Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1123/11.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
USUCAPIÃO
TRATO SUCESSIVO NO REGISTO PREDIAL
Sumário:I – No caso em apreciação, na escritura de justificação não foi invocada a usucapião como causa de aquisição (originária), mas antes a compra verbal, sem título formal que comprove a referida transmissão, constando de tal documento a pretensão de fazer o registo do imóvel, declarando os justificantes não terem título que lhes permita deduzir o trato sucessivo no Registo Predial.
II – “(…) tratando-se de justificação, só no caso de ser invocada a usucapião como causa de alguma das aquisições é que pode haver lugar ao pagamento de imposto de selo; tal não acontecerá, por exemplo, no caso de o processo de justificação se destinar ao reatamento do trato sucessivo tendo em vista suprir a falta de um título relativo a uma transmissão derivada intermédia”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


J... e R..., inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de 01/08/2011, do Chefe do Serviço de Finanças do Bombarral, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada face às liquidações de Imposto de Selo (nºs 1213886 e 1213887) que lhes foram efectuadas na sequência de escritura de justificação notarial relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4...º, da freguesia de Carvalhal, concelho do Bombarral, dela vieram interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulam, para tanto, as seguintes conclusões:

«A) A justificação notarial não constitui título de aquisição ou transmissão de qualquer direito real, não possui qualquer eficácia constitutiva ou translativa desse direito, pelo que nenhuma transmissão se deu à data da escritura, tendo esta constituído somente um instrumento de documentação para efeitos de registo predial de parte do prédio onde se encontra implantada a benfeitoria construída pelos ora recorrentes que constitui a sua habitação, parte esta correspondente somente à área descoberta do actual artigo 4... conforme antes devidamente discriminado. Ora vigorando no direito fiscal o princípio da tipicidade "nullum tributum sine lege", não haverá imposto que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, não havendo pois transmissão não poderá haver imposto.

B) Contudo e caso assim se entenda, então a existir tributação e a considerar-se a existência de uma transmissão para efeito fiscal, a mesma não poderá ter como base nem todo o prédio e muito menos a construção, benfeitoria, mas somente o prédio justificado que constitui uma parte, do actual logradouro do prédio urbano.

C) Assim sendo, a aceitar-se a incidência de imposto, então só o acto de aquisição do prédio usucapido é que deve inscrever-se no âmbito da incidência objectiva do imposto de selo e não o acto de aquisição das obras ou benfeitorias nesse prédio realizadas.

D) Deste modo tendo sido como provado, na Douta sentença de que se recorre que os ora recorrentes em 1993 e 1994 pagaram os impostos devidos pela transmissões dos prédios "mãe", alíneas A) e B) de 3.l Dos Factos, fls. 3 e 4, só da pequena parte de logradouro se poderá conceder não ter sido pago o correspondente imposto e só o valor correspondente e que se venha a apurar corresponder aquela parcela deverá ser considerado para efeitos de incidência de imposto.

E) Nesse sentido se deve pois dar provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e mandando-se corrigir a liquidação para a incidência correcta da mesma.

Assim se fazendo justiça»


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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

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O presente recurso jurisdicional foi inicialmente dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), o qual se julgou «incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso interposto nestes autos”, tendo declarado competente o Tribunal Central Administrativo Sul.

Com efeito, refere a decisão do Exmo. Juiz Conselheiro Relator que «o recorrente nas suas conclusões “exige a reapreciação da matéria de facto, bem como no corpo das suas alegações, uma vez que pretende que o tribunal retire dessa mesma matéria ilações que não foram retiradas pela sentença recorrida, no tocante a saber se ocorreu ou não alguma transmissão de propriedade na data de celebração da escritura.
Ora, esta operação dedutiva, porque se prende com a apreciação da matéria de facto, está vedada a este Supremo Tribunal».


Oportunamente, foi requerida a remessa dos autos a este Tribunal Central Administrativo.


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Já no Tribunal Central Administrativo Sul, foi dada vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público, o qual emitiu parecer no sentido de o presente recurso não merecer provimento.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) Em 20/09/1993, foi emitido Serviço de Finanças do Bombarral, o instrumento junto a fls. 47 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado "SISA- Termo de Declaração", através do qual J... declarou que pretendia pagar a sisa que for devida com referência à compra e venda que ia fazer a A..., de um prédio urbano sito em Carvalhal, inscrito na matriz urbana da freguesia do Carvalhal sob o artigo 3...;

B) Em 13/01/1994, foi outorgada no Cartório Notarial de Bombarral, o instrumento junto a fls. 14 a 15 do Processo Administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado "Compra e Venda", através do qual J... e mulher venderam ao Impugnante J..., o prédio urbano sito no Carvalhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Bombarral, sob o número 1... e inscrito na matriz urbana sob o artigo 3...;

C) Em 19/07/2007, foi entregue por J..., o instrumento constante a fls.16 e 17 do Processo Administrativo apenso aos autos, denominado de "Modelo 1 - Declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz", relativo ao imóvel urbano, da freguesia do Carvalhal, artigo 3... e 3..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Bombarral sob o registo n°1..., e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, no qual consta motivo de declaração "prédio melhorado /modificado/ reconstruído";

D) Em 16/09/2010, foi outorgada no Cartório Notarial de A..., no Bombarral, o instrumento junto a fls. 49 a 51 do Processo Administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado "Justificação", através do qual J... e R..., declaram que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na freguesia de Carvalhal, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 4... (antes inscrito sob o artigo 3... e que por sua vez teve origem no artigo 3...), o qual tinha a inscrição a favor de A...;

E) Em 22/02/2011, foi apresentado pelo Impugnante J... junto do Serviço de Finanças do Bombarral o Impresso Modelo l do Imposto de Selo - "Participação de Transmissões Gratuitas" no qual é declarada a justificação notarial de aquisição pela usucapião referente ao ½ do prédio urbano com o artigo 4... da freguesia do Carvalhal, tendo sido atribuído o n° de registo de participação 1...- cfr. fls. 20 do PA;

F) Em 24/02/2011, foi emitida a nota de liquidação de Imposto de Selo n°1213887, em nome de J..., no montante de 4.987,506, relativa à transmissão gratuita por usucapião referente à participação n°1...-cfr. fls. 23 a 25 do PA;

G) Em 22/02/2011, foi apresentado pela Impugnante R... junto do Serviço de Finanças do Bombarral o Impresso Modelo l do Imposto de Selo -"Participação de Transmissões Gratuitas" no qual é declarada a justificação notarial de aquisição pela usucapião referente ao ½ do prédio urbano com o artigo 4... da freguesia do Carvalhal, tendo sido atribuído o n° de registo de participação 1...-cfr. fls. 29 e 30 do PA;

H) Em 24/02/2011, foi emitida a nota de liquidação de Imposto de Selo n°1213886, em nome de R..., no montante de 4.987,506, relativa à transmissão gratuita por usucapião referente à participação n°1... - cfr. fls. 32 a 35 do PA

I) Em 31/05/2011, foi apresentada pelos Impugnantes junto do Serviço de Finanças do Bombarral a Reclamação Graciosa relativa à liquidação do Imposto de Selo devido pela transmissão do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo urbano n°4... da freguesia do Carvalhal - cfr. fls. l e 2 do Processo Administrativo apenso aos Autos;

J) Em 01/08/2011, a Reclamação referida na alínea anterior foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Bombarral - cfr. fls. 71 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

K) Encontra-se registado na Direcção-Geral dos Impostos, que o imóvel cujo artigo matricial é o 4..., descrito na CRP de Bombarral sob o registo n°1..., teve origem nos artigos 3... e 3... ambos da freguesia do Carvalhal - cfr. fls. 40 do PA;

L) A presente Impugnação foi apresentada no Serviço de Finanças de Bombarral a 19/08/2011 - cfr. fls. 2 dos Autos.


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Motivação: A convicção do tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos autos e no Processo Administrativo apenso aos mesmos referidos a propósito de cada alínea do probatório, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas, nomeadamente da testemunha A..., reformado, vizinho dos Impugnantes, depôs de forma isenta e sincera; Ao prestar o seu depoimento na audiência declarou que se lembra que a casa onde o Impugnante reside foi construída pelo próprio há muitos anos e que parte do terreno pertencia ao tio do Impugnante. E J..., reformado, vizinho dos Impugnantes, depôs de forma isenta e sincera; Esclareceu que o local onde é hoje a casa do Impugnante era uma adega e era do avô do Impugnante; Referiu que depois da morte do avô do Impugnante, o terreno ficou para o pai e para o tio do Impugnante - O Sr. A...; Disse que a casa do Impugnante foi construída no terreno onde existia anteriormente o quintal e a adega.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»


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Considerando a prova documental junta aos autos, adita-se ao probatório, nos termos previstos no artigo 662º do CPC, a seguinte factualidade:

M) De acordo com o documento constante de fls. 10 do PAT, a actualização da Caderneta Predial Urbana, o prédio com o artigo matricial 3... teve origem no artigo urbano 3..., correspondente a casa de habitação com cave, R/chão e sótão e logradouro.

N) A fls. 47/verso do PAT mostra-se junto documento de liquidação nº 224, com o valor de SISA cobrado, correspondente ao termo de declaração referido em A).


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De direito

J... e R... recorrem para o TCA Sul da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que, após o indeferimento da reclamação graciosa, foi deduzida contra as liquidações de Imposto de Selo (IS) que lhes foram efectuadas, uma a cada um, na sequência da celebração de uma escritura de justificação notarial que efectuaram com referência prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4..., da Freguesia do Carvalhal.

A sentença julgou a impugnação improcedente e, nessa medida, manteve as liquidações contestadas.

Foi o seguinte o discurso adoptado pelo Mmo. Juiz para concluir nos termos assinalados:

“A partir da Reforma da Tributação do Património, operada pelo Decreto-Lei n°287/2003, de 12 de Novembro, o antigo imposto sobre sucessões e doações foi revogado, sendo que as transmissões gratuitas passaram a ser tributadas em sede do imposto do selo sobre transmissões gratuitas.

O Decreto-Lei n°287/2003, de 12 de Novembro, veio também estender ou alargar a transmissões gratuitas o campo de incidência do Código do Imposto do Selo.

Com efeito, foi alargado o âmbito da incidência objectiva deste imposto, sendo que o mesmo tributa as transmissões gratuitas que tenham por objecto, entre outros, o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição pela usucapião.

Dito isto, o art.1° do Código do Imposto de Selo dispõe o seguinte:

1 - O imposto do selo incide sobre todos os actos, contractos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

(...)

3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:

a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;(...)»

Por outro lado, o n° 2 do art.° 2 do CIS estabelece o seguinte:

«Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: (...)

b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários.».

Para além disso, a alínea r) do art. 5° do CIS estabelece o seguinte:

«A obrigação tributária considera-se constituída:

r) Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial;».

(…)

Dito isto vejamos o caso concreto.

Dos factos dados como assentes resulta que os Impugnantes construíram a sua habitação quer na parcela de terreno que tinha sido adquirida aos pais do Impugnante, quer na parcela que outrora foi do tio deste.

E ficou provado também que pela escritura de justificação outorgada em 2010, num Cartório privado no Bombarral, os Impugnantes tornaram-se em virtude da usucapião, os legítimos donos e possuidores da parte restante do imóvel objecto dos presentes autos.

Posto isto, podemos concluir que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

E quando o legislador no art.1°, n° 3, do CIS, veio dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a "aquisição por usucapião", não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza.

(…)

Nas transmissões do direito de propriedade, incluindo a aquisição pela usucapião, o imposto é devido, sendo o seu facto gerador, a data que foi celebrada a escritura de justificação notarial.

Isto significa que, tal como a Fazenda Pública refere, a transmissão ocorrida insere-se nas normas de incidência objectiva e subjectiva do CIS”.

A primeira questão aqui suscitada consta da conclusão I) e prende-se com o entendimento segundo o qual “A justificação notarial não constitui título de aquisição ou transmissão de qualquer direito real, não possui qualquer eficácia constitutiva ou translativa desse direito, pelo que nenhuma transmissão se deu à data da escritura, tendo esta constituído somente um instrumento de documentação para efeitos de registo predial de parte do prédio onde se encontra implantada a benfeitoria construída pelos ora recorrentes que constitui a sua habitação, parte esta correspondente somente à área descoberta do actual artigo 4... conforme antes devidamente discriminado”.

Vejamos o que dizer, sendo patente que, para os Recorrentes, a escritura notarial de justificação se limitou a formalizar uma situação de facto e de direito pré-existente, já que, desde 1986, eram os proprietários do prédio que tinham adquirido em momento prévio, através de compra verbal ao A....

Importa esclarecer que, conforme decorre da alínea K) dos factos provados, o imóvel cujo artigo matricial é o 4... teve origem nos artigos 3... e 3..., ambos da freguesia do Carvalhal. Diga-se, de acordo com os elementos juntos aos autos (concretamente a fls. 10 do PAT), que o artigo 3... teve origem no artigo 3... e que este foi adquirido, pelo J..., a J..., em 1994 (cfr. alínea B) dos factos provados).

Como resulta do teor do documento a que se reporta a alínea D) dos factos provados, em 16/09/2010, foi outorgada escritura de justificação notarial, através da qual J... e R... declararam ser donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na freguesia de Carvalhal, composto por casa de arrecadação e logradouro, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 4... (antes inscrito sob o artigo 3..., tendo aquele artigo origem neste e no artigo 3...), o qual tinha a inscrição a favor de A.... Consta de tal escritura que o referido prédio foi por eles adquirido, no estado de casados, em 1986, por compra verbal, sem que possuam título formal que comprove a referida transmissão. Todavia, como resulta do teor de tal documento, possuem o prédio, “como se vê, há mais de 20 anos e, tal posse, sempre foi exercida de forma pública, pacífica e sem interrupção, tal como se correspondesse ao exercício do direito de propriedade, nele fazendo obras e cuidando do seu arranjo e manutenção”. Mais consta de tal escritura de justificação que pretendendo “fazer o registo e não tendo título que lhes permita deduzir o trato sucessivo no Registo Predial” requereram a notificação dos herdeiros de A..., não tendo sido deduzida qualquer oposição.

Temos, então, que a justificação notarial relativa ao prédio 4... que aqui está em discussão, como base para a incidência do Imposto de Selo, respeita à aquisição do prédio a que corresponde o artigo 3..., porquanto a aquisição, pela via da compra e venda do artigo 3... (por sua vez, 3...), não está posta em causa.

Vejamos, importando ter presente que na escritura de justificação não foi invocada a usucapião como causa de aquisição (originária), mas antes a compra verbal, sem título formal que comprove a referida transmissão, constando de tal documento a pretensão de fazer o registo do imóvel, declarando os justificantes não terem título que lhes permita deduzir o trato sucessivo no Registo Predial.

Ora, “tratando-se de justificação, só no caso de ser invocada a usucapião como causa de alguma das aquisições é que pode haver lugar ao pagamento de imposto de selo; tal não acontecerá, por exemplo, no caso de o processo de justificação se destinar ao reatamento do trato sucessivo tendo em vista suprir a falta de um título relativo a uma transmissão derivada intermédia” – cfr. acórdão do STA, de 12/10/16, processo 718/15.

Diferentemente seria, para efeitos de liquidação de Imposto de Selo, se tivesse sido pela verificação de todos os requisitos da usucapião na esfera dos ora Recorrentes que se tivesse dado por justificada extrajudicialmente a aquisição originária do direito de propriedade, o que não se nos afigura ser o caso, contrariamente ao entendido pela AT e pelo TAF.

Com efeito, no caso, há razões para concluir que estamos – isso sim - perante caso de justificação de transmissão de direitos anteriores (independentemente de também ter sido referido na escritura de justificação que “possuem-no (o prédio), como se vê, há mais de vinte anos e, tal posse, sempre foi exercida de forma pública, pacífica e sem interrupção, tal como se correspondesse ao exercício do direito de propriedade, nele fazendo obras e cuidando do seu arranjo e manutenção”.

Ressalte-se que, conforme resulta da alínea A) dos factos provados, “Em 20/09/1993, foi emitido Serviço de Finanças do Bombarral, o instrumento junto a fls. 47 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, (…), intitulado "SISA- Termo de Declaração", através do qual J... declarou que pretendia pagar a sisa que for devida com referência à compra e venda que ia fazer a A..., de um prédio urbano sito em Carvalhal, inscrito na matriz urbana da freguesia do Carvalhal sob o artigo 3...” e que, de acordo com a alínea N) por nós aditada, a fls. 47/verso do PAT mostra-se junto o correspondente documento de liquidação nº 224, com o respectivo valor de SISA cobrado.

«A justificação notarial é o acto por que alguém explicita o modo de aquisição do seu direito de propriedade, precisando os factos que o comprovam. Constitui um meio destinado a possibilitar o registo de um direito e, por outro lado, um acto de natureza probatória que permite harmonizar a situação jurídica com a registral e, assim, a publicitação dos direitos inerentes às coisas imóveis e a concretização dos interesses dos particulares no que respeita a possibilidade de formalização de certos negócios jurídicos na falta de consonância entre o registo e a realidade jurídica (…). Não constitui um acto translativo nem constitutivo do direito; este já deve existir na esfera jurídica do justificante na data da justificação» - Acórdão do TCAS, de 23/06/09, P. 01840/07 e de 23/03/17, P. 33/08.9 CTB

Em face do exposto, não se pode acompanhar a sentença recorrida, impondo-se a sua revogação, pois que, pelas razões expostas, não é de aquisição do imóvel em apreço pela via da usucapião que aqui se trata e, nessa medida, há que afastar, por falta de pressupostos legais, a incidência de Imposto de Selo, determinando a anulação das liquidações contestadas.

Fica prejudicada a análise das demais questões suscitadas no recurso jurisdicional.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular as liquidações sindicadas.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 11/02/21


(Catarina Almeida e Sousa)

Hélia Gameiro

Ana Cristina Carvalho