Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:240/12.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO GERENTE;
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I- A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II- O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III- O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Fazenda Pública.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por L................ contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ................, instaurado originariamente contra a “S..............., Lda.”, por dívidas tributárias de IRC dos anos de 2004 e 2005 no montante total de € 75.089,80.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. A Fazenda Pública não se conforma com o doutamente decidido nos presentes autos, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e consequente erro na aplicação do disposto nos art.ºs 24º n.º1 b) e 74º da LGT e art.º 342º do CC.
B. O Tribunal a quo decidiu pela procedência da oposição no tocante às dividas de IRC, entendendo que o recorrido era parte ilegítima na execução, pois considerou que a AT não comprovou o exercício da gerência de facto do revertido, quanto aos anos de 2004 e 2005, anos a que se reportam as dívidas revertidas, considerando que os demais factos invocados pela Fazenda Pública, comprovativos de gerência de facto, não podem ser valorados, por dizerem respeito a anos posteriores aos das dívidas.
C. Com efeito, a douta Sentença considerou provados os factos constantes das alíneas A) a M) do probatório, dos quais resultam relevantes, para a prova da gerência de facto do recorrido, os seguintes:
B) Nos termos do contrato de sociedade o capital social encontra-se dividido em duas quotas iguais, pertencente a L................ e outra a A..............., pertencendo a gerência a ambos os sócios e a forma de obrigar é com a assinatura conjunta de ambos (fls 65 e 66, do processo físico);
C) Em 12-03-2004 L................ outorgou a escritura pública de compra e venda, de fls 69 a 72, do processo físico, onde ficou a constar, nomeadamente que aque e A............... “intervêm na qualidade de únicos sócios e gerentes, em representação da sociedade …” identificada em A)
D) Em 13-08-2008 L................, na qualidade de sócio gerente da sociedade identificada em A) a notificação pessoal emitida pela Direcção regional de Assuntos Ficais, para apresentação de documentos/dossier fiscal da sociedade (fls 74, do processo físico);
E) Em 31-08-2008, na qualidade de sócio gerente da sociedade identificada em A) L................ assinou a OS nº OI200800314 para procedimento externo inspecto
F) Em 2009-01-13 foi instaurado o processo de execução fiscal nº……………, contra a sociedade identificada em A), por dívida respeitante a IRC do exercício de 2004 (fls 25, do processo físico);
H) Ao processo de execução fiscal referido no ponto anterior foi apenso o processo nº ............... (fls 27, do processo físico);
I) Em 22-03-2010 L............... dirigiu à Direcção regional dos Assuntos Fiscais, na qualidade de sócio gerente da sociedade identificada em A) onde solicitou cópia do relatório correspondente à OS nº OI200800314 (fls 78, do processo físico);
D. Concluindo o douto decisório que: “o facto de ter participado na escritura pública de 12-03-2004, não é demonstrativo da gerência de facto. Os demais factos invocados pela FP, ou seja apresentar-se perante a AF como gerente da sociedade devedora originária são factos posteriores às dívidas que se encontram em cobrança coerciva.”
E. Desde logo, a Fazenda Pública considera que a douta sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto, por não terem sido tomados em consideração factos documentalmente provados nos autos, com interesse para a boa decisão da causa, e da qual resulta provado o exercício efetivo de funções de gerência por parte do ora Recorrido no período legal de pagamento das dívidas revertidas, suscetível de determinar a respetiva responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias objeto de execução fiscal, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
F. Os factos dados como provados nos pontos F e H do probatório da sentença recorrida, mostram-se incompletos de forma decisiva para a decisão da causa, pelo que entende a Fazenda Pública que deve ser ampliada a matéria de facto fixada, cf. Art. 662.º do CPC,
Nomeadamente:
G. Ao ponto F) do probatório deve ser acrescentado: “cujo prazo legal de pagamento terminou a 22-12-2008” - pois está provado nos autos pelos documentos oficiais (não impugnados) de citação em reversão e despacho de reversão, juntos aos autos de folhas 17 a 21 (documento 1 da p.i.), fls. 26, e fls. 34 a 40, que a dívida de IRC de 2004 teve como prazo legal de pagamento a data de 22-12-2008.
H. Ao ponto H) do probatório, deve ser acrescentado: “o qual foi instaurado contra a sociedade identificada em A), por dívidas respeitantes a IRC do exercício de 2005, cujo prazo legal de pagamento terminou a 01-02-2010” pois está provado nos autos pelos documentos oficiais (não impugnados) de citação em reversão e despacho de reversão, juntos aos autos de folhas 17 a 21 (documento 1 da p.i.), fls. 27, e fls. 34 a 40, que a dívida de IRC de 2005 teve como prazo legal de pagamento esta data de 01-02-2010.
I. Consequentemente, em nosso entender, verificou-se também um erro de julgamento na aplicação do disposto nos art.ºs 24º n.º1 b) da LGT.
J. Isto porque a reversão do ora recorrido foi efetuada nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 24.º da LGT, conforme citação em reversão e despacho de reversão em anexo aos autos.
K. A alínea b) do artigo 24.º n.º1 da LGT dispõe que:
Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (a…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.(sublinhado nosso)
L. Nestes termos, a Fazenda Pública deve provar a gerência de facto do ora recorrido, nos períodos a que respeitam os termos dos prazos legais de pagamento das dívidas revertidas, nomeadamente: - 22-12-2008 (termo do prazo legal de pagamento do IRC de 2004), e - 01-02-2010 (termo do prazo legal de pagamento do IRC de 2005).
M. E não, como pretende a sentença a quo, nos exercícios a que respeitam as dívidas.
N. Efetivamente, a Fazenda Pública comprovou que o recorrido praticou vários atos de gerência, não só em 2004 (ano do imposto), mas ainda em 2008, 2009 e 2010 (anos dos termos dos prazos legais de pagamento das dívidas), encontrando-se, aliás, todos estes factos fixados no probatório a pontos B), C), D), E), I), J), e já acima reproduzidos a ponto C destas presentes conclusões, e que se dá aqui novamente por reproduzido, por economia processual.
O. A intervenção do recorrido nestes atos/documentos, com efeitos diretos na vinculação da sociedade para o exterior, comprova de modo suficiente e capaz a sua gestão de facto na sociedade, nos períodos legais de pagamento das dívidas revertidas, e a sua legitimidade para a execução, facto este que traduz a correta aplicação do previsto na al. b), do n.º 1 do art.º 24º da LGT.
P. O próprio Tribunal a quo, inclusive, considerou estes atos aptos a provar a gerência de facto do oponente, mas não os valorou (em nosso entender erradamente) por considerar que eram “factos posteriores às dívidas em cobrança coerciva”.
Q. Assim, pelas razões já expendidas, e com a requerida ampliação de matéria de facto, a douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou a alínea b) do n.º1 do art.º 24.º e 77.º n.ºs 1 e 2 da LGT.
R. Comprovada a gerência de facto, o oponente não ilidiu a presunção que sobre o mesmo impendia, nos termos do artigo 24.º n.º 1 b) da LGT, recaindo o ónus da prova sobre si.
S. Não tendo o oponente feita prova da inexistência de culpa pela falta de pagamento da dívida da sociedade, a dúvida não lhe podia aproveitar.
T. Pelo exposto, considera a Fazenda Pública que, no caso presente, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução aqui em causa, impondo-se uma decisão judicial que considere o recorrido parte legítima na execução, por provado o exercício efetivo da sua gerência nos períodos legais de pagamento das dívidas revertidas, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º n.º1 b) da LGT.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!”.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e violação das normas legais ao considerar o Oponente como parte ilegítima das execuções fiscais.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Pela Ap 09/19990319 foi registada a constituição da sociedade “S..............., Ldª”, tendo por objecto social a construção e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, promoção, desenvolvimento e gestão de imóveis próprios ou alheios e, exploração por conta própria ou alheia de centros comerciais (fls 65, do processo físico);

B) Nos termos do contrato de sociedade o capital social encontra-se dividido em duas quotas iguais, pertencente a L................ e outra a A..............., pertencendo a gerência a ambos os sócios e a forma de obrigar é com a assinatura conjunta de ambos (fls 65 e 66, do processo físico);

C) Em 12-03-2004 L................ outorgou a escritura pública de compra e venda, de fls 69 a 72, do processo físico, onde ficou a constar, nomeadamente que aquele e A............... “intervêm na qualidade de únicos sócios e gerentes, em representação da sociedade …” identificada em A)

D) Em 13-08-2008 L................, na qualidade de sócio gerente da sociedade identificada em A) a notificação pessoal emitida pela Direcção Regional de Assuntos Ficais, para apresentação de documentos/dossier fiscal da sociedade (fls 74, do processo físico);

E) Em 31-08-2008, na qualidade de sócio gerente da sociedade identificada em A) L................ assinou a OS nº OI200800314 para procedimento externo de inspecção

F) Em 2009-01-13 foi instaurado o processo de execução fiscal nº……….., contra a sociedade identificada em A), por dívida respeitante a IRC do exercício de 2004 (fls 25, do processo físico);

G) Em 31-12-2009 a sociedade identificada em A) cessou a actividade em IVA e IRC (facto aceite);

H) Ao processo de execução fiscal referido no ponto anterior foi apenso o processo nº ............... (fls 27, do processo físico);

I) Em 22-03-2010 L............... dirigiu à Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, na qualidade de sócio gerente da sociedade identificada em A) onde solicitou cópia do relatório correspondente à OS nº OI200800314 (fls 78, do processo físico);

J) Em 02-04-2012 foi prestada a informação da inexistência de bens em nome da devedora originária (fls 28, do processo físico);

K) Em 02-04-2010 foi proferido despacho para audição da reversão de L................ (fls 29, do processo físico);

L) Em 04-05-20112 foi proferido despacho de reversão contra L............... (fls 31, 34 a 36, do processo físico);

M) Em 11-06-2012 L............... foi citado do despacho de reversão (fls 17, do processo físico).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.

Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”
* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal recorrido julgou a oposição procedente tendo considerado, em síntese, que o Oponente é parte ilegítima nas execuções fiscais em apreço, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por entender que a Administração Tributária não logrou provar a gerência de facto pelo Oponente.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado o Oponente, parte ilegítima nas presentes execuções fiscais.

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada porquanto as alíneas F) e H) do probatório mostram-se incompletas, pedindo a sua ampliação, no sentido de incluir os termos dos prazos legais de pagamento das dívidas revertidas, nomeadamente: - 22-12-2008 (termo do prazo legal de pagamento do IRC de 2004), e - 01-02-2010 (termo do prazo legal de pagamento do IRC de 2005).

Mais alega erro de julgamento quanto ao disposto na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT ao ter sido considerado pelo Tribunal a quo que o oponente era parte ilegítima da execução porquanto defende, por um lado, que a Fazenda Pública comprovou que o recorrido praticou vários atos de gerência, não só em 2004 (ano do imposto), mas ainda em 2008, 2009 e 2010 (anos dos termos dos prazos legais de pagamento das dívidas), e que a intervenção do recorrido em atos/documentos, com efeitos directos na vinculação da sociedade para o exterior, comprova de modo suficiente e capaz a sua gestão de facto na sociedade, nos períodos legais de pagamento das dívidas revertidas, e a sua legitimidade para a execução, e por outro lado, que o oponente não ilidiu a presunção que sobre o mesmo impendia, nos termos do artigo 24.º n.º 1 b) da LGT, concluindo que se mostram verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução aqui em causa, impondo-se uma decisão judicial que considere o recorrido parte legítima na execução, por provado o exercício efectivo da sua gerência nos períodos legais de pagamento das dívidas revertidas, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º n.º1 b) da LGT.

Vejamos então.

No que diz respeito ao alegado erro quanto à matéria de facto, após a reapreciação da prova produzida com base nos elementos constantes do processo, considera-se que assiste razão à Recorrente quanto às alíneas F) e H) pelo que, se defere o aditamento por complementação requerido pela Recorrente, ficando assim, as aludidas alíneas a contemplar a seguinte redacção:

F) Em 2009-01-13 foi instaurado o processo de execução fiscal nº……………., contra a sociedade identificada em A), por dívida respeitante a IRC do exercício de 2004, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 2008-12-22 (fls. 25 e 26 do processo físico);

H) Ao processo de execução fiscal referido no ponto anterior foi apenso o processo nº ............... por dívidas respeitantes a IRC do exercício de 2005, cujo prazo legal de pagamento terminou a 2010-02-01 (fls. 27 e 30 do processo físico)”

Estabilizada a matéria de facto dos autos nos termos acima expostos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à ilegitimidade do oponente.

Importa desse já salientar que estamos perante dívidas tributárias de IRC de 2004 e 2005 cujas datas limite de pagamento ocorreram em 22/12/2008 e 01/02/2010, respectivamente.

Quanto à responsabilidade subsidiária importa ter presente o disposto no nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária que consagra o seguinte regime:

“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

O Tribunal a quo considerou o Oponente, ora Recorrido, como parte ilegítima das execuções fiscais, vertendo na sentença recorrida a seguinte fundamentação:
No essencial, a Administração Tributária fundamenta o seu despacho de reversão na nomeação de gerente do oponente no contrato de sociedade, a qual se mantém e tendo assinado vários documentos, que comprovam a prática de actos de gerência, para daí concluir pelo exercício de gerência efectiva por parte daquele.
Verifica-se do registo do contrato de sociedade que o capital social da sociedade está dividido em duas quotas iguais, pertencendo uma a cada um dos sócios: o oponente e A..............., a nomeação de ambos como gerentes, sendo que para obrigar a sociedade em todos os seus actos ou contratos era necessário a assinatura conjunta de ambos.
A AT considera actos de gerência:
- a outorga da escritura pública de compra em 12-03-2004;
- a aposição da assinatura do oponente na notificação pessoal, efectuada pela AT para apresentação de documentos/dossier fiscal, onde ficou a constar que a notificação é efectuada na pessoa de L................;
- a aposição da assinatura do oponente na OS nº OI200800314; e
- o requerimento assinado pelo oponente onde foi solicitado uma cópia do relatório de inspecção.
Dos elementos de prova colhidos apenas o primeiro foi praticado num dos exercícios que se encontra em execução fiscal.
Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – já nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139. na realidade os autos e, para além da escritura pública os autos, não contêm qualquer outro elemento que permita concluir que o oponente assumiu os desígnios da sociedade.
Será que a assinatura da escritura é suficiente para retirar a ilação de que o oponente exerceu de facto a gerência, quando conjugado com o facto de ser uma gerência conjunta.
O exercício da gerência não implica uma actividade continuada e abrangente de todos os aspectos da vida de uma sociedade comercial mas não se vê como possível que, com base num único contrato de compra e venda datado de 12-03-2004 (uma vez que os demais factos elencados são posteriores aos exercícios aqui em execução) exerceu de facto a gerência nos anos de 2004 e 2005.
A gerência efectiva tem de ser comprovada, e a sua demonstração cabe à AT.
O facto de ter participado na escritura pública de 12-03-2004, não é demonstrativo da gerência de facto. Os demais factos invocados pela FP, ou seja apresentar-se perante a AF como gerente da sociedade devedora originária são factos posteriores às dívidas que se encontram em cobrança coerciva.”

Desde já se afirma que o tribunal a quo incorre em erro ao ter analisado a gerência de facto com referência apenas ao âmbito temporal a que respeitam as dívidas (2004 e 2005) porquanto de acordo com o art. 24º da LGT acima transcrito são relevantes, não só as dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo mas também o prazo legal de pagamento desses mesmos tributos (no caso, 22/12/2008 e 01/02/2010).

Do regime constante do art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito.

Assim, a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”.

É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função de gerente, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.

Como também se referiu no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10 : “Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).

As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.

As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. (…)

Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/02/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.

Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.

Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.

(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.

Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.

Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.

Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”.

Desde logo se salienta que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida.

Importa apurar se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal permitem concluir pelo exercício da gerência de facto por parte do Recorrido, como alega a Recorrente.


No caso em apreço resultou provada a gerência de direito porquanto o Oponente foi nomeado gerente e a sociedade obrigava-se com a assinatura conjunta dos dois gerentes (cfr. alínea B) do probatório).

E foram ainda considerados provados os seguintes factos:

- Em 12/03/2004 o Oponente outorgou escritura de compra e venda na qualidade de gerente e em representação da sociedade devedora originária.

- Em 13-08-2008 o Oponente, na qualidade de sócio gerente da sociedade, assinou a notificação pessoal emitida pela Direcção Regional de Assuntos Ficais, para apresentação de documentos/dossier fiscal da sociedade.

- Em 31-08-2008, na qualidade de sócio gerente da sociedade, o Oponente assinou a OS nº OI200800314 para procedimento externo de inspecção.

- Em 22-03-2010 o Oponente dirigiu à Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, na qualidade de sócio gerente da sociedade requerimento onde solicitou cópia do relatório correspondente à OS nº OI200800314.


A Recorrente entende, que dos factos acima enunciados e constantes das alíneas C), D), E) e I) do probatório se retira que o Oponente, ora Recorrido, exerceu efetivamente a gerência de facto.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.” (cfr. entre outros Acórdão do TCA Norte de 12/06/2014 – rec. 00013/12.0BEBRG e Acórdão do TCA Sul de 08/03/2018 – rec. 282/11.2BEALM).

Atendendo que o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade, considerando a prova produzida nos autos, releva-se efectivamente que o Oponente praticou actos de gerência que se traduziram na assinatura de documentos que vincularam a sociedade perante terceiros. E pese embora tais actos não consubstanciem uma actividade continuada de gerência por parte do Recorrido (considerando o período temporal em causa) no entanto, com a sua assinatura vinculou a sociedade devedora originária perante terceiros, praticando assim actos de gerência.

Por outro lado, salienta-se que o Recorrido, na petição inicial limita-se a negar a gerência de facto da sociedade devedora sem que tenha junto aos autos qualquer prova dos factos que alegou, quer através de prova documental ou testemunhal.

E tendo sido efectuada a reversão da execução com o fundamento vertido na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, recai sobre o oponente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento dos tributos, que no caso em apreço o oponente não logrou provar.

Desta forma entendemos que a Fazenda Pública provou a gerência de facto por parte do Oponente/Recorrido, e este não logrou provar que a falta de pagamento das dívidas não lhe é imputável, pelo que se considera parte legítima na execução fiscal.

Conclui-se assim que o presente recurso merece provimento, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a oposição à execução fiscal improcedente por não provada a ilegitimidade do oponente.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e em consequência, revogar a sentença recorrida julgando-se a oposição à execução improcedente por não provada a ilegitimidade do oponente.

Custas a cargo do Recorrido em ambas as instâncias.

Lisboa, 9 de Julho de 2020.

Luisa Soares

Mário Rebelo

Patrícia Manuel Pires