Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1083/21.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
Sumário:Sendo requerida a prestação de informação sobre as liquidações emitidas, em resultado de determinada ação inspetiva, tal requerimento abrange não só as liquidações de imposto, mas também as de juros compensatórios e as demonstrações de acerto de contas respetivas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

P…, SL. (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da decisão proferida a 06.12.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1ª – A recorrente, na presente intimação judicial sempre aludiu expressamente a notificações de liquidações do IVA respeitantes aos períodos tributários de 2016 a 2018, e nunca a comunicações ;

2ª – A prova disso é o facto dado como provado sob o número 3, devendo, porém, na sequência de impugnação, ser modificada a matéria de facto, e onde consta comunicação passar a constar notificação ;

3ª – Aliás, o despacho proferido em 31/08/2021, é muito claro:

“Atento o requerimento que antecede (de 27/08/2021, ref 00………, pág. 417 SITAF) segundo o qual “ a breve prazo, a AT irá enviar as notificações das liquidações em falta ao autor e desse facto dará conhecimento ao Tribunal” , o que faz prever que em breve possa ser alcançado o efeito útil peticionado pelo Requerente (!), concede-se à AT o prazo de 15 dias para enviar as mencionadas notificações (e não comunicações) em falta e comprovar isso nestes autos ... ”.

4ª – Também não assiste razão à sentença recorrida, ao não considerar objeto da intimação os juros compensatórios e as demonstrações de acertos de contas por parte da recorrida;

5ª – Quanto aos primeiro decorre claramente o contrário do artigo 35º, nº 8, da Lei Geral Tributária;

6ª – E quanto às segundas, decorre de modo cristalino do disposto nos artigos 97º, da Lei Geral Tributária, e artigo 268º, da Constituição da República Portuguesa, que asseguram a notificação efetiva e completa de todos os elementos do ato tributário, no seio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente (e onde se incluem a demonstração dos acertos de contas);

7ª – Sendo que, quanto a estas últimas, aquando da elaboração da sentença, não havia ainda sido notificada a recorrente das demonstrações dos acertos de contas referentes aos períodos de 01.01.2016 a 30.04.2016, e todas as referentes ao ano de 2017 – cfr. requerimento de 10/11/2021;

8ª – Pelo que os autos deverão baixar para tal ser cumprido;

9ª – A sentença recorrida violou, assim, os artigos 35º, nº 8, e 97º, ambos da Lei Geral Tributária, e 268º, da Constituição da República Portuguesa, além de incorrer em erro de julgamento.

Termos em que, julgando procedente o recurso pelas razões vertidas nas conclusões supra e revogando parcialmente a decisão recorrida, V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, farão Justiça!”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrida ou AT) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A. A Douta sentença recorrida, proferida em 6.12.2021 ao julgar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, fez uma correta interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual deve ser mantida.

B. Nestes termos, deverá ser rejeitado o presente recurso, em tudo se confirmando a Douta sentença recorrida.

C. Tendo em conta que a AT após consulta aos registos informáticos em sede de IVA, verificou que todas as demonstrações dos acertos de contas referentes aos períodos de 01.01.2016 a 30.04.2016, e todas as referentes ao ano de 2017 foram enviadas ao Requerente, constando a prova do seu envio e recebimento pelo Requerente dos autos.

D. Contudo a Requerida junta novamente aos presentes autos de recurso, os quatro documentos que comprovam as notificações demonstrações dos acertos de contas referentes aos períodos de 01.01.2016 a 30.04.2016, e todas as referentes ao ano de 2017 .

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado improcedente em toda a sua extensão, mantendo - se na ordem jurídica a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Atenta a documentação junta com as contra-alegações, foram notificadas ambas as partes, para se pronunciarem quanto à inutilidade superveniente da lide.

A Recorrente pronunciou-se no sentido de apenas ocorrer a mesma em relação às conclusões 7.ª e 8.ª, considerando a Recorrida verificar-se quanto à totalidade.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que o requerido pela Recorrente abrangia as liquidações de juros compensatórios e as demonstrações de acerto de contas?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1 - Por carta de 20/4/2021, dirigida ao Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 3, o ora Requerente P… requereu que «nos termos dos artigos 35º a 37º, do CPPT, 82º e 83º, do Código de Procedimento Administrativo, aplicável por remissão da al. d), do artigo 2º do CPPT, e tendo em conta o previsto no nº 3, do citado artigo 82º, do CPA, bem assim como os artigos 59º e 67º, da Lei Geral Tributária, se digne notificar a requerente na pessoa do aqui mandatário e para o domicílio profissional deste, infra identificado, para quando se prevê a realização de tais notificações/citações, respeitantes aos supra identificados períodos tributários, de 2016 a 2018, ou, se as mesmas eventualmente ocorreram, quando ocorreram e para onde foram remetidas, neste caso devendo apresentar os respectivos comprovativos documentais de todas elas» (doc. 3 da PI, aqui dado por reproduzido) .

2 - A petição inicial da presente Intimação [em que é pedida a condenação do Requerido a «notificar a Requerente [...] para quando se prevê a realização das notificações/citações, respeitantes aos períodos tributários, de 2016 a 2018, respeitantes a IVA ou, se as mesmas eventualmente ocorreram, quando ocorreram e para onde foram remetidas, neste caso devendo apresentar os respectivos comprovativos documentais de todas elas» , e ainda, «a condenação na sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de incumprimento» ] deu entrada neste Tribunal Tributário de Lisboa no dia 8 / 5 /20 21 (comprovativo de entrega nos autos).

3 - Por notificações datadas de 15/6/2021 e de datas posteriores foram comunicadas ao ora Requerente as liquidações de IVA e de juros (compensatórios e mora) existentes relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018 (conforme consta das ref. 00…….., de 18 - 06 - 2021, ref. 00………, de 18 - 06 - 2021, ref. 00……. , de 18 - 06 - 2021, ref. 00……., de 18 -06 - 2021 , ref. 00……, de 09 - 07 - 2021, ref. 00……., de 09 - 07 - 2021 , ref. 00……, ref. 00……, de 06 - 08 - 2021, ref. 007……, de 06 - 08 - 2021 , ref. 00……, de 06 - 08 - 2021, ref. 00……., de 31 - 08 - 2021, ref. 00……., de 27 - 10 - 2021, ref. 0 0……., de 27 - 10 - 2021 , todas nos autos SITAF, aqui dadas por reproduzidas , e como reconhecido pelo Requerente no requerimento com a ref. 00……, de 23 - 11 - 2021 , a o referir que a AT «procedeu [...] às notificações das liquidações de IVA mensais, respeitantes aos anos 2016 a 2018» )”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Não existem factos não provados com relevância para a decisão”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto, atendendo ao teor dos documentos acima referidos no probatório e não impugnados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

4. Em anexo ao requerimento apresentado pela Recorrida nos presentes autos, a 06.08.2021, foram, designadamente:

4.1. Juntas cópias das demonstrações de liquidação relativas aos meses de abril de 2016 (IVA), maio a dezembro de 2016 (IVA e juros compensatórios e moratórios) e maio a novembro de 2017 (IVA e juros compensatórios e moratórios);

4.2. Prestada informação de que não foi emitida qualquer liquidação de juros compensatórios relativa a abril de 2016, nem quaisquer liquidações relativas aos meses de janeiro a março de 2016 e janeiro a março de 2017, remetendo para o relatório de inspeção tributária (RIT);

4.3. Remetida cópia de parte do RIT, da qual consta designadamente o seguinte:

(cfr. documentos com os n.ºs 00….., 00…… e 00……. de registo no SITAF neste TCAS, equivalentes aos documentos com os n.ºs 00……., 00……. e 00…….. de registo no SITAF no TTL).

5. O requerimento mencionado em 4. e respetivos documentos foram objeto de notificação eletrónica à Recorrente, a 06.08.2021 (cfr. documentos com os n.ºs 004….. e 00…… de registo no SITAF neste TCAS).

6. Em anexo ao requerimento apresentado pela Recorrida nos presentes autos, a 31.08.2021, foram designadamente juntas:

6.1. Cópias das demonstrações de liquidação relativas aos meses de janeiro e fevereiro de 2018 (IVA e juros compensatórios e moratórios);

6.2. Demonstrações de acerto de contas relativas aos períodos compreendidos entre 01.04.2017 e 31.03.2018 (cfr. documento com o n.º 004…… de registo no SITAF neste TCAS, equivalente ao documento com o n.º 00……. de registo no SITAF no TTL).

7. O requerimento mencionado em 6. e respetivos documentos foram objeto de notificação eletrónica à Recorrente, a 31.08.2021 (cfr. documentos com os n.ºs 004….. e 004…… de registo no SITAF neste TCAS).

8. Em anexo ao requerimento apresentado pela Recorrida nos presentes autos, a 27.10.2021, foram designadamente juntas a demonstrações de acerto de contas abrangendo os períodos compreendidos entre 01.04.2016 e 31.12.2006 (cfr. documento com o n.º 00……. de registo no SITAF neste TCAS, equivalente ao documento com o n.º 00…… de registo no SITAF no TTL).

9. O requerimento mencionado em 8. e respetivos documentos foram objeto de notificação eletrónica à Recorrente, a 27.10.2021 (cfr. documentos com os n.ºs 00……… de registo no SITAF neste TCAS).

II.E. Da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, no facto 3, onde está comunicações deveria estar notificações, devendo passar a ser a seguinte a respetiva redação:

“Em 15/06/2021 e datas posteriores foram notificadas à ora Requerente as liquidações de IVA e de juros (compensatórios e mora) relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018 (conforme consta...) e como reconhecido pela Requerente no requerimento com a ref. 007……., ao referir que a AT “procedeu...às notificações das liquidações de IVA mensais respeitantes aos anos de 2016 a 2018)”.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados(2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Desde já se refira que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, o facto 3. impugnado tem a seguinte redação:

3 - Por notificações datadas de 15/6/2021 e de datas posteriores foram comunicadas ao ora Requerente as liquidações de IVA e de juros (compensatórios e mora) existentes relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018 (conforme consta das ref. 00……9, de 18 - 06 - 2021, ref. 0071……, de 18 - 06 - 2021, ref. 00……. , de 18 - 06 - 2021, ref. 00……, de 18 -06 - 2021 , ref. 007….., de 09 - 07 - 2021, ref. 007……., de 09 - 07 - 2021 , ref. 007……., ref. 00….., de 06 - 08 - 2021, ref. 007……., de 06 - 08 - 2021 , ref. 00……, de 06 - 08 - 2021, ref. 007……, de 31 - 08 - 2021, ref. 007….., de 27 - 10 - 2021, ref. 0 07……, de 27 - 10 - 2021 , todas nos autos SITAF, aqui dadas por reproduzidas , e como reconhecido pelo Requerente no requerimento com a ref. 007…….., de 23 - 11 - 2021 , a o referir que a AT «procedeu [...] às notificações das liquidações de IVA mensais, respeitantes aos anos 2016 a 2018» )”.

Ora, o facto 3. tem, no seu essencial, a redação que a Recorrente defende que deve ter. Com efeito, a utilização da expressão “foram comunicadas” em nada altera o sentido do facto fixado.

Aliás, em bom rigor, a palavra notificação incorpora um conceito jurídico, que traduz a realidade fática consubstanciada num ato praticado com vista a levar um facto ao conhecimento de uma pessoa ou chamar alguém a juízo (cfr. art.º 35.º, n.º 1, do CPPT) – que mais não é do que uma comunicação com um determinado objetivo.

Como tal, indefere-se o requerido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que o requerimento por si apresentado junto do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 3, ao referir-se a liquidações, inexoravelmente abrangia as liquidações de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas, sendo que, à data da prolação da sentença, a Recorrente ainda não fora notificada das demonstrações dos acertos de contas referentes aos períodos de 01.01.2016 a 30.04.2016, e todas as referentes ao ano de 2017.

Vejamos então.

Dispõe o art.º 268.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “[o]s cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas” (vertente procedimental do direito de informação dos cidadãos), determinando o seu n.° 2 que “[o]s cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” (o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos – princípio do arquivo aberto ou da administração aberta, vertente não procedimental do direito de informação dos cidadãos – cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª Edição, Coimbra, Almedina, 1997, p. 322; José Manuel Sérvulo Correia, «O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa», Legislação - Cadernos de Ciência de Legislação, 9/10, INA, janeiro/junho, 1994, p. 135).

Como referido por José Eduardo Figueiredo Dias («Direito à informação, protecção da intimidade e autoridades administrativas independentes», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, Coimbra, 2001), “[o] propósito ínsito aos direitos à informação procedimental e de acesso a arquivos e registos administrativos é, do ponto de vista objectivo, o mesmo: o de banir o segredo administrativo e de tornar a vida e o funcionamento da Administração Pública mais democráticos e transparentes. Para além das inegáveis dimensões subjectivas destes direitos, não é menos certo que eles representam valores fundamentais para a estruturação política da comunidade, estando também ligados a princípios gerais da actividade administrativa (com acolhimento constitucional e legal) como os princípios da imparcialidade, legalidade, igualdade e justiça: tudo confluindo para a indiscutível ‘existência de um interesse público objectivamente radicado na transparência em si mesma’”.

Ao nível da lei ordinária, por seu turno, prevê o art.º 67.º da Lei Geral Tributária (LGT), o direito do administrado à informação, nos seguintes termos:

“1 - O contribuinte tem direito à informação sobre:

a) A fase em que se encontra o procedimento e a data previsível da sua conclusão;

b) A existência e teor das denúncias dolosas não confirmadas e a identificação do seu autor;

c) A sua concreta situação tributária.

2 - As informações referidas no número anterior, quando requeridas por escrito, são prestadas no prazo de 10 dias”.

É ainda de ter em conta que o direito à informação procedimental, à consulta de processos e à passagem de certidões se encontra consagrado, no Código de Procedimento Administrativo (CPA), nos seus art.ºs 82.º a 85.º.

O não fornecimento da informação solicitada determina a possibilidade de o interessado peticionar o cumprimento do requerido pela via judicial, através da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista nos art.ºs 104.º e ss., do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 146.º, n.º 1, do CPPT.

Este “… processo compreende a tutela do direito à informação procedimental, fundado nos artigos 61.° a 64.° do CPA [antigo], e do direito à informação extra­-procedimental, consagrado no artigo 268.°, n.° 2, da CRP e na Lei n.° 65/93, de 26 de Agosto. Os elementos constitutivos, bem como os limites próprios dos direitos que podem ser accionados através deste processo são estabelecidos por esses preceitos de direito substantivo” (Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 280).

O direito à informação é designadamente delimitado pelo concretamente requerido pelo administrado.

Feito este introito, cumpre apreciar.

Considerando o requerimento mencionado em 1. do probatório, verifica-se que a ora Recorrente requereu, na sequência do relatório inspetivo de que fora notificada, o qual incluía correções aos anos de 2016 a 2018, em sede de imposto sobre o valor acrescentado (IVA):

a) Emissão de informação, atinente à previsão da realização das notificações/citações respeitantes a IVA dos anos de 2016, 2017 e 2018; OU, caso tivessem já ocorrido

b) Emissão de informação relativa a quando ocorreram e para onde foram remetidas e, bem assim, os respetivos comprovativos documentais.

Portanto, daqui resulta que a Recorrente pretendia informação sobre as liquidações decorrentes da ação inspetiva.

Esta circunstância implica que, desde logo, esteja delimitado o alcance do seu pedido, uma vez que, no âmbito da mencionada ação inspetiva, nem todos os meses dos anos em causa foram objeto de correção, tendo sido corrigidos os seguintes meses (para além dos de 2015, que não são objeto dos presentes autos):

a) Abril a dezembro de 2016;

b) Maio a novembro de 2017; e

c) Janeiro e fevereiro de 2018.

Como tal, e como informado pela Recorrida nos autos, não há liquidações relacionadas com a ação inspetiva relativas a outros períodos que não estes, pelo que a apreciação a efetuar tem sempre esta delimitação.

A outra questão que se coloca é se o pedido efetuado está circunscrito às liquidações de imposto, como considerou o Tribunal a quo, ou se abrange também as liquidações de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas.

Desde já se refira que não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, a este respeito.

Com efeito, do requerimento apresentado resulta que foi requerida informação sobre as liquidações resultantes da ação inspetiva, atentas as correções efetuadas em sede de IVA, onde se incluem, intrinsecamente, as liquidações de juros compensatórios. Por outro lado, as demonstrações de acerto de contas não podem ser vistas de forma dissociada da liquidação [cfr., a este respeito, os Acórdãos deste TCAS de 22.10.2020 (Processo:801/10.1BESNT) e de 25.03.2021 (Processo: 2360/10.6BELRS)], refletindo fluxos financeiros relacionados com essa liquidação, pelo que um requerimento, nos termos daquele que foi formulado in casu, não pode deixar de as abarcar.

Assim, do ponto de vista da fundamentação jurídica, não se acolhe integralmente a posição do Tribunal a quo.

Resta, no entanto, aferir se, ainda assim, a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide se encontra ou não correta, atentos os elementos juntos aos autos.

Apreciemos cada uma das situações separadamente.

III.A.1. Quanto aos juros

Como já referimos, não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que o requerido não abrangia as liquidações de juros compensatórios.

No entanto, apesar de com diferente fundamentação, consideramos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo se deve manter, porquanto, como resulta provado, ao longo de todo o processo, com os diversos requerimentos apresentados pela Recorrida e notificados à Recorrente, foram remetidas não só as cópias das liquidações de imposto, mas também as dos respetivos juros compensatórios, atinentes aos períodos abrangidos no RIT a que já nos referimos, além de ter sido informado que inexistia qualquer liquidação de juros atinente ao mês de abril de 2006 (cfr. factos 4. a 7.).

Como tal, ao longo do processo, a pretensão da Recorrente foi satisfeita, pelo que, à data da prolação da sentença, se verificava inutilidade superveniente da lide nessa parte, não lhe assistindo, pois, razão.

III.A.2. Quanto às demonstrações de acerto de contas

No tocante às demonstrações de acerto de contas, a solução não será diferente.

Sendo certo que a Recorrida, com as suas contra-alegações, juntou documentos atinentes a tais demonstrações e que a Recorrente considerou que os mesmos satisfaziam a sua pretensão, o certo é que tais documentos já constavam dos autos e foram notificados à Recorrente, como resulta de 7. a 10. do probatório.

Assim, também nesta parte, ao longo do processo, a pretensão da Recorrente foi satisfeita, pelo que, à data da prolação da sentença, se verificava inutilidade superveniente da lide nessa parte, não lhe assistindo, pois, razão.

Como tal, carece de razão a Recorrente, apesar de com a presente fundamentação.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de março de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


__________________________
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.