Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:152/24.4BELLE
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:03/05/2024
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONFLITO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO ADMINISTRATIVO SOCIAL
JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: DECISÃO

1. A Senhora Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por despacho de 20.02.2024, convolou oficiosamente o recurso interposto pelo então recorrente em reclamação para o Presidente deste Tribunal, apresentada nos termos do artigo 105.º, nº4 do CPC, com o propósito de se decidir definitivamente a questão da competência territorial julgada no processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias ali instaurado por A …………… contra a AIMA, I.P- Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.

2. O requerente foi notificado desse despacho e nada disse

3. A questão colocada na presente reclamação consiste em determinar qual o tribunal territorialmente competente para a instrução e conhecimento da presente intimação para protecção de direitos liberdades e garantias: se o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tal como o entende a decisão reclamada, ao abrigo da regra vertida no n.º 5 do artigo 21.º do CPTA, ou se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, como defende o ora reclamante, por sustentar que apesar de se aplicar a disposição vertida no artigo 21.º, n.º 5 do CPTA, se infere dos estatutos da AIMA, IP (sucessora do SEF) aprovados pela Portaria nº 324-A/2023, de 27.10, que as suas “atribuições são concretizadas através dos seus serviços desconcentrados, cujo âmbito territorial é definido nos respetivos estatutos”. Pelo que, nos termos da sua alegação, atenta a residência do autor e sendo a Loja da AIMA de ALBUFEIRA – serviço desconcentrado - a competente para decidir o pedido formulado na presente intimação, seria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o territorialmente competente para julgar a apresente acção.

4. Com interesse para a decisão a proferir, emergem dos autos as seguintes ocorrências processuais (documentalmente comprovadas):

4.1 A…………intentou, em 12.2.2024, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a AIMA, I.P- Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., pedindo ao Tribunal que intime e condene “a Entidade Demandada a decidir , com urgência- mo praz oque se estima ser razoável e adequado de quinze (15 dias- o pedido de concessão de autorização de residência apresentado pelo autor” em 04.05.2023, junto do (à data) SEF. Cumulativamente, requer ainda que na sentença a proferir seja feita a expressa advertência ao responsável pelo cumprimento da presente intimação – que identifica como “o titular do órgão responsável, ou seja, o Presidente do Conselho Directivo da AIMA, I.P., Luís ………..” (…) que a falta de cumprimento da intimação no prazo que vier a ser fixado pelo duto tribunal poderá gerar a obrigação de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 111.º, n.º 4 do CPTA. (cfr. p.i. e oito documentos. - SITAF).

4.2 Em 15.2.2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé declarou-se territorialmente incompetente para conhecer da presente acção e atribuiu essa competência ao Juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cfr. fls. 43 e ss -SITAF).

4.3 Inconformado com tal decisão o autor apresentou no Tribunal, em 19.2.204, requerimento de interposição de recurso acompanhado das respectivas alegações, dirigido ao Tribunal Central Administrativo Sul. (cfr. fls. 54 e ss- SITAF).

4.4 Por despacho datado de 20.2.2024, a Senhora Juíza titular dos autos convolou o requerimento de interposição do recurso apresentado em reclamação para o Presidente deste TCAS (cfr. fls. 58 e ss. – SITAF).

4.5 O autor e o Ministério Público foram notificados.

5. O tribunal a quo para se declarar incompetente territorialmente e cometer essa competência ao Juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, fê-lo mediante um discurso argumentativo que agora, por simplicidade, se transcreve, nas partes consideradas relevadas.

Ali se disse o seguinte:

(…)

No caso sub judice, o Autor peticiona a intimação da Entidade Demandada a decidir a pretensão que alega ter formulado, em 4 de Maio de 2023, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4.07 (e, como não deixa de explicitar no seu articulado inicial – apesar das suas imprecisões e inexactidões – , uma manifestação de interesse com vista à dispensa de visto para efeitos de concessão de uma autorização de residência para o exercício de uma actividade profissional subordinada).
Na presente data, resulta incontestável que, desde a reestruturação integral do sistema português de controlo de fronteiras, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2.06, em 29 de Outubro de 2023, foi criada uma entidade – a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P. (AIMA, I. P.), contra a qual a presente lide vem instaurada –, com a natureza de instituto público, integrada na administração indirecta do Estado, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com jurisdição sobre todo o território nacional e sede no município de Lisboa, que dispõe, para a prossecução das suas atribuições, de uma estrutura hierarquizada assente em unidades orgânicas nucleares, flexíveis (de 2.º e 3.º graus) bem como de serviços desconcentrados cujo âmbito territorial se encontra definido nos respectivos estatutos [cf. artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 73/2021, de 12.11; artigos 49.º, 1.º, n.º 1 e 3.º e seguintes; artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 e n.º 3 da Orgânica da AIMA, I.P., aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2.06; cf. ainda artigos 1.º e 2.º dos Estatutos da AIMA, anexos à Portaria n.º 324-A/2023, de 27.10].
E resulta, outrossim, incontroverso que a concessão de autorizações de residência a nacionais de países terceiros, com a concludente emissão dos correspectivos documentos habilitantes de residência, que as titulam, integram, actualmente, o âmbito de atribuições desta entidade [cf. alínea c), do n.º 2, do artigo 3.º da Orgânica da AIMA (anexa ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2.06); cf. ainda artigo 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 da Lei n.º 73/2021, de 12.11, na sua actual redacção]. Por outro lado, demonstra-se assente nos Estatutos da AIMA que a gestão e instrução bdos procedimentos, de entre o mais, dos pedidos de autorização de residência se encontra cometida ao Departamento de Procedimentos Administrativos e Qualidade, unidade orgânica nuclear pertencente à estrutura central da AIMA [cf., conjugadamente, artigos 2.º e 10.º dos Estatutos da AIMA, anexos à Portaria n.º 324-A/2023, de 27.10].
Estatui, por seu turno, o n.º 2, do artigo 5.º da Orgânica da AIMA (anexa ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2.06) que o respectivo órgão representativo é o seu conselho directivo, sem prejuízo da faculdade de delegação.
(…) a Lei n.º 23/2007, de 4.07, que estabelece o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, em conjugação com o Decreto-Regulamentar n.º 84/2007, de 5.11, que a regulamenta, certo é que, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02.06, a resposta em matéria de competência orgânica na atribuição de autorização de residência – maxime, do órgão competente, dentro da estrutura hierarquizada da AIMA – subsistia omissa, obrigando a uma leitura actualista do preceituado no artigo 51.º, n.º 11 deste Decreto-Regulamentar, concatenada com o preceituado nos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 5.º, n.º 2, alínea a) do anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2.06, como, aliás, este Tribunal vinha promovendo. E era com base nessa premissa interpretativa que se inferia a sua centralização no conselho directivo da AIMA, sem prejuízo da faculdade de delegação [recorde-se que, até então, o Decreto Regulamentar n.º 84/2007 subsistia inalterado, mantendo o n.º 11, do seu artigo 51.º a competência originária para a concessão (e renovação) de autorizações de residência no director regional do SEF, na esteira, aliás do artigo 47.º, n.º 1, alínea l) da Estrutura Orgânica do SEF, entretanto revogado, questão a que o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2.06, tão-pouco concedia resposta].
Ora, se a concreta resposta quanto ao órgão competente para prolatar o acto de concessão de autorização de residência, promover a emissão do respectivo título habilitante e, desde logo, impulsionar o pedido de manifestação de interesse que o Autor alega ter apresentado junto dos serviços (à data ainda) do SEF, via portal electrónico SAPA não resultava de forma expressa dos diplomas legais já em vigor após a reforma operada ao sistema português de controlo de fronteiras, a verdade é que, com a entrada em vigor do Decreto-Regulamentar n.º 1/2024, de 17.01, no passado dia 18 de Janeiro pp. [cf. respectivo artigo 7.º], eventuais dúvidas persistentes foram, no presente, dissipadas.
Com efeito, o (aditado) n.º 18, do artigo 51.º do Decreto-Regulamentar n.º 84/2007, de 5.11, na redacção sob escrutínio, passou a prescrever que “[é] competente para a concessão e renovação de autorização de residência, o conselho diretivo da AIMA, I. P., com possibilidade de delegação”.
Matéria que em momento algum é beliscada pela subsistência das unidades orgânicas territorialmente desconcentradas da AIMA – as designadas Lojas AIMA e AIMA Spot – cujo âmbito de competências, como regulamentado, se encontra circunscrito (apenas) à prestação de serviços públicos “em balcão único de atendimento que serve de interface dos cidadãos migrantes e das respetivas entidades empregadoras com diversos serviços de várias entidades públicas e privadas, designadamente no âmbito do processo de acolhimento e integração de migrantes”, preferencialmente, integradas em lojas de cidadão, e à “criação de condições de maior proximidade, [com vista a] facilitar e promover o acesso aos serviços mais relevantes para os migrantes prestados por entidades públicas e privadas, designadamente por via de atendimento digital assistido, bem como apoiar no processo de acolhimento e integração de pessoas migrantes, articulando-se com as diversas estruturas nacionais e, especialmente, locais”, respectivamente [cf., correspectivamente, artigos 14.º e 15.º dos Estatutos da AIMA, anexos à Portaria n.º 324-A/2023, de 27.10] , não se extraindo do quadro legal em evidência, mesmo com as recentes alterações introduzidas por via regulamentar ao Decreto-Regulamentar n.º 84/2007, de 5.11, quaisquer competências (nomeadamente, delegadas) para a concessão de autorizações de residência, sequer para a instrução ou tramitação dos correspectivos procedimentos administrativos.
Nesta medida, a emissão da pretendida decisão sobre a pretensão formulada em 4 de Maio de 2023 – o pedido aduzido na presente lide pelo Autor com vista à defesa do direito fundamental (liberdade ou garantia) que alega pretender exercer, ou cuja violação ou risco de violação visa evitar – sempre dependerá de um comportamento cuja competência legal originária para decidir, na ausência de delegação de competências devidamente publicada (ou da alegação da sua existência), radica no conselho directivo da AIMA, I.P., o qual, como aludido, se encontra sedeado em Lisboa [cf. artigo 20.º, n.º 5 do CPTA]. (…).”

Diga-se, desde já que a decisão reclamada é de manter.

Por um lado, porque o ora reclamante não dissente quanto à aplicação in casu da regra plasmada no artigo 21.º, n.º 5 do CPTA, que dispõe, que todos os pedidos de intimação que não cabem no âmbito da previsão do n.º 4, isto é, que não sejam acções de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, “são intentados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos.

E, por outro lado, porque a AIMA IP, o organismo criado pelo Decreto-Lei n.º41/2023, de 2 de Junho (em vigor desde 29.10.2023) que sucedeu ao“ SEF nas suas funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros e ao Alto Comissariado para as Migrações, I. P. (ACM, I. P.) e para qual transitam as “ diligências já realizadas, os processos e procedimentos administrativos pendentes no SEF e no ACM, I. P., (cf. artigos 1.º , nº1, 2.º e 5º, do citado diploma), tem de se articular com o regime do Decreto-Regulamentar nº 84/2007, que na sua recente alteração (Decreto Regulamentar n.º 1/2024, de 17 de Janeiro), passou a dispor no artigo 51.º, n.º 18 que a competência para a concessão e renovação de autorização de residência, está cometida ao “conselho diretivo da AIMA, I. P., com possibilidade de delegação.”

Ora, vendo a orgânica da AIMA, I.P, publicada em Anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de Junho, que dele faz parte integrante, bem como da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro, que aprovou os estatutos não decorre que as unidades orgânicas territorialmente desconcentradas que aquele organismo dispõe - mais concretamente a Loja AIMA de Albufeira – tenham competência para apreciar os pedidos concessão de autorização e residência temporária que lhe são dirigidos.

Essa competência radica - como supra se disse- no conselho directivo da AIMA, I.P., que tem a sua “sede no município de Lisboa”, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 e 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 41/2023, 2 de Junho e artigo 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro.

De igual modo, percorrido o texto da recente Deliberação n.º 242/2024, de 22 de fevereiro, in Diário da República n.º 38/2024, Série II de 22-02-2024, nele não se encontra consagrada a referida delegação de competência para a concessão e renovação de autorizações de residência.

Refira-se, ainda, em jeito de nota de rodapé que as unidades orgânicas territorialmente desconcentradas da AIMA, IP, a saber: as Lojas AIMA e a IMA Spot - são espaços “ de prestação de serviços públicos em balcão único de atendimento que serve de interface dos cidadãos migrantes e das respetivas entidades empregadoras com diversos serviços de várias entidades públicas e privadas, designadamente no âmbito do processo de acolhimento e integração de migrantes” localizadas de preferência em Lojas de Cidadão, visão tão-só criar condições de maior proximidade, facilitar e promover o acesso aos serviços (cfr, artigos 14.º e 15.º da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro).

Dúvidas não restam, portanto, que pretensão do ora reclamante deve ser apreciada e decida pelo conselho directivo da AIMA, I.P., que tem a sua sede no município de Lisboa. Razão pela qual a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deve ser intentada no tribunal da área da sede da entidade demandada, in casu, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por esse o tribunal territorialmente competente para o efeito.

6. Pelo exposto, decidindo, indefere-se a presente reclamação e, consequentemente, mantém-se o despacho reclamado que declarou competente para os ulteriores termos dos presentes autos o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Sem custas

Notifique.

Lisboa, 5 de Março de 2024


O Juiz Presidente do TCA Sul

PEDRO MARCHÃO MARQUES