Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11588/14
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:I. O artigo 40º, n.º 3 do ETAF aplica-se aos processos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

II. Da decisão do juiz relator proferida no âmbito de um processo de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 do artigo 27º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 31/05/2014 que não admitiu a reclamação para a conferência da sentença proferida em 5/05/2014, a qual julgou improcedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa que deduziu contra ……………………..
Subsidiariamente, e caso o dito despacho seja mantido, interpõe recurso da referida sentença.

Formulou as seguintes conclusões:
“1. A presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa é qualificável como acção administrativa especial por força do disposto nos arts. 10º n.º 1 e 26º LN, arts. 56º a 60º RNP;
2. Tem valor superior à alçada do TAC (arts. 31º, n.º 4, 34º CPTA);
3. Cabendo o seu julgamento a colectivo de três juízes (art. 40º, n.º 3 ETAF) ou ao respectivo relator nos termos previstos no art. 27º, n.º 1, alínea i) CPTA;
4. Nos presentes autos, o mérito da causa foi conhecido e decidido por juiz singular, sob a invocação do art. 40º, n.º 1 ETAF;
5. Não obstante, e face ao quadro legal imperativamente aplicável, a sentença é impugnável mediante reclamação para a conferência nos termos do art. 27º, n.º 2 CPTA e não mediante recurso ordinário para o TAC;
6. Ao não admitir a reclamação para a conferência apresentada, o M.º Juiz a quo violou o disposto no art. 27º, n.º 2 CPTA e 40º, n.º 3 ETAF;
7. E, ao não admitir como recurso a reclamação para a conferência apresentada pelo recorrente, o M.º Juiz violou o disposto no art. 193º, n.º 3 CPC.”

Não foram apresentadas contra-alegações.
*

A única questão que se coloca é a de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao não admitir a reclamação para a conferência que o recorrente apresentou da sentença proferida em 5/05/2014.
*

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

Para a análise desta questão tem-se como assente a seguinte factualidade:
A) O Ministério Público instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra …………………… (cfr. fls. dos autos).
2) O valor da referida acção é de € 30.000,01 (cfr. fls. dos autos).
3) Por sentença datada de 5/05/2014 proferida por juiz singular, o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente (cfr. fls. dos autos).
4) A referida sentença foi notificada ao Ministério Público, ora recorrente, em 6/05/2014 (cfr. fls. dos autos).
5) Em 19/05/2014 o Ministério Público apresentou requerimento de reclamação para a conferência (cfr. fls. dos autos).

*

Está em causa no presente recurso saber se da sentença proferida por juiz singular na acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa que o Ministério Público instaurou contra ……………. cabe reclamação para a conferência ou recurso jurisdicional, o que passa por aferir da aplicabilidade dos artigos 40º, n.º 3 do ETAF e 27º, n.º 2 do CPTA a essa acção, que se mostra prevista nos artigos 56º a 60º do Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).
Sobre tal questão pronunciou-se recentemente o STA no Acórdão de 17/12/2014, proc. n.º 0585/14 nos seguintes termos:
“Após ter fixado os fundamentos, a legitimidade e o prazo para a interposição de tal acção judicial de «oposição», no artigo 56º, e após ter determinado quais as declarações e documentos relativos aos factos que constituem o fundamento da «oposição», no artigo 57º, estipula o artigo 58º, sob a epígrafe «Tramitação», que «Apresentada a petição inicial pelo Ministério Público, o réu é citado para contestar, não havendo lugar a mais articulados ou alegações escritas». E continua o artigo 59º, sob a epígrafe «Decisão», que «1- Findos os articulados, é o processo, sem mais, submetido a julgamento, excepto se o juiz ou relator determinar a realização de quaisquer diligências. 2- Concluindo-se pela procedência da oposição deduzida, ordena-se o cancelamento do registo da nacionalidade, caso tenha sido lavrado».
E, nesta sequência, sob a epígrafe «Meio processual», diz o artigo 60º, do RNP, que «Em tudo o que não se achar regulado nos artigos anteriores, a oposição segue os termos da acção administrativa especial, prevista no CPTA».
Portanto, a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa segue a tramitação da acção administrativa especial, excepto no tocante a articulados e a alegações, pois aqueles serão apenas dois, e estas apenas poderão ser orais.
Mas, sempre que «o juiz ou relator» determinar a realização de quaisquer actos instrutórios, o que poderá acontecer, nomeadamente, quando o fundamento ou um dos fundamentos da oposição for a «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional» [artigo 56º, nº2 alínea a), do RNP], já passará a aplicar-se o CPTA relativamente à instrução e julgamento de facto nas acções administrativas especiais.
Ora, é precisamente esta referência ao «juiz ou relator», feita no nº1 do artigo 59º, do RNP, que nos remete, de forma incontornável, para o âmbito do artigo 40º, nº3, do ETAF. Na verdade, sendo a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa uma acção judicial da competência dos tribunais administrativos de círculo, só fará sentido a referência legal ao «juiz ou relator» se for aplicável a estas acções o artigo 40º, nº3, do ETAF, onde se estabelece, a nível das acções administrativas especiais, a intervenção do colectivo.
Mais. É que tratando-se em regra de «acções de valor indeterminável» [artigo 34º, nº1 e nº2, do CPTA], o julgamento da matéria de facto e de direito pertencerá sempre ao tribunal funcionando em formação de três juízes. Só quando o juiz titular da acção de oposição fizer uso fundamentado, enquanto relator, do poder que lhe é conferido pelo artigo 27º, nº1 alínea i), do CPTA, é que esse julgamento será realizado apenas por ele.
Porque as palavras usadas pelo legislador não poderão ser vistas como espúrias ou escusadas, antes sendo de «presumir» que se exprimiu de forma adequada e útil [artigo 9º, nº3, do CC], cremos que da referência ao «juiz ou relator», enquadrada numa tramitação de julgamento de matéria de facto e de direito realizada «nos termos da acção administrativa especial», não pode deixar de se concluir que o regime jurídico decorrente do «acórdão de uniformização de jurisprudência» de 05.06.2012, e do acórdão tirado em «formação alargada» de 05.12.2013, será aplicável, também, ao caso da acção de oposição de aquisição da nacionalidade portuguesa.
Até porque, tal como é ordenado na lei [artigo 8º, nº3, do CC], «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito». Isto é, não deve o intérprete e aplicador da lei sobrepor o seu critério ao critério do próprio legislador. À conclusão a que chegamos não se opõem, ao contrário do que defende o ora recorrente, princípios como o do «Estado de direito democrático e da tutela jurisdicional efectiva» [artigos 2º e 268º, nº4, da CRP].
É certo que o Tribunal Constitucional tem afirmado que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», o que o leva a considerar que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» [ver, entre outros, AC do TC de 22.04.2009, nº188/2009, processo nº505/08].
Porém, no caso sub judice, não ocorreu qualquer «alteração dos preceitos legais aplicáveis», sejam eles os artigos 40º nº3, do ETAF, e 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, ou os artigos 56º a 60º do RNP, razão pela qual qualquer violação do princípio da protecção da confiança apenas poderia ser atribuída a uma eventual mudança na interpretação das normas em causa pelo acórdão recorrido.
Ora, verdade é que mesmo antes do acórdão uniformizador de jurisprudência a interpretação que nele é sufragada, relativamente ao artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, conjugada com o artigo 40º, nº3, do ETAF, já resultava destas normas, tanto assim que a jurisprudência, inclusivamente a deste STA, a vinha suscitando [ver, entre outros, AC STA de 19.10.2010, Rº0542/10; e AC STA de 23.11.2011, Rº07830/11]. Não se trata de interpretação «arbitrária», nem violadora dos mínimos de «certeza e de segurança jurídicas», mas de interpretação perfeitamente suportada na letra e no espírito da lei.
Além disso, agora mais na vertente da tutela jurisdicional efectiva, sublinhamos que o regime decorrente da interpretação feita pelo «acórdão de uniformização de jurisprudência» não retira possibilidades de reacção à decisão final proferida sobre o mérito da causa, de modo a ferir a «tutela jurisdicional efectiva», antes acrescenta à possibilidade de recurso a da prévia reclamação para o colectivo, sendo certo que, confrontado com a questão, o Tribunal Constitucional decidiu «Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, interpretado no sentido de que das sentenças proferidas no âmbito de acções administrativas especiais de valor superior à alçada, julgadas pelo Tribunal singular ao abrigo da referida alínea i) do nº1 do artigo 27º, não cabe recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo, mas apenas reclamação para a conferência» [AC TC nº846/2013]”.
Seguindo esta jurisprudência, concluímos que da sentença proferida nos presentes autos cabe reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional, na medida em que à presente acção é aplicável o disposto nos artigos 40º, n.º 3 do ETAF e 27º, n.º 2 do CPTA.
Deste modo, deveria o Senhor Juiz a quo ter admitido a reclamação para a conferência, ordenando a remessa dos autos aos vistos dos respectivos adjuntos, uma vez que os respectivos pressupostos, nomeadamente a sua tempestividade, se mostravam reunidos.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, para aí ser apreciado o mérito da reclamação para a conferência.
Sem custas.


Lisboa, 15 de Janeiro de 2015


_________________________
(Conceição Silvestre)


_________________________
(Cristina dos Santos)


_________________________
(Paulo Pereira Gouveia)