Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01582/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/06/2007
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS
AJUDAS DE CUSTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I)- Num universo de não se sabe quantos trabalhadores, dizer-se sobre eles que,”alguns” dos mapas, “nomeadamente” por falta da data da visita, a sociedade distribuía “aos seus trabalhadores” senhas, “quando os trabalhadores se deslocavam”, “por vezes” ou “determinados trabalhadores”, são afirmações de conteúdo tão vago e genérico que se fica sem saber se é muito ou pouco, mais ou menos pelo que para a clareza da decisão, deveria ter sido concretizada a situação do impugnante, a qual, como premissa do silogismo efectuado, deveria ter sido também indicada.
II)- Impunha-se, para efeito de controle pelo destinatário sobre a veracidade dos fundamentos, que, em relação a cada um dos trabalhadores, fossem concretizadas e quantificadas todas aquelas situações e se explicasse através duma exposição sucinta porque é que as mesmas justificavam as correcções. Doutro modo, não são explicados os fundamentos de facto e de direito da decisão que, assim, não é clara, não permitindo, através dos seus termos, que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, nem suficiente, por não possibilitar ao administrado um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou, e muito menos congruente, pois a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não envolvendo entre eles um juízo de adequação.
III)- Suficientes têm de ser os fundamentos no sentido de aptos a dar a perceber o processo lógico e jurídico que levou à decisão consubstanciada no acto concretamente praticado. Daí que se deve ter como insuficiente a fundamentação só de facto ou só de direito, ou meramente conclusiva ou vagamente qualificativa de factos não expressamente indicados.
IV)- Congruentes, ou não contraditórios, na terminologia da lei ( cfr. nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei 256-A/77), significa que, relacionados com a concreta decisão tomada, a deduzir deles, os elementos fundamentadores se mostram logicamente aptos a que a decisão deles se extraia.
V)- Perante o que se conclui que a decisão motivada nos termos descritos em I) não indica, com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram a liquidação.
VI)- A fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções que são as de acautelar, por banda da Administração, a adequada reflexão na decisão a proferir e, por parte do administrado, uma opção esclarecida entre a aceitação e a eventual impugnação de uma tal decisão
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I.- RELATÓRIO

1.1.- R..., com os sinais identificadores dos autos, interpuseram recurso jurisdicional da decisão do Mmo. Juiz do TAF de Sintra, que julgou improcedente a presente impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2001, concluindo assim as suas alegações:
1°) O acto tributário impugnado não está suficientemente fundamentado;
2°) Na verdade, meras e genéricas afirmações tais como "alguns" mapas de deslocações, sem referir ou indicar quais, não consubstancia uma correcta fundamentação;
3°) Do mesmo modo, indicação de que ''por vezes" alguns mapas não têm a assinatura do trabalhador, consubstancia uma irregular fundamentação, por não se indicar quais os mapas e os valores em causa;
4°) A indicação de que "determinados" trabalhadores estariam no mesmo dia e na mesma hora em locais diferentes, consubstancia, também, uma fundamentação incompleta, por não se indicar se é o caso ou não do ora recorrente;
5°) Ao contrário, portanto, do que foi considerado na douta sentença recorrida, o acto tributário impugnado não está suficientemente fundamentado, sendo, portanto, ilegal;
6°) A douta sentença recorrida interpretou incorrectamente o art° 2° do CIRS, ao considerar como rendimentos de trabalho as ajudas de custo recebidas pelo recorrente, já que a circunstância de os trabalhadores receberem integralmente os subsídios de refeição num determinado quantitativo mensal, não põe em causa a natureza das ajudas de deslocação;
7°) Assim, a douta sentença deve ser alterada.
Termos em que entende que o presente recurso deve ser julgado procedente, anulando-se, na totalidade, a liquidação impugnada como é de Justiça.
1.2.- Não houve contra – alegações.
1.3.- O EPGA emitiu o seguinte parecer:
“A sentença recorrida não merece censura.
Com efeito, a fundamentação deve ser "sucinta" e evidenciar o raciocínio lógico que determinou as correcções efectuadas, tal como se refere na sentença.
Assim, a fundamentação em que se refere que "alguns" mapas, "por vezes" ou "determinados trabalhadores", é suficiente se remete para mapas onde essas situações se encontram concretizadas. Note-se, aliás, que no relatório onde essas expressões são usadas, são dados exemplos das situações evidenciadas nos respectivos anexos (fls. 49 do apenso).
Para a fundamentação ser suficiente não é necessário que dela constem todos os casos em que uma situação se verifica, mas apenas que a situação se verifica, remetendo para os documentos onde tal acontece.
Somos de parecer que o recurso não merece provimento.”
1.4.- Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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II.- FUNDAMENTAÇÃO:

2.1.- DOS FACTOS:

Na sentença recorrida foi fixado o seguinte probatório:

Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1- O impugnante desempenhou funções na empresa " B...- Design e Comunicação, S.A", no ano de 2001 -cfr art° 1° da P.I e relatório elaborado pela Inspecção Tributária de fls 18 a 23 do P.A.
2- Na sequência de uma acção de inspecção efectuada à firma indicada em l, os serviços da Adm Fiscal corrigiram os rendimentos da categoria A declarados pelo impugnante na respectiva Declaração de Rendimentos , no montante de € 8.361,64 , com base no Relatório elaborado por aqueles serviços, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual consta, designadamente que " ... as ajudas de custo e de compensação por utilização de viatura própria....são complementos de remuneração sujeitos a IRS, nomeadamente pelos seguintes factos:
-Alguns dos mapas itinerários apresentados não estão devidamente elaborados...pela falta da data de visita, o motivo da mesma e, por vezes, pela falta da assinatura do trabalhador;
- Mensalmente a sociedade distribuía aos seus trabalhadores "Senhas Euroticket", não efectuando qualquer correcção às ditas " ajudas de custo";
- Quando os trabalhadores se deslocam ao serviço da sociedade, ela suportava todas as despesas incorridas pelos mesmos - alimentação e estadas;
- Nos mapas de imobilizado da sociedade... tem no seu activo vários veículos de transporte...
- ..O valor do somatório das ajudas de custo com o da compensação por utilização de viatura própria é sempre idêntico, excepto a de dois meses em que é aproximadamente o dobro;
f)-... Os documentos de suporte de diversas despesas contabilizadas... constatamos que determinados trabalhadores estariam no mesmo dia e na mesma hora em locais diferentes". - cfr ponto III do Relatório, a fls 20 e 21 do P.A apenso; e documento de Correcção de fls 30 a 37 do P.A. apenso
3 - Do relatório efectuado à empresa em que o impugnante exerceu a sua actividade, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, consta o seguinte:
III-5.6 Ajudas de Custo e Compensação pela deslocação em viatura própria...
Alguns destes custos não se encontram devidamente documentados, nomeadamente com a falta de assinatura... ... ( a sociedade) adquiria mensalmente " senhas Euroticket"... as quais distribuía aos seus trabalhadores em igual montante... ...Por outro lado quando os trabalhadores se deslocavam ao serviço da sociedade, ela suportava todas as despesas incorridas pelos mesmos- alimentação e estadas.... ...Tendo em conta os documentos de suporte das despesas...( Anexo XII)... ( Anexo XIV)...(Anexo XVI)...(Anexo XVIII)...( Anexo XIX)...(Anexo XX)...( Anexo XXI)... ( Anexo XXIII)... (Anexo XXV).. ( Anexo XXVII)...". - Cfr Relatório da I.T. a fls 43 a 51 v. do P.A. apenso.
4-Em 13.12.2005, foi elaborado a nota de liquidação n° 4004473552 que procedeu à liquidação adicional de imposto ao impugnante com base na alteração do rendimento colectável referido em 2. - cfr Doc. de fls 23 e 24 e Nota de Liquidação de fls 27, dos autos
5- Em 23.01.06 o impugnante efectuou o pagamento do imposto em falta resultante da liquidação referida em 4.- cfr Doc. de Cobrança de fls 18 dos autos
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Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, a questão que logra prioridade na sua apreciação no presente recurso é a da falta de fundamentação do acto tributário (conclusões 1 a 5).
Sintetizando o conteúdo das pertinentes conclusões:
Meras e genéricas afirmações tais como "alguns" mapas de deslocações, sem referir ou indicar quais, não consubstancia uma correcta fundamentação.
Do mesmo modo, indicação de que ''por vezes" alguns mapas não têm a assinatura do trabalhador, consubstancia uma irregular fundamentação, por não se indicar quais os mapas e os valores em causa;
Por fim, a indicação de que "determinados" trabalhadores estariam no mesmo dia e na mesma hora em locais diferentes, consubstancia, também, uma fundamentação incompleta, por não se indicar se é o caso ou não do ora recorrente.
E, na verdade, o que se apura nos autos, foi que, como flui do relatório da Inspecção Tributária que é fundamento da liquidação impugnada, a AT considerou que o impugnante recebeu da empresa de que era trabalhador ("B...— Design e Comunicação, S.A.) "a título de "ajudas de custo" o valor de €2.172,28 e/ou de "compensação por utilização de viatura própria" no montante de €6.189,36".
Segundo o dito relatório, essa constatação resultou de "uma acção inspectiva externa ao exercício de 2001", à referida sociedade, entidade patronal do impugnante, no âmbito da qual '' apesar da denominação que lhes foi atribuída, ficou provado, (…), que estes montantes são complemento de remuneração sujeita a IRS nos termos do n° 2 do art° 2° do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares ", porquanto:
"… - alguns dos mapas itinerários apresentados não estão devidamente elaborados, nomeadamente pela falta da data da visita, o motivo da mesma e, por vezes, pela falta da assinatura do trabalhador;
-mensalmente a sociedade distribuía aos seus trabalhadores "Senhas Euroticket" na importância de €120,71 (24.200$00 não efectuando qualquer correcção às ditas "ajudas de custo";
- quando os trabalhadores se deslocavam ao serviço da sociedade, ela suportava todas as despesas incorridas pelos mesmos - alimentação e estadas;
- nos mapas de imobilizado da sociedade, constatamos que a mesma tem no seu activo vários veículos de transporte, pelo que se questiona qual a necessidade de todos os trabalhadores da empresa necessitar de utilizar a sua própria viatura quando se "deslocavam" em serviço da empresa;
- verificamos ainda que o valor do somatório das "ajudas de custo" com a "da compensação por utilização de viatura própria" é sempre idêntico, excepto a de dois meses (Dezembro e outro, nomeadamente quando o trabalhador recebe o subsídio de férias) em que é aproximadamente o dobro;
- por fim, tendo em conta os documentos de suporte de diversas despesas contabilizadas, em comparação com o mapa de ajudas de custo e folha de km em viaturas próprias apresentadas, constatamos que determinados trabalhadores estariam no mesmo dia e na mesma hora em locais diferentes".
Com base nessa fundamentação, conclui a AT ''…que foram omitidas à tributação os rendimentos acima referidos (ajudas de custo e/ou compensação por utilização de viatura própria) pelo valor global de €8.361,64 ".
Para o Mº Juiz «a quo», consistindo a fundamentação na sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que sustentam o acto- cfr n° l, do art° 77° da LGT, no relatório da I.T a que se refere o ponto 2 do probatório, está devidamente evidenciado o raciocínio lógico que determinaram as correcções efectuadas, tendo o impugnante compreendido cabalmente o sentido daquelas correcções e delas discordando e pronunciando-se expressamente quanto aos motivos daquela alteração efectuada com base em diferente qualificação daqueles montantes por si recebidos.
Posição secundada pelo EPGA para quem a fundamentação deve ser "sucinta" e evidenciar o raciocínio lógico que determinou as correcções efectuadas, tal como se refere na sentença pelo que, a fundamentação em que se refere que "alguns" mapas, "por vezes" ou "determinados trabalhadores", é suficiente se remete para mapas onde essas situações se encontram concretizadas, fazendo notar que no relatório onde essas expressões são usadas, são dados exemplos das situações evidenciadas nos respectivos anexos (fls. 49 do apenso). Enfim, para o EPGA, para a fundamentação ser suficiente não é necessário que dela constem todos os casos em que uma situação se verifica, mas apenas que a situação se verifica, remetendo para os documentos onde tal acontece.
Ora, a nosso ver, o acto impugnado está inquinado do vício de insuficiência de fundamentação pois a entidade decidente estava obrigada a fundamentar a sua decisão mas as razões aduzidas são de tal forma vagas, indeterminadas e desmotivadas que não determinam um acto que se possa considerar como verdadeiramente fundamentado.
Na verdade, os factos tidos em conta na inspecção à entidade patronal do impugnante não são de molde a escusar a entidade decidente a fundamentar a sua decisão de apreciar toda a concreta situação do contribuinte, sendo que a fundamentação do acto constitui formalidade exigível e a sua preterição é fundamento de impugnação.
A lei (art. 124º CPA e na especialidade, o artº 77º da LGT) estabelece o dever de fundamentação dos actos administrativos, que «deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão» (art.125º, nº 1 CPA; artº 77º da LGT).
A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele acto, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido vd. acórdãos do Pleno desta 1ª Secção, de 28.5.87 e 11.5.89, citados pelos Cons. S. Botelho, P. Esteves e C. Pinho, in CPA Anot. e Com., 5ª ed., 715. , assegurando-se a dupla finalidade, visada pela lei e pela própria Constituição (art.268º, nº3), de acautelar, por banda da Administração, a adequada reflexão na decisão a proferir e, por parte do administrado, uma opção esclarecida entre a aceitação e a eventual impugnação de uma tal decisão vd. acórdão do Pleno, de 21.3.91 (Rº 24555), in AA. e Loc. cit., 719.
No caso sujeito ao veredicto do tribunal, o acto impugnado, como bem demonstra o impugnante na p.i., está justificado em na referência a que "alguns dos mapas itinerários apresentados não estão devidamente elaborados ".
Como questiona o impugnante, não é fundamentação legalmente aceitável a referência a "Alguns dos mapas" pois era exigível que, de modo expresso, claro e inequívoco se demonstre que em relação a este específico contribuinte, houve deslocações (concretamente, quais) em relação às quais há mapas (concretamente, quais) que não estão devidamente elaborados.
E, ainda na esteira do impugnante, "Alguns dos mapas" não é fundamento suficiente, até porque, da frase em causa, se retira a óbvia conclusão de que em relação a alguns mapas estão eles correctamente elaborados, sendo certo que a Administração Fiscal considerou rendimento tributável todas as quantias pagas a título de "ajudas de custo".
O mesmo se diga quanto à afirmação de que - "por vezes", nos ditos mapas, há falta de assinatura do trabalhador; cumpria referir quantas, quais e que valores estão em causa estavam em causa, porque sem isso, para um destinatário normal, não são apreensíveis as razões porque se decidiu no sentido assumido pela entidade decidente e não noutro.
Acresce que a AT aduziu que "mensalmente a sociedade distribuir aos seus trabalhadores "Senhas Euroticket" na importância de €120,71 (24.200$00, não efectuando qualquer correcção às ditas ajudas de custo". Mas, como bem diz o impugnante, para além de se encontrar um patente erro quantitativo, já que €120,71 não são 24.200$00, ficando, portanto, por saber, qual é efectivamente o montante distribuído, a verdade é que não é feita prova - e é a Administração Fiscal que incumbia fazê-lo - se ao impugnante também eram distribuídas as tais "senhas Euroticket", sendo certo, como a própria Administração Fiscal reconhece, que a provar-se essa entrega das referidas senhas, a consequência, seria, quando muito, abater ao valor recebido como ajudas de custo, o valor dessas senhas.
Ora, em contradição com o seu próprio entendimento, o que a Administração Fiscal fez, foi apenas e só, desqualificar, na totalidade, as ajudas de custo e tributá-las integralmente.
Também não está legalmente fundamentada uma correcção ao rendimento tributável e, concomitantemente, à liquidação adicional, baseado em afirmações genéricas, tais como "quando os trabalhadores se deslocavam ao serviço da sociedade, ela suportava todas as despesas incorridas pelo mesmo - alimentação e estadias ".
Tem razão o impugnante quando na sua p.i. pergunta:"Os trabalhadores" - todos? Alguns? E, no que ao caso concreto interessa, o impugnante? Ao impugnante a entidade patronal pagava as despesas incorridas nas deslocações? Como? Porque meios?
O mesmo se diga quanto à correcção ao rendimento tributável fundada em afirmações de que a entidade patronal "tem no seu activo vários veículos de transporte, pelo que se questiona a necessidade de todos os trabalhadores da empresa necessitar de utilizar a sua própria viatura quando se "deslocavam " em serviço da empresa ".
Também aqui são pertinentes as interrogações do impugnante: Todos os trabalhadores? E que tem o impugnante a ver com isso - o que interessa, é a demonstração da "verificação dos requisitos que lhe [à Administração Fiscal ] permitem alterar o rendimento colectável declarado, ou seja, demonstrar que os montantes recebidos pelo contribuinte da sua entidade patronal a título de ajudas de custo não reúnem as características essenciais deste" (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, n° 145/04, de 24/2/2005).
Se há "vícios" em relação a outros trabalhadores, eles não são "contamináveis" - o que esta em causa é o impugnante e a natureza dos quantitativos que auferiu.
Por fim, em pleno acordo com o impugnante, também é um exemplo de.... "não fundamentação" a afirmação de que "constatamos que determinados trabalhadores estariam no mesmo dia e na mesma hora em locais diferentes", com base em documentos de suporte de diversas despesas contabilizadas, em comparação com o mapa de ajudas de custo e folhas de km em viatura própria apresentadas.
Ora, salvo melhor opinião, face ao teor da decisão nos segmentos transcritos, entendemos que a mesma está insuficientemente fundamentada pois que, qualquer destinatário normal colocado na situação do destinatário, não perceberia as razões que levaram o órgão a decidir como decidiu.
Com efeito, num universo de não se sabe quantos trabalhadores, dizer sobre eles que,alguns” dos mapas, “nomeadamente” por falta da data da visita, a sociedade distribuía “aos seus trabalhadores” senhas, “quando os trabalhadores se deslocavam”, “por vezes” ou “determinados trabalhadores”, enfim todas as afirmações que ficaram supra transcritas, salvo o devido respeito, é tão vago e genérico que se fica sem saber se é muito ou pouco, mais ou menos) a clareza da decisão, a qual, como premissa do silogismo efectuado, deveria ter sido também indicada.
Impunha-se, para efeito de controle pelo destinatário sobre a veracidade dos fundamentos, que, em relação a cada um dos trabalhadores, fossem concretizadas e quantificadas todas aquelas situações e se explicasse através duma exposição sucinta porque é que as mesmas justificavam as correcções. Doutro modo, não são explicados os fundamentos de facto e de direito da decisão que, assim, não é clara, não permitindo, através dos seus termos, que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, nem suficiente, por não possibilitar ao administrado um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou, e muito menos congruente, pois a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não envolvendo entre eles um juízo de adequação.
Suficientes têm de ser os fundamentos no sentido de aptos a dar a perceber o processo lógico e jurídico que levou à decisão consubstanciada no acto concretamente praticado.
Daí que se deve ter como insuficiente a fundamentação só de facto ou só de direito, ou meramente conclusiva ou vagamente qualificativa de factos não expressamente indicados.
Congruentes, ou não contraditórios, na terminologia da lei ( cfr. nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei 256-A/77), significa que, relacionados com a concreta decisão tomada, a deduzir deles, os elementos fundamentadores se mostram logicamente aptos a que a decisão deles se extraia - cfr. Acórdão do TCA de 25/11/03, no Recurso nº 4898/01.
Perante o que se conclui que a decisão não indica, com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram a liquidação.
A fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.
É por demais evidente que da exposição de motivos aduzidos pela entidade decidente não ficou o impugnante, nem o tribunal, a saber o porquê de tal decisão já que não esclarece as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
Significa que para não foram pela entidade decidente apontados os motivos que em base coerente e credível serviram de suporte do acto de que visam ser fundamento e que o seu destinatário não ficou em condições de entender porque razão a entidade decidente actuou daquela forma e não de outra.
Em consonância com o ponto de vista atrás afirmado e porque no n° 2 do art° 125º do CPA, se faz equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto o que vai contra quer o art° 1°, n° l do próprio diploma, quer o art° 268° da Constituição da República, em termos de se considerar preterida uma formalidade essencial, teremos de concluir que o acto recorrido não se encontra claramente suportado pelos elementos de facto e de direito como o revela a materialidade que deflui dos autos.
Na verdade, a fundamentação do acto recorrido não está vazada em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante da graduação, sendo que para um destinatário normal não se sabe ao certo em que situação concretamente se encontrava o impugnante.
Todavia, o processo gracioso tem por fim a descoberta da verdade material relativa aos factos; nele, os particulares intervêm na produção das provas, no cumprimento de um dever de colaboração; é conduzido pela Administração que nele enverga as roupagens de órgão de justiça e de parte imparcial; desenvolve-se segundo um princípio contraditório; e culmina com a prática de um acto estritamente vinculado, que traduz um juízo subsuntivo de aplicação da lei, em muitos pontos semelhante à sentença de um tribunal.
Por isso mesmo se considerou no Acórdão do Tribunal Constitucional de 24/7/84, publicado no BMJ 354º-229, que a fundamentação tem de ser clara, suficiente, congruente e exacta de modo a permitir a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelos seus autores, sob pena da verificação de vício de forma recondutível a preterição de formalidade essencial prevista na lei.
Daí que na fundamentação terá de existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.
No caso concreto e face ao que se provou, estamos, manifestamente, perante «fundamentação que não é fundamentação», o que vale por dizer que a fundamentação aduzida não só não é clara nem concisa como também não é suficiente para determinar e tornar eficaz o próprio acto pois não é compreensível a declaração fundamentadora à luz de um juízo de normalidade.
Face a este quadro, dúvidas não sobram de que este discurso fundamentador padece dos vícios que se lhe apontaram indistinção, confusão, dúvida, obscuridade, ambiguidade, incongruência, sendo uma declaração externadora eivada de ilógicidade, incoerência, insensatez, não justificativo dos motivos da decisão que dele se apropriou.
Face a um tal desiderato, teremos de concluir que um declaratário normal, posto perante a declaração fundamentadora e o acto administrativo nela suportado, dificilmente capta o «iter» funcional, cognoscitivo e valorativo do seu autor.
Ora, como “ex-abundantis” se demonstrou, a fundamentação do acto impugnado, é manifestamente insuficiente, obscura e contraditória, pelo que este viola o disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, 125° do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser anulado.
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Termos em que procedem as conclusões de recurso sob análise, prejudicado ficando o conhecimento do outro fundamento.

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3.- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes deste TCA em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação determinando, e consequência, a anulação do acto tributário impugnado.
Custas pela recorrida.
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Lisboa, 06/02/2007

(Gomes Correia)___________________________________

(Eugénio Sequeira)_________________________________

(Ascensão Lopes)__________________________________