Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06695/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/14/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I. Os processos que versam sobre questões relativas à interpretação, validade ou execução dos contratos de empreitadas de obras públicas revestem a forma de acção administrativa comum, a qual deve ser precedida de tentativa de conciliação extrajudicial.

II. Versa sobre questões relativas à execução do contrato o processo no qual se discute o (in)cumprimento por parte do dono de obra de obrigações emergentes do contrato de empreitada e se pede a sua condenação a ressarcir o empreiteiro dos custos acrescidos que teve de suportar por causa do sucessivo retardamento da conclusão dos trabalhos imputável àquele e ainda a pagar-lhe os trabalhos contratuais e a mais que executou.

III. Nestas acções o prazo de caducidade do direito de acção é de 132 dias, contados desde a data da notificação da decisão ou deliberação proferidas pelo órgão competente para a prática de actos definitivos que negue algum direito ou pretensão do empreiteiro; exige-se, assim, que este órgão emita uma pronúncia expressa sobre a pretensão do empreiteiro, pelo que não há aqui lugar ao indeferimento tácito nos termos do artigo 109º do CPA.

IV. O pedido de tentativa de conciliação extrajudicial interrompe o prazo de caducidade do direito de acção, o que implica a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e a contagem de um novo prazo que se inicia 22 dias depois da data em que o requerente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da diligência.

V. Quer o prazo de 132 dias previsto no artigo 255º, quer o prazo de 22 dias enunciado no artigo 264º, ambos do Decreto-lei n.º 59/99, são contados em dias úteis, atento o disposto no artigo 274º, n.º 1, al. b) desse diploma.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:RELATÓRIO

C.. - CONSTRUÇÃO ………………., SA interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 17/11/2009, proferida no âmbito da acção administrativa comum que a mesma instaurou contra o MUNICÍPIO DE FARO, a qual, julgando procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolveu o réu do pedido.

Formulou as seguintes conclusões nas alegações que apresentou:
“A. No decurso da execução da empreitada em questão nestes autos, o empreiteiro (e aqui recorrente) foi confrontado com diversas situações de indefinição e alteração dos projectos por parte do dono de obra (o ora recorrido), o que veio a provocar sucessivos atrasos e quebras de rendimento nos trabalhos da empreitada, bem como a emissão - e subsequente deferimento - de seis pedidos de prorrogação de prazo.
B. Por carta datada de 08.08.2006, e recepcionada em 25.08.2006, a recorrente reclamou o pagamento da quantia de € 286.931,93, a título de agravamento dos custos fixos diários incorridos nos 13,8 meses a mais em que a obra se prolongou (cfr. alínea L) da matéria fixada pelo Tribunal Recorrido com relevância para a decisão em apreço), não tendo a sobredita reclamação sido objecto de expressa resposta por parte do dono de obra, aqui recorrido, concluiu o Tribunal a quo - e nesse sentido concordaram também as partes - pela formação, em 08.01.2007, de acto tácito de indeferimento de tal pretensão, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 109º do CPA.
C. A acção de responsabilidade contratual intentada pelo empreiteiro (ora recorrente) contra o dono de obra (aqui recorrido) respeita à execução de um contrato de empreitada de obras públicas e destina-se a obter o ressarcimento dos prejuízos (in casu, os acrescidos custos) no montante de € 290.806,51 suportados pela recorrente em face do sucessivo retardamento da obra, exclusivamente imputável ao dono de obra, em virtude das diversas situações de indefinição e alteração de projectos alegadas na petição inicial (alíneas i), ii) e v) do petitório), bem como o pagamento de trabalhos contratuais, de trabalhos a mais e da respectiva revisão de preços no montante de € 155.993,05 (alíneas iii), iv) e v) do petitório), ambos os montantes acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.
D. Deste modo, é inequívoco que a causa de pedir dos presentes autos reporta-se à execução do contrato de empreitada celebrado pelas partes ou, melhor dizendo, à sua inexecução por parte do recorrido, atento o invocado incumprimento/cumprimento defeituoso, por parte deste último, das suas obrigações contratuais, em concreto (i) a obrigação do dono de obra apresentar ao empreiteiro, de modo atempado e consentâneo, os elementos de definição e concretização de projectos necessários para que esta proceda à execução da obra, de onde resultou uma inequívoca influência na execução (e no período de execução), pela recorrente, das suas correspectivas obrigações contratuais, bem como (ii) a obrigação do dono de obra liquidar ao empreiteiro os trabalhos, contratuais e a mais, por ele executados e a respectiva revisão de preços.
E. É, assim, por demais evidente que as pretensões deduzidas nestes autos pela recorrente bem se tutelam mediante a forma da acção administrativa comum prevista no Título IX do Decreto-lei n.º 59/99 (em concreto, artigo 254º do mesmo diploma), que mais não é que uma lei especial que, nos termos do artigo 7º, n.º 3 do Código Civil, prefere à “lei geral” (no caso ao regime de contencioso administrativo enunciado no CPTA), na medida em que as pretensões condenatórias da recorrente respeitam, de modo inequívoco, à execução, pelas partes, do contrato de empreitada entre elas celebrado.
F. Em linha recta, conclui-se ser de igual modo evidente que a instauração da presente acção judicial sempre deveria ter sido precedida da tentativa de conciliação extrajudicial prevista no artigo 260º do Decreto-lei n.º 59/99, cujo âmbito de aplicação é precisamente delineado através de uma expressa remissão legal para o disposto no artigo 254º do mesmo diploma, no que consentem, de modo uníssono, as referências doutrinárias e jurisprudenciais a este respeito supra citadas.
G. Ademais, acrescenta-se que a acção administrativa especial de condenação na prática de acto devido não encontra os seus requisitos subsumidos num caso, como o dos presentes autos, de contencioso de contrato em que a Administração Pública (o recorrido) deverá ser considerada como se estando numa posição de tendente igualdade com a ora recorrente, encontrando-se os actos por esta praticados “despidos” da veste de “força pública”, definitiva e executória que caracteriza a actuação dos entes públicos em geral, e nessa medida insusceptíveis de serem objecto de uma qualquer acção administrativa especial do “contencioso de recursos”.
H. De igual modo, refuta-se determinantemente a validade e pertinência da consideração do Tribunal a quo no sentido de que “a autora deveria ter intentado acção nos termos do previsto nos arts. 255º, 256º e 257º todos do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, por forma alcançar o disposto no art. 66º, 67º e n.º 1 do art. 69º do CPTA, que faculta o uso da acção de condenação à prática do acto devido no prazo de um ano a contar do termo do prazo legalmente estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido”, uma vez que a mesma parece aventar a possibilidade de uma forma de processo mista (não prevista legalmente e, como tal, inadmissível) que combinaria, de modo ilegal, a instauração da acção administrativa comum prevista no Decreto-lei n.º 59/99 (pertencente ao “contencioso de acção”) para o efeito previsto (exclusivamente) com a acção administrativa especial que é a acção para a prática de acto devido (pertencente ao “contencioso de recursos”).
I. Por outro lado, o indeferimento tácito em apreço nestes autos não corresponde, na verdade, a uma notificação do empreiteiro nos termos e para os efeitos previstos no artigo 255º do Decreto-lei n.º 59/99, nem mesmo a uma notificação para os efeitos previstos no artigo 256º, n.º 2 do mesmo diploma, ambas as disposições pressupondo a existência de um acto expresso por parte do dono de obra, nesse exacto sentido dispondo as referências jurisprudenciais mencionadas supra.
J. Acresce que, o disposto no artigo 109º, n.º 1 do CPA a propósito da formação do acto de indeferimento tácito, confere ao administrado, no caso concreto, a recorrente, a mera “(…) faculdade de presumir indeferida essa pretensão”, sobre a ora recorrente não impedia qualquer dever ou obrigação de presumir o indeferimento tácito da sua pretensão de indemnização pois, na realidade, tal como sancionado pela doutrina antecedentemente citada.
K. É pois incontestável concluir que a acção administrativa comum com processo ordinário foi intentada de forma correcta e tempestiva, em completo respeito pelos preceitos legais, em especial, pelos artigos 253º, 254º, 255º, 256º, 257º, 260º e 264º do Decreto-lei n.º 59/99 e artigos 72º, n.º 1, alínea a) e b) e 109º, n.º 3, alínea a), ambos do CPA.
L. Tendo sido formado acto de indeferimento tácito em 08.01.2007, o prazo de 132 dias previsto no artigo 255º para a ora recorrente requerer, ao abrigo do artigo 260º, a tentativa de conciliação extrajudicial, só começou a correr a partir dessa mesma data, e nos termos do artigo 274º, n.º 1, alínea b) do mesmo Decreto-lei n.º 59/99, esse prazo de 132 dias suspende-se igualmente aos sábados, domingos e feriados.
M. No caso sub judice, o prazo de 132 dias úteis, contado a partir de 08.01.2007 terminou em 17.07.2007, precisamente o dia em que a recorrente apresentou junto do InCI o seu requerimento para tentativa de conciliação extrajudicial, deste modo quedando demonstrada a tempestividade do requerimento da ora recorrente para tentativa de conciliação extrajudicial, obrigatória ao abrigo do artigo 260º do Decreto-lei n.º 59/99.
N. Uma vez frustrada a tentativa de conciliação extrajudicial, tendo sido lavrado o respectivo auto de frustração de conciliação em 09.04.2008, assiste à recorrente CME o direito de reclamar judicialmente o seu direito de crédito sobre o ora recorrido Município, emergente do contrato de empreitada entre ambos celebrado em 18.11.2004.
O. O prazo de 132 dias para a então autora e ora recorrente propor a presente acção administrativa, ao abrigo do disposto no artigo 255º do Decreto-lei n.º 59/99 só voltou a correr 22 dias depois da data de notificação do auto de frustração da tentativa de conciliação. Tratam-se, estes prazos de 132 dias e 22 dias dos artigos 255º e 264º do Decreto-lei n.º 59/99, respectivamente, de prazos cumulativos, cuja contagem se suspende aos sábados, domingos e feriados, conforme disposto no artigo 274º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 59/99.
P. Importa, ainda, salientar ser unanimemente aceite pela Jurisprudência que o pedido de tentativa de conciliação extrajudicial prévia a que se refere o artigo 260º do Decreto-lei n.º 59/99 e que foi, efectivamente, apresentado pela recorrente junto do InCI em 17.07.2007, interrompe o prazo de caducidade do respectivo direito de acção e não o suspende, conforme disposto no artigo 264º daquele diploma, donde resulta a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e a contagem de um novo prazo de 132 dias úteis, previsto no artigo 255º do Decreto-lei n.º 59/99, após a ultrapassagem do prazo de 22 dias úteis a partir do momento em que o empreiteiro é notificado da frustração da tentativa de conciliação extrajudicial.
Q. Ora, tendo a recorrente sido notificada em 09.04.2008 da frustração da tentativa de conciliação, o prazo de 22 dias úteis começou a correr dia 10.04.2008, uma vez que nos termos do artigo 274º, n.º 1, alínea a) não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começou a correr, e terminou em 13.05.2005.
R. Por seu turno, o prazo de 132 dias úteis previsto no artigo 255º do Decreto-lei n.º 59/99 começou a correr no dia útil imediatamente a seguir, ou seja, em 14.05.2008 e terminou em 18.11.2008, precisamente o dia em que a recorrente deu entrada à presente acção administrativa comum com processo ordinário.
S. Nesta senda, resulta mister concluir que a sentença em crise violou o disposto no artigo 7º, n.º 3 do Código Civil, nos artigos 253º, 254º, 255º, 256º, 257º, 260º, 264º e 274º todos do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março e nos artigos 72º, n.º 1, alínea a) e b) e 109º, n.º 3, alínea a), ambos do CPA.”

O réu, ora recorrido, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
“a) Vem a recorrida pugnar, no presente recurso, por uma errada aplicação do direito à factualidade dada como provada, que culminou com a determinação da procedência de excepção peremptória extintiva de caducidade do direito de acção.
b) Assim sendo, verifica-se a existência de caso julgado relativamente à decisão quanto à matéria de facto pertinente para a análise da excepção de caducidade do direito de acção.
c) Atentos os conceitos de “empreitada” e de “obras públicas” legalmente previstos, considerou o Meritíssimo Tribunal recorrido que o contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido em 18.11.2004, denominado “Reabilitação e Adaptação do Edifício Casa ……………….”, se trata de um contrato de empreitada de obras públicas, que pressupunha o pagamento pela recorrida à recorrente de um preço contratual de € 647.062,74.
d) Ora, os pagamentos que a recorrente se apresenta a reclamar na acção, não se enquadram no objecto dessa concreta empreitada, nem correspondem a quaisquer pagamentos enquadráveis no valor global contratado de € 647.062,74, antes consubstanciam um pedido de “ressarcimento” ou “indemnização”.
e) Para tentar escamotear esta realidade mais do que evidente, vem a recorrente alegar que a pretensão deduzida inclui trabalhos a mais e respectiva revisão de preços não liquidados pelo recorrido.
f) Porém, verdadeiramente os trabalhos cujo pagamento a recorrente reclama não se encontram discriminados pela recorrente, antes foram descritos de forma vaga e genérica e, portanto, em moldes que jamais lhe permitiriam provar a realização de quaisquer trabalhos concretos.
g) Mais, a recorrente teria que ter alegado factos que permitissem vir a concluir que esses supostos trabalhos não se encontravam previstos no contrato de empreitada; que se destinavam à realização da mesma empreitada; que se afiguraram necessários na sequência de uma circunstância imprevista; que não podiam ser técnica ou economicamente separados do contrato sem inconveniente grave para o dono da obra; e que, ainda que separáveis da execução do contrato, eram estritamente necessários ao seu acabamento; o que não fez.
h) Doutro passo, reflectindo os trabalhos a mais um dos exemplos típicos do exercício do poder de modificação unilateral dos contratos pela Administração, a sua realização depende sempre de ordem prévia e expressa do dono da obra.
i) A forma escrita é a forma normal de comunicação entre o dono da obra ou o seu representante e o empreiteiro, e a única que, em princípio, vincula qualquer das partes, sem prejuízo do princípio do não enriquecimento sem causa, quando aplicável.
j) Os trabalhos a mais só têm relevo jurídico se, além de outras condições, forem ordenados por escrito pelo dono da obra. Tal ordem escrita é, assim, facto constitutivo do direito.
k) Quer isto dizer que a recorrente teria que apresentar senão o contrato adicional ao contrato de empreitada prevendo os concretos trabalhos a mais cujo pagamento reclama, pelo menos prova documental de que o recorrido lhe havia ordenado a realização desses trabalhos a mais.
l) Se o empreiteiro não se prevaleceu de prévia ordem ou autorização escritas do dono da obra para realizar quaisquer trabalhos a mais, não poderão esses trabalhos ser qualificados como trabalhos a mais. Logo, o seu pagamento só poderá vir a ser reclamado pelo empreiteiro por via do instituto do não enriquecimento sem causa e, caso estivessem reunidos os respectivos pressupostos.
m) Assim, não poderia o Meritíssimo Tribunal a quo deixar de considerar que a reclamação do pagamento de quaisquer trabalhos só poderia, eventualmente, enquadrar-se no instituto do enriquecimento sem causa e já não como questão directa ou indirectamente relacionada com a execução do contrato de empreitada.
n) De resto, dos factos dados como provados apenas resulta que a recorrente pediu ao recorrido, por meio do requerimento de 08.08.2006, o pagamento do que denomina ressarcimento, no valor de € 286.932,00, sendo, pois, esta a única factualidade a ter em conta na decisão.
o) Se a recorrente pretendia prevalecer-se de outra factualidade, então deveria ter pedido a reforma da sentença, suscitado o vício de omissão de pronúncia da mesma ou, pelo menos, o erro de julgamento baseado na insuficiência da matéria de facto dada como provada para se decidir quanto à procedência da excepção de caducidade do direito de acção. O que não fez.
p) Afigura-se, assim, manifesto que a pretensão da recorrente não pode considerar-se relacionada com a execução do contrato.
q) Assim sendo, e como as questões suscitadas definitivamente também não se prendiam com a validade e interpretação do contrato de empreitada, não poderia a pretensão da recorrente seguir a forma de processo prevista nos arts. 254º e segs. do DL n.º 59/99, conforme ajuizou, e bem, o Meritíssimo Tribunal recorrido.
r) No que concerne ao prazo de interposição da acção, considerou o Meritíssimo Tribunal recorrido, sem qualquer oposição da recorrente, que, nada tendo dito o recorrido sobre o referido requerimento da recorrente de 08.08.2006, se verificou o indeferimento tácito da pretensão da recorrente por essa via manifestada ao recorrido.
s) Estabelece o art. 255º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, que “As acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude do qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado”.
t) De acordo com o prazo preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art. 109º do CPA, a falta, no prazo fixado para a sua emissão (90 dias), de decisão final sobre a sua pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação.
u) Entendendo-se o efeito deste acto como equivalente ao do acto expresso, o interessado dele deve recorrer em prazo curto.
v) Uma vez que se gerou o indeferimento tácito relativamente ao requerimento de 2006.08.08 que o recorrido alega ter recebido em 2006.08.25, ao qual somado o prazo de 90 dias, à luz do estabelecido nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 72º e da alínea a) do n.º 3 do art. 109º, ambos do CPA, terminou em 2007.01.08.
w) Neste sentido, a recorrente deveria ter intentado acção nos termos do previsto nos arts. 255º, 256º e 257º todos do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, por forma a alcançar o disposto no art. 66º, 67º e no n.º 1 do art. 69º do CPTA.
x) Assim, quando a recorrente intentou acção neste Tribunal em 2008.11.18, encontrava-se esgotado o sobredito prazo.
y) Diz a recorrente, porém, que o início do prazo para interposição da acção apenas tinha início após “a notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos”, de harmonia com o disposto no art. 255º do DL n.º 59/99, no entanto não se lhe aplica a forma de processo prevista nos arts. 255º e segs. do DL n.º 59/99, mas antes o disposto nos arts. 66º e segs. do CPTA.
z) Por conseguinte, é absolutamente irrelevante se o prazo previsto no art. 255º do DL n.º 59/99 tem início apenas após a notificação de um indeferimento expresso ou não.
aa) Mesmo analisando a caducidade do direito de acção na perspectiva de que se aplicaria ao caso vertente o processo previsto nos arts. 254º e sgs. Do DL n.º 59/99, verifica-se que a recorrente veio requerer a tentativa de conciliação pressuposta pelo art. 260º do DL n.º 59/99 junto do INCI em 17/07/2007, portanto no último dia do referido prazo de 132 dias, sendo que apenas veio intentar a acção em 18/11/2008.
bb) É óbvio que desde o dia 09/01/2007 até ao dia 18/11/2008, passaram bem mais do que 132 dias.
cc) Não pode deixar de se considerar que, tratando-se o prazo de 132 dias previsto no art. 255º do DL n.º 59/99 de um verdadeiro prazo processual e não de um prazo administrativo, deve ser contado de forma contínua, atento o disposto no art. 144º do CPC e não nos termos previstos no art. 274º, n.º 1 do referido DL n.º 59/99.
dd) Contado o prazo de 132 dias de que a recorrente dispunha para interpor a acção desde a data da verificação do indeferimento tácito da sua pretensão, verifica-se que, quando a recorrente requereu a tentativa de conciliação já havia caducado o seu direito de acção.
ee) Mas mesmo que assim não venha a ser entendido, o que apenas se concebe como mera hipótese de raciocínio, sempre se teria verificado a caducidade do direito de acção.
ff) Com efeito, prevê o art. 264º do DL n.º 59/99 que “O pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo de prescrição do direito e de caducidade da respectiva acção, que voltarão a correr 22 dias depois da data em que o requerente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da diligência” (sublinhado nosso).
gg) Muito embora o preceito em causa refira que a tentativa de conciliação “interrompe” os prazos de prescrição do direito e de caducidade da respectiva acção, dispõe logo de seguida que os mesmos prazos “voltarão a correr”.
hh) Diante desta circunstância, e porque não se vê razão justificativa para se anular toda a parte dos prazos decorrida até àquele requerimento, se deve considerar o prazo de 132 dias apenas suspenso e não interrompido peça tentativa de conciliação.
ii) Enfim, a teses da recorrente nenhum sentido faz, devendo antes considerar-se que o prazo de 132 dias a que alude o art. 255º do DL n.º 59/99 é contínuo e que durante a tentativa de conciliação apenas se suspende, continuando a correr 22 dias após a frustração dessa mesma tentativa de conciliação.
jj) Por todo o exposto, e quer se considere que a pretensão da recorrente seria dedutível por via da acção administrativa comum nos termos dos arts. 254º e segs. do DL n.º 59/99 ou por via de acção administrativa especial de condenação na prática de acto devido, nos termos dos arts. 66º e segs. do CPTA, é evidente que em 18/11/2008, data em que a recorrente interpôs contra o recorrido a presente acção, já se mostrava caducado o direito de acção.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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A única questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao concluir pela procedência da excepção de caducidade do direito de acção.

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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
A) Em 2004.11.18 a autora e o réu celebraram um contrato de empreitada para a execução de trabalhos subordinados à empreitada denominada “Reabilitação e Adaptação do …………………..”, pelo valor de € 647.062,74 (cfr. doc. n.º 2 da PI);
B) Em 2008.04.09 foi lavrada a Acta da Primeira Reunião da Comissão e Auto de Não Conciliação (cfr. doc. n.º 1 da PI);
C) Em 2004.11.24 foi lavrado o Auto de Consignação dos Trabalhos (cfr. doc. n.º 4 da PI);
D) Em 2005.02.15 a autora apresenta o primeiro pedido de prorrogação legal de prazo (cfr. doc. n.º 5 da PI);
E) Em 2005.06.07 a autora apresenta o segundo pedido de prorrogação legal de prazo (cfr. doc. n.º 7 da PI);
F) Em 2005.07.15 a autora apresenta o terceiro pedido de prorrogação legal de prazo (cfr. doc. n.º 8 da PI);
G) Em 2005.08.12 a autora apresenta o quarto pedido de prorrogação legal de prazo (cfr. doc. n.º 9 da PI);
H) Em 2005.09.23 a autora apresenta o quinto pedido de prorrogação legal de prazo (cfr. doc. n.º 10 da PI);
I) Em 2005.11.15 a autora apresenta o sexto pedido de prorrogação legal de prazo (cfr. doc. n.º 11 da PI);
J) Em 2006.01.04 a autora apresenta facturas para pagamento do réu (cfr. doc. n.º 15 da PI);
K) Em 2006.06.16 foi lavrado o Auto de Recepção Provisória (cfr. doc. n.º 16 da PI);
L) Em 2006.08.08 a autora pede ao réu o que denomina ressarcimento, no valor de € 286.932,00 (cfr. doc. n.º 17 da PI);
M) A presente acção foi intentada em 2008.11.18, por fax (cfr. fls. 1 do SITAF).

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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

N) Em 17/07/2007 a autora apresentou junto do Instituto da Construção e do Imobiliário requerimento para tentativa de conciliação extrajudicial, nos termos do artigo 260º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03 (facto admitido por acordo das partes - cfr. artigo 1º da petição inicial e artigo 15º da contestação)
O) As partes não chegaram a acordo, pelo que foi lavrado Auto de Não Conciliação em 9/04/2008 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial).

2. Do Direito

2.1. A recorrente, instaurou no TAF de Loulé a presente acção administrativa comum com processo ordinário peticionando:
(i) Que seja declarado incumprido pelo réu, ora recorrido, o contrato de empreitada em causa nos autos;
(ii) Que seja declarado rescindido com justa causa o referido contrato;
(iii) Que o réu seja condenado a pagar as seguintes importâncias:
- € 290.806,51, a título de indemnização pelos custos incorridos com o prolongamento do prazo de conclusão da empreitada, e € 36.218,16, a título de juros de mora calculados até 18/11/2008 sobre a referida importância;
- € 15.993,05, a título de trabalhos contratuais e de trabalhos a mais e respectiva revisão de preços € 15.935,77, a título de juros de mora calculados até 18/11/2008 sobre a referida importância;
- Juros de mora que se vencerem após 18/11/2008 até efectivo e integral pagamento;
- € 23.466,77 a título de valores de retenções e garantia em duplicado, acrescido de juros de mora que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que:
- Em 18/11/2004 foi celebrado o contrato de empreitada de obras públicas n.º 70/2004, denominado “Contrato de Adjudicação da Empreitada de Reabilitação e Adaptação do Edifício …………….”, no valor de € 647.062,74;
- O prazo estabelecido para a execução da empreitada foi de 150 dias a contar da consignação da obra, tendo terminado no dia 23/04/2005;
- No decurso da execução da empreitada a recorrente, foi confrontada com diversas situações de indefinição e alteração dos projectos por parte do dono de obra, o que provocou sucessivos atrasos e quebras de rendimento nos trabalhos, bem como a execução de trabalhos a mais, tendo, por isso, apresentado 6 pedidos de prorrogação legal do prazo;
- A recorrente foi, assim, obrigada a prolongar a sua presença na obra para além do prazo inicialmente acordado face às constantes alterações e indefinições dos projectos das especialidades e de arquitectura determinadas pelo dono de obra, o que importou o agravamento dos custos fixos;
- Por isso, por carta de 8/08/2006 reclamou junto do recorrido, o pagamento da quantia de € 286.931,93, acrescida do montante a apurar em sede de revisão de preços e do respectivo IVA, o qual ascende, no momento, a € 3.874,58.
- Mostra-se, assim, em dívida o montante de € 290.806,51 a título de agravamento dos custos fixos, montante esse que foi reclamado pela recorrente no requerimento para Tentativa de Conciliação Extrajudicial;
- A recorrente é ainda credora do recorrido pela quantia de € 155.993,05, corresponde a trabalhos contratuais e trabalhos a mais objecto de adicionais acordados entre as partes, bem como das respectivas revisões de preços.
2.2. Por sentença de 17/11/2009 o TAF de Loulé julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção arguida pelo réu, ora recorrido, e em consequência, absolveu o mesmo dos pedidos.
Entendeu a Senhora Juíza a quo o seguinte:
“Os pagamentos ora suscitados nesta acção pela autora não se afiguram corresponderem tout court ao objecto da empreitada, cujo valor acordado foi de € 647.062,74, pelo que e em rigor, ainda que se defina a pretensão da autora como emergente de circunstâncias relacionadas com contrato de empreitada de obras públicas, não era exigível a prévia realização da tentativa de conciliação - cfr. Acórdãos do STA, respectivamente processo n.º 62/04, de 2004.04.22 e a contrario Processo n.º 46121, de 2000.06.15.
Com efeito, por via do requerimento de 2006.08.08, a autora pediu ao réu o pagamento de € 286.932,00.
(…)
… sobre o referido requerimento a autarquia nada disse, o que nos reconduz à figura do indeferimento tácito.
Estabelece o art. 255º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março que “As acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado” (o sublinhado é nosso).
Harmoniza-se o predito neste último normativo com o prazo preceituado no n.º 2 do art. 109º do CPA - de noventa dias (…).
(…)
Uma vez que se gerou o indeferimento tácito relativamente ao requerimento de 2006.08.08 que o réu alega ter recebido em 2006.08.25, ao qual somado o prazo de noventa dias, à luz do estabelecido nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 72º e da alínea a) do n.º 3 do art. 100º, ambos do CPA, terminou em 2007.01.08.
Neste sentido, a autora deveria ter intentado acção nos termos do previsto nos arts. 255º, 256º e 257º, todos do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, por forma a alcançar o disposto no art. 66º, 67º e no n.º 1 do art. 69º do CPTA, que faculta o uso da acção de condenação à prática de acto devido no prazo de um ano a contar do termo do prazo legalmente estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.
Assim, quando a autora instaurou a presente acção neste Tribunal em 2008.11.18, encontrava-se esgotado o sobredito prazo”.
Ou seja, entendeu a Senhora Juíza a quo, que:
- Os valores peticionados não correspondem tout court ao objecto da empreitada, logo não era exigível a prévia realização da tentativa de conciliação;
- O pedido de pagamento que a autora formulou por requerimento de 8/08/2006, que o réu recebeu no dia 25/08/2006, foi tacitamente indeferido em 8/01/2007, pelo que a partir de então dispunha a autora do prazo de um ano para instaurar a presente acção, nos termos do disposto nos artigos 66º, 67º e 69º, n.º 1 do CPTA, ou seja, até ao dia 8/01/2008.
É este entendimento correcto?
Vejamos.
2.3. O artigo 260º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 55/99, de 2/03 prescreve que “As acções a que se refere o artigo 254º deverão ser precedidas de tentativa de conciliação extrajudicial perante uma comissão composta por um representante de cada uma das partes e presidida pelo presidente do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes ou pelo membro qualificado do mesmo Conselho que aquele, para o efeito, designar”.
Por seu lado, o artigo 254º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03 diz-nos que “Revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais administrativos sobre a interpretação, validade ou execução do contrato”.
Como resulta de forma inequívoca destes preceitos, quando se trata de apreciar questões relativas à interpretação, validade ou execução dos contratos de empreitadas de obras públicas, isto é, quando a causa de pedir se reporta directamente a essas questões, o meio processual próprio é a acção administrativa comum, a qual deve ser precedida de tentativa de conciliação extrajudicial.
Como se refere no Acórdão do TCA Norte de 8/06/2012, proc. n.º 00599/11.6BECBR, o “RJEOP entrou em vigor em plena vigência da então LPTA [Lei de Processo nos Tribunais Administrativos] onde se fazia clara distinção entre as acções e o recurso contencioso de anulação. Assim, ao referir-se a acções, o RJEOP afasta claramente o meio processual do recurso contencioso, que tinha prazo próprio de caducidade.
As acções em causa, neste regime especial das empreitadas, são pois as relativas a questões acerca da interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada, questões, portanto, surgidas num âmbito em que impera, por regra, a vontade das partes contratantes e não o jus imperii da Administração Pública.
Trata-se de âmbito contratual, em que, por regra, as questões não são resolvidas por decisão administrativa, imperativamente e ao abrigo das normas de direito público, mas antes pela interpretação e aplicação que do convencionado no contrato fazem as partes. Assim, as próprias decisões da entidade pública dona da obra adquirem mais a natureza de actos opinativos, sobre a interpretação, validade e execução concreta do contrato de empreitada.
Essas decisões do dono da obra configuram, pois, e por regra, matéria integradora da causa de pedir de acção administrativa comum, e não acto a impugnar em acção administrativa especial.
Isto sem excluir que também neste âmbito contratual possam ter lugar verdadeiros actos destacáveis, contenciosamente impugnáveis.
O que nos parece ser certo, face ao teor dos referidos artigos do RJEOP, e compulsados os objectos destinados por lei à acção comum e à acção especial [37º e 46º do CPTA], é que o tipo de acção previsto nos artigos 254º e 255º do RJEOP é o da acção administrativa comum”.
É jurisprudência unânime que a tentativa de conciliação extrajudicial constitui um pressuposto processual de que depende a introdução em juízo das acções que versem questões sobre interpretação, validade e execução do contrato e cuja não realização constitui uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do pedido, dando lugar à absolvição da instância (cfr. Acórdãos do STA de 11/04/2000, processo n.º 045457, 15/06/2000, processo n.º 046121, 9/05/2001, processo n.º 046079, 27/10/2001, processo n.º 047795, 6/12/2001, processo n.º 047671, 8/07/2003, processo n.º 02057/02, 7/10/2003, processo n.º 01348/02, 30/10/2003, processo n.º 0722/03, 22/04/2004, processo n.º 062/04 e de 7/10/2001, processo n.º 640/04).
No caso dos autos e como atrás referimos, pretende a recorrente que o Tribunal declare incumprido o contrato de empreitada por parte do recorrido, que o mesmo seja condenado a ressarci-la dos custos acrescidos que teve de suportar por causa do sucessivo retardamento da conclusão dos trabalhos imputável ao dono da obra e ainda a pagar-lhe os trabalhos contratuais e a mais que executou.
A causa de pedir radica, assim, directa e exclusivamente no contrato de empreitada celebrado entre as partes, mais concretamente no modo como o mesmo foi executado por parte do dono de obra.
Com efeito, do que se trata é, por um lado, da falta de pagamento dos trabalhos contratuais e dos trabalhos a mais alegadamente executados pela recorrente e, por outro, dos prejuízos que esta suportou em virtude de ter sido obrigada a prolongar a sua presença em obra para além do prazo acordado por facto imputável ao dono de obra, na medida em que os projectos por este apresentados continham indefinições e eram constantemente sujeitos a alterações.
Está em causa, pois, o (in)cumprimento, por parte do recorrido, enquanto dono de obra, de obrigações emergentes do contrato de empreitada, concretamente a obrigação de apresentar atempadamente os projectos devidamente elaborados que permitissem a boa execução dos trabalhos e a obrigação de pagar ao empreiteiro os trabalhos contratuais e a mais por ele realizados.
Forçoso é, assim, concluir que a causa de pedir reporta-se directamente a questões sobre a execução do contrato de empreitada, logo o meio processual próprio para a autora, ora recorrente, fazer valer as suas pretensões é a acção administrativa comum, a qual deverá ser precedida da tentativa de conciliação extrajudicial prevista no artigo 260º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03.
Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao considerar não ser exigível a realização dessa diligência.
2.4. Errou também a sentença recorrida ao aferir a tempestividade da presente acção por aplicação do disposto nos artigos 66º, 67º e 69º, n.º 1 do CPTA, na medida em que não estamos perante uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, mas antes perante uma acção administrativa comum, cujos prazos de propositura vêm especialmente previstos no Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03, sendo, por isso, estes que se aplicam.
Dispõe o artigo 255º desse diploma que “as acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado”.
Dúvidas não há, face ao teor deste preceito, que o prazo de caducidade do direito de acção se conta, para o empreiteiro, da notificação da decisão ou deliberação proferidas pelo órgão competente para a prática de actos definitivos que lhe negue algum direito ou pretensão.
Exige-se, assim, que o órgão que detém competência para a prática de actos definitivos emita uma pronúncia expressa sobre a pretensão do empreiteiro, sendo que o prazo de 132 de que este dispõe para intentar a acção se conta a partir da notificação dessa mesma pronúncia.
Nesse sentido pronunciou-se o STA nos acórdãos de 8/10/2003, proc. n.º 0298/03, de 5/02/2009, proc. n.º 0938/08 e de 15/05/2013, proc. n.º 01251/12.
Sucede que, o recorrido admite não ter respondido ao pedido que a autora lhe dirigiu em 8/08/2006, por si recebido no dia 25/08/2006 (cfr. artigo 8º da contestação). Sustenta, contudo, que, por isso, tal pedido deve considerar-se tacitamente indeferido nos termos do artigo 109º do CPA.
Sem razão, porém, dado que, como referimos, neste âmbito exige-se que haja uma pronúncia expressa do órgão competente para a prática de actos definitivos, a qual marca o termo inicial do prazo de caducidade previsto no artigo 255º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03, não havendo aqui, por isso, lugar à figura do indeferimento tácito prevista no artigo 109º do CPA.
Assim sendo, e posto que não foi tomada qualquer decisão definitiva pelos órgãos competentes do dono de obra, não se pode considerar decorrido o prazo de 132 dias previsto no referido preceito e, por isso, falece o entendimento defendido pelo recorrido quando afirma que se mostrava caducado o direito de acção no momento em que a recorrente requereu a realização da tentativa de conciliação extrajudicial em 17/07/2007.
2.5. Esta diligência não obteve êxito, tendo sido lavrado o Auto de Não Conciliação em 9/04/2008.
Dispõe o artigo 264º do Decreto-lei n.º 59/99 que “O pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo de prescrição do direito e de caducidade da respectiva acção, que voltarão a correr 22 dias depois da data em que o requerente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da diligência”.
Tratando-se de interrupção do prazo de caducidade, o pedido de tentativa prévia de conciliação extrajudicial tem como efeito a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e a contagem de um novo prazo a partir do momento definido na parte final do preceito em causa (cfr. Acórdãos do STA de 6/04/1995, proc. n.º 028637, de 4/06/1996, proc. n.º 38736, de 17/03/2004, proc. n.º 046978 e de 11/11/2004, proc. n.º 0310/04).
Como se refere neste último acórdão (embora proferido no quadro do RJEOP/93, a sua doutrina tem aplicação no quadro do Decreto-lei n.º 59/99, dada a similitude dos preceitos em causa), “(…) a presente acção estava sujeita a tentativa prévia de conciliação, nos termos do art. 231.º, subordinada ao procedimento contemplado no art. 232.º, sendo que, de acordo com o disposto no art. 235.º - epigrafado de «interrupção da prescrição e da caducidade» - «O pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo de prescrição do direito e de caducidade da respectiva acção, que voltarão a correr 22 dias depois da data em que o recorrente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da diligência». Sendo a interrupção da prescrição ou da caducidade um instituto jurídico bem distinto da sua suspensão não faz qualquer sentido pretender-se que o legislador não aplicou o termo no seu verdadeiro sentido técnico-jurídico. O padrão que marca a distinção entre um e outro assenta no facto de a interrupção inutilizar o prazo já decorrido (art. 326.º do CC) enquanto a suspensão apenas paralisa o prazo que estiver a decorrer, que voltará a correr assim que se mostre esgotado o facto que a determinou (Almeida Costa, «Direito das Obrigações», 9.ª edição, págs.1045 e ss. e Mota Pinto, «Teoria Geral do Direito Civil», 3.ª edição, págs. 373 e ss. e 637 e ss.). É certo que a letra do preceito é equívoca, designadamente o 2.º segmento onde se diz que os prazos interrompidos «voltarão a correr 22 dias depois ...» o que é mais compatível com a suspensão do que com a interrupção. Contudo, a sua epígrafe - «Interrupção da prescrição e da caducidade» - e mesmo parte do texto - «o pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo» - não comporta qualquer dúvida e uma das interpretações possíveis do texto é também compatível com as características da interrupção. Acresce que, sabendo o legislador que interrupção e suspensão são duas realidades jurídicas distintas, com consequências opostas no domínio da contagem de prazos, é muito mais razoável aceitar-se que se exprimiu de modo algo confuso ao redigir parte do texto do preceito do que a escolher o instituto jurídico assinalado na sua epígrafe. De resto, a redacção dessa norma tem-se mantido inalterável nos 3 últimos diplomas sobre contratos de empreitada de obras públicas - arts. 231.º do DL 235/86, de 18.8, 235.º do DL 405/93, de 10.12 e 264.º do DL 59/99, de 2.3 - tendo este Supremo Tribunal afirmado, por diversas vezes, que, o que está em causa é uma verdadeira e autêntica interrupção do prazo, com todas as consequências legais daí decorrentes. Como pode ver-se no sumário do acórdão de 6.4.95, proferido no recurso 28637 “o pedido de tentativa de conciliação extrajudicial prévia a que obrigatoriamente estavam sujeitas as acções submetidas ao julgamento dos Tribunais Administrativos sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, interrompe o prazo de caducidade da respectiva acção e não o suspende, de harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 222.º e 231.º, todos do DL n.º 235/86, de 18 de Agosto (hoje, arts. 226.º, 231.º e 235.º do DL n.º 405/93, de 10 de Dezembro» ou no de 4.6.96, emitido no recurso 38736, onde se afirma que «o pedido de tentativa prévia de conciliação extrajudicial interrompe o prazo de caducidade da acção de rescisão do contrato, implicando a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e a contagem de um novo prazo a partir do momento definido na 2.ª parte do art. 231.º do DL n.º 235/86» (veja-se, ainda, no mesmo sentido, o recente acórdão de 17.3.04, proferido no recurso 46978) (…)”.
Por outro lado, quer o prazo de 132 dias previsto no artigo 255º, quer o prazo de 22 dias enunciado no artigo 264º, ambos do Decreto-lei n.º 59/99, são contados em dias úteis, atento o disposto no artigo 274º, n.º 1, al. b) desse diploma (cfr. Acórdão do STA de 29/01/2014, proc. n.º 01563/13 e Acórdão do TCAS de 8/07/2010, proc. n.º 04414/08).
Resulta, assim, do artigo 264º do Decreto-lei n.º 59/99 que o prazo de caducidade de 132 dias previsto no artigo 255º volta a correr 22 dias depois da data em que o empreiteiro recebe documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da tentativa de conciliação extrajudicial.
Não consta dos autos a data em que a recorrente foi notificada do “Auto de Não Conciliação”. Contudo, tomando como referência o dia em que o referido auto foi lavrado (9/04/2008), verifica-se que a presente acção foi instaurada no prazo de 154 (22 dias+132 dias), mais concretamente no último dia do prazo, pelo que forçoso é concluir que não se mostra caducado o direito de acção.
Pelo exposto, procede o recurso jurisdicional, impondo-se a revogação da decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em (i) conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e (ii) determinar o envio dos presentes autos ao TAF de Loulé para prosseguimento dos mesmos nos seus ulteriores termos caso nada mais obste a tal.
Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 14 de Maio de 2015

_________________________
(Conceição Silvestre)


_________________________
(Cristina dos Santos)

_________________________
(Paulo Pereira Gouveia)