Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08097/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:FACTURAS FALSAS/ ÓNUS DA PROVA
Sumário:
I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

II - Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

III - Não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”.

IV – Neste desiderato, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

…………………. – …………………………………………., Lda., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2004, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

“III - CONCLUSÕES

1ª - É inequívoco que, nos termos da LGT e do CPPT, o ónus da prova pertence, na situação em apreço à Autoridade Tributária.

2ª- É indiscutível que, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, a prova constante dos autos é, manifestamente frágil e insuficiente, ou, aproveitando os termos - felizes - de alguma Jurisprudência, não impressiva e inequívoca, pelo que, não tendo a Autoridade Tributária feito esse tipo de prova, a liquidação adicional é totalmente destituída de fundamento, devendo, como tal, ser anulada.

3ª - Pelo contrário, como decorre dos autos, a prova testemunhal feita pela Recorrente foi clara, inequívoca e indiscutível, demonstrando que a relação comercial com a …………, via Sr. Francisco………….., era perfeitamente normal e adequada à sua forma - familiar - de funcionamento, e que a sua contabilidade traduzia fielmente essas operações.

4ª - A tudo isto que acresce o facto de, na decisão proferida pelo Juiz a quo que apreciou e julgou o processo referente à liquidação adicional de IRC de 2003, se ter entendido neste sentido, ou seja, na "robustez" da prova feita pela Recorrente e na fragilidade e insuficiência da prova produzida pela AT.

5ª - Neste sentido, deve o Douto Tribunal fazer uma reapreciação da prova produzida, enquadrá-la no respectivo contexto e, em consequência, revogar a decisão proferida pelo Tribunal "A quo".”


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Não foram expendidas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, consistem em saber se:

- a sentença recorrida errou ao considerar que a AT cumpriu o ónus da prova que lhe competia in casu;

- a sentença recorrida errou ao não considerar demonstrada, face à prova testemunhal produzida, a existência da relação comercial entre a Impugnante e a ………….. Lda, via Sr. Francisco ……………. , sendo que a contabilidade da Recorrente traduzia fielmente as operações existentes.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“ Compulsados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, apuraram-se os seguintes factos:

A. A ora impugnante foi objecto de uma acção de inspecção aos exercícios de 2003 e 2004 e em sede de IRC e IVA tendo os serviços de inspecção efectuado correcções aritméticas à matéria tributável de IRC no montante de € 70.571,37 (como consta do relatório de inspecção de fls. 92/255 do processo administrativo em apenso).

B. A acção de inspecção teve “por base a Ordem de Serviço Externa nº OI200700488 emitida pelo Serviço de Prevenção e Inspecção Tributária 1, da Direcção de Finanças de Setúbal em 2007.06.26, enquadram -se no PNAIT 221,39 e é dirigida ao Sujeito Passivo .................. — ............................................................................, Lda. NIPC:.............................., com sede na rua ................................... n° ............... — ...................... — 2820-........ — Charneca da Caparica. Os actos inspectivos foram iniciados em 2007.08.17 e concluídos em 2007.11.23. II. 2 - Motivo, Âmbito e Incidência Temporal: A presente acção de âmbito parcial, visa a análise da situação tributária do Sujeito Passivo em sede de Imposto Sobre o Rendimento — Pessoas Colectivas e em Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), nos anos de 2003 e 2004. A acção de inspecção teve origem na comunicação prestada pela Direcção de Finanças de Lisboa — Inspecção Tributária que deu entrada nos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal em 2007.06.12 e vem no prosseguimento da acção de inspecção que este Serviço, efectuou à Empresa “............................................... Lda” NIPC: ............................., empresa cujo entendimento e conclusão dos Serviços de Inspecção foi o seguinte: “........................................... Ld” ― com o NIPC ............................, verificamos ser a empresa referida, faltosa quer em sede de IVA quer de IRC. As diversas facturas por ela emitidas, assumem diversas formas e na sua descrição tanto prestam serviços de construção como vendem roupas, são processadas por computador, e os meios de pagamento são em regra dinheiro ou cheques … A empresa “.......................” é fornecedora da ..................... Através do cruzamento de dados com vários clientes da “...................”, entre eles a “...........................Lda.”, somos de parecer que estamos perante facturação falsa … (Anexo 31). (como consta de fls.96 do apenso).

C. Os serviços de inspecção não aceitaram como custos as facturas emitidas pela sociedade ........................................................., Lda., e as facturas emitidas por Francisco ......................................... como consta do relatório “ III.3 Correcções Técnicas – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) Tal como é descrito na parte inicial do presente capítulo, não se irá considerar como válidas as facturas, emitidas a favor do sujeito passivo, pela “..........................” cujos montantes serão retirados ao cômputo geral dos registos contabilísticos – Ano de 2003 – 47.146,04€, Ano de 2004 – 65.746,98€. De igual modo também não serão consideradas as facturas emitidas por Francisco............................................, respeitante a Serviços Prestados nos seguintes montantes – Ano de 2003 – 1.350,00€, Ano de 2004 – 4.824,39€” (cfr. fls. 120 do apenso).

D. Os serviços de inspecção efectuaram diversas diligências de contactos e de recolha de elementos, melhor descritos a fls. 101/107 do apenso que de seguida se transcrevem:

“II.5 - Outras Diligências Efectuadas:

II.5.1- Empresa ..........................................................., Lda.

Dado que a presente acção de inspecção teve os seus primórdios, num a acção inspectiva, ao Sujeito Passivo ".........................", cuja Unidade Orgânica responsável é a Direcção de Finanças de Lisboa, solicitou-se a esta através do Departamento da Inspecção Tributária - Divisão I, a informação disponível, relativamente aos actos praticados pela empresa acima indicada, nomeadamente aqueles que fossem úteis para a acção agora a desenvolver e relativamente à Empresa ............................ Ldª.

Assim foi-nos enviado por fax, para além do relatório referente à acção de inspecção levada a cabo à Empresa ".......................", onde consta mapas das facturas emitidas nos anos de 2002 e 2003 pela" ......................." à Empresa "............................Ldª ”, como se demonstra através das fotocópias das folhas 8/14 e 9/14 do mencionado relatório, e que aqui constituem o (Anexo 6 fls. 1 e fls 2), bem com o cópias de "Termo de Declarações", ao tempo efectuados aos Sócios da " ........................", identificados com o sendo Humberto ..................................., NIF: ............................. e Francisco ..................................., NIF: ...........................

Dos mencionados "Termos de Declarações" que se encontram arquivados no processo individual da "..........................", na pasta «Documentos de Trabalho», no respeitante ao Sr. Humberto............................................., elaborado em 13 de Setembro de 2005, em determinado parágrafo consta o seguinte e que passamos a citar: "… O Sujeito Passivo diz que a sua memória não consegue reproduzir todos os factos... referiu ainda que a srª Ana ......................................... - Gerente da Firma ....................... - N/PC ............................, foi sua colaboradora e ficou com os seus carimbos e toda a documentação relativa à ............... … (Anexo 33 ).

Do "Termo de Declarações" concernente com Francisco ......................................... na parte final consta o seguinte: " … Refere que passou a viver em Espanha desde finais de 1994, princípios de 1995 até 15 de Abril de 2005 altura em que voltou ao País" (Anexo 34).

II5.2 - Declarações de Filomena .................................................

Perante tais declarações, e tendo em conta todo o historial já conhecido da " ......................" e porque a Empresa "..........................", supostamente teria mantido relações comerciais com a " ................... ". Entendeu-se que seria necessário ouvir novamente não só os sócios ao tempo da " ...................... ", com o também a pessoa visada no "Termo de Declarações" assinado pelo Sr. ..............., Sra. Ana .............................................

Para tal foi solicitado ao SPIT-1 da Direcção de Finanças de Setúbal, a emissão de Despacho, afim de que pudesse ser ouvida em declarações a Sr. Ana ............................................., NIF: .............................., com domicílio fiscal na Avª ...................... n° ....... r/c Dto-2660-....... Santo António dos Cavaleiros, área fiscal do Serviços de Finanças-Loures 1.

Em 04-10-2007, encetou-se diligências tendo com o objectivo a identificação e contacto pessoal com a mencionada Contribuinte. Na morada fomos informados por um familiar (mãe), que a aludida, se encontrava detida no Estabelecimento Prisional de Tires. Foram pois enveredadas novas diligências no sentido de ser contactada no local agora conhecido. Para tal foi enviado fax ao Estabelecimento Prisional de Tires, no sentido de ser concedida autorização da parte da Directoria daquele Estabelecimento Prisional, no sentido de o funcionário Ulisses ......................, contactasse a referida reclusa para efeitos de "audição".

A autorização foi concedida, o contacto formalizado no dia 09.10.2007, foi identificada a referida Senhora, tendo sido elaborado "Termo de Declarações", que se encontra arquivado no processo com o "Documentos de Trabalho", de cujas declarações destacam os o seguinte e que a seguir são produzidas em citação:

"... 1- Iniciou um a relação com o Sr. Humberto............................... em 1999, tendo terminado essa relação nos fins do ano de 2003.

2- Relativamente à sua situação e durante este período era toxicodependente.

3 - Sabe da existência da Em presa "................" - .............................. Ldª, e que foi criada só para " Vender Papel ", nunca teve conhecimento que a mesma tivesse tido operações comerciais, com outras Empresas.

5 - Relativamente à Empresa..................................... Lda. NIPC:........................., a Empresa dedica-se à venda de papel proveniente de Espanha, era sócia - gerente, exercia as suas funções, simplesmente o outro sócio Sr. Fernando é que fazia os negócios, apenas assinava os papéis que lhe dava para assinar, e recebia o ordenado bem como as comissões, atendendo ao facto de na altura portanto anos de 2001 a 2004, ser toxicodependente, assinava tudo para obter dinheiro para a droga.

No armazém poucas vezes que lá se deslocou, viu efectivamente algumas paletes de papel.

6- Todas as Empresas à excepção da............................, eram falsas, no seu conhecimento e foram criadas para emitir papel falso.

7- No que se refere aos carimbos que o Sr. ............. refere em Declarações que ficaram com ela, bem como toda a documentação relativa à ...................., declara que tais declarações são falsas, e que o material ficou com em poder do Sr. ..................., na sua residência.

Nunca soube onde era a sede da " ...................", se é que existia, nunca viu qualquer factura, pese o facto de ser seu companheiro nos anos de 2000 a 2003.

8- Era um senhor que tinha muitos conhecimentos, que vivia dos conhecimentos que tinha, não trabalhava, no fundo vivia de expedientes.

9- Relativamente ao outro sócio da................ Sr. Francisco..........................., nunca ouviu falar dele, não o conhece.

10- Sabia que havia negócios menos lícitos praticados pelo Sr. ..............., mas nunca se meteu, nem queria saber, apenas e ao tempo queria arranjar dinheiro para a droga.

11- Nunca ouviu falar na empresa ..................., nem o seu Sócio Agostinho ................. lhe diz algum a coisa … " (Anexo 35)

II.5.3. - Declarações de Humberto ........................................

No que se refere às declarações produzidas pelo Sr. Humberto................................... e passadas a escrito e que constam do "Termo de Declarações", elaborado no dia 16 de Outubro de 2007, pelas 15,00 horas, que após contacto telefónico se prontificou a com parecer no Serviço de Finanças Amadora 1, de cujo" Termo de Declarações" extraímos o seguinte conteúdo e que passamos a citar:

"…1 - Que devido ao seu estado de saúde, não se lembra de muitos factos.

2- No entanto confirma a constituição da empresa "........................." Ldª", NIPC: .................., ou melhor diz que a Empresa em questão já existia, e houve cedência de quotas, que ele (Humberto ....................................) e outro sócio de nome Francisco ...........................

3- Não se recorda quanto pagou pela quota.

4 - Dedicava-se nos primeiros anos 2001 e 2002 à venda de papel para fotocópias.

Nos anos seguintes 2003 e seguintes, não se lembra de nada, pois em princípios de 2003 passou a ser toxicodependente. E só em Maio de 2004, passou a ter acompanhamento médico.

5- Relativamente às facturas emitidas a partir de finais de 2002, declara que não mais emitiu nenhuma factura.

6- Sabe que foram emitidas facturas, sem fornecimento de mercadoria e foram também emitidas facturas da empresa "................", para substituir e "colmatar” fornecimentos vindos de Espanha, cuja mercadoria era entregue sem factura, embora não tivesse directamente ligado a esta fraude.

7- Não conhece a Empresa......................... Ldª, nem nunca ouviu falar dela, não conhece ou ouviu falar no Sr. Agostinho ..........................

8 - A assinatura que consta das facturas, não é sua, mas confirma que o carimbo aposto nas facturas era o utilizado na Empresa ......................, nos anos de 2001 e 2002.

9- Nunca vendeu tinteiros para impressoras.

10- Não se lembra bem do nome do fornecedor Espanhol, mas sabe que o primeiro nome era "Óscar", e foi o primeiro dono da ...................., que após vender as quotas, continuou com a empresa.

11- Não se lembra da sede da " ................... ", nem do local do Armazém.

12- Relativamente ao seu sócio Francisco, perdeu o contacto com o mesmo já há muitos anos.

13 - Relativamente às Declarações da Srª Ana ........................no que respeita a documentação e carimbos, não fez qualquer referência às mesmas optando pelo silêncio …" (Anexo 36).

II.5.4. - Declarações de Francisco ..........................................

No que respeita a este sócio da....................., Sr. Francisco......................................, apesar das diligências efectuadas, quer para a morada fiscal que consta do sistema informático da DGCI Visão do Contribuinte, quer ainda para o nº de telefone que lá figura, não foi possível qualquer contacto. Relativamente ao nª de telefone o Serviço de Apoio ao Cliente da PT, diz que o nº não está atribuído. Fizeram-se ainda consultas aos serviços de apoio a clientes das redes móveis existentes no país, também aí o resultado foi infrutífero.

Tal como é indicado em ponto II.5.l. do presente relatório, e dado ter declarado que esteve ausente em Espanha entre 1995 e Abril de 2005, não foram efectuadas outras diligências no sentido de ser novamente contactado.

II.6 - Conclusão das Diligências Efectuadas

No que se refere às declarações produzidas por ambos os protagonistas, e reproduzidas no ponto anterior, somos a concluir:

- Quando confrontados com as declarações de cada um, as mesmas são relevantes para a descoberta da verdade material sobre os factos ocorridos.

- Se por um lado o Sr. ................ acusa nas declarações produzidas em 13 de Setembro de 2005, a Sr. Ana ....................... na qualidade de sua colaboradora de ter ficado com os carimbos e todos os documentos relativos à .............. Por sua vez nas declarações produzidas em 9 de Outubro de 2007, a Srª Ana .................... refuta tais declarações, declarando nomeadamente no ponto 1 do " Termo de Declarações que a relação existente entre ambos não era de "colaboradora", mas sim urna relação de "União de Facto" que foi iniciada em 1999, e teve continuidade até finais de 2003. Par a no ponto 7 referir que os carimbos, que o Sr. .................... refere que teriam ficado com ela, bem como toda a documentação relativa à ....................., tais declarações são falsas, que todo o material teria ficado em poder do Sr. .................. na sua residência.

- Confrontado o Sr. .................., em 16 de Outubro de 2007, com estas declarações, o mesmo não as quis sequer comentar remetendo-se ao silêncio.

Com este silêncio entende-se que certamente o declarado pela Srª Ana ....................., corresponde à verdade e a mesma desconhecia na sua totalidade a existência da "................. "e quaisquer movimentos inerentes há mesma.

- Ambos os interlocutores referiram não conhecerem a Empresa .................... Ldª.

Em conclusão:

Em boa verdade, tanto um com o outro quiçá pelas sequelas herdadas da vida que levavam, possuem ou simulam perdas de memória, e quando inquiridos sobre determinado assunto, dizem não se lembrar, ou pura e simplesmente remetem-se ao silêncio, o que indicia que relativamente à Empresa em causa, esta apenas existiu para emitir «papel falso», confirmação esta dada pelo Sr. ............... nas declarações prestadas em 16 de Outubro de 2007, o qual declara nomeadamente nos pontos 5 e 6 do " Termo de Declarações" que a partir de finais de 2002, não emitiu nenhuma factura da Empresa "...............", no entanto sabe que foram emitidas facturas sem fornecimento de mercadorias. Indicou ainda que foram emitidas facturas para substituir fornecimentos vindos de Espanha, cuja mercadoria era entregue sem factura.

Após a audição a ambas as personagens, ficam os com a forte convicção, que nenhum deles emitiu as facturas a favor da .................... Ldª.

Por tudo o que foi indicado, somos levados a concluir, o que aliás já havia sido concluído pela Direcção de Finanças de Lisboa, que a "..............." a partir de finais de 2002, não exerceu qualquer actividade, não possuía qualquer tipo de instalações a partir das quais desenvolvesse uma actividade comercial, deste modo todas as facturas em poder da Em presa ........................ Ldª são falsas.

II.6.1 _ Em complemento do indicado no ponto anterior, e no que respeita ao outro sócio da "....................." Sr. Francisco................................, atendendo às suas declarações a que tivemos acesso e já referidas na parte final do ponto II.5.1, do presente relatório, em cujo" Termo de Declarações" diz inexoravelmente o seguinte: que passou a viver em Espanha desde finais de 1994, princípios de 1995 até 15 de Abril de 2005 altura em que voltou ao País. Estas declarações são mais uma "achega", para efectivamente concluímos que nenhum dos três declaradores, emitiu as facturas a favor da Empresa...................... Ldª, e consequentemente também a Empresa........................ como entidade emissora não as podia ter expedido. Uma vez que no decorrer dos actos inspectivos foram detectadas 5 facturas correspondentes a Prestações de Serviço efectuadas pelo próprio Sr. Francisco....................., na qualidade de Empresário em nome individual no valor global de 7 347,52€, sendo que 1 606,50 diz respeito ao ano de 2003 e 5 741,02 ao ano de 2004, quando este S. P. tinha declarado ter estado ausente do país nesse período, foi confrontado no dia do encerramento da acção o Sócio Gerente da Empresa.....................(Sr. Agostinho ................), com a pergunta directa "que tipo de prestação de serviços é que o Sr. Francisco .......................... lhe prestou".

Ao que este respondeu embora verbalmente, que tais serviços resumiram-se a entregas, visitas e a assistências a diversos clientes, em viatura própria.

Efectuada consulta ao Sistema informático da DGCI / DGITA - Menu Imposto Municipal Sobre Veículos pág. IMVM011 e Menu ICC1400/2 - Veículos do Proprietário não foram detectados viaturas registada em seu nome.

Mais uma vez estamos perante contradições que nos levam a concluir que o Sr Francisco ............................, não podia ter prestado qualquer serviço, porque não se encontrava no País e não possuía viatura própria.

Também acabou por dizer que as facturas respeitantes à " ................ ", foram emitidas pelo mencionado indivíduo.”.

E. No relatório de inspecção foi exarado o seguinte parecer “(…) A sociedade vem desenvolvendo com regularidade a actividade de comércio a retalho de artigos de papelaria e consumíveis de informática. Está enquadrada no regime normal trimestral de IVA e optou pelo Regime Geral de determinação do lucro Tributável, nos anos em causa. Conforme se indica ao longo do ponto II da presente informação, designadamente em II.6 e II.6.1. a sociedade registou na sua contabilidade facturas que não correspondem a transacções efectivas de mercadorias, e consequentemente são falsas, considerando assim custos não comprovados e deduzindo IVA indevidamente. As facturas em causa indicam como emitentes a empresa...................., Lda., NIPC......................... e o S.P. Francisco..................... NIF...................... (sócio da......................), ambos não declarantes e sem qualquer instalação fixa a partir da qual lhes seja possível exercer alguma actividade. Para além destes factos, outros indicados na informação são claramente indiciadores de que as facturas em causa são efectivamente falsas. Em face do indicado propomos: IRC – Regime Geral de Tributação – Nos termos do art. 17º e 23º do CIRC é apurado o seguinte lucro tributável: 2004 – 81.883,48€ (…)” (cfr. fls. 92/93 do processo administrativo em apenso)

F. E em 20/02/2008 o relatório de inspecção foi objecto de despacho proferido pelo Chefe de Divisão, em delegação do Director de Finanças, com o seguinte teor “Concordo com os fundamentos de facto e de direito exarados no relatório bem como as conclusões e propostas constantes do parecer (…)” (cfr. fls. 92/93 do apenso).

G. Em 26/02/2008 foi efectuada a compensação relativamente ao IRC e juros compensatórios de 2004 de que resultou imposto a pagar no montante de € 21.732,34, cuja data limite de pagamento ocorreu em 02/04/2008 (cfr. fls. 20 do processo de reclamação graciosa em apenso)

H. Em 12/08/2008 foi enviada por registo postal a petição de reclamação graciosa referente a ............................ – ........................................................., Lda., e ao IRC de 2004 e dirigida ao Serviço de Finanças de Almada 3 (cfr. fls. 2/39 do processo de reclamação graciosa em apenso).

I. A reclamação graciosa foi indeferida por intempestividade como resulta de fls.41/62 do processo de reclamação graciosa em apenso.

J. Em 06/11/2008 foi emitido o ofício nº 34126 para efeitos de notificação do indeferimento da reclamação graciosa, e enviado através de carta registada com aviso de recepção tendo este sido assinado em 14/11/2008 (cfr. fls.63/64 do processo de reclamação graciosa em apenso).

K. Em 28/11/2008 foi enviada, por registo postal, a este tribunal a petição de impugnação.

L. Era normal efectuar pagamentos em dinheiro à ............. (cfr. depoimento das testemunhas).

M. Os pagamentos em dinheiro implicavam descontos de preço, em média 5 a 6% (cfr. depoimento da 2ª testemunha).

N. Por vezes o sócio da impugnante paga ao fornecedor, sendo na contabilidade registado como suprimento e posteriormente regularizado o suprimento (cfr. depoimento da 3ª testemunha, técnica de contas da ora impugnante).


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A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 44/45 e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

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Não se mostram provados os fornecimentos de bens titulados pelas facturas emitidas pela ............................................, Lda., bem como as prestações de serviços tituladas pelas facturas emitidas por Francisco ....................................

A 2ª testemunha afirmou que as mercadorias da ............ eram entregues sempre com factura-recibo enquanto a 1ª testemunha afirmou que as mercadorias eram entregues em armazém com factura, outras vezes apenas com guias de transporte, pelo que, face a tal divergência de depoimentos o tribunal não relevou nenhum deles.

A 3ª testemunha, técnica de contas, teve contacto apenas com os suportes documentais que lhe eram fornecidos pela impugnante, desconhecendo se os materiais ou prestações de serviços foram efectivamente entregues ou prestados.”

2.2. De direito

As questões aqui a tratar ficaram devidamente explicitadas.

Razões de ordem lógica, ditam que comecemos pela segunda questão oportunamente elencada, isto é, saber se a sentença recorrida errou ao não considerar demonstrada, face à prova testemunhal produzida, a existência de relações comerciais entre a Impugnante e a ......................, via Sr. Francisco ......................, sendo certo, segundo a Recorrente, que a sua contabilidade traduzia fielmente as operações existentes (conclusão 3ª).

Sem hesitações, pode afirmar-se que o teor da mencionada conclusão é manifestamente insuficiente para os fins visados pela Recorrente, quando aí pretende atacar o julgamento da matéria de facto, mormente no que respeita à consideração da prova testemunhal.

Com efeito, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Na verdade, em tal preceito se dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

A leitura desta disposição legal, no confronto com a conclusão 3ª da alegação de recurso, mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma a que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma.

Efectivamente, não se indicam os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem tão-pouco a decisão que, segundo a Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Para mais, sempre incumbia à Recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Ora, nada disto foi feito, pelo que, nesta parte, o recurso é de rejeitar.


*

Isto dito, passemos à seguinte questão que aqui nos ocupa, ou seja, saber se a sentença recorrida errou ao considerar que a AT cumpriu o ónus da prova que lhe competia in casu.

Surpreende-se aqui, como é bom de ver, a discordância da Recorrente relativamente às correcções efectuadas, discordância esta que se prende, afinal, com a questão de saber se, no plano material/ substantivo, a liquidação de IRC impugnada se mostra fundamentada - no que concerne já à base substancial legitimadora da actuação assumida pela AT, pois é evidente que a impugnante, ora Recorrida, discorda quanto à validade da actuação da Administração, pondo em causa os indícios de simulação de operações comerciais.

Para a AT, os custos subjacentes às facturas emitidas, em 2004, pela ............................., Lda. e por Francisco Luis ...................................., não podem ser fiscalmente considerados, porquanto tais facturas não titulam efectivas operações económicas. Daquilo que se trata aqui (e que está na base da liquidação adicional de IRC sindicada) é, por conseguinte, de correcções técnicas decorrentes da desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela administração tributária.

E visto o âmbito das correcções aqui em causa, importa que nos detenhamos de imediato – pois essa é a questão que ora nos ocupa – nas regras de repartição do ónus da prova a ter em conta.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais os correspondentes custos foram desconsiderados não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a Impugnante,..........................................................., Lda e a sociedade................................................, Lda. e Francisco.....................................

Em caso afirmativo, importa saber se o Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, são reais, isto é, existiram efectivamente, tais operações económicas entre estes concretos sujeitos.

Como se percebe, a sentença recorrida considerou que a AT tinha cumprido o ónus de prova que a lei lhe impõe neste caso.

Com efeito, a Mma. Juíza a quo considerou que:

“No caso em apreço resultou do probatório que a administração recolheu indícios sérios e credíveis de que as mercadorias tituladas pelas facturas emitidas pela ..............................., Lda., bem como as prestações de serviços tituladas pelas facturas emitidas por Francisco.............................. não correspondem a operações reais e como tal não foram aceites como custos da impugnante (cfr. alíneas C) a E) do probatório).

Na verdade a administração recolheu factos índice que traduzem uma forte probabilidade de que as transacções não se realizaram, tendo feito cessar a presunção de veracidade das operações e lançamentos decorrentes de uma escrita regularmente organizada (art.º 78.º da LGT), cumprindo o ónus da prova que sobre si impendia”.

A Recorrente, como se vê, discorda deste entendimento.

Ora, concluindo pela existência de indícios sérios de que as facturas não correspondem a operações reais, a AT afirmou, tal como resulta do relatório inspectivo, que:

- “a "....................." a partir de finais de 2002, não exerceu qualquer actividade, não possuía qualquer tipo de instalações a partir das quais desenvolvesse uma actividade comercial, deste modo todas as facturas em poder da Empresa .....................Ldª são falsas”;

- “o Sr Francisco........................, não podia ter prestado qualquer serviço, porque não se encontrava no País e não possuía viatura própria”;

- e que “As facturas em causa indicam como emitentes a empresa ................, Lda., NIPC ........................... e o S.P. Francisco............................ NIF..................... (sócio da......................), ambos não declarantes e sem qualquer instalação fixa a partir da qual lhes seja possível exercer alguma actividade”.

Ora, a sorte do presente recurso depende, portanto, de saber se foram recolhidos indícios suficientes, por parte da Administração, que sustentem aquelas afirmações conclusivas.

A administração tributária enunciou diversos factos indiciários que, em seu entender, seriam demonstrativos de que os emitentes das facturas não prestaram os serviços a que as mesmas se referem. A este propósito, refere a AT que:

“… tanto um com o outro – leia-se, Humberto.......................... e Filomena................... - quiçá pelas sequelas herdadas da vida que levavam, possuem ou simulam perdas de memória, e quando inquiridos sobre determinado assunto, dizem não se lembrar, ou pura e simplesmente remetem-se ao silêncio, o que indicia que relativamente à Empresa em causa, esta apenas existiu para emitir «papel falso», confirmação esta dada pelo Sr............. nas declarações prestadas em 16 de Outubro de 2007, o qual declara nomeadamente nos pontos 5 e 6 do " Termo de Declarações" que a partir de finais de 2002, não emitiu nenhuma factura da Empresa "..............", no entanto sabe que foram emitidas facturas sem fornecimento de mercadorias. Indicou ainda que foram emitidas facturas para substituir fornecimentos vindos de Espanha, cuja mercadoria era entregue sem factura (sublinhado nosso). Após a audição a ambas as personagens, ficamos com a forte convicção, que nenhum deles emitiu as facturas a favor da ................ Ldª,

- e que o Sr. Francisco.................................. “passou a viver em Espanha desde finais de 1994, princípios de 1995 até 15 de Abril de 2005 altura em que voltou ao País. Estas declarações são mais uma "achega", para efectivamente concluímos que nenhum dos três declaradores, emitiu as facturas a favor da Empresa ..........................Ldª, e consequentemente também a Empresa ................ como entidade emissora não as podia ter expedido. Uma vez que no decorrer dos actos inspectivos foram detectadas 5 facturas correspondentes a Prestações de Serviço efectuadas pelo próprio Sr. Francisco................................., na qualidade de Empresário em nome individual no valor global de 7 347,52€, sendo (…) 5 741,02 ao ano de 2004, quando este S. P. tinha declarado ter estado ausente do país nesse período, foi confrontado no dia do encerramento da acção o Sócio Gerente da Empresa .................. (Sr. Agostinho................), com a pergunta directa "que tipo de prestação de serviços é que o Sr. Francisco.................................lhe prestou". Ao que este respondeu embora verbalmente, que tais serviços resumiram-se a entregas, visitas e a assistências a diversos clientes, em viatura própria. Efectuada consulta ao Sistema informático da DGCI (…) não foram detectados viaturas registada em seu nome”.

Vejamos.

Comecemos pelas facturas emitidas por Francisco ................................, na qualidade de Empresário em nome individual no valor € 5 741,02. Segundo a AT, dois elementos apontam no sentido de as mesmas não corresponderem a operações reais: por um lado, a circunstância de o apontado Francisco ter referido ter estado a viver em Espanha entre 94/95 e 2005 e, por outro lado, o facto de se verificar que o mesmo não era proprietário de qualquer veículo automóvel, quando as facturas se referem a entregas, visitas e a assistência a diversos clientes, em viatura própria.

Como está bem de ver, os apontados indícios são absolutamente imprestáveis para efeitos de considerar que os documentos em causa têm subjacente, ou não, uma operação económica. Na verdade, o facto de Francisco..............................viver em Espanha no ano de 2004 não o impede, obviamente, de desenvolver uma actividade económica em Portugal e, nessa medida, emitir facturas. Por outro lado, quanto à circunstância de as facturas mencionarem “viatura própria”, parece por demais evidente que essa expressão, utilizada numa factura, não se refere à titularidade da propriedade do veículo automóvel com auxílio do qual se fazem entregas e visitas a clientes, sendo certo que o veículo podia estar até na disponibilidade do mencionado senhor em regime de aluguer/ leasing, por exemplo.

E quanto a estas facturas - relembre-se emitidas por Francisco ....................... - nada mais importa acrescentar, uma vez que os apontados indícios de indícios só têm a designação. Neste ponto, e como afinal retomaremos, dir-se-á que a AT não reuniu elementos seriamente indiciadores de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade.

Prosseguindo, vejamos o que se nos oferece dizer relativamente às facturas emitidas pela........................, Lda., em 2004.

Quanto as estas facturas, a AT, em sede inspectiva, convoca o teor das declarações de Filomena .......................... (companheira, entre 1999 e 2003, de Humberto...............................) para salientar que: "... 1- Iniciou um a relação com o Sr. Humberto.............................. em 1999, tendo terminado essa relação nos fins do ano de 2003; 2- Relativamente à sua situação e durante este período era toxicodependente; 3 - Sabe da existência da Em presa "................" - ................................ Ldª, e que foi criada só para " Vender Papel ", nunca teve conhecimento que a mesma tivesse tido operações comerciais, com outras Empresas; 5 - Relativamente à Empresa .................................... Lda. NIPC: ......................, a Empresa dedica-se à venda de papel proveniente de Espanha, era sócia - gerente, exercia as suas funções, simplesmente o outro sócio Sr. Fernando é que fazia os negócios, apenas assinava os papéis que lhe dava para assinar, e recebia o ordenado bem como as comissões, atendendo ao facto de na altura portanto anos de 2001 a 2004, ser toxicodependente, assinava tudo para obter dinheiro para a droga; No armazém poucas vezes que lá se deslocou, viu efectivamente algumas paletes de papel; 6- Todas as Empresas à excepção da..........................., eram falsas, no seu conhecimento e foram criadas para emitir papel falso; 7- No que se refere aos carimbos que o Sr................... refere em Declarações que ficaram com ela, bem como toda a documentação relativa à ................., declara que tais declarações são falsas, e que o material ficou com em poder do Sr. ............., na sua residência; Nunca soube onde era a sede da " ................", se é que existia, nunca viu qualquer factura, pese o facto de ser seu companheiro nos anos de 2000 a 2003; 8- Era um senhor que tinha muitos conhecimentos, que vivia dos conhecimentos que tinha, não trabalhava, no fundo vivia de expedientes; 9- Relativamente ao outro sócio da................... Sr. Francisco..........................., nunca ouviu falar dele, não o conhece; 10- Sabia que havia negócios menos lícitos praticados pelo Sr..............., mas nunca se meteu, nem queria saber, apenas e ao tempo queria arranjar dinheiro para a droga; 11- Nunca ouviu falar na empresa................., nem o seu Sócio Agostinho...................... lhe diz algum a coisa … ".

Ora, de forma absolutamente peremptória afirmamos o que entendermos ser uma evidência decorrente deste trecho do relatório inspectivo, a saber: não há ali um único elemento – sequer um – que respeite à actividade da ................ em 2004 – ano a que respeitam as correcções aqui em análise – nem tão pouco às relações da .................... com a ora Recorrente que, de resto, Filomena...................afirma não conhecer, nem tão-pouco o seu sócio, Agostinho ................... Saliente-se, aliás, que o único “ponto de conexão” desta senhora com a sociedade .................. parece ser o facto de a declarante ter sido companheira, durante 4 anos, de um sócio desta sociedade, o que também se verificou em momento anterior a 2004.

Em suma, também aqui, ao contrário da AT e, bem assim, daquele que foi o entendimento do Tribunal a quo, entendemos ser de afastar, em absoluto, estarmos perante elementos fortemente indiciadores de que as operações constantes das facturas, emitidas pela ....................., Lda, em 2004, não correspondem à realidade.

A recolha de indícios da falsidade das apontadas facturas prosseguiu, detendo-se os serviços inspectivos nos elementos resultantes das declarações de Humberto............................. (sócio da sociedade .................. Lda). E aqui, salientou a AT:“1 - Que devido ao seu estado de saúde, não se lembra de muitos factos; 2- No entanto confirma a constituição da empresa "..................." Ldª", NIPC:....................., ou melhor diz que a Empresa em questão já existia, e houve cedência de quotas, que ele (Humberto..........................) e outro sócio de nome Francisco.................................; 3- Não se recorda quanto pagou pela quota; 4 - Dedicava-se nos primeiros anos 2001 e 2002 à venda de papel para fotocópias; Nos anos seguintes 2003 e seguintes, não se lembra de nada, pois em princípios de 2003 passou a ser toxicodependente. E só em Maio de 2004, passou a ter acompanhamento médico; 5- Relativamente às facturas emitidas a partir de finais de 2002, declara que não mais emitiu nenhuma factura; 6- Sabe que foram emitidas facturas, sem fornecimento de mercadoria e foram também emitidas facturas da empresa "............. ", para substituir e "colmatar” fornecimentos vindos de Espanha, cuja mercadoria era entregue sem factura, embora não tivesse directamente ligado a esta fraude; 7- Não conhece a Empresa................... Ldª, nem nunca ouviu falar dela, não conhece ou ouviu falar no Sr. Agostinho ...................; 8 - A assinatura que consta das facturas, não é sua, mas confirma que o carimbo aposto nas facturas era o utilizado na Empresa ............, nos anos de 2001 e 2002; 9- Nunca vendeu tinteiros para impressoras; 10- Não se lembra bem do nome do fornecedor Espanhol, mas sabe que o primeiro nome era "Óscar", e foi o primeiro dono da.............., que após vender as quotas, continuou com a empresa; 11- Não se lembra da sede da " ................ ", nem do local do Armazém; 12- Relativamente ao seu sócio Francisco, perdeu o contacto com o mesmo já há muitos anos; 13 - Relativamente às Declarações da Srª Ana .................. no que respeita a documentação e carimbos, não fez qualquer referência às mesmas optando pelo silêncio”.

Não se desconsidera que o referido Humberto...................., um dos sócios da ..............., afirma que esta sociedade emitiu facturas sem fornecimento de mercadoria e que foram também emitidas facturas para substituir e colmatar fornecimentos vindos de Espanha, cuja mercadoria era entregue sem factura. Porém, esta afirmação, por si só – ainda que inserida num contexto de facturação falsa – é manifestamente insuficiente para os efeitos de aí se verem indícios fortes da não existência de operações económicas entre a ................ e a Impugnante, no ano de 2004.

Por um lado, o próprio declarante parece ter estado afastado na vida da .............. a partir de 2003; por outro lado, ainda que se considere a circunstância de aquela empresa ter emitido facturas falsas, não pode tal facto, nos termos em que foi reportado à AT, ter o alcance de significar que aquela empresa só emitia facturação falsa, ou mais concretamente que emitia facturação falsa relativamente à...................., aqui Recorrente, a qual, de resto, o mencionado Humberto diz desconhecer. Note-se, ainda, que o facto de as facturas não estarem por ele assinadas bem se pode compreender se tivermos em conta que o dito Humberto não era o único sócio da....................., Lda.

Quer isto dizer, tudo visto, que só com estes elementos a AT não estava habilitada a concluir como concluiu. Os elementos recolhidos, também aqui são escassos e frágeis.

Aqui chegados, e recuperando tudo aquilo deixámos dito, é altura de concluirmos que, em nosso entendimento, no caso sub judice não se verifica a existência de indícios sérios de que as facturas – quer as emitidas pela ........................, Lda, quer as respeitantes a Francisco ............................. - em causa não correspondam a operações reais. Não estamos, pelas razões atrás expostas, perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados emitentes não tenham vendido ou prestado os serviços nelas mencionados. Os elementos nos quais a AT se apoiou para fundamentar a desconsideração da totalidade das facturas são manifestamente insuficientes e inconsistentes.

Fundamentando-se a liquidação adicional de IRC no não reconhecimento dos inerentes custos declarados pelo contribuinte, era à AT que cabia provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação. No caso, a AT não demonstrou que as facturas não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas). De resto, só se esta prova fosse feita é que passava a recair sobre a impugnante o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as facturas titulavam efectivamente reais operações.

Assim sendo, como se entende que é, há que concluir, dando razão à impugnante, ora Recorrente, que a liquidação adicional de IRC sindicada é ilegal, devendo, por conseguinte, ser anulada.

A anulação das liquidações de imposto determina inexoravelmente a anulação da liquidação de juros compensatórios, pois que, não sendo devido o imposto, não podem ser exigidos os juros que se destinavam a compensar o atraso na liquidação do IRC.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, em julgar procedente a impugnação judicial e anular a liquidação impugnada respeitante ao IRC de 2004 (e respectivos juros compensatórios).

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)