Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:51/13.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IVA; LIQUIDAÇÃO OFICIOSA; FALTA DE DECLARAÇÃO DE CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE; INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÕES TRIBUTÁVEIS
Sumário:I- Perante a falta de apresentação da declaração de cessação de actividade e na falta de entrega das declarações periódicas, a Administração Tributária está legitimada a emitir as liquidações oficiosas nos termos do art. 83º do CIVA.
II- Contudo sendo feita a prova de que não há actividade, nem operações tributáveis, não há IVA a liquidar e a entregar ao Estado, devendo as liquidações oficiosas ser anuladas.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por V. N. C., S. M. P. e J. A. C. F. referente às liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios dos anos de 2000 e 2001 no montante total de € 2.992,80.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:
1.ª
Em causa, nos presentes autos, está a impugnação judicial das liquidações oficiosas de IVA, efectuadas, nos termos do disposto no art. 83° do CIVA, ao sujeito passivo P. Lda, referentes aos anos de 2000 e 2001 no montante de 1 496,40€, respectivamente.
2.ª
Sendo que, no entendimento da douta Sentença, as liquidações, ora em crise, não podem manter-se na ordem jurídica, por, designadamente, não se verificar o pressuposto do imposto.
3.ª
Isto não obstante reconhecer que, “De facto, a não apresentação das declarações, ainda que por um período consecutivo de dois anos, não pode nem deve ser suficiente para demonstrar a cessação da actividade, tal como esta se encontra definida no artigo 34.º, n.º 1 do CIVA”
4.º
Porém, com o devido respeito que é muito, entende a recorrente que não se decidiu, sem quebra do merecido respeito, de forma acertada, como se tentará demonstrar, desde logo, e designadamente, porque o depoimento de uma, de duas testemunhas inquiridas, logrou convencer o tribunal do encerramento do estabelecimento, o que naturalmente conduziu ao erro na aplicação do direito aos factos, no que respeita para julgar a impugnação procedente.
5.ª
A sociedade P., LDA, encontrava-se enquadrada, para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado, no Regime Normal com Periodicidade Trimestral.
6.º
E, em 31-12-2001, foi pela Administração Tributária, nos termos do n.º 2, do art. 33.º (actual art. 34.º) do Código do IVA, declarada a sua cessação oficiosa, por não ter efectuado a entrega das declarações periódicas correspondentes aos exercícios de 2000 e 2001, foram, nos termos do art. 83.º (actualmente art. 88.º) do CIVA, emitidas as respectivas liquidações oficiosas, no total de € 2.992,80.
7.º
Não tendo a sociedade P., LDA, procedido ao seu pagamento no prazo legalmente previsto de 90 dias, nem ao envio das respectivas declarações periódicas, conforme estabelecido na alínea a) do n.º 4, do citado artigo, foi extraída a certidão de dívida, nos termos do art. 88.º, do CPPT, para efeitos de instauração do procedimento de execução fiscal.
8.º
E perante a insuficiência de património para satisfação da dívida, foi, nos termos do art. 160.º, do CPPT, efectuada a citação por reversão dos seus sócios gerentes, ora recorrentes, na qualidade de responsáveis subsidiários.
9.º
Por sua vez, os ora impugnantes, vieram alegar, no seu essencial, que a sociedade devedora originária cessou a sua actividade após Dezembro de 1997 e que, atendendo a este facto, o Serviço de Finanças deveria ter presumido que aquela empresa tinha cessado a sua actividade, devendo pois em concomitância, ter cessado oficiosamente a sua actividade, por imposição do n.º 2, do art. 33.º (actual art. 34.º), do CIVA.
10.º
Reiterando que, de acordo com o teor do Ofício-Circulado n.º 90008 de 9-02-2007, "as liquidações oficiosas que fossem posteriores à data de cessação de actividade, ainda que esta fosse entregue mais tarde com efeitos retroactivos, deveriam ser objecto de anulação."
11.º
Ora, sobre a cessação de actividade, dispõe o n.º 1, do artigo 34.º, do CIVA, conforme se passa a citar, "considera-se verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de 2 anos consecutivos, caso em que se presumirão transmitidos, nos termos da alínea f) do n.º 3 , do artigo 3.º, os bens a essa data existentes no activo da empresa;
b) Se esgote o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;
c) Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afectos ao exercício da actividade;
d) Se dê transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.".
Acresce o seu n.º 2, que: "Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há intenção de a continuar a exercer.” Sublinhado, nosso.
12.º
Como resulta claramente da apreciação interpretativa dos anteriores normativos legais, não assiste razão aos recorrentes ao sustentarem que a Administração Tributária, nas condições em apreço, se encontrava subordinada ao dever de declarar oficiosamente a cessação de actividade da devedora originária – P., Lda.
13.º
Com efeito, atento o disposto no artigo 33.º do CIVA, é ao contribuinte que incumbe a obrigação de entrega da declaração de cessação, no prazo de 30 dias subsequentes à verificação de qualquer das condições elencadas no n.º 1 do art. 34.º do CIVA.
14.º
Como antedito, a Administração Tributária, nos termos do n.º 2 do citado artigo, pode declarar a cessação da actividade, caso esteja na posse de informação clara e inequívoca de que esta não está a ser exercida.
15.º
Porém, a verdade é que não se está perante uma norma de natureza imperativa, mas, ao invés, de carácter facultativo e condicional. Além do mais, o simples facto da não apresentação de qualquer das declarações a que estava obrigada, ainda que por um período consecutivo de dois anos, não pode nem deve ser suficiente para demonstrar a cessação de actividade, tal como esta se encontra definida no aludido n.º 1 do art. 34.º, do CIVA.
16.º
Acresce, ainda, que o conceito utilizado pelo legislador para definir a cessação do exercício de actividade para efeitos de IVA, não se basta, com a não realização de actos de comércio e indústria, antes se exigindo que, a mesma, corresponda à total suspensão da prática de actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de 2 anos consecutivos.
17.º
Situação que, a acontecer, abrange a transmissão de todos os bens que constituem o imobilizado e as existências.
18.º
Sendo, também, este o entendimento jurisprudencial que vem sendo seguido, como é o caso, por exemplo, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo n.º 07381/02, de 04-10-2005, do Tribunal Central Administrativo do Sul, invocado na douta Petição Inicial (PI – 24.º), ao decidir que o conceito de cessação de actividade definido no art. 34.º, do CIVA, não equivale apenas à prática continuada de realização de actos de comércio e indústria "consistindo antes na total suspensão da prática de actos relacionados com a actividade determinante da tributação durante um período de dois anos o que, a acontecer, implica a transmissão da eventual existência de produtos...”. – Destacado, nosso.
19.º
Acrescendo, ainda, conforme Informação da Direcção de Serviços de Reembolso do IVA (DSR/IVA), de fls. 60/65, do apenso, no intento de avaliar tais factos definidores do conceito de cessação de actividade, a Administração Tributária (AT) notificou os, ora Impugnantes, no sentido da "apresentação dos elementos contabilísticos da empresa P., Lda, que provem que esta não exerceu actividade desde Dez. de 1997".
20.º
Não tendo os mesmos procedido à sua exibição, em virtude de, segundo referiram, não se encontrarem na posse de quaisquer elementos ou documentos contabilísticos.
21.ª
A este propósito, como decorre da aludida Informação da (DSR-IVA), salienta-se que, ainda que a sociedade P., Lda, tivesse iniciado o procedimento de liquidação do património - situação que se desconhece, pois, não foi junto ao processo cópia de qualquer documento alusivo à sua situação de inviabilidade económica, por exemplo a declaração de falência - ainda assim, não deixava de manter, nos termos do n.º 2, do art. 146.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a sua personalidade jurídica e tributária, tal como definida no artigo 15.º, da LGT.
22.º
Logo, configurando-se num sujeito passivo, quer para efeitos de IVA, na acepção da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º, do CIVA, pelo menos até se verificar qualquer uma das condições elencadas no n.º 1, do art. 34.º, do CIVA, quer em sede de IRC, uma vez que a cessação só ocorre na data de encerramento da liquidação, conforme dispõe a alínea a), do n.º 5, do art. 8.º, do CIRC.
23.º
Consequentemente, continuava a estar sujeita ao cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como decorre, aliás, do art. 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais – “A sociedade considera-se extinta (…) pelo registo do encerramento da liquidação.”
24.º
Na verdade, ainda que a sociedade seja declarada judicialmente em estado de falência, só se poderá considerar extinta após o registo de encerramento da liquidação, mantendo, até lá, a personalidade jurídica, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual de liquldação, as disposições legais que regem as sociedades não dissolvidas.
25.º
Assim, uma sociedade inactiva (sem actividade), que não tenha ainda sido liquidada, continua a ter existência jurídica e as consequentes obrigações fiscais, nomeadamente de manutenção da contabilidade organizada, conforme a Lei comercial e Fiscal, à luz do art. 115.º, do CIRC, e declarativas, seja, para efeitos de IRC, seja, em sede de IVA, até que se verifique qualquer das condições elencadas no art. 34.º, do respectivo Código.
26.º
Não se compreendendo, assim, a não exibição dos elementos solicitados, desde logo, porque constituíam um importante instrumento para a definição, com rigor, do momento de cessação de actividade em IVA, tal como esta se encontra prevista no sobredito artivo 34.º, do CIVA, razão pela qual, não tendo, os ora Impugnantes, agido de conformidade com o disposto na alínea a), do n.º 4, do art. 88.º, do CIVA. Isto é, apresentando as declarações periódicas em falta, no prazo de 90 dias contados a partir da data da sua notificação.
27.º
E não tendo sido o caso, por um lado e, por outro, considerando a insuficiência de elementos, a não entrega das declarações, ainda que, por um período consecutivo de dois anos, não é significativa de que a actividade não está a ser exercida e nem existe intenção de a continuar.
28.º
Ficando assim afastada, ao invés do aludido na douta sentença, toda e qualquer inobservância, na sua globalidade, aos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, bem com ao estatuído nos artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e 55.º, da Lei Geral Tributária.
29.º
Consequentemente, com o devido respeito, que é muito, também não é possível comprovar que a cessação de actividade se reporte a 31-12-1997, como pretendem, os ora impugnantes, na declaração de cessação entregue em 12-08-2008, a qual, por sua vez, também não se apresenta devidamente fundamentada.
30.º
Neste quadro, e perante o que procedentemente resulta expendido, a pretensão dos ora Impugnantes, não pode ser atendida, devendo aos mesmos ser exigido o pagamento da dívida exequenda decorrente das liquidações oficiosas de IVA, emitidas em nome da devedora originária P., Lda., acima discriminadas.
31.º
Do mesmo modo que a douta Sentença, ora recorrida, também não se pode manter na ordem jurídica, antes devendo ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.
32.º
Assim, ao decidir no sentido em que o fez, a douta Sentença violou (i) os artigos 23.º, 24.º, 74.º e 75.º da LGT; (ii) os artigos 33.º, 34.º e 88.º, n.º 4, alínea a), do CIVA; (iii) o artigo 8.º do CIRC e (iv) o artigo 160.º, n.º 2, do CSC, “ex-vi”alínea a), artigo 2.º, do CPPT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.”.

* *
Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado procedente a impugnação judicial relativa às liquidações de IVA de 2000 e 2001.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos constantes dos autos, tudo se dando por integralmente reproduzido:

A) A 16.02.1995 foi constituída a sociedade “P., Lda” tendo sido designados gerentes os sócios V. N. C., S. M. P. e J. A. C. F. (cf. cópia não certificada da certidão permanente constante a fls. 8/10 do processo administrativo em apenso).

B) A declaração de cessação de actividade da sociedade identificada na alínea que antecede foi entregue a 13.08.2008, nela se indicando como data de cessação 31.12.1997 (cf. fls. 8/9 do processo de reclamação graciosa em apenso).

C) A sociedade “P., Lda” não apresentou as declarações periódicas de IVA referentes aos anos de 2000 e 2001 (facto não controvertido; facto assumido no direito de audição; facto que se extrai das petições da reclamação graciosa e de recurso hierárquico em apenso).

D) Atenta a falta de apresentação das declarações de IVA referidas na alínea antecedente, foram emitidas contra a sociedade “P.- Lda”, as seguintes liquidações oficiosas de IVA:
N.º Liquidação Data Período Valor
03163907 01.06.03 2001 1.496,40
02109357 02.03.02 2000 1.496,40
(cf. quadro resumo a fls. 60/verso do processo de reclamação graciosa em apenso).

E) Foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, o processo de execução fiscal nº2240200301533690 e apensos, contra a sociedade “P., Lda”, respeitante a IVA e IRC dos anos de 2000 e 2001 e coimas, no valor de €12.996,50 (cf. fls. 20 do PAT apenso).

F) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Sesimbra, datado de 16.06.2008, foi decretada a reversão do processo de execução fiscal identificado na alínea que antecede, onde se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…)
Os contribuintes J. A. C. P. níf 10.., S. M. P., nif 15.. e V. N. C., nif 17.., no exercício do direito de audição que antecede a reversão contra os responsáveis subsidiários, vêem alegar que a devedora originária não exerce qualquer actividade desde 1997, pelo que deveria ser declarada oficiosamente a cessação da actividade e promovida a extinção da sociedade, procurando assim, por em causa as liquidações que estiveram na origem das dívidas objecto do procedimento de reversão, e alega ainda já ter decorrido o prazo de prescrição, contado nenhum dos contribuintes põe causa a sua responsabilidade subsidiária.
Não cabe no processo executivo e muito menos nesta fase processual, que antecede a reversão, discutir a liquidação dos tributos que estão na origem das dívidas em causa.
Quanto ao prazo de prescrição, analisadas todas as dívidas, objecto da reversão, verifica-se não ter decorrido ainda o prazo de prescrição previsto nos art.° 34.° do RGIT e art.° 48.° da LGT tendo em conta a interrupção prevista no art.° 49.° da LGT.
Assim e tendo em conta o referido anteriormente, prossiga-se com a reversão pelas dividas constantes da presente execução no valor de 12.966,50 €, contra:
J. A. C. P. – 10..
S. M. P. -15..
V. N. C. – 17..
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do art. 160° do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu com dispensa de pagamento de juros de mora e custas (n ° 5 do Art° 23.° da LGT).
FUNDAMENTAÇÃO: Inexistência de bens penhoráveis em nome do devedor originário – P. Lda, Nif 50..
(...)” cf. fls. 47 do processo administrativo em apenso.

G) Por ofício nºs 3288, 3289 e 3290 2288, ambos datados de 7.07.2008 do Serviço de Finanças de Sesimbra, dirigidos aos Impugnantes, remetidos via correio postal registado com aviso de receção, foram os Impugnantes citados do despacho de reversão referido na alínea antecedente e da reversão de dívidas no valor global de €12.966,50 (cf. citação e talão de expedição postal com AR junto ao PAT apenso a fls. 48 a 51 do PAT apenso).

H) Em 08.09.2009, os Impugnantes deduziram reclamação graciosa alegando no essencial que cessaram a actividade em 31.12.1997 e consequentemente, as liquidações
posteriores a essa data, não são devidas. Mais referiram que nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do CIVA e artigo 8.º do CIRC, a Administração Tributária deveria ter cessado oficiosamente a sociedade (cf. fls. 3 a 6 do processo de reclamação graciosa em apenso).

I) A 28.05.2009, foi elaborada informação instrutora relativamente à reclamação graciosa referida na alínea antecedente, pela Técnica de Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, da qual se extrata na parte que para os autos releva o seguinte:
“(…)
Correndo termos no S.F. de Sesimbra, o processo executivo n° 224020031533690, por dívidas diversas entre as quais as reclamadas no presente procedimento, já antes identificadas, em que era devedora originária a sociedade P. LDA, foram os reclamantes citados da reversão da dívida para seu nome, dado serem sócios-gerentes da empresa.
O ALEGADO
Os reclamantes alegam ter cessado a actividade em 1997/12/31, e sendo as liquidações posteriores a esta data, não são devidas.
Alegam ainda que nos termos do disposto no art. 33 n° 2 do CIVA e art. 8º do CIRC a Administração Fiscal deveria ter cessado a sociedade oficiosamente.
PARECER
A devedora originária do IVA reclamado adquiriu nos anos de 95 e 97 imobilizado da qual deduziu IVA no montante de 5.858,65€, conforme consta das declarações periódicas enviadas (anexam-se prints), o que corresponde a compras no valor de 34.462,65€.
Em 31 de Dezembro de 1997, possuía imobilizado ainda não amortizado, uma vez que apenas tinha efectuado amortizações em 2 exercícios.
Possuindo imobilizado a sociedade não podia cessar a sua actividade uma vez que o n° 1 alíneas a) e b) do art. 33° do CIVA impõem que se esgote o activo, e embora o serviços possam presumir a transmissão do imobilizado e proceder oficiosamente à cessação isso é um direito e não uma obrigação da Administração Fiscal.
Deve também atender-se ao facto de se tratar de uma sociedade cuja actividade só cessa com a dissolução nos termos do n° 5 do art. 8º do CIRC.
A declaração de cessação foi entregue em 2008/08/13, referindo como data de cessação 1997/12/31, O oficio 90008 de 2007/02/09, veio permitir que a cessação possa ser efectuada com efeitos retroactivos, porém exige a confirmação, e um dos requisitos para essa confirmação é, como já se referiu, o esgotamento do activo.
Atendendo aos factos e seu enquadramento legal, e dado que a sociedade não possui contabilidade que permita aferir do cumprimento dos requisitos, apenas se considera cessada da data da dissolução administrativa que ocorreu em 2008/12/29 (anexo 2).
Face ao exposto propõem-se o indeferimento do pedido (...)” cf. fls. 13/16 do processo administrativo em apenso.

J) A 3.06.2009, foi proferido despacho de concordância pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal relativamente à informação referida na alínea antecedente (cf. fls. 13 do processo de reclamação graciosa em apenso).

K) De ofício nº 17769, datado de 02.06.2009, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, dirigido aos impugnantes, remetido via correio postal registado, estes tomaram conhecimento do projeto de despacho de indeferimento referido na alínea antecedente (cf. ofício a fls. 23/24 do processo de reclamação graciosa em apenso).

L) Na sequência da notificação do projeto de despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa, os impugnantes exerceram o direito de audição a 17.06.2009 (cf. fls. 27/34 do processo de reclamação graciosa em apenso).

M) A 26.06.009, foi proferida informação complementar pela Técnica de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal que sustentou a manutenção do projeto de indeferimento expresso da reclamação graciosa dela se extratando, na parte que para os autos releva, o seguinte:
“(…)
A reclamante, antes identificada, foi notificada, pelo ofício n° 17 769 (fls 36) do PROJECTO DE DECISÃO do presente processo de reclamação graciosa para exercer o direito de audição, consignado no disposto no art. 60° n° a alínea b) da LGT.
O reclamante veio exercer o direito de audição alegando em síntese que:
• Deveria ter sido a Administração tributária a presumir a cessação e a transmissão do Imobilizado
• A transmissão do imobilizado foi feita pelo Senhorio.
Como já foi referido no projecto de decisão a cessação oficiosa e a presunção de transmissão do imobilizado é um direito e não uma obrigação da Administração Fiscal
A venda do Imobilizado estava sujeita à liquidação de IVA, e o facto de ter sido um terceiro a proceder a essa venda não desresponsabiliza a empresa e os seus representantes de darem cumprimento ao disposto na lei.
Assim porque não são apresentados factos susceptíveis de alterar o projecto de decisão indefere-se o pedido, conforme proposto anteriormente
(...)” cf. fls. 43 do processo de reclamação graciosa em apenso.

N) A 29.06.2009, foi proferido despacho de concordância pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal relativamente à informação referida na alínea antecedente (cf. fls. 42 do processo de reclamação graciosa em apenso.)

O) De ofício nº 4406, do Serviço de Finanças de Sesimbra, dirigido ao mandatário dos impugnantes foram estes notificados do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa, tendo interposto, em 22.07.2009, recurso hierárquico peticionando a anulação dos ato de liquidação identificados em D) (cf. fls. 47 a 56 do processo de reclamação graciosa em apenso

P) Em 25.09.2009, foi prolatada informação pela Direcção de Serviços do IVA – Divisão de Administração II, no âmbito do recurso hierárquico referido na alínea antecedente, propondo o seu indeferimento e do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…)
Entendem os recorrentes que não pode subsistir a dívida, da qual foram citados por reversão, nos termos do art. 160.° do CPPT, decorrente das liquidações oficiosas de IVA, em nome da devedora originária, e posteriores ao último exercício em que se registaram actos relacionados com a sua actividade (1997), sustentando que a Administração Tributária, ao não ter procedido à cessação oficiosa de actividade e presumido a transmissão do imobilizado detido a essa data, como lhe competia, violou a norma prevista na al. a) do n.° 1 do art. 34.° do CIVA.
Atentos aos argumentos controvertidos pelos recorrentes, importa efectuar a sua análise, a fim de aferir se procedem os fundamentos invocados.
O art. 33.° do CIVA, inserido no Capítulo V - Secção III, com a epígrafe de “Outras Obrigações dos Contribuintes", determina que, e passa-se a citar: "No caso de cessação de actividade, deve o sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da data de cessação, entregar a respectiva declaração na repartição de finanças competente." (sublinhado nosso).
(…)
Como resulta claramente da apreciação interpretativa dos anteriores normativos legais, não assiste razão aos recorrentes ao sustentarem que a Administração Tributária, nas condições em apreço, se encontrava subordinada ao dever de declarar oficiosamente a cessação de actividade da devedora originária (P., Lda.).
Com efeito, é ao contribuinte que incumbe a obrigação de entrega da declaração de cessação, no prazo de 30 subsequentes à verificação de qualquer das condições elencadas no n.° 1 do art. 34.° do CIVA. Porém, a Administração Tributária, nos termos do n.° 2 do citado artigo, pode declarar a cessação da actividade, caso esteja na posse de informação clara e inequívoca de que esta não está a ser exercida. Note-se, que se trata de uma norma de natureza não imperativa, mas antes de carácter facultativo e condicional.
Ora, como facilmente se compreende, o simples facto de não apresentação de qualquer das declarações a que estava obrigada, ainda que por um período consecutivo de dois anos, não pode nem deve ser suficiente para demonstrar a cessação de actividade, tal como esta se encontra definida no n.° 1 do art. 34.° do CIVA.
Aliás, o conceito utilizado pelo legislador para definir a cessação do exercício de actividade para efeitos de IVA, não se basta, com a não realização de actos de comércio e indústria, exigindo que a mesma corresponda à total suspensão “da prática de actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de 2 anos consecutivos", o que a acontecer, abrange a transmissão de todos os bens que constituem o imobilizado e as existências.
(…)
No intento de avaliar tais factos definidores do conceito de cessação de actividade, a Administração Tributária notificou os ora recorrentes no sentido de "apresentação dos elementos contabilísticos da empresa P., Lda, que provem que esta não exerceu actividade desde Dez. de 1997”, não tendo os mesmos procedido à sua exibição, em virtude de, segundo referem, não se encontrarem na posse de quaisquer elementos ou documentos contabilísticos.
A este propósito, salienta-se que, mesmo que a sociedade P., Lda, tivesse iniciado o procedimento de liquidação do património, ainda assim, mantinha, nos termos do nº 2 do art. 146.° do Código das Sociedades Comerciais, a sua personalidade jurídica, e tributária, tal como vem definida no art. 15.° da LGT, configurando-se num sujeito passivo, quer para efeitos de IVA, na acepção da al. a) do n.° 1 do art. 2.° do CIVA, pelo menos até se verificar qualquer uma das condições elencadas no nº 1 do art. 34.° do referido Código, quer em sede de IRC, pois que a cessação só ocorre na data de encerramento da liquidação, conforme dispõe a al. a) do o n.° 5 do art. 8.° do CIRC.
Deste modo, continuava a estar sujeita ao cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, não se compreendendo, assim, a não exibição dos elementos solicitados, mesmo porque, constituíam um importante instrumento para a definição com rigor do momento de cessação de actividade em IVA, tal como esta se encontra prevista no art. 34.° do respectivo Código.
Pelo que, na falta de informação clara e inequívoca, que permitisse assegurar que a sociedade P., Lda., cessou a sua actividade em momento anterior a 31.12.2001, mantêm-se, as liquidações oficiosas de IVA alusivas aos anos de 2000 e 2001, legítimas e exigíveis pelos responsáveis subsidiários, ora recorrentes, por via de reversão da execução fiscal, nos termos dos artigos 23,° e 24.°, ambos, da LGT.
Note-se que as mesmas, apenas não produziam os seus efeitos jurídico-tributários, se os recorrentes tivessem agido de conformidade com o disposto na al. a) do n.° 4 do art. 88° do CIVA, ou seja, apresentando as declarações periódicas em falta, no prazo de 90 dias contados a partir da data da sua notificação.
Não tendo sido este o caso, e considerando a insuficiência de elementos, pois, como facilmente se compreende, a não entrega das declarações, ainda que, por um período consecutivo de dois anos, não é significativa de que a actividade não está a ser exercida e nem existe intenção de a continuar, não é possível comprovar que a cessação de actividade se reporte à data de 31,12.1997, como pretendem os recorrentes na declaração de cessação entregue em12.08.2008, a qual, por sua vez, não se apresenta devidamente fundamentada.
5.3 DIREITO DE AUDIÇÃO
No âmbito do princípio de participação previsto no art 60.° da LGT, os recorrentes exerceram o direito de audição prévia em 24.06.09, sobre o projecto de decisão do procedimento de reclamação graciosa.
(…)
6. CONCLUSÃO
Em conformidade com o anteriormente exposto, propõe-se, não ser de atender a pretensão dos recorrentes, devendo aos mesmos ser exigido o pagamento da dívida exequenda decorrente das liquidações oficiosas de IVA, emitidas em nome da devedora originária P., Lda., discriminadas no quadro inserido na folha n.° 3 da presente informação, com dispensa de audição prévia.
(...)” cf. fls. 60/65 do processo de reclamação graciosa em apenso.

Q) A 18.12.2009, foi proferido despacho de concordância com a informação referida na alínea antecedente, pelo Subdirector-geral (por subdelegação), com o seguinte teor: “Concordo. Indefiro” (cf. fls. 59/verso do processo de reclamação graciosa em apenso).

Encontra-se ainda provado que:

R) A partir de dezembro de 1997, a sociedade identificada em A) deixou de exercer qualquer actividade, encontrando-se o estabelecimento encerrado a partir daquela data (cf. depoimento da testemunha A. M. D. S.).

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Inexistem quaisquer outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.

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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto quanto às alíneas A) a Q) efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, e do respetivo processo administrativo tributário (reclamação graciosa e recurso hierárquico), tudo conforme referido a propósito em cada uma das alíneas do probatório.
No que respeita à alínea R), foi valorado o depoimento de A. M. D. S. que, por ter trabalhado no estabelecimento “P.” entre 1996 e 1997, teve conhecimento directo sobre esse facto e depôs de forma isenta e escorreita. Peremptoriamente afirmou que, depois da época do Natal de 1997 o estabelecimento deixou de ter qualquer actividade, tendo o mesmo encerrado a partir dessa data. Mais afirmou que o estabelecimento foi encerrado pelo senhorio mas não sabe o motivo e que a partir dessa data todos os trabalhadores foram dispensados.
O depoimento da testemunha inquirida foi espontâneo, credível e consistente, tendo – juntamente com a prova referida nas alíneas B) e C) dos factos provados – contribuído para formar a convicção do Tribunal quanto à inexistência de actividade da sociedade em causa nos autos, a partir de dezembro de 1997.
Relativamente ao depoimento da testemunha S. I. N. T., o mesmo revelou-se incongruente, pouco claro e inseguro. Recordou-se de factos cruciais para o presente processo como o de “o café fechou no final de 1997 (…) por ser uma data que me ficou”, sem conseguir apontar qualquer circunstância fáctica, nem qualquer materialidade, porém, apesar de afirmar que foi frequentadora diária do café, não se lembrava das máquinas de jogo que o estabelecimento tinha e que mais facilmente se podia lembrar, dada a sua maior generalidade. Todas as hesitações e memória selectiva da testemunha, não permitiu ao Tribunal valorar o seu testemunho.”.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Os Recorridos deduziram impugnação judicial contra as liquidações oficiosas de IVA dos anos de 2000 e 2001 no montante total de € 2.992,80 alegando em síntese que a sociedade “P., Lda., deixou de exercer qualquer actividade desde Dezembro de 1997 e que a administração tributária tem a obrigação de cessar oficiosamente a actividade da sociedade para efeitos de IVA nos termos do nº 2 do anterior artigo 33º (actual art. 34º) do CIVA.

A impugnação judicial foi julgada procedente tendo o tribunal a quo entendido que, “(…) compete à Direção de Serviços de Cobrança do IVA proceder, nos termos do artigo 83.º do CIVA, à liquidação oficiosa do imposto, nos casos em que se detete que as declarações periódicas não foram apresentadas pelos sujeitos passivos obrigados à sua apresentação.
Sendo que, o cálculo dessa liquidação oficiosa é feito automaticamente com base nos elementos que a Administração Tributária disponha (volume de negócios do sujeito passivo faltoso ou na rentabilidade fiscal média encontrada para o respetivo setor da atividade).
Significa, assim, que não tendo a sociedade responsável originária procedido à entrega das competentes declarações periódicas de IVA (alínea C) da factualidade assente), estava a Administração Tributária legitimada a emitir os competentes atos de liquidação oficiosa.
Porém, se é certo que a Administração Tributária atuou com respeito pelo princípio da legalidade, tal não obsta a que os Impugnantes possam vir aos autos provar que o montante apurado oficiosamente pela Administração Tributária não tem fundamento legal, por inexistência do facto tributário.
Dito de outro modo, tendo as liquidações dos autos por fundamento uma base tributável apurada de acordo com o artigo 83.º do CIVA, compete aos Impugnantes provar, de acordo com as regras do ónus da prova, que essa base tributável e o respetivo apuramento do IVA não corresponde à realidade.
Neste sentido, importa chamar à colação o disposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 18.05.2004, proferido no processo 01355/03, o qual refere:
“(…) efetuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e demonstrando que in casu não existiu facto tributário ou se verificou excesso de liquidação.”( sublinhado nosso).
Mais doutrinando o Supremo Tribunal Administrativo no Aresto proferido a 8.04.2015, no processo nº 01920/13, quanto à impugnabilidade das liquidações oficiosa de IVA que:
“I - A condição de impugnabilidade prevista no n.º 2 do art. 97.º do CIVA [à data da prática dos factos tributários 90.º, nº2, do CIVA] apenas faz sentido quando a discordância do sujeito passivo com a liquidação oficiosa se refira ao quantum da obrigação tributária, uma vez que o art. 88.º do CIVA lhe concede um meio administrativo simples e expedito de eliminar essa liquidação oficiosa da ordem jurídica, procedendo à entrega da declaração em falta (denominada, expressivamente, de substituição), mas já não quando o fundamento da impugnação se refira ao próprio an da obrigação tributária.” (Vide no mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 02.07.2014, proferido no recurso nº 1074/13).
Assim, a ausência de factos tributários inerentes à liquidação fazem com que esta careça de fundamento. Efectivamente, inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e a consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto (cf. disposto no artigo 1.º do CIRC), sendo o mesmo raciocínio aplicável em sede de IVA (veja-se como decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.11.2010, proferido no processo n.º 609/10).
Tecidos os considerandos de direito que relevam para o caso dos autos, vejamos, então, se os impugnantes provaram os factos que alegam (cf. artigo 74.º, nº1, da LGT), in casu, que a empresa a partir de final do ano de 1997 não teve qualquer atividade, e nessa medida, inexiste facto tributário que legitime a emissão das correspondentes liquidações oficiosas.
E a resposta é positiva.
De facto, conforme resulta da matéria de facto assente, a sociedade em causa, não exerceu qualquer actividade a partir do final de dezembro de 1997 (cf. resulta da alínea R) do probatório), não tendo prestado qualquer serviço, nem efectuado qualquer venda.
Neste desiderato, e estando provado, como já se referiu, que a partir daquela data, a sociedade “P.”, não desenvolveu qualquer actividade comercial, nem ocorreram operações abrangidas pelas regras de incidência constantes do artigo 1.º do Código do IVA, é quanto basta para que se verifique a falta de um pressuposto essencial.
Com efeito, os Impugnantes cumpriram o ónus probatório a que estavam investidos, in casu, provaram que a matéria colectável considerada para efeitos de emissão dos actos de liquidação oficiosa, não corresponde à verdade, visto que a empresa nunca laborou naquele período, não tendo efectuado quaisquer compras nem vendas, nem suportado qualquer custo relacionado com a actividade.
Neste conspecto, a inexistência de facto tributário em resultado do sujeito passivo “P.” não ter efectuado qualquer transacção ou actividade comercial passível de gerar e tornar exigível imposto nos termos do artigo 7.º do Código do IVA e não tendo praticado nenhum outro facto tributário nos anos de 2000 e 2001, é suficiente para que se proceda à anulação das liquidações oficiosas de IVA, ora impugnadas, por as mesmas enfermarem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto.
Uma última nota quanto ao facto da Administração Tributária não ter procedido à cessação oficiosa da actividade nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do CIVA.
Ora, nesta parte não têm os impugnantes razão.
Efectivamente, a declaração oficiosa de cessação de actividade, estruturada ao abrigo do disposto no artigo 33.º, nº.2, do CIVA (equivalente ao artigo 34.º, nº.2, do CIVA, após a renumeração operada neste código pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20/6), somente se pode verificar quando fosse manifesto que a actividade não estava a ser exercida, nem existia intenção de a continuar a exercer, sendo que, o carácter manifesto deve resultar de elementos de facto objectivos dos quais seja evidente que os requisitos indicados se encontram preenchidos, o que não resultava dos autos, nomeadamente que a sociedade “P.” cessou a sua actividade em momento anterior a 31.12.2001.
De facto, a não apresentação das declarações, ainda que por um período consecutivo de dois anos, não pode nem deve ser suficiente para demonstrar a cessação da actividade, tal como esta se encontra definida no artigo 34.º, n.º 1 do CIVA.
Além do até aqui exposto, também não podemos deixar de ter em consideração que a Administração Tributária tem que observar na sua globalidade os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade nos termos do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da Lei Geral Tributária, estando vinculada a prosseguir o interesse público, devendo reconstituir a legalidade ofendida face à realidade apurada.
Em face do que precedentemente resulta expendido, as liquidações oficiosas ora em crise não podem manter-se na ordem jurídica pois que, não se verifica o pressuposto do imposto, por inexistência do facto tributário, o que acarreta a anulação das mesmas”.

Contra o assim decidido veio a Fazenda Pública alegar erro na aplicação do direito aos factos com base no depoimento de uma testemunha (cfr. conclusão 4ª das alegações de recurso) alegando ainda que é ao contribuinte que incumbe a obrigação de entrega da declaração de cessação (cfr. conclusões 12ª e 13ª das alegações) e que uma sociedade inactiva (sem actividade), que não tenha ainda sido liquidada, continua a ter existência jurídica e as consequentes obrigações fiscais, nomeadamente a manutenção da contabilidade organizada, conforme a lei comercial e fiscal à luz do art. 115º do CIRC, e declarativas para efeitos de IRC e de IVA até que se verifique qualquer das condições elencadas no art. 34º do respectivo Código (cfr. conclusão 25º das alegações), defendendo a legalidade das liquidações oficiosas.

Decidindo.

Quanto à alegação da Recorrente de erro na aplicação do direito aos factos apenas com base no depoimento de uma testemunha, se bem entendemos, refere-se ao facto elencado na alínea R) do probatório quanto à inactividade da sociedade a partir de Dezembro de 1997, tendo o tribunal a quo para o efeito valorado o depoimento da testemunha. Contudo, a impugnação da decisão da matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente nos termos do art. 640º do CPC, ex vi art. 281º do CPPT, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.

Assim, não tendo a Recorrente impugnado a matéria de facto nos termos do art. 640º do CPC, a factualidade constante do probatório encontra-se estabilizada e, assente a matéria de facto será então apreciado o alegado erro de julgamento.

Da factualidade assente retira-se que a sociedade P., Lda., não apresentou as declarações periódicas a que estava obrigada, nomeadamente as relativas aos anos de 2000 e 2001 e, em consequência dessa omissão, a administração tributária emitiu as liquidações oficiosas (cfr. alíneas C) e D) do probatório). Mais ficou provado que a declaração de cessação de actividade da sociedade foi apresentada em 13/08/2008, indicando a data de cessação de 31/12/1997 (cfr. alínea B) do probatório) e que a sociedade a partir de Dezembro de 1997 deixou de exercer qualquer actividade, encontrando-se o estabelecimento encerrado a partir daquela data (cfr. alínea R) do probatório).

Como se afirma no Acórdão deste Tribunal de 31/01/2019 no proc. 1688/09.2BELRS “(…)Nos termos do C.I.V.A., de entre as obrigações declarativas dos sujeitos passivos, vamos encontrar a relativa à declaração de cessação de actividade consagrada no artº.32, do citado diploma, na versão em vigor nos anos de 1999 a 2001. Esta declaração deve ser apresentada no Serviço de Finanças competente no prazo de trinta dias a contar da data da mesma cessação da actividade, mais sendo o artº.33 que nos descreve as situações geradoras de cessação de actividade do contribuinte (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/02/2013, proc.6102/12; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.180 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.642 e seg.).
Da exegese do artº.33, do C.I.V.A., deve concluir-se que esta norma é um complemento da anterior (artº.32, do C.I.V.A.), tendo o legislador a preocupação de definir, através de uma enumeração de circunstâncias, o que se entende por cessação de actividade e quando é que esta se verifica. E estamos a falar da cessação total, a qual implica o cancelamento do registo do sujeito passivo, e não a cessação parcial, que somente pode implicar a obrigação declarativa de apresentação de uma declaração de alterações. As diversas alíneas do nº.1 consagram, de forma taxativa, os factos cuja ocorrência coincide com a cessação da actividade do sujeito passivo de imposto. Especificamente quanto à alínea a), do nº.1, deve concluir-se que a cessação de actividade, em virtude do período assinalado de dois anos sem prática de actividade pelo sujeito passivo, não reveste características oficiosas, assim não onerando a A. Fiscal. Pelo contrário, levando em consideração o disposto no citado artº.32, do diploma, tal obrigação recai sobre o sujeito passivo (ou sobre os seus legais representantes no caso de pessoa colectiva). Na interpretação da norma deve concluir o aplicador do direito que o ónus de declaração oficiosa de cessação da actividade do sujeito passivo de imposto somente se encontra consagrado no nº.2 (quando for manifesto que não está a ser exercida qualquer actividade pelo sujeito passivo, nem há a intenção de a continuar a exercer). E saliente-se que durante o período de dois anos previsto na alínea a), do nº.1, o sujeito passivo continua obrigado à apresentação da declaração periódica nos termos do então artº.28, nº.2, do C.I.V.A. (actual artº.29, nº.2), a qual subsiste mesmo não havendo, no período correspondente, operações tributáveis realizadas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/02/2013, proc.6102/12; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.645 a 647; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.181 e 182).
Por outro lado, a declaração oficiosa de cessação de actividade, estruturada ao abrigo do disposto no artº.33, nº.2, do C.I.V.A. (equivalente ao artº.34, nº.2, do C.I.V.A., após a renumeração operada neste código pelo dec.lei 102/2008, de 20/6), somente se podia verificar quando fosse manifesto que a actividade não está a ser exercida (elemento objectivo), nem existisse intenção de a continuar a exercer (elemento subjectivo). O carácter manifesto deve resultar de elementos de facto objectivos dos quais seja evidente que os requisitos indicados se encontram preenchidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/02/2017, proc.261/08.7BECTB; Patrícia Noiret Cunha, Anotações ao C.I.V.A. e ao R.I.T.I., Instituto Superior de Gestão, 2004, pág.373; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.331).”.

Desta forma se conclui, tal como a sentença recorrida também assim o entendeu, que a actuação da administração tributária mostra-se correcta porquanto perante a inércia declarativa do contribuinte emitiu as liquidações oficiosas relativas aos exercícios em causa (2000 e 2001), tendo por base o disposto no artigo 83º do CIVA.

Contudo, estas liquidações oficiosas, assentes em rendimento presumido, não podem persistir quando o contribuinte ilide a presunção em que se fundaram, demonstrando a inexistência de factos, ou actos tributários relevantes. Não havendo actividade nem operações tributáveis, não há qualquer IVA a liquidar e a entregar ao Estado. In casu, os Recorridos lograram provar que não existiu qualquer atividade nos anos em causa (cfr. alínea R) do probatório), ou seja, não havendo factos nem operações tributáveis não há qualquer imposto a liquidar e a exigir ao sujeito passivo, devendo as liquidações oficiosas ser anuladas por inexistência do facto tributário.

Quanto à argumentação apresentada pela Recorrente de que cabe ao contribuinte a obrigação da entrega da declaração de cessação de actividade e que a administração apenas pode declarar a cessação da actividade nos termos do nº 2 do art. 34º do CIVA, caso esteja na posse de informação clara e inequívoca de que a actividade não está a ser exercida, apenas cumpre ressaltar que tal entendimento está espelhado na sentença recorrida ao ter sido julgado improcedente o fundamento invocado pelos impugnantes quanto à obrigação de cessação oficiosa de actividade por parte da administração tributária, pelo que em sede do presente recurso, nada mais há a acrescentar quanto a esta questão.

Concluímos assim, que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, devendo ser confirmada, improcedendo todas as presentes conclusões de recurso.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 28 de Outubro de 2021
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto