Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:165/24.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:I - O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II - O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, sem alegar factos concretos demonstrativos da exigida especial urgência na obtenção de uma decisão definitiva, pelo que não se encontrando demonstrado um dos pressupostos de admissibilidade da acção de intimação em referência, de verificação cumulativa, é de manter a sentença de rejeição liminar.
Votação:C/ DECLARAÇÃO DE VOTO
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

A..., devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P [AIMA, I.P.], inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 12.1.2024, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu indeferir liminarmente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem ipsis verbis:
«A) Impunha-se uma revisão da posição processual do Distinto Magistrado de primeira instância face a decisões exatamente idênticas e votadas ao insucesso no TCA SUL.
B) O tribunal a quo recusa-se a acatar jurisprudência do STA e TCA SUL, TCA NORTE, fazendo uma interpretação errada da lei sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
C) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o único instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão
D) É o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
E) O uso de providência cautelar, pela sua precariedade é incerto no seu desfecho.
F) A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma procedência do pedido feito no processo principal.
G) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos.
H) Somado a isso o R. AIMA, IP recorre atualmente das providências cautelares.
I) O que aumenta ainda mais a incerteza do Recorrente.
J) O Existe jurisprudência no STA e no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal
K) Existe desde 2019 uma reversão jurisprudencial, processo n° 1899/18.0 BELSB de 11.09.2019 e Acórdão do STA de 16.05.2019, proferido no processo número 02 762/17.7 BELSB.
L) O Recorrente vê ameaçada a sua identidade em território nacional, o seu emprego, saúde, liberdade circulação, acesso à justiça, entre outros direitos e está a pagar impostos e não vendo reconhecidos os supra direitos.
M) Sobre a inutilidade das providências cautelares, especial enfâse para o processo n° 2906/22.7 BELSB de 23.02.23 e processo n° 3682/22.9 BELSB de 31.03.23 do TCA SUL.
N) Não existe tempo a perder devendo o R. AIMA IP ser devidamente intimado a decidir e a emitir o respetivo título de residência do Autor.
O) O tribunal a quo cita jurisprudência desatualizada e recusa-se a acatar a posição do STA.
P) O Tribunal a quo não leu com rigor o Processo 455/23.5 BELSB do TCA Sul e STA, fazendo uma interpretação errada de ambos.
Q) O Direito Europeu ou comunitário é claro em matéria de prazos legais de decisão.
R) O princípio da boa administração é uma regra basilar da nossa CRP, prevista no artigo 266º, 2.
S) Violaram-se os artigos 1º,2º,12°,13°, 15°,26°, 27°,36° 44°,53°,58°,59°, 64°,67°,68, 268°,4 da Constituição da República Portuguesa, bem como as nomas ínsitas nos artigos 7º, 15°, n° 3, 41° ,45º, n°2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artes 6º, 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 23/2007 de 4/7, lei 59/17 e da lei 102/17 e da lei 18/22 de 25/8 e ainda artes 5º, 8º, 10°, 13° todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC.»
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER, COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS:
A) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO.
B) DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA A QUO.
C) DEVE SER RECONHECIDA EM DEFINITIVO A INTIMAÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O ÚNICO INSTRUMENTO LEGAL PARA MELHOR SALVAGUARDA DOS INTERESSES DO REQUERENTE E NA DEFESA DA LEI, E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E DOS VALORES EUROPEUS E INTERNACIONAIS.
D) DEVE AINDA O R. AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA) SER INTIMADO OU CONDENADO A DECIDIR DE IMEDIATO.
E) DEVE, AINDA, SER O R. AIMA IP CONDENADO A EMITIR A RESIDÊNCIA LEGAL DO AUTOR COM URGÊNCIA.».

A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. Sobre a questão em apreço - a célere emissão de uma decisão de mérito, que impunha à Entidade Requerida a adoção de uma conduta, indispensável para evitar, em tempo útil, a alegada violação de direitos, liberdades e garantias - o Tribunal "a quo" pronunciou-se fundamentadamente, quando a fls. 4 e 5 da sentença, conclui que o Requerente não apresentou qualquer argumento que, em concreto, configure uma situação para a qual seja necessária uma célere decisão de mérito indispensável para evitar, em tempo útil, a lesão dos direitos que invoca, tais como os direitos à identidade pessoal, à vida familiar, ao trabalho e à saúde ou a violação do principio da equiparação, porquanto, a circunstância de o Requerente, segundo alega, estar a aguardar por uma decisão sobre o seu pedido de concessão de autorização de residência, desde 26.04.2023, não consubstancia, só por si, uma situação de urgência cuja tutela jurisdicional só possa ser assegurada, em tempo útil, através da presente intimação.
2. Assim, porque o Requerente não densificou factos concretos, acompanhados do respetivo suporte probatório aptos a configurar uma situação de urgência iminente que justifique, de imediato, a intimação da Entidade Requerida a proferir uma decisão sobre a manifestação de interesse apresentada em 26.04.2023, da concessão de autorização de residência, como diz a fls. 5 da sentença, conclui, e bem, o Tribunal "a quo" pelo não preenchimento do pressuposto da indispensabilidade desta intimação para a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias, e, em consequência, o indeferimento liminar da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir rejeitar liminarmente a petição inicial.

O tribunal recorrido não fixou factos provados.

Da respectiva fundamentação de direito extrai-se o seguinte:
«Na situação ora em apreço, o Requerente lançou mão de um meio processual de utilização subsidiária, que se caracteriza por ser um processo principal, de natureza urgente, destinado a obter, em tempo útil, uma decisão definitiva sobre a questão de mérito objeto do litígio.
Para sustentar a sua pretensão argumentou, em síntese, que, em virtude da omissão de decisão sobre o seu pedido de concessão de autorização de residência, apresentado junto do SEF, em 26.04.2023, a Entidade Requerida está a violar diversos direitos fundamentais do Requerente, bem como os princípios gerais da atividade administrativa.
Tendo alegado, em termos genéricos, que a inércia da Entidade Requerida, quanto à concessão da autorização de residência, afasta a possibilidade de o mesmo beneficiar da aplicação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional (cf. artigo 15.º, n.º 1, da CRP), e coloca em causa o exercício dos seus direitos fundamentais, nomeadamente os direitos à identidade pessoal (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), à vida familiar (cf. artigo 36.º da CRP), ao trabalho (cf. artigos 53.º e 58.º da CRP) e à saúde (cf. artigo 64.º da CRP).
Aduzindo, além do mais, que a Entidade Requerida violou os princípios da confiança, da decisão, da eficiência, da celeridade e da boa administração, previstos no CPA.
Neste contexto, importa, desde logo, ter presente que recai sobre o Requerente o ónus de alegação e de prova quanto à verificação dos pressupostos da tutela judicial que requereu, de acordo com as regras gerais do ónus da prova (cf. acórdão do TCA Sul, de 11.06.2015, processo n.º 12156/15, disponível em www.dgsi.pt).
Porém, o Requerente não apresentou qualquer argumento que, em concreto, configure uma situação para a qual seja necessária uma célere decisão de mérito indispensável para evitar, em tempo útil, a lesão dos direitos que invoca, tais como os direitos à identidade pessoal, à vida familiar, ao trabalho e à saúde, ou a violação do princípio da equiparação.
Por outro lado, a circunstância de o Requerente, segundo alega, estar a aguardar por uma decisão sobre o seu pedido de concessão de autorização de residência, desde 26.04.2023, não consubstancia, só por si, uma situação de urgência cuja tutela jurisdicional só possa ser assegurada, em tempo útil, através da presente intimação.
Ora, na presente intimação, o Requerente veio alegar, genericamente, que «[a] decisão por parte da AIMA IP., mostra-se absolutamente imprescindível para que o Requerente possa garantir o seu posto de trabalho atual, e se possa integrar com segurança no mercado de trabalho e consiga ainda beneficiar dos direitos em causa, como a sua identidade pessoal, liberdade e segurança, livre deslocação no território nacional e saúde. // Na verdade, permanecendo ilegal pode ser despedido a qualquer momento pela sua entidade empregadora, não tem liberdade de escolha laboral, se quisesse trocar de trabalho será mais um precário ilegal a trabalhar com risco de despedimento, pois, permanece ilegal, nem sendo equacionável ou imaginável garantir um emprego com uma Manifestação de Interesse (MI). // Se quiser reagrupar sua família está-lhe vedado, pois, permanece ilegal. Ou seja, na prática não tem direito à família, cf. artigos 36°, 67°.68° da CRP. // Se quiser circular dentro de TN, também não o pode fazer, pois, sendo fiscalizado por uma GNR, ou PSP, ou até PJ, o mais certo será ser notificado para sair do País, pois, uma MI é um mero pedido tirado da internet, não é um título de residência registado e aprovado, ou seja, não tem nada. Sem o seu TR não tem a sua identidade reconhecida em TN, decorre da Lei. // É do domínio público que os cuidados à saúde, sem TR, são muito limitados, pelo que se estiver doente e se quiser recorrer a um hospital público não é aceite, não tem o mesmo acesso a uma saúde condigna como os cidadãos nacionais e cidadão estrangeiros portadores de TR, precisamente, porque está ilegal, sendo do domínio público o quanto são tão dispendiosos os hospitais particulares em TN. (…)» (cf. artigos 159.º, 160.º e 161.º, da petição inicial).
Tal significa, portanto, que o Requerente não densificou factos concretos, acompanhados do respetivo suporte probatório, aptos a configurar uma situação de urgência iminente que justifique, de imediato, a intimação da Entidade Requerida a proferir uma decisão sobre a manifestação de interesse apresentada junto do SEF, em 26.04.2023, no sentido da concessão de autorização de residência.
[…]
Transpondo os referidos entendimentos jurisprudenciais para a situação ora em apreço e perante as circunstâncias do caso concreto, conclui-se que a utilização do presente meio processual não se revela indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia invocado pelo Requerente, não se impondo a convolação do processo numa providência cautelar (cf. acórdão do STA, de 07.04.2022, processo nº 036/22.0BALSB, disponível em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, por não se encontrar preenchido o pressuposto da indispensabilidade desta intimação para a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA), a mesma deverá ser objeto de indeferimento liminar, conforme se decidirá.».

E o assim decidido é para manter, até porque o alegado e concluído em sede de recurso, traduzindo discordância, não vai além da argumentação já expendida na petição sobre a idoneidade do presente meio processual, a qual foi apreciada e recachada pelo tribunal recorrido, suportado em adequada e pertinente Doutrina e Jurisprudência.
Com efeito, ao contrário do que alega o Recorrente o presente meio processual não é o único idóneo a assegurar a sua pretensão nem a jurisprudência é pacífica no que respeita à idoneidade do mesmo em situações de demora na decisão de pedidos de autorização de residência, não impendendo sobre o juiz a quo qualquer dever de acatar a jurisprudência contida nos acórdãos que indica [v. o disposto no nº 1 do artigo 4º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto].
Este Tribunal já decidiu sobre esta questão de forma divergente como resulta, por exemplo, dos acórdãos v., designadamente, os acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB, de 25.1.2024, proc. 3215/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt -, de 25.5.2023, proc. nº 140/23.8BESNT, de 13.7.2023, proc. nº 866/23.6BELSB, de 13.9.2023, proc.s nºs 3866/22.0BELSB e 924/23.7BELSB, e de 11.1.2024, proc.s nºs 180/23.7BECBR, 477/23.0BELSB, 1777/23.0BELSB, 741/23.4BELSB – não publicados, consultáveis no SITAF.
Do teor do prolatado no referido proc. nº 140/23.8BESNT extrai-se, a propósito e por respeitar a uma situação idêntica à do Recorrente, o seguinte: «(…) // 21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 27-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação.
Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde Março 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal[sublinhados nossos].
Todas estes acórdãos [incluindo os referidos pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que os pressupostos de admissibilidade deste meio processual se aferem relativamente ao que concretamente é alegado, provado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do referido artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido o prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que tais requisitos se encontram verificados.
Mais, ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados na CRP como fundamentais ou direitos análogos, é ónus do requerente alegar e provar factos que permitam concluir pela verificação por referência ao seu caso concreto dos pressupostos de admissibilidade da presente acção – indispensabilidade e subsidiariedade -, enunciados no artigo 109º do CPTA.
Não basta, por isso, o mandatário do Requerente invocar que já instaurou muitas outras acções de intimação parecidas ou para o mesmo efeito, e obteve várias decisões favoráveis em 1ª instância e em recurso, e, limitar-se a enunciar, em termos genéricos [e repetidos de petição em petição, de recurso para recurso], a violação de determinados direitos, liberdades e garantias - ou, como, no caso em apreciação, os direitos à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à famíliaou que beneficia de uma protecção multinível no que respeita a direitos fundamentais, sem observar o ónus, que recai sobre o requerente que representa, de densificar essa violação/ameaça e de juntar prova para o efeito..
Ónus que o Requerente/recorrente, ao contrário do que vem alegado no recurso, não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência do uso desta acção excepcional de intimação.
Não se encontrando preenchido um dos pressupostos de admissibilidade da presente acção de intimação, de verificação cumulativa, tanto basta para que o presente recurso não possa proceder.
Ainda assim e quanto ao requisito da subsidiariedade entendeu o juiz a quo que, não tendo o Requerente demonstrado a indispensabilidade do meio processual que é a intimação prevista no artigo 109º do CPTA, não se impõe, por faltar a necessária urgência, a convolação da petição em providência cautelar.
O Recorrente não ataca directamente esta parte da decisão, limitando-se a defender que a urgência é evidente e que os meios cautelares não são idóneos, por precários, provisórios e terem vindo a merecer decisões que são objecto de recurso pela AIMA, para salvaguardar os seus direitos, em tempo útil - o que, conforme explanado, entendemos não ter logrado demonstrar -, nada mais havendo a pronunciar por este tribunal ad quem.
Por fim, a decisão recorrida é de rejeição liminar da petição, por verificação de um pressuposto adjectivo.
Significando que o tribunal a quo não conheceu do mérito da causa, ou seja, não entrou sequer na apreciação dos fundamentos invocados na petição, mormente da verificação das ilegalidades imputadas à actuação da Recorrida, pelo que não se pode concluir que a decisão recorrida violou os artigos 1º, 2º, 12°, 13°, 15°, 26°, 27°, 36° 44°, 53°, 58°, 59°, 64°, 67°, 68, 268°,4 da Constituição da República Portuguesa, bem como as nomas ínsitas nos artigos 7º, 15°, n° 3, 41° ,45º, n°2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artes 6º, 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 23/2007 de 4/7, lei 59/17 e da lei 102/17 e da lei 18/22 de 25/8 e ainda artes 5º, 8º, 10°, 13° todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC, como alega o Recorrente.

Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Abril de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Ricardo Ferreira Leite)

(Pedro Figueiredo, com a declaração de voto infra)



DECLARAÇÃO DE VOTO:
Entendo que vem exposta a existência de uma situação jurídica individualizada que caracteriza um direito, liberdade e garantia e a sua ameaça, conforme exigido pelo artigo 109.º, n.º 1, do CPTA (seguindo o entendimento assumido, em casos semelhantes, nos acórdãos do STA de 11/09/2019, proc. n.º 1899/18.0BELSB, e deste TCA Sul de 29/11/2022, proc. n.º 661/22.0BELSB).
Já o mesmo não se verifica quanto à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, exigidos pela parte final do mesmo normativo, uma vez que este decretamento acautelará devidamente os direitos do recorrente até à decisão da causa principal, na medida em que, caso lhe seja perfuntoriamente reconhecida a bondade da pretensão que apresentou, estará a partir de então temporariamente munido da autorização que almeja.
Atento o exposto, seria de manter o juízo de rejeição liminar, ainda que com diferente fundamentação da decisão recorrida, assim se negando provimento ao recurso.
(Pedro Nuno Figueiredo)