressões como “—sucedem-se erros sempre em benefício da mesma equipa e por equipas de arbitragem que estiveram ligadas na época anterior a muitos desses erros que deram pontos “ – facto 2º. Referindo, designadamente: “No momento em que se pode fazer o balanço das sete primeiras jornadas do campeonato da Primeira Liga, para além da melhoria da qualidade e competitividade da maioria das equipas, um outro dado voltou infelizmente a estar em destaque: a existência de diversos erros incompreensíveis, sempre a favorecer a mesma equipa. Decisões, nos jogos com V……, P….. e S….., tão evidentes e tão claras, que mais escandalosas se tornam quando se verifica que o próprio VAR conseguiu não ver o que toda a gente viu. Erros que valem pontos e erros que, a exemplo do ano passado, vêm das mesmas equipas de arbitragem que permitiram que o F….. fosse beneficiado em pelo menos dez pontos. E ainda, “Mas o pior ainda estava por vir... Fomos ontem confrontados com a informação de que o árbitro do encontro terá escrito no seu relatório ter sido atingido por uma moeda que lhe terá provocado um hematoma. Ora esse facto é de enorme gravidade. Porque, tal como as imagens podem comprovar, essa informação é falsa, até porque, pelo que se vê, nem sequer o árbitro foi atingido, nem em momento algum houve qualquer tipo de reação compatível com essa denúncia existente no relatório. Inventar supostas agressões com uma moeda de cinco cêntimos, causadoras de hematomas, envergonha uma classe em que existem excelentes profissionais que todos os fins de semana, em vários campos do País, têm de enfrentar, aí sim, por vezes momentos de enorme tensão. Importa que, de uma vez por todas, o Conselho de Arbitragem assuma as suas responsabilidades. A invasão do centro de treinos da Maia e as constantes ameaças e coação sobre árbitros e seus familiares levaram a que, no deve e haver, no final da época e em tempos de balanço, uma equipa seja sempre a beneficiada. Esta época, pensem bem, com quem aconteceram erros que, por unanimidade, se reconheceu serem difíceis de entender? E quem foi sempre beneficiado nessas situações?” – facto 3º do probatório.
Dos excertos supra transcritos é evidente que são lançadas suspeições sobre o trabalho daqueles árbitros e VAR em concreto tendo por base, segundo a Recorrida, factos futebolísticos. Acontece que tais factos que são em regra geradores de polémica, como seja a expulsão de jogador, mostrar o cartão amarelo, pénalti por marcar, etc. Basta atentar na quantidade de programas e de comentadores dos mais variados canais televisivosionais, de “análise e comentários” de jogos, obviamente com entendimentos diferentes. Partindo assim de alegados erros da equipa de arbitragem extrapolou para uma deliberada intençao desta em benefeciar uma equipa e correlativamente prejudicar as demais. Tanto mais fazendo crer como um “normal” e repetido compormento da equipa de arbitragem em mais de uma época. A ratio do artigo 19º do RDFPFP no que respeita aos deveres aí descritos , para além da defesa da honra e do bom nome dos visados, assegura ao mesmo tempo a protecção das competições desportivas e do fair play. Não está em causa, a liberdade de experessão e de opinião quanto a cada jogo em si, ou seja se deveria ou não ou ter sido marcado o penálti, que jogador deveria ter sido expulso, etc. que se situa sem dúvida na margem de liberdade de expressão em manifestar a sua opinião sobre o desempenho da equipa de arbitragem em determinado jogo. E que nos levou a concordar com o decidido em recente acórdão deste TCA Sul, de 01.10.2020, como ajunta, no Processo n.º 50/20.BCLSB, onde o contexto da newsletter, o seu conteúdo, a fase do campeonato inseriam-se no uso da liberdade de expressão do clube e sem colidir com os deveres inerentes aos artigos 19º e 112º do RDFPFP No caso em apreço discorda-se da posiçao que teve vemcimento pois que tendo por premissa tais “opiniões” seja usado um argumentário direcionado no sentido de que tais erros – que a Recorrida é livre de apontar – terem sido intencionais e motivados pelo favorecimento de um outro clube e sempre o mesmo. Em jogos em que nem o Recorrido fez parte. Donde, da matéria de facto dada por provada (1º e 2º) é evidente que o teor dos textos aí publicados na newsletter oficial do clube, é lesivo da reputação dos árbitros e VAR em questão, perfeitamente identificáveis, atentando directamente contra o seu bom nome e reputação, enquanto profissionais, além de criar um clima de suspeição sobre um dos agentes desportivos, a equipa de arbitragem, e assim “minando” o ambiente saudável e de fair play que deve coexistir nas competições desportivas Tanto mais que não foi apenas uma vez – vide pontos 1º e 2º do probatório. Efectivamente, esses textos, considerados na globalidade, não se limitam a apontar erros de apreciação ocorridos no jogo em causa, mas afirmam a parcialidade dos agentes desportivos em questão, realçando que tem por escopo o benefício sempre duma equipa em concreto Imputam-se-lhe, assim, uma actuação deliberada de erro com o objectivo de favorecer um clube em detrimento de outro, colocando em causa a sua idoneidade para o exercício das funções que desempenha. Concomitantemente criando um clima de suspeição e de descrédito dos resultados desportivos, prejudicais à competição e instigador de “represálias” pelo clube visado. Exactamente contrário aos deveres imanentes e inerentes às citadas normas do RDFPFP, e ainda do artigo 35º, nº 1, alínea h) do mesmo Regulamento. A Arguida não impediu a publicaçao nem manifestou, em momneto posterior qualquer repúdio ou discordância com o seu contéudo – facto 6º. Como se alude no Acórdão do STA no Acórdão de 04.06.2020 , no rec. nº154/19.2 BCLSB : “ Este Tribunal não tem dúvidas de que o texto publicado na edição n.º ….. do jornal eletrónico "……" é lesivo da reputação dos árbitros que arbitraram as partidas da primeira volta da Liga Portugal que nele são objeto de análise, nomeadamente quando nele se lança a suspeição de que os apontados erros de arbitragem prejudiciais à Recorrida foram cometidos com a intenção de beneficiar o seu clube rival. O texto não se limitou, pois, a apontar «erros de apreciação» aos árbitros, na medida em que afirma que os mesmos atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. Na verdade, ao afirmar que os árbitros não arbitraram aquelas partidas de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritos, o texto insinua que os mesmos foram corrompidos pelo clube rival, colocando assim deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação. Este Tribunal já se pronunciou no mesmo sentido que aqui é defendido, no seu Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, proferido no Processo n.º 066/18.7BCLSB, onde, numa situação análoga à dos autos, se afirmou, além do mais, que tais imputações «atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».
Admite o acórdão recorrido que “ A Demandante utiliza um tom duro . São declarações que podem ser consideradas contundentes, mas não são suficientes para justificar uma limitação à liberdade de expressão, que apenas deve operar excepcionalmente” Ou seja, o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, assentou a sua conclusão na liberdade de expressão e de informação garantida pelo artigo 37.º da Constituição. Ora, os textos publicados no jornal eletrónico da Recorrida, como vimos, não se limitaram a apontar erros de apreciação, ou de arbitragem, na medida em que acusou os árbitros de terem actuado com a intenção deliberada de errar e de favorecer o resultado em prol de uma determinada equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. E se é verdade que o direito a critica se inclui no exercício da liberdade de expressão consagrada no art.° 37.°, da CRP, como um direito fundamental, o certo é que não se está perante um direito absoluto, ilimitado, insusceptível de ser restringido, como se notou no citado Ac. citado do STA Supremo de 4/6/2020, onde se escreveu: “ Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.°1 do art.° 26º da Constituição. O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não e, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe a honra e reputação de todos aqueles que intervêm nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não esta em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube — cfr. art.° 112.º/4 do RDLPFP.” O respeito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e rectidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º da CRP. Como se extrai do voto de vencido exarado no acórdão recorrido, quando neste se refere que: “ o conteúdo das publicações / declarações em causa nos autos, têm relevância disciplinar, na medida em que, relativamente aos jogos ali aludidos, indiciam uma atuação dos elementos das equipas de arbitragem a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim, e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação, bem como o de quem os nomeou, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da própria competição desportiva” . Por outro lado, não é inócua a forma como a “mensagem” foi divulgada, ou seja através da página electrónica da Recorrida/ Demandante. Como nos elucidam Domingos Farinho e Rui Lanceiro, in “Liberdade de Expressão na Internet”, in Paulo Pinto de Albuquerque (org) Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Vol. II, Novembro 2019, Universidade Católica Editora, pp.1700-1739 [1713]; “ Graças ao modo como o espaço e o tempo se configuram na rede, pode falar-se a propósito da liberdade de expressão, de um efeito jurídico exponenciador. Assim, a Internet, e em especial a expressão e experiência dos conteúdos aí presentes, tem um efeito mediador sobre o modo como percebemos o espaço e o tempo, que leva a que os conteúdos da expressão humana perdurem num espaço que é sempre potencialmente mais extenso do que o espaço físico (….) O efeito exponenciador para que aqui alertamos pode ser entendido no domínio jurídico, como um desafio a uma reponderação permanente e contínua dos elementos fundamentais da liberdade de expressão exercida na Internet e em face de outros direitose interesses relevantes. Este aspecto é patente na jurisprudência do TEDH ..” que desenvolveram os autores naquele artigo, citando v.g. Acórdão de 16.06.2015 proferido no caso o Delfi AS c. Estónia , Pº 64569/09 TEDH, 16 de junho de 2015, e a jurisprudência citada no § 110, no sentido da ponderação de direitos e reprimir divulgações difamatórias. Não se pode, pois, permitir que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e divulguem textos que ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, criando ou contribuindo para um clima de suspeição e de desconfiança sobre o regular desenvolvimento do campeonato. O direito à liberdade de expressão encontra-se reconhecido no artigo 10º, nº 1 da CEDH, mas não é absoluto admitindo o nº 2 restrições ou sanções, como tem sido decidido pelo TEDH, para melhor desenvolvimento vide autores citados, v.g. pp 1703-1708. Sendo certo que, como se alude em recente Acórdão do STA de 10.9.2020, Rec. 38/19: “… Com efeito, estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas. Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar. No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social». E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga». Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes. Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia. (…) Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere: «Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa». Em recente acórdão deste TCA SUL proferido no Proc. nº 62/20.4BCLSB, em 24.09.2020, foi também este o entendimento (não publicado). Tudo sopesado, teria concedido provimento ao presente recurso com a consequente revogação do acórdão do TAD recorrido, mantendo a sanção disciplinar acabada de identificar.
Lisboa, 15 de Outubro de 2020 |