Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02885/09
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:06/16/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
PRESCRIÇÃO.
MÉTODOS INDIRECTOS.
CRITÉRIO.
ERRADA QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:1.Não se mostra completado até ao presente o decurso do prazo prescricional quando, o último processo que determinou a interrupção do decurso do prazo prescricional nunca se manteve parado por mais de um ano;
2. Em sede de IRS, como em outros impostos, a utilização de métodos indiciários é subsidiária e excepcional relativamente à tributação pelos valores declarados pelo contribuinte na respectiva declaração de rendimentos;
3. Tais métodos só podem ser aplicados quando a contabilidade não revela a situação tributária real do contribuinte e não seja possível ainda, através dela, apurar essa realidade;
4. No âmbito dos pressupostos de que depende a aplicação dos métodos indiciários, cabe à AF a prova com um elevado grau de certeza, dos erros ou omissões que impedem o apuramento do lucro tributável através da contabilidade do sujeito passivo;
5. Tendo a AT encontrado um critério objectivo, válido para a quantificação do rendimento colectável do exercício, que o contribuinte não logrou infirmar e nem demonstrar o excesso de quantificação dessa forma apurado, a consequente liquidação não pode deixar de se manter, por não se mostrar inquinada de qualquer erro tendente à sua anulação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. J................, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:

a) O ora recorrente demonstrou nos autos, suficientemente, que, pela natureza das irregularidades identificadas pelos serviços fiscais, não se encontram reunidas as condições legalmente exigidas pelo disposto no art.º 88.º da LGT, para se poder concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do art.º 87.º do mesmo diploma.
b) A douta sentença recorrida deve ser revogada por erro de julgamento, porque deveria ter julgado procedente a impugnação por ilegalidade das liquidações impugnadas, uma vez que a Administração Fiscal não comprovou a impossibilidade objectiva de determinar o lucro tributável sem recurso a presunções, nem especificou os critérios utilizados na sua determinação, assim violando o disposto nos art.ºs 38.º, n.º2, do CIRS e 81.º do CPT e actual art.º 77.º, n.º4, da LGT.
c) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a ora recorrente fez suficiente prova nos autos do erro ou excesso na presunção do lucro que lhe foi excessivamente fixado pelos serviços fiscais, porque as liquidações impugnadas são, também, ilegais por se basearem numa presunção de matéria colectável erroneamente quantificada, porque os serviços fiscais presumiram a existência de omissão de vendas, pelo simples facto de ter havido um erro do contribuinte na aplicação das taxas do IVA. Quando é certo que este erro apenas releva quanto ao apuramento do montante do IVA a entregar. Não se reporta ao montante total das vendas nem ao apuramento do lucro tributável para efeitos de IRS, nem poderia ter qualquer influência no montante da liquidação do IRS dos anos de 1995 e de 1996.
d) Assim não entendendo, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que declare a ilegalidade das liquidações impugnadas por serem resultado de uma errónea quantificação da matéria colectável presumida.
e) Por ter negado provimento à impugnação, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e deve ser substituída por outra que julgue ilegais a liquidação impugnada. Por violação das seguintes normas jurídicas:
Normas jurídicas violadas:
- art.ºs 38.º, n.º2, do CIRS e 81.º do CPT e actual art.º 77.º, n.º4, da LGT.
- Art.ºs 45.º, n.º1, 46.º, n.º1, 87.º, alínea b), 88.º e 90.º, todos da LGT.
f) Os impostos em causa respeitam ao IRS dos anos de 1995 e 1996, sendo o regime prescricional aplicável o do art.º 34.º do CPT e, considerando a suspensão do prazo de prescrição, já terminou o período de um ano previsto no art.º 34.º n.º3 do CPT, mas, também, no art.º 49.º, n.º2, da LGT, uma vez que em 28/02/2001 foi instaurada uma reclamação graciosa das liquidações impugnadas e que o projecto da sua decisão só foi notificado ao contribuinte por ofício datado de 22/03/2004, pelo que os processos de execução estiveram parados por mais de um ano (desde 28/02/2002), por causa não imputável ao contribuinte e, consequentemente, somando o período que decorreu desde 1/1/1996 e 1/1/1997, respectivamente, até, 28/02/2001, com o período que decorreu desde 28/02/2002 até à presente data, é de concluir que as obrigações tributárias em causa, que estão em cobrança coerciva, já prescreveram. O mesmo sucedendo, aliás, se fosse aplicável o regime prescricional da LGT.

Nos termos sobreditos e noutros que V. Exas., doutamente, suprirão, conclui-se que a douta sentença recorrida está inquinada do vício de erro de julgamento de facto e de direito, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o presente recurso e determine a anulação das liquidações impugnadas, por ilegalidade.
Mesmo que assim não se entenda, deverá ser declarada a prescrição das dívidas tributárias, por se tratar de IRS de 1995 e 1996.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por se haver consumado a prescrição das obrigações impugnadas.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se as obrigações tributárias resultantes das liquidações impugnadas se mostram prescritas; E não se encontrando prescritas, se no caso ocorreram os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos; E se no caso ocorre erro ou excesso na matéria tributável quantificada.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) O impugnante exerce a actividade de exploração de supermercado, CAE 52112.
B) Em 1998 o impugnante foi sujeito a uma acção de fiscalização em sede de IRS que abrangeu os exercícios de 1995 e 1996, no âmbito do qual foram efectuadas as seguintes correcções ao lucro tributável, quer por correcções técnicas, quer com recurso a métodos indirectos nos termos do disposto no art ° 38.º n.º 1 alínea d):
a. 1995 - 10.527.443$00
b. 1996 -13.099.736$00
C) Nesse período a actividade do impugnante consistiu na exploração de um supermercado onde, acessoriamente, coze e comercializa pão.
D) Em sede de IRS a sua actividade enquadrava-se na categoria "C".
E) Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que existiam «fortes indícios de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido», pelo que, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 38° do CIRS, propuseram a determinação do lucro tributável por métodos indiciários com base nos seguintes elementos:
a. O impugnante não apresentou o inventário das existências iniciais de 1995;
b. Efectuada uma análise por amostragem conclui-se que os inventários de 1995 e 1996 não mereciam credibilidade;
c. No ano de 1996 não foi declarado como vendas de mercadorias o valor de 255.692$00 relativo a vendas de tabaco;
d. No que se refere à analise às margens incluídas nos valores declarados:
i. Ano de 1995
1. Produtos com taxa de IVA de 5%: A excepção do mês de Março, as margens de comercialização são extremamente elevadas. Produtos com taxa de IVA de 17%;
2. Relativamente aos bens sujeitos à taxa de 17% o sujeito passivo declara valores de vendas inferiores aos valores de compras e margens de comercialização completamente irregulares, oscilando entre 35% em Novembro e 67% em Março;
3. A margem média de comercialização do gás e tabaco declarada é superior a 15%, e, tendo em atenção que a margem de comercialização obtida por amostragem é de 11 % para o gás e de 6% para o tabaco, conclui-se que a margem conjunta de comercialização não deveria ser superior a 11%.
ii. Ano de 1996
1. Bens sujeitos à taxa de IVA de 12% - Não é razoável admitir que o sujeito passivo praticasse preços de venda sistematicamente inferiores aos preços de custo, pelo que uma margem de comercialização negativa de 34 % constitui indício seguro de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido;
2. Bens sujeitos à taxa de IVA de 17% -De Janeiro a Novembro o sujeito passivo apresenta margens de comercialização negativas e no mês de Dezembro apresenta uma margem de comercialização superior a 300%, o que não é razoável.
3. Gás - Esta margem de comercialização (41,19%) para o gás não é razoável, tanto considerando o tipo de bem em causa, como considerando a margem de comercialização obtida por amostragem;
4. Tabaco - Falta de vendas declaradas de Janeiro a Novembro e elevada margem de comercialização declarada em Dezembro face às compras declaradas ao longo do ano;
5. As margens de comercialização obtidas por amostragem são substancialmente diferentes das margens de comercialização inerentes aos valores declarados pelo sujeito passivo, constituindo por si só um indício seguro de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, «o sujeito passivo compra massa de pão congelada que diariamente coze em fornos próprios, obtendo assim, maiores margens na comercialização de pão cozido (49% a 63% sobre o preço de custo) e, por outro lado, a venda de pão e produtos afins também aumentou». Por outro lado as compras de massa de pão congelada representam cerca de 23% das compras.
6. No mapa resumo elaborado pelos SPIT, o valor das vendas de tais produtos em 1995 atingiu o montante de esc. 34.805.925$00 contra o valor de compras no montante de 16.583.240$00.
F) Na sequência de reclamação do impugnante para a Comissão Distrital de Revisão, esta considerou que na amostragem efectuada pelos SPIT foi utilizada uma margem media aritmética de cerca de dezasseis produtos e que estes não têm o mesmo peso na estrutura das vendas.
G) Por outro lado chamou-se a atenção para o facto de um dos produtos com a margem de 85% (água destilada) ter pouco peso nas compras e vendas, motivo pelo qual decidiu retirar aos quadros elaborados o menor e o maior dos valores percentuais, tendo sido obtidas as seguintes margens médias de comercialização:
a. bens sujeitos à taxa do IVA de 5% - 16,76%;
b. bens sujeitos à taxa do IVA de 12% - 13,06%;
c. bens sujeitos à taxa do IVA de 17% - 15,94%.
H) O vogal do contribuinte discordou dos valores de vendas apurados, «por não ter sido levado em conta que as vendas de mercadorias à taxa de 17% se encontravam declaradas como vendas de mercadorias à taxa de 5%».
I) Na sequência das correcções mencionadas em B) foram efectuadas as liquidações adicionais de IRS do ano de 1995 n.º ............... e 1996 n.º ............, nos montantes de € l5.777,39 e 19.578,49, respectivamente.

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais as seguintes alíneas, em ordem a dele constar a matéria relevante para conhecer da invocada prescrição [questão que sempre seria de conhecimento oficioso nos termos do disposto no art.º 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], em ordem a poder declarar inútil a presente instância impugnatória.
J) A reclamação graciosa deduzida tendo em vista a anulação das liquidações de IRS de 1995 e de 1996 foi deduzida em 28.2.2001 e encontrou-se parada sem qualquer tramitação desde então e até 3.1.2003 – cfr. apenso de reclamação graciosa;
L) A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 27.5.2004, e nunca se encontrou parada por mais de um ano – cfr. presente processo;
M) A execução fiscal instaurada com vista à cobrança coerciva das mesmas liquidações obrigações de IRS foi autuada em 13.2.2001 e nuca se manteve parado por mais de um ano até 17.12.2003, data esta desde a qual se mantêm suspensa por força da penhora nela efectuada – cfr. processo de execução apenso, designadamente a fls 33.


4. Comecemos então por conhecer da prescrição das obrigações relativas ao IRS impugnado dos exercícios de 1995 e de 1996, questão que para além de ser de conhecimento oficioso (art.º 175.º do CPPT), também foi arguida pelo ora recorrente, tendo em vista declarar inútil o prosseguimento da presente lide, já que depois da mesma verificada deixa de ter qualquer interesse discutir a legalidade dos tributos em causa, por os mesmos deixarem de ser exigíveis judicialmente, tendo o seu beneficiário a faculdade de recusar o seu cumprimento, nos termos do disposto no art.º 304.º do Código Civil.

Nos termos do disposto no art.º 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), então vigente, o prazo de prescrição da obrigação tributária era de dez anos e contava-se desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.
Prazo este que se interrompia pela dedução da reclamação, do recurso hierárquico, da impugnação e da instauração da execução fiscal, efeito este que cessava desde que qualquer um destes procedimentos ou processos se encontrasse parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, caso em que se somava o tempo decorrido após esta interrupção com o que tivesse decorrido até à data da autuação.

Aplicando no caso estes comandos legais, temos que tal prazo prescricional se interrompeu em 13.2.2001, por força da autuação da execução fiscal, mas como a mesma se encontrou parada desde a data da penhora (17.1.2003), por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, passado que foi um ano, cessou tal interrupção, passando a suspensão, e contando-se para efeitos prescricionais o período decorrido do início do prazo – 1996 e 1997, respectivamente – até tal interrupção, o que soma cerca de 5 anos e treze dias para a mais antiga (menos um ano para a outra mais recente), a que há a adicionar o prazo decorrido desde então e depois do ano, desta forma se tendo reiniciado em 18.1.2004, e que decorreu até 27.5.2004, data da instauração da impugnação judicial e em que voltou a ocorrer nova interrupção do prazo por força da dedução desta nova espécie processual.
Neste segundo período – 18.1.2004 a 26.5.2004 – decorreram cerca de cinco meses e sete dias, que, somado com o tempo decorrido no primeiro período – 5 anos e treze dias, perfaz cerca de cinco anos, cinco meses e vinte dias, logo, ainda longe de perfazer aquele prazo prescricional de 10 anos.

Desde que foi deduzida a impugnação judicial, em 27.5.2004, tal prazo prescricional nem mais correu porque a mesma nunca esteve parada por mais de um ano – cfr. matéria da alínea L) do probatório – o mesmo sendo de dizer que tal prazo prescricional se mantém em cinco anos, cinco meses e vinte dias, encontrando-se ainda longe de se ter completado, mesmo para a liquidação mais antiga relativa ao exercício do ano de 1995.

A dedução da reclamação graciosa em 28.2.2001, não teve qualquer influência no decurso de tal prazo prescricional por então, o mesmo não se encontrar em curso, a correr, mas sim interrompido, por força da instauração da execução fiscal em 13.2.2001.

A resultado semelhante se chegaria por aplicação do regime prescricional previsto na LGT, no seu art.º 49.º, em que a dedução de tais espécies procedimentais e processuais tinha igual efeito no decurso desse prazo (com excepção da instauração da execução fiscal que deixou de interromper o decurso do prazo prescricional), o qual passou a ser de oito anos, mas só se contaria desde 1.1.1999, data da entrada em vigor da mesma LGT, por força do disposto no n.º1 do art.º 297.º do Código Civil, em que teríamos, para ambas as liquidações, cerca de dois anos e dois meses no primeiro período (1.1.1999 a 28.2.2001) e cerca de dois anos e dois meses e vinte e seis dias no segundo período (1.3.2002 a 27.5.2004), perfazendo o total de cerca de quatro anos, quatro meses e vinte e seis dias no segundo, logo também, ainda longe de alcançar o referido prazo prescricional para qualquer uma das duas obrigações tributárias relativas às liquidações de IRS dos exercícios dos anos de 1995 e de 1996, improcedendo a invocação questão.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a AT logrou carrear para os autos dados indícios suficientes de que a contabilidade do recorrente não reflecte a sua exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, constituindo os mesmos fundamentos suficientes para o recurso aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável e que a quantificação foi obtida a partir de um alargado grupo de bens vendidos pelo mesmo, em que foi considerado o seu peso relativa na estrutura das vendas, pelo que o mesmo se mostra adequado para o efeito, não tendo o mesmo vindo provar o erro nessa quantificação, pelo que a causa tem de ser decidida em seu desfavor.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além da invocada prescrição e já conhecida, continua o mesmo a esgrimir contra a sentença recorrida que no caso não se encontravam reunidos os pressupostos para a passagem aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável e que logrou provar o erro ou excesso na quantificação obtida, não tendo o erro na omissão de vendas reflexos no apuramento do lucro tributável dos exercícios em causa de 1995 e de 1996.

Vejamos então.
Como é sabido, o apuramento do imposto, é em regra efectuado pelo sujeito passivo e na sua declaração de rendimentos apresentada, cujos dados e apuramentos gozam da presunção de veracidade, desde que a contabilidade ou escrita se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, nos termos do disposto nos art.ºs 77.º e 78.º do CIRS e 78.º do CPT, então vigente, e hoje, dos art.ºs 75.º da LGT e 59.º do CPPT.

Na verdade, como desde logo consta do preâmbulo do CIRS, no seu ponto 21 - No que respeita às garantias dos contribuintes, o Código representa um considerável alargamento das até agora existentes, pois, para além de, na decorrência do princípio expresso no n.º2 do artigo 268.º da Constituição, assegurar que, sempre que a administração fiscal altere os rendimentos declarados ou, na falta de declaração, proceda à respectiva fixação, serão os interessados notificados dessa decisão, com indicação dos seus fundamentos, a fim de poderem requerer a revisão ou a impugnação judicial dessa mesma decisão...
Assim, não só se limitou significativamente o recurso a presunções e se eliminou a possibilidade de a administração fiscal se servir de critérios de razoabilidade para definir o limite de deduções ou encargos, como se estabeleceu que a base da determinação do rendimento colectável é a declaração do contribuinte, só podendo proceder-se à fixação administrativa desse rendimento na falta de tal declaração, quando os rendimentos declarados não correspondam aos reais ou se afastem dos presumidos na lei ou haja necessidade de utilizar métodos indiciários.
...
O recurso à utilização de métodos indiciários ou indirectos é, com efeito, de aplicação subsidiária ao apuramento dos rendimentos pelos elementos declarados pelo contribuinte na respectiva declaração, e encontrará justificação, sempre que, por circunstâncias a que a AF seja alheia, se mostre inviável a determinação concreta, efectiva e credível da realidade a considerar para efeitos tributários.
Cabendo à AF demonstrar, neste caso, com um grau de certeza avançado, a existência de erros, omissões ou inexactidões na sua contabilidade ou escrita, já que norma do art.º 38.º do CIRS aponta para a necessidade de recorrer a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, procedendo à rectificação de declarações ou à correcção oficiosa, de acordo com os art.ºs 52.º e segs do CIRC, por força do n.º5 daquela norma do CIRS, supra citada e 87.º e 88.º da LGT.

A utilização de métodos indiciários ou indirectos, mais não significa do que o recurso a elementos de facto conhecidos, que, segundo regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzem a extrapolação de outros desconhecidos em que se estriba o juízo valorativo final que se impõe apurar, que, por isso mesmo, não tem, como sucederá na generalidade dos casos, de corresponder aos resultados de um raciocínio dedutivo, suportado em elementos concretos e efectivos, mas apenas prováveis.

Ou como bem se diz no recente acórdão deste Tribunal de 3.5.2006(1),(...) o lançar mão de qualquer um deles em detrimento do outro não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, na estrita medida do necessário ao evitar da evasão fiscal por parte dos contribuintes faltosos, com o duplo objectivo, no mínimo, de evitar, por um lado o “emagrecimento” ilegítimo dos recursos do Estado e, por outro, de repartir equitativamente, como constitucionalmente imposto, a carga fiscal sendo que, ao que aqui e agora nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia presuntiva.

E no caso, ocorreram ou não tais pressupostos de aplicação dos métodos indiciários ou indirectos?

Pela matéria constante dos vários pontos da alínea E) do probatório, designadamente de que o ora recorrente, não apresentou o inventário das existências iniciais de 1995, que efectuada uma análise por amostragem conclui-se que os inventários de 1995 e 1996 não mereciam credibilidade, que no ano de 1996 não foi declarado como vendas de mercadorias o valor de 255.692$00 relativo a vendas de tabaco, que no que se refere à analise às margens incluídas nos valores declarados, no ano de 1995, apresentava produtos com taxa de IVA de 5%, que com excepção do mês de Março, as margens de comercialização são extremamente elevadas e nos produtos com taxa de IVA de 17% o sujeito passivo declara valores de vendas inferiores aos valores de compras e margens de comercialização completamente irregulares, oscilando entre 35% em Novembro e 67% em Março, que a margem média de comercialização do gás e tabaco declarada é superior a 15%, e, tendo em atenção que a margem de comercialização obtida por amostragem é de 11% para o gás e de 6% para o tabaco, conclui-se que a margem conjunta de comercialização não deveria ser superior a 11%, que no ano de 1996, no que aos bens sujeitos à taxa de IVA de 12% diz respeito, não é razoável admitir que o sujeito passivo praticasse preços de venda sistematicamente inferiores aos preços de custo, pelo que uma margem de comercialização negativa de 34 % constitui indício seguro de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, que os bens sujeitos à taxa de IVA de 17%, de Janeiro a Novembro o sujeito passivo apresenta margens de comercialização negativas e no mês de Dezembro apresenta uma margem de comercialização superior a 300%, o que não é razoável, que no gás, esta margem de comercialização (41,19%) para o gás não é razoável, tanto considerando o tipo de bem em causa, como considerando a margem de comercialização obtida por amostragem, que no tabaco, a falta de vendas declaradas de Janeiro a Novembro e elevada margem de comercialização declarada em Dezembro face às compras declaradas ao longo do ano, as margens de comercialização obtidas por amostragem são substancialmente diferentes das margens de comercialização inerentes aos valores declarados pelo sujeito passivo, constituindo por si só um indício seguro de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, «o sujeito passivo compra massa de pão congelada que diariamente coze em fornos próprios, obtendo assim, maiores margens na comercialização de pão cozido (49% a 63% sobre o preço de custo) e, por outro lado, a venda de pão e produtos afins também aumentou». Por outro lado as compras de massa de pão congelada representam cerca de 23% das compras, que no mapa resumo elaborado pelos SPIT, o valor das vendas de tais produtos em 1995 atingiu o montante de esc. 34.805.925$00 contra o valor de compras no montante de 16.583.240$00, apurada no referido relatório da fiscalização de exame à escrita do impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, assentam tais pressupostos, na sua essência, em omissão de apresentação do inventário inicial de 1995, de falta de credibilidade dos (restantes) inventários apresentados (não reflectem os valores dos respectivos documentos de suporte), em omissões de vendas (umas reais e outras presumidas), em as margens de lucro bruto reveladas através da sua contabilidade ser, em uns casos e em uns bens, elevadíssima, e em outros, negativa, sem razão aparente para tal e em não existir uma clara distinção entre a contabilidade do ora recorrente e a da sociedade Braga & Loureiro, Lda, da qual com a sua esposa são sócios, pelo que tal escrita não poderia ter a virtualidade de “medir” as reais operações efectuadas pelo sujeito passivo, e daí desencadear as medidas tendentes a tributar as operações como na realidade da sua actividade económica nesses anos terão ocorrido, por amostragem ponderada pelos diversos bens e o seu peso na estrutura de vendas, em detrimento da revelada através dessa mesma escrita.

Assim, face à existência destes diversos índices, que se nos afiguram fundados e suficientes, aberto se encontrava o caminho para lançar mão dos métodos indiciários, por os mesmos não carecerem de ser cumulativos. Ou seja, tal contabilidade não tinha o mérito de espelhar o resultado efectivo, concreto, da realidade económica-financeira do respectivo exercício da contribuinte, aparecendo sobretudo as vendas, não directamente apoiados em documentos que dessem a conhecer a sua verdadeira existência e extensão, em suma, pela contabilidade da impugnante não era possível apurar os reais custos e os reais proveitos, efectivamente obtidos.

Face a tais anomalias, não permitindo através da contabilidade do impugnante apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa e nem o resultado efectivamente obtido, não restava outro caminho à AF senão lançar mão de tais métodos indiciários, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua actividade nesses exercícios.

Não podendo também no caso, nesta parte, apenas operar-se com correcções técnicas no apuramento da matéria colectável, quando o que se encontra em causa, é uma falta generalizada de credibilidade da sua escrita comercial, sobretudo ao nível dos ao nível dos proveitos, pelos apontados vícios supra, que não uma ou outra operação mal contabilizada ou um outro proveito a acrescer ou um ou outro custo a não ser elegível, em que apenas haveria que os desconsiderar no apuramento da matéria colectável.

Cabia à Fazenda Pública e ora impugnada o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, cabendo-lhe demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suspeições, ainda que não se possa exigir o mesmo grau de certeza nessa quantificação do que aquela que é apurada através da contabilidade do sujeito passivo, por ser inerente àquela uma aproximação à realidade a qual se desconhece, através da utilização de índices como sejam as margens médias de lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras, as taxas médias de rentabilidade de capital investido, o coeficiente técnico de consumos ou utilização de matéria-primas e outros custos directos, como hoje se exemplifica na norma do art.º 90.º da LGT.

Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributada quantificada.

Caberá, então, àquele a quem o método é oposto (no caso, o impugnante) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

No caso, face aos indícios supra, que se nos afiguram como fundados e seguros, carreou a AT elementos certos e determinados donde se pode extrair que a contabilidade do impugnante não reflectia a totalidade das operações realizadas, sobretudo ao nível dos proveitos, e daí, legitimada ficava, para passar ao apuramento da matéria tributável do contribuinte com o recurso aos métodos indirectos, tendo em vista encontrar o volume de negócios dos exercícios em causa de 1995 e 1996, que a contabilidade não espelhava como deveria.

Para a passagem aos métodos indiciários, entre outros requisitos, na norma da alínea d) do n.º1 do art.º 38.º do CIRS, que foi a concretamente aplicada no caso (cfr. cópia do relatório das fiscalização a fls 43 da reclamação apensa), pode-se bastar com a existência de indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, não restringindo a lei a liberdade da actuação da AF no sentido dos meios aptos a demonstrá-lo, assim podendo ser utilizados quaisquer índices aptos a revelá-los e não sendo no caso aplicável, ainda, a norma do art.º 88.º da LGT, sabido que esta só entrou em vigor em 1.1.1999 e não é de aplicação retroactiva a factos tributários ocorridos muito tempo antes (ainda que o resultado pudesse vir a ser o mesmo).

É que nos termos dos art.ºs 71.º n.º1 e 76.º n.º1 do CPT, então vigente, os procedimentos dirigidos à declaração dos direitos dos contribuintes neles podem ser utilizados todos os elementos de que disponha a entidade competente, sem os restringir a qualquer categoria de meios.

Assim sendo, cabia agora, por sua vez ao impugnante no âmbito do ónus probatório que sobre si impende, como acima se fundamentou, ter vindo trazer aos autos prova certa e segura, tendo em vista infirmar os indícios seguros em que a AF se fundou para a passagem aos métodos indiciários, designadamente quanto às apontadas anomalias da sua contabilidade relacionadas, sobretudo com os proveitos, e se o conseguisse, não obstante aqueles fundados indícios, não teriam a virtualidade de alterar o resultado contabilístico declarado, por devidamente explicados e justificados.

Contudo, apesar de o contribuinte ter posto em causa os pressupostos em que se fundou a AF para lançar mão dos métodos indiciários, designadamente quanto aos proveitos que lhe foram imputados, em vários artigos ao longo da sua petição inicial de impugnação judicial, a verdade é que nem sequer articula factualidade concreta e precisa, relevante, que possa ser objecto de prova, testemunhal ou por documentos, quanto a este fundamento, limitando-se a meras conjecturas e generalidades insusceptíveis de serem apreendidas, encontrando-se assim longe de colocar em dúvida séria, fundada, os indícios supra referidos, centrando-se essencialmente, em invalidar os pressupostos em que se fundou a AT para a passagem a tais métodos, sem contudo apresentar outros mais adequados por mais próximos da realidade que se visa alcançar, não tendo desta forma vindo colocar de forma minimamente consistente em causa a matéria apurada pela fiscalização, não tendo por isso logrado provar que esses pressupostos são errados e/ou desajustados à realidade em causa, não podendo a impugnação judicial deixar de improceder por este fundamento, com o improvimento do recurso e a manutenção da sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.

Nos termos do disposto no art.º 38.º do CIRS, a utilização de métodos indiciários para a determinação do lucro tributável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita sempre que ocorram qualquer dos seguintes factos (em sentido semelhante dispunha a norma do art.º 81.º do CPT e hoje do art.º 88.º a) da LGT):
a)...
...
d)Erros ou inexactidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 - A aplicação dos métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade ou dos livros de registo só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável.
...
A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AF, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que servem de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.
Como refere Jorge Lopes de Sousa(2), nestas situações em que é impossível determinar directamente a matéria tributável, há sempre dúvidas sobre a sua quantificação real, pois os métodos indirectos tomam em consideração indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.

Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.

Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

No caso em apreço, a impugnação judicial quanto a este fundamento de "errónea quantificação da matéria colectável por métodos indiciários", tendo sido já arrumada no ponto anterior a outra questão relativa às deficiências de organização contabilística detectadas e que permitem a aplicação de tais métodos indiciários, que manifestamente ocorrem, como se decidiu supra, sendo aqui agora de apreciar apenas tal dimensão quantitativa do rendimento tributável fixado.

O acto que veio a fixar ao recorrente o rendimento tributável de que resultaram as liquidações impugnadas, foi a decisão da Comissão de Revisão, em que a sua Presidente, na falta de acordo entre os dois vogais, decidiu baixar os valores fixados para os exercícios em causa, concedendo parcial provimento às reclamações deduzidas, sendo para o ano de 1995 e de 1996, aqui em causa, fixados os valores de 10.942.246$ e 11.916.786$, respectivamente, consubstanciada na acta que constitui fls 108/109 do apenso da reclamação graciosa e de fls 60/61 destes autos, suportando-se para o efeito, e no essencial, no relatório elaborado aquando da visita da Fiscalização Tributária às instalações daquele, realizada em Julho de 1998, mas a cujo critério ali encontrado se não deu total guarida na fixação desse rendimento tributável, tendo a margem de comercialização dos dezasseis produtos vendidos, apurada que fora de forma aritmética, sido alterada por forma a evidenciar o maior ou menor peso dos diversos produtos na estrutura das vendas, tendo sido retirada a menor das margens e também a maior, ficando o cálculo a assentar em 77% das mercadorias vendidas e que evidenciavam uma margem percentual entre 2 e 25 pontos, margem assim obtida que a própria perita indicada pelo contribuinte declarou concordar, como na mesma acta consta, embora também declarasse não concordar com a aplicação dos métodos indirectos (fls 109 do mesmo apenso).

Tendo embora em conta o inconveniente da possível fixação administrativa de um rendimento afastado do real por excesso ou por defeito, era indispensável que não se deixasse a Administração Fiscal manietada e na dependência absoluta do comportamento mais ou menos cumpridor dos sujeitos passivos, permitindo que esta reaja não só à negligência meramente fortuita de alguns contribuintes menos lestos no cumprimento das suas obrigações fiscais, como ainda relativamente àqueles que se esqueçam de revelar atempadamente os seus rendimentos, ou que queiram intencionalmente sonegá-los, não fornecendo elementos concretos à Administração - cfr. Direcção Geral das Contribuições e Impostos, Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, IRS, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Noções Fundamentais), 1990, p. 253.

Convém referir, no entanto, que a declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte goza da presunção de verdade, pelo que a Administração Fiscal não poderá pô-la em causa, sem que possua elementos fundados, que permitam demonstrar que a declaração reflecte omissões ou inexactidões - cfr., por exemplo, os termos dos artigos 76.º e 77.º do Código de Processo Tributário, e 38.º do Código do IRS.

A utilização de tais métodos dificilmente habilitará a Administração Fiscal a conhecer o verdadeiro lucro real obtido, dada a natureza e falibilidade de uma actuação norteada apenas por "índices médios" como sejam "as margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas, serviços prestados ou sobre as compras, fornecimentos e serviços de terceiros", ou atendendo a "taxas médias de rendibilidade do capital investido", etc... (cfr. o artigo 52.º do Código do IRC).

A determinação do lucro tributável por métodos indiciários far-se-á de acordo com o disposto no artigo 52.º do Código do IRC ex vi do art.º 38.º n.º5 do CIRS.
Este artigo 52.º diz que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários basear-se-á em todos os elementos de que a Administração Fiscal disponha, e, designadamente, em margens médias de lucro bruto ou líquido sobre vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros; taxas médias de rendibilidade do capital investido; coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas ou de outros custos directos; elementos e informações declarados à Administração Fiscal, incluindo os relativos a outros impostos, e, bem assim os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte.
A indicação destes elementos, como resulta inequivocamente da letra da lei, é meramente exemplificativa - pelo que outros elementos ou factores que forem pertinentes podem ser tidos em conta, e, obviamente, não se exige que, para apuramento do lucro tributável por métodos indiciários, todos aqueles elementos que a lei elenca tenham obrigatoriamente de ser considerados sempre, em todo e qualquer caso.
A avaliação fiscal, ou estimativa (recurso a métodos indiciários, ou outras designações para a mesma forma de actuação administrativa) constitui sempre uma ultima ratio fisci. A Administração Fiscal só deve recorrer às avaliações, quando estas se tomam o único método de calcular a dívida fiscal, quando a liquidação não pode assentar, como sucederá na grande maioria dos casos, nos elementos fornecidos pelo contribuinte.

Ora, é desta natureza da avaliação que necessariamente decorrem alguns dos pressupostos básicos da sua legitimidade.
O primeiro, é que a avaliação tem o claro recorte de uma medida excepcional. É um método indispensável, mas apenas perante a existência de declarações fraudulentas.
O segundo, é que o recurso a métodos indiciários constitui sempre uma sanção pela violação, que deverá ter existido, de deveres de cooperação do contribuinte, sobremaneira a violação das obrigações legais acessórias de declaração, de facturação e de escrituração.
Uma vez que os métodos actuais de tributação assentam na cooperação dos contribuintes, as leis fiscais estabelecem necessariamente uma complexa descrição das suas obrigações acessórias. Obrigações estas que têm um carácter instrumental, na medida em que se destinam simultaneamente a permitir o cálculo da dívida pelo contribuinte, e o eventual controlo destas operações pela Administração.
O recurso à avaliação tem como pressuposto que a violação destes deveres de cooperação tornem o controlo impossível. Violados estes, incorrendo o contribuinte em algum dos comportamentos omissivos ou afastados dos comandos legais, a Administração procede a uma avaliação da dívida.
E opera-se por esta forma uma verdadeira inversão material do ónus da prova. A partir daqui, é sobre o contribuinte que, materialmente, recai o ónus da prova de que a avaliação não tem bases suficientemente sólidas.
Cfr. tudo o que vem de ser dito em José Luís Saldanha Sanches, As Avaliações do IVA e os Deveres de Cooperação dos Retalhistas, na revista Fisco n.º 2 de 15.11.1988.

Às vezes, sem que haja qualquer fraude, o contribuinte é incapaz (por exemplo, por debilidade organizacional, estrutural) de reproduzir de forma satisfatória a sua história financeira/patrimonial.
Mas é preciso um comportamento culposo do contribuinte: tem que haver fraude ou negligência.
E é preciso ainda que a Administração Fiscal indique factos concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto pelo método presuntivo.
Pode conferir-se a este respeito, por todos, o acórdão do Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 12-5-1992, na Ciência Técnica e Fiscal n.º 368, p. 234 a 247; e também os acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo de 22-9-1998 e de 16-3-1999, na Antologia de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo, ano II, respectivamente n.º 1, pp. 300 a 302, e n.º 2, pp. 288 a 291.

Relativamente à fundamentação da decisão de tributação por métodos indiciários ou por presunções, dizia o artigo 81.º do Código de Processo Tributário, que essa decisão, para além de especificar os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, indicará os critérios utilizados na sua determinação.

No caso sub judicio, nesta parte, está em causa apenas o critério ou os critérios com que a Administração Fiscal operou para determinar o lucro tributável tenham gerado um excesso de matéria tributável.
Não se questionam os pressupostos, antes já apreciados e que se têm por verificados, de aplicação ao caso de métodos indiciários de apuramento desse valor.

Consoante se deixou registado no probatório, e melhor se colhe dos autos, a Administração Fiscal, para a determinação do lucro tributável, no caso, operou com uma amostragem dos produtos comercializados pelo impugnante nos exercícios em causa, onde apurou a margem de lucro bruta que depois aplicou aos mesmos exercícios (1995/1996), desta forma tendo encontrado o lucro tributável em cada um dos mesmos, aqui em causa, alterados para menos em sede de Comissão de Revisão, por despacho do Director Distrital de Finanças, na falta de acordo dos vogais, em que cingiu tal amostragem aos dezasseis produtos mais representativos comercializados e que tinham o peso de 77% no volume de vendas, donde vieram a resultar as liquidações adicionais aqui em causa.

E, assim, o impugnante e ora recorrente, apesar de contestar o critério que serviu à quantificação administrativa da matéria tributável, não disponibilizou outros que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, revelando-se por isso incapaz de, justificadamente, gerar uma dúvida fundada sobre a quantificação da matéria tributável, nos termos do artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário e hoje do art.º 101.º do CPPT, de provar o erro ou manifesto excesso nessa quantificação.

Pelo que diremos, que o artigo 101.º do CPPT não tem aplicação à situação controvertida pelo mesmo recorrente e nem a sentença recorrida padece de qualquer vício ao julgar tal critério como devidamente apto para o fim em vista de quantificação da matéria tributável.

Assim, as eventuais dúvidas sobre o lucro tributável no caso são apenas as co-naturais ao próprio método de apuramento de um valor por meio de métodos indiciários, onde o valor encontrado é sempre um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo.
Aliás, o impugnante, ora recorrente, só de si pode queixar-se quanto à existência da falada falta de certeza, decorrente do emprego de métodos indiciários para apuramento do lucro tributável - pois que, por falta de credibilidade da sua escrita, é que não foi possível que a liquidação do imposto tivesse sido operada com base no lucro tributável real (declarado).

Quando se coloca o problema de apurar se existiu, ou não, determinado facto tributário, como no caso acontece, há que analisar em pormenor se a administração fiscal fez assentar os pressupostos da sua pretensão segundo juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, resultando a legitimação do uso, pela administração fiscal, dessa mera probabilidade da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais.
Não sendo possível, a maior parte das vezes, ter a certeza sobre a existência do facto tributário, daí não resulta que o contribuinte não seja tributado, pois, para que tal tributação não se verifique, necessário será que aquele alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação(3).
Por outro lado, só releva para a anulação da liquidação do imposto a dúvida legítima ou fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, ou seja, quando aquela dúvida não seja imputável ao impugnante(4).

No caso, face aos elementos antes referidos, carreou a Administração Fiscal para os autos, dados certos e objectivos, que conduzem com um elevado grau de probabilidade, segundo juízos de causalidade usuais e normais no comércio, que nos exercícios em causa obteve aquelas margens de vendas e suportou aqueles custos incorridos, alguns directamente extraídos de facturas e outros elementos contabilizados pelo impugnante, critério que, à partida se não vislumbra que esteja errado, afigurando-se-nos antes, como razoável e adequado para o fim em vista.

Por sua vez, cabia ao recorrente, ter alegado e provado factos certos e concludentes que pusessem em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou aquele juízo de probabilidade elevado feito pela Administração Fiscal para prova do erro nessa quantificação por métodos indiciários ou indirectos. Ou que no caso, haviam ocorrido circunstâncias especiais que levaram a que em relação a tais exercícios dos anos de 1995 e de 1996, tal margem nessas vendas omitidas foi muito inferior ao estimado pela AF, mercê dessas particularidades. Situação que colocava o impugnante nas melhores condições para o esclarecer e provar, o que não fez, designadamente provando que a apontada omissão de vendas se reportavam às vendas declaradas em que fora aplicada diversa taxa de IVA, como articulava na matéria dos art.ºs 11.º e segs da petição inicial de impugnação judicial e continuava a pugnar na matéria da alínea c) das suas conclusões do recurso.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, mantendo-se as liquidações impugnadas.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida, mantendo-se as liquidações.


Custas pelo recorrente.


Lisboa,16 de Junho de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
ROGÉRIO MARTINS
JOSÉ CORREIA
(1) Recurso 3.687/00, de que o ora relator ali foi Adjunto.
(2) In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 473, nota 7.
(3) Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 5.12.95, recurso n.º 63 479.
(4) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal de 21.12.1999, recurso n.º 2 417/99, de que fomos adjunto.