Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06371/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NOTIFICAÇÃO COMO REQUISITO DE PERFEIÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, Nº.1, DO C.P.P.T.
FALTA DE PROVA DOS PRESSUPOSTOS DA PRESUNÇÃO. INEFICÁCIA DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS.
Sumário:1. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
2. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
3. A presunção de notificação prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., está conexionada com a forma de notificação consagrada no artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil. No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública.
4. Se a A. Fiscal não produz prova do envio de cartas registadas relativas à notificação ao contribuinte das liquidações de I.R.C. de 2005 e 2006 que constituem parte da dívida exequenda, não se pode valer da presunção consagrada no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., pelo que temos de concluir que não se efectuou a notificação em causa nos autos. Deste modo, a oposição procede uma vez que as liquidações não foram notificadas no prazo previsto no artº.45, da L.G.T., sendo que os actos tributários em causa são, desde logo, ineficazes.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do TAF de Sintra, exarada a fls.198 a 203 dos autos, no âmbito da presente oposição intentada pelo recorrido, A..., enquanto revertido no âmbito da execução fiscal nº.3433-2006/100020.9 e apensos, a qual corre termos no 2º. Serviço de Finanças de Cascais, visando a cobrança de dívida de I.V.A. e juros compensatórios, do ano de 2003, I.R.C., dos anos de 2005 e 2006, e coimas fiscais, no montante total de € 8.640,44, decisão judicial essa de cujo dispositivo consta:
a) declarar extinto o processo de execução fiscal por força do artigo 176, n.°1, alínea b), do C.P.P.T., pois que a anulação da liquidação de I.V.A. e respectivos Juros Compensatórios (P.0309) tem como consequência natural a anulação da própria dívida exequenda;
b) julgar procedente a oposição quanto ao remanescente por falta de notificação dos actos de liquidação de I.R.C. dos anos de 2005 e 2006 antes de decorrido o prazo de caducidade.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.221 a 231 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-De acordo com a douta sentença recorrida, a Administração Tributária não logrou fazer prova de que as notificações correspondentes às liquidações de I.R.C. relativas aos anos de 2006 e 2007 foram remetidas ao oponente;
2-Dado que Administração Tributária não juntou aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do contribuinte, limitando-se a juntar o PRINT de fls.80 e documentos internos, e, segundo a douta sentença, chegando a afirmar que “não possui qualquer elemento sobre esses registos, para além daqueles que constam em registo informático.”;
3-Por outro lado, entendeu a douta sentença recorrida que a prova da remessa da carta para notificação das liquidações ao contribuinte apenas poderá ser efectuada através do registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal do contribuinte;
4-As razões da discordância da Fazenda Pública relativamente à douta decisão prendem-se com o facto de efectivamente terem sido juntas aos autos as guias de remessa da correspondência correspondentes à entrega nos CTT das notificações das liquidações em causa, as quais, contrariamente ao decidido não constituem apenas um documento interno dos serviços;
5-Nos presentes autos estavam em causa liquidações de I.V.A. e de I.R.C., alegando o oponente que não foi notificado das mesmas no prazo de caducidade;
6-Sucede que, no que respeita às liquidações de I.V.A. as mesmas foram feitas por carta registada com aviso de recepção;
7-Constando dos autos os correspondentes avisos de recepção assinados como recebidos, dirigido para “B..., Lda.”, PCT Junqueira 4 BC, 2775-597 CARCAVELOS;
8-Aqueles avisos de recepção corresponderam ao segundo envio das liquidações, efectuado pelo Serviço de Finanças de Cascais 2, nos termos do artº.39, nº.5, do C.P.P.T., após devolução a este Serviços de Finanças da correspondência anteriormente enviada ao contribuinte sob os registos (com aviso de recepção) RY916470797PT e RY916471214PT;
9-Neste caso, ao Serviço de Finanças seria devolvido ou a carta, caso não fosse recebida - como aconteceu com a primeira notificação, ou o aviso de recepção assinado, caso a carta fosse recebida - como aconteceu com as segundas notificações;
10-No caso das notificações por carta registada, diversamente do que sucede relativamente às cartas enviadas com aviso de recepção, não é devolvido ao Serviço de Finanças qualquer comprovativo da entrega da carta ao destinatário, presumindo-se que a notificação foi efectuada nos termos do artigo 39, n.°1, do C.P.P.T.;
11-Esta presunção apenas pode ser ilidida pelo notificando quando não lhe for imputável o facto da notificação ocorrer em data posterior, devendo a Administração Tributária ou o Tribunal - com base em requerimento do interessado - requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção, cf. Artº.39 n.°2, do C.P.P.T., sendo que não foi apresentado qualquer requerimento nesse sentido;
12-No caso dos autos, as primeiras notificações das liquidações de I.V.A. e bem assim as liquidações de I.R.C. foram emitidas pelos Serviços Centrais da Administração Tributária;
13-Apenas tendo o Serviço de Finanças procedido ao segundo envio das notificações de I.V.A. ao contribuinte após a sua recepção naquele Serviço de Finanças por para lá terem sido devolvidas, após não terem sido recebidas pelo contribuinte;
14-O que explica a afirmação do Serviço de Finança relativamente ao facto de, para além do que consta nos ficheiros informáticos da administração Tributária, não possuir outros elementos referentes ao registo das liquidações de I.R.C.;
15-Ou seja, por um lado, não tendo sido o Serviço de Finanças quem entregou nos CTT a correspondência enviada sob registo, não possui o comprovativo dessa entrega nos CTT;
16-Por outro lado, não tendo a correspondência sido devolvida ao Serviço de Finanças, não tem o Serviço de Finanças esse suporte físico;
17-E, não tendo a correspondência sido remetida com aviso de recepção, não tem o Serviço de Finanças esse comprovativo da entrega ao destinatário;
18-O que o Serviço de Finanças tem é apenas o registo informático com os elementos da liquidação, nomeadamente com a indicação do número de registo sob o qual foi enviada a correspondência;
19-E, nessa medida, da afirmação do Serviço de Finanças não se pode deduzir que a Administração Tributária no seu todo afirma que “não possui qualquer elemento sobre esses registos, para além daqueles que constam em registo informático.”;
20-O Serviço de Finanças afirma isso, esclareça-se, porque está a informar as razões pelas quais não procedeu à junção de elementos relativos àquelas liquidações em particular (de I.R.C.) tendo, no entanto, apresentado elementos relativos às liquidações de I.V.A.;
21-A diferença de situações acima explicitada quanto às liquidações de I.V.A. e de I.R.C. permite-nos compreender aquela informação prestada pelo Serviço de Finanças, no fax junto como doc 1 com a contestação, que no entanto refere que as notificações foram efectuadas por carta registada;
22-Todavia, por o Serviço de Finanças não possuir outros elementos, além dos registos informáticos, referentes à notificação das liquidações de I.R.C., não os tendo fornecido à Representação da Fazenda Pública, a Fazenda Pública juntou aos autos as guias de expedição daquelas cartas nos CTT;
23-Estas guias, conjuntamente com a identificação dos registos privativos a que respeitam, foram fornecidas à Representação da Fazenda Pública, no sentido de comprovar a entrega nos CTT dos registos em causa, pela DGITA (Direcção Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros);
24-À data da contestação, 10/09/2010, a DGITA constituía uma Direcção Geral do Ministério das Finanças que não fazia parte da Direcção Geral dos Impostos, sendo os documentos fornecidos por aquela Direcção, nessa medida, documentos fornecidos por uma entidade diferente da entidade que contesta a presente impugnação e praticou o acto de liquidação;
25-Porém, de facto, era a DGITA a entidade que procedia à entrega física aos CTT da correspondência cujo comprovativo de entrega corresponde às Guias de Expedição de Registos juntas aos autos pela Fazenda Pública;
26-E nessas Guias de Expedição de Registos encontra-se aposto o carimbo da estação dos correios confirmando a entrega nos CTT das cartas registadas correspondentes, na data indicada no carimbo;
27-Estas guias de expedição são o documento que acompanha a correspondência que é fisicamente entregue aos CTT, e constitui o registo comprovativo do envio da liquidação ao contribuinte, sem que exista um outro documento com um registo colectivo recibado pelos CTT com outros elementos;
28-E sempre deixaria de se poder considerar que aquelas guias são um documento meramente interno da Administração Tributária, a partir do momento em que lhe é aposto aquele carimbo pela Estação dos Correios receptora recebendo a recepção da correspondência nos CTT;
29-Pelo que, na situação dos presentes autos, existe um documento externo confirmando a entrega da correspondência registada na Estação dos Correios;
30-A esta factualidade acresce referir que, como decorre dos elementos de prova juntos aos autos, a correspondência em questão foi efectivamente remetida para o domicílio do contribuinte;
31-As liquidações em causa, quer de I.V.A., quer de I.R.C., eram efectuadas automaticamente por meios informáticos pelos Serviços Centrais da DGCI, tendo por base textos “tipo”, ou seja trata-se de uma correspondência modelo à qual é adicionada a matéria especificamente respeitante ao contribuinte, a qual é retirada efectivamente das bases de dados da DGCI;
32-Tendo sido junta aos autos (doc.13) a informação referente ao domicílio fiscal que constava das bases de dados da DGCI para a qual foi remetida a correspondência;
33-Isso mesmo é perceptível pela leitura das liquidações de I.V.A., fisicamente devolvidas ao Serviço de Finanças, onde se verifica que a morada nelas constante é exactamente a que consta do cadastro fiscal;
34-Sendo que nada na lei impõe que a prova relativa ao envio de carta registada por parte da Administração Tributária só possa ser efectuada mediante a apresentação de um registo colectivo;
35-A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por ter procedido a uma incorrecta apreciação da prova produzida e por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada;
36-Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.240 a 243 dos autos), no qual termina pugnando pelo provimento do recurso.
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.199 e 200 dos presentes autos):
1-Em 13/09/2005, foi emitida a liquidação adicional de I.V.A. nº.05237238, respeitante ao período 03/09, no montante de € 5.000,00, na qual se mostra aposta como data limite de pagamento voluntário o dia 30/11/2005 (cfr.documento junto a fls.64 dos presentes autos);
2-Em 13/09/2005, foi emitida a liquidação de Juros Compensatórios nº.05237239, respeitante ao período 03/09, no montante de € 303,01, na qual se mostra aposta como data limite de pagamento voluntário o dia 30/11/2005 (cfr.documento junto a fls.101 dos presentes autos);
3-Em 9/05/2011, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, o Substituto Legal do Director Geral das Finanças anulou a liquidação adicional de I.V.A. a que alude o nº.1 e a de Juros Compensatórios a que alude o nº.2 do probatório (cfr.documentos juntos a fls.157 a 166 dos presentes autos);
4-Em 13/07/2006, a Administração Tributária emitiu a liquidação de I.R.C. nº.2006 2310172833, referente ao ano de 2005 no montante de € 1.375,00 (cfr.documentos juntos a fls.17 e 104 dos presentes autos);
5-Em 19/07/2007, a Administração Tributária emitiu a liquidação de I.R.C. nº. 20072310099256, referente ao ano de 2006 no montante de € 1.228,53 (cfr.documentos juntos a fls.18 e 107 dos presentes autos);
6-O oponente surge na qualidade de revertido, no processo de execução fiscal nº. 3433-2006/100020.9 e apensos, para cobrança coerciva de dívida proveniente de I.V.A. e Juros Compensatórios reportados ao período de 03/09, I.R.C. dos anos de 2005 e 2006 e coimas no montante de € 8.640,44, originariamente instaurado contra a sociedade denominada “B..., Lda.” (cfr.documentos juntos a fls.45 e 46 dos autos de execução fiscal apensos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, consonante ao que acima ficou exposto…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
7-A sociedade executada originária no âmbito do processo de execução fiscal nº.3433-2006/100020.9 e apensos, “B..., L.da.”, com o n.i.p.c. 504 508 245, tinha o seu domicílio fiscal sito na PCT do Junqueiro, nº.4 BC, Carcavelos, 2775-597 Carcavelos (cfr.documento junto a fls.116 e 117 dos presentes autos);
8-As liquidações de I.R.C. identificadas nos nºs.4 e 5 do probatório foram estruturadas na sequência das declarações anuais de I.R.C., m/22, entregues pela sociedade executada originária, respectivamente, em 31/5/2006 e 30/6/2007 (cfr.documento junto a fls.27 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.12 a 14 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório, tal como nas informações constantes dos autos com o devido suporte documental.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu:
a) declarar extinto o processo de execução fiscal por força do artº.176, nº.1, al.b), do C.P.P.T., pois que a anulação da liquidação de I.V.A. e respectivos Juros Compensatórios (P.0309) tem como consequência natural a anulação da própria dívida exequenda;
b) julgar procedente a oposição quanto ao remanescente por falta de notificação dos actos de liquidação de I.R.C. dos anos de 2005 e 2006 antes de decorrido o prazo de caducidade.
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Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em síntese e como supra se alude, que entendeu a sentença recorrida que a prova da remessa da carta para notificação das liquidações ao contribuinte apenas poderá ser efectuada através do registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal do contribuinte. Que a Fazenda Pública juntou aos autos as guias de expedição das cartas de notificação das liquidações de I.R.C. pelos CTT. Que nessas guias de expedição de registos se encontra aposto o carimbo da estação dos correios confirmando a entrega nos CTT das cartas registadas correspondentes, na data indicada no carimbo. Que na situação dos presentes autos, existe um documento externo confirmando a entrega da correspondência registada na estação dos correios. Que a esta factualidade acresce referir que, como decorre dos elementos de prova juntos aos autos, a correspondência em questão foi efectivamente remetida para o domicílio do contribuinte. Que no caso das notificações por carta registada, diversamente do que sucede relativamente às cartas enviadas com aviso de recepção, não é devolvido ao Serviço de Finanças qualquer comprovativo da entrega da carta ao destinatário, presumindo-se que a notificação foi efectuada nos termos do artigo 39, n.°1, do C.P.P.T. Que esta presunção apenas pode ser ilidida pelo notificando quando não lhe for imputável o facto da notificação ocorrer em data posterior, devendo a Administração Tributária ou o Tribunal - com base em requerimento do interessado - requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção, tudo conforme o artº.39 nº.2, do C.P.P.T., sendo que não foi apresentado qualquer requerimento nesse sentido. Que a sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por ter procedido a uma incorrecta apreciação da prova produzida e por desconformidade com os preceitos assinalados (cfr.conclusões 1 a 35 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Antes de mais, se dirá que somente a alegada notificação dos actos de liquidação de I.R.C. dos anos de 2005 e 2006 estão em causa no presente recurso, atento o dispositivo da decisão recorrida e as conclusões do apelante.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul, 6/11/2012, proc.5529/12).
Por outro lado, refira-se que o domicílio fiscal dos sujeitos passivos pessoas colectivas é o local da sede ou direcção efectiva destes (cfr.artº.19, nº.1, al.b), da L.G.Tributária). O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul, 6/11/2012, proc.5529/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.360).
“In casu”, conforme se entendeu na sentença recorrida, as liquidações que consubstanciam a dívida exequenda deviam ser notificadas através de carta registada nos termos do artº.38, nº.3, do C.P.P.Tributário, dado que nos encontramos perante actos tributários derivados de declarações apresentadas pelo contribuinte (cfr.nºs.4, 5 e 8 do probatório), normativo este que deve ser concatenado com a presunção prevista no artº.39, nº.1, do mesmo diploma.
No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul, 6/11/2012, proc.5529/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.382; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.202 e seg.).
A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do mesmo preceito, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/10/2010, rec.526/10; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.383; João António Valente Torrão, ob.cit., pág.202 e 203).
Como se retira do artº.39, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário, o efeito que a lei quer atribuir ao registo consiste numa presunção “juris tantum” da demora que levará a fazer a comunicação postal. Neste caso, o registo da carta liberta a Administração Tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, sendo sobre este que incide o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/3/2011, rec.967/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.1181/11).
Voltando ao caso “sub judice”, conforme se retira da matéria de facto provada, não fez a A. Fiscal prova do envio das cartas registadas relativas à notificação das liquidações de I.R.C. de 2005 e 2006 (que constituem parte da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3433-2006/100020.9 e apensos) para o domicílio fiscal da sociedade executada originária “B..., L.da.”. Assim é, porquanto dos documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública com a contestação, nomeadamente de fls.103 a 115 do processo, não consegue o Tribunal concluir pelo envio de qualquer carta sob registo, ainda que colectivo, para o domicílio/sede da mesma empresa devidamente identificado no nº.7 do probatório. Mais se deve acrescentar que, desde logo, falha a possibilidade de identificação de qual o registo postal que serviu de suporte à alegada comunicação dos mesmos actos tributários. Por último, sempre se dirá que as referenciadas guias de expedição das cartas de notificação das liquidações de I.R.C. pelos CTT nada permitem concluir sobre tais matérias, das mesmas somente se retirando a data da expedição do correio e a quantidade de registos efectuada (cfr.documentos juntos a fls.109, 111 e 113 do processo).
Nestes termos, a A. Fiscal não produziu prova do envio de cartas registadas relativas à notificação das liquidações de I.R.C. de 2005 e 2006 ao contribuinte, assim não se podendo valer da presunção consagrada no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., pelo que temos de concluir que não se pode ter por efectuada a notificação em causa nos autos. Deste modo, tal como decidido na sentença recorrida, a oposição procede uma vez que as liquidações não foram notificadas no prazo previsto no artº.45, da L.G.T., sendo que os actos tributários em causa são, desde logo, ineficazes.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, não se concede provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a fundamentação constante do presente acórdão.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 19 de Março de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)


(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)