Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:38/09.2BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2017
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:ATRASO NA JUSTIÇA
PRAZO RAZOÁVEL
ILICITUDE
Sumário:I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.

II – Não revestindo os autos de recurso contencioso de anulação especial complexidade ou dificuldade, nem tendo a tramitação dos mesmos, até à conclusão para prolação de sentença, registado qualquer entrave, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável o processo que, até à obtenção de uma decisão em primeira instância, durou cerca de 8 anos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Maria ………………. intentou contra o Estado Português acção administrativa comum peticionando a condenando do R. no pagamento da quantia global de 14.244,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, fundada em responsabilidade civil extracontratual por atraso na realização da justiça.

Por sentença proferida pelo T.A.C. de Lisboa a pretensão foi julgada parcialmente procedente, tendo o R. sido condenado no pagamento da quantia de 3.000 € a título de indemnização por danos morais, quantia acrescida dos juros de mora, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com o decidido, o R. recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1 - Na presente acção foi o R. - Estado Português condenado a pagar à A. a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável.
2 - Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça toma-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes.
3 - Nos termos do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, "O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
4 - Tal responsabilidade civil corresponde, no essencial, ao conceito de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos consagrado no Código Civil, pelo que, para que o A. pudesse ver ressarcidos os prejuízos eventualmente sofridos, sempre teriam que se mostrar reunidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do citado código.
5 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poder judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.
6 - Concluindo-se pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido e os prejuízos alegadamente sofridos pela A., é, obviamente, desnecessária a averiguação da existência dos restantes pressupostos e forçoso julgar improcedente o pedido.
7 - Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.
8 - Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.
9 - A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.
10 - Não deve deixar de se realçar o esforço do R. - Estado Português na tentativa de resolução dos constrangimentos que afectam o desenvolvimento célere dos processos a correr termos na jurisdição administrativa claramente documentado nos autos.
11 - Tal esforço é, ainda mais, digno de realce numa altura em que se mostra a nu a escassez de meios económicos que afectam gravemente os meios financeiros do estado condicionando gravemente todas as suas áreas de actuação, designadamente, a da justiça.

14 - Acresce que, mesmo que se entenda que a A. deve ser indemnizada, tal como são configurados os alegados danos não patrimoniais, geradores da alegada obrigação de indemnizar, o montante em que o R. - Estado Português foi condenado, mostra-se exagerado, face a todos os critérios jurisprudenciais existentes.

Não foram apresentadas contra alegações.

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

1. Em 10.05.2002, a ora A. apresentou recurso contencioso de anulação junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pelo qual peticionava a “declaração de nulidade ou a anulação do acto da Direcção de Serviços da Caixa Geral de Aposentações, de 2001-11-12, no uso de poderes delegados, que alterou o montante de pensão definitiva de aposentação abonada pela CGA à recorrente” de PTE 371.542 (EUR 1.853,24) para PTE 110.306 (EUR 550,20), ao qual foi atribuído o número 209/02 (cf. fls. 122 a 129 dos autos).
2. Em 21.08.2002, foi apresentada a respectiva resposta pela antedita Direcção de Serviços da CGA, pugnando pela rejeição ou extinção do recurso contencioso de anulação referido no ponto anterior, por inutilidade superveniente da lide, ou, subsidiariamente, pelo seu não provimento (cf. fls. 154 a 158 dos autos).
3. Em 18.09.2002, a A. veio responder ao articulado referido no ponto anterior, pugnando pelo prosseguimento do recurso (cf. fls. 192 a 193-v dos autos).
4. Em 30.09.2002, foi elaborado parecer pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, requerendo que fosse oficiada a CGA com vista a informar os autos se havia proferido novo ato que revogasse, implícita ou explicitamente, o acto objecto do recurso contencioso de anulação (cf. fls. 195 dos autos).
5. Em 18.10.2002, a Direcção de Serviços da CGA apresentou um requerimento dando nota da emissão de despacho pelo qual alterava as condições de aposentação da ora A., fixando a pensão a atribuir-lhe no valor de EUR 1.060,22, e requeria a extinção dos autos de recurso contencioso de anulação, por inutilidade superveniente da lide (cf. fls. 197 e 198 dos autos).
6. Em 16.12.2002, a ora A. apresentou requerimento, solicitando a substituição do objecto do recurso, por forma a que este passasse a incidir sobre o novo despacho proferido, mencionado no ponto anterior, a improcedência da questão da inutilidade superveniente da lide e o prosseguimento do recurso (cf. fls. 207 a 209 dos autos).
7. Em 14.01.2003, foi proferido despacho pelo Meritíssimo Juiz titular do recurso contencioso de anulação, considerando que não se verificava a inutilidade superveniente da lide, deferindo o pedido de substituição do objecto formulado e instando a CGA a pronunciar-se sobre o requerimento referido no ponto anterior (cf. fls. 210 e 210-v dos autos).
8. Em 24.01.2003, a Direcção de Serviços da CGA apresentou novo requerimento, pugnando que fosse negado provimento ao recurso contencioso de anulação (cf. fls. 213 a 215 dos autos).
9. Em 07.02.2003, foi proferido despacho pelo Meritíssimo Juiz titular do processo, ordenando a notificação das partes para apresentação de alegações, no prazo de 40 dias (cf. fls. 218 dos autos).
10. Em 25.03.2003, a ora A. apresentou as suas alegações escritas, reiterando o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do despacho proferido pela Direcção de Serviços da CGA, substituído nos termos explanados supra (cf. fls. 221 a 234 dos autos).
11. Em 01.04.2003, a Direcção de Serviços da CGA apresentou as suas alegações escritas, pugnando pela negação de provimento ao recurso (cf. fls. 242 a 245 dos autos).
12. Em 07.04.2003, foi elaborado parecer pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público, sustentando que deveria ser negado provimento ao recurso contencioso de anulação em apreço (cf. fls. 248 e 249 dos autos).
13. Em 26.05.2003, foi aberta conclusão dos autos de recurso contencioso de anulação ao Meritíssimo Juiz titular do processo (cf. fls. 250 dos autos).
14. Em 10.02.2004, a ora A. apresentou um requerimento, alegando que não havia sido notificada de cópia dos documentos juntos pela Direcção de Serviços da CGA com o requerimento a que se alude no facto 8. fixado supra e requerendo essa mesma notificação (cf. fls. 252 e 252-v dos autos).
15. Em 16.02.2004, foi aberta conclusão dos autos de recurso contencioso de anulação ao Meritíssimo Juiz titular do processo (cf. fls. 253 dos autos).
16. Em 12.03.2004, foram cobrados os autos de recurso contencioso de anulação do gabinete do Meritíssimo Juiz titular do processo, “em conformidade com o provimento nº 4/2004 da MMª Juiz Presidente” (cf. fls. 254 dos autos).
17. Em 15.03.2004, foi aberta conclusão dos autos de recurso contencioso de anulação a novo Magistrado titular do processo (cf. fls. 254 dos autos).
18. Em 10.10.2007, os autos de recurso contencioso de anulação foram redistribuídos, “em conformidade com o provimento n.º 29 de 2 de Outubro” (cf. fls. 255 dos autos).
19. Em 05 (1).01.2009, a A. deduziu a presente acção administrativa comum (cf. fls. 1 dos autos).
20. Em 14.01.2009, o Meritíssimo Juiz titular do processo de recurso contencioso de anulação abriu mão dos autos, para consulta pelo Ministério Público (cf. fls. 255 dos autos).
21. Em 10.02.2009, foi aberta conclusão dos autos de recurso contencioso de anulação ao Meritíssimo Juiz titular do processo (cf. fls. 255 dos autos).
22. Em 12.02.2009, foi proferido despacho pelo Meritíssimo Juiz titular do processo de recurso contencioso de anulação, ordenando a notificação dos documentos referidos no requerimento a que se alude no facto 14. fixado supra (cf. fls. 256 dos autos).
23. Em 07.05.2010, foi proferida decisão no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pela qual se julgou procedente o recurso contencioso de anulação deduzido pela ora A. (cf. cópia da sentença junta entre fls. 274 e 309 dos autos).
24. Em 23.11.2011, foi prolatado acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, pelo qual se negou provimento ao recurso entretanto interposto pela Direcção de Serviços da CGA (cf. cópia do acórdão junta entre fls. 315 e 330 dos autos).
25. Em 2004, as quatro secções de processos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa tinham uma pendência de 6094 processos, os quais se encontravam afectos a 17 magistrados judiciais, sendo que, no ano 2007, o número de magistrados foi reduzido para 14 (cf. fls. 67 e 68 dos autos).
26. Ao longo dos anos, o CSTAF tem dado nota do aumento exponencial de processos e do consequente agravamento das pendências processuais existentes nos tribunais da jurisdição administrativa (cf. relatórios do CSTAF).
27. A A. tinha uma expectativa de que o recurso contencioso de anulação fosse decidido no prazo de 3 a 5 anos (cf. prova testemunhal).
28. Na pendência do recurso contencioso de anulação, a A. padeceu de ansiedade, problemas em dormir e instabilidade emocional e sentiu angústia e revolta (cf. prova testemunhal).
29. A A. manifestou sinais de ansiedade logo a partir da data da propositura do recurso contencioso de anulação (cf. prova testemunhal).
30. Os sentimentos de ansiedade e angústia agravaram-se a partir de 2005 (cf. prova testemunhal).
31. A A. sentiu um grande alívio com a prolação da decisão em 1.ª instância pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cf. prova testemunhal).
32. Na pendência do recurso contencioso de anulação, a A. manifestou um estado obsessivo quanto ao seu andamento e conclusão (cf. prova testemunhal).
33. A A. contactava telefonicamente o seu mandatário para saber do estado do processo, com uma regularidade semanal (cf. prova testemunhal).
34. O nível de vida da A. não resultou alterado em virtude da demora na prolação de decisão no recurso contencioso de anulação (cf. prova testemunhal).
35. Em 24.12.2008, a A. procedeu ao pagamento de EUR 2.100,00 à Alcides ………… & Associados, ……………….., a título de “Provisão para honorários (AAE, V. Estado Português)”, com IVA incluído à taxa de 20% (cf. cópia de factura e respectivo recibo emitidos por esta entidade, juntos a fls. 41 e 42 dos autos).
36. Em 24.12.2008, por ocasião da propositura da presente acção administrativa comum, a A. procedeu ao pagamento de taxa de justiça inicial, no valor de EUR 129,60, montante que reflecte já uma redução de 10% de que a A. beneficiou (cf. fls. 44 e 46 dos autos).

III) Fundamentação jurídica

No âmbito da acção que intentou contra o Estado, a ora recorrida visava efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos patrimoniais e não patrimoniais, em virtude de ter ocorrido violação do direito a uma decisão jurisdicional em “prazo razoável”, responsabilidade essa resultante do disposto nos art.s 20º n.s 1 e 4 e 22º da CRP e 12º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro (2), diploma vigente à data em que foi a presente acção foi intentada, e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (3) (CEDH), pretensão que o T.A.C. de Lisboa julgou parcialmente procedente, tendo condenado o R. no pagamento da quantia de 3.000 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, causados pela violação do referido direito, que detectou na tramitação do recurso contencioso de anulação nº 209/2002, decisão da qual discorda o R., por considerar não se mostrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, por violação do direito à obtenção de decisão judicial em prazo razoável.

Apreciando:

O art.º 20º, n.º 4, da CRP dispõe que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Isto significa que, no ordenamento jurídico português vigente, o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (art.s 20º n.s 4 e 5 e 268º n.s 4 e 5 da CRP) e que a infracção a tal direito, que é extensível a qualquer tipo de processo (cível, penal, administrativo, tributário, laboral, etc.), constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual (art.s 22º da CRP e 6º da CEDH, concretizados na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, concretamente no artigo 12º.

Neste ponto diga-se “(…) na medida em que o art. 8.º, n.º 2 da CRP consagra uma cláusula geral de recepção plena do direito internacional convencional, a CEDH aplica-se na ordem jurídica interna desde o momento que se realizou a sua regular ratificação ou aprovação e desde que foi publicada. E no plano do direito interno, as normas da Convenção, inclusive as garantias do art. 6.º, § 1, obrigam todas as entidades aplicadoras de direito ao seu cumprimento com a mesma força que as normas nacionais, após a sua publicação e enquanto vincularem no plano internacional o Estado português.
O direito de acesso à justiça em prazo razoável, com o conteúdo e o sentido que lhe decorre do art. 6.º da CEDH, aplica-se, portanto, na ordem jurídica portuguesa e, ainda que a sua autoridade não seja igual às normas da Constituição, pelo menos tem um valor supra legal, prevalecendo sobre as leis internas posteriores ou anteriores. O facto de o direito de acesso à justiça em prazo razoável ter esta natureza de direito internacional não impede que na ordem jurídica portuguesa seja considerado como direito fundamental (art. 16.º, n.º 1 da CRP) e que possa beneficiar de um particular regime jurídico (art. 17.º) – isto se tal direito não tivesse consagração constitucional no direito interno português.
Mas tem previsão autónoma no art. 20.º, n.º 4 da CRP, desde 1997. (…) ” (4).

O art.º 22º da CRP dispõe que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Esta norma vincula todas as entidades públicas e privadas, o que engloba todos os poderes públicos, incluindo os Tribunais - nas palavras de Gomes Canotilho, “abrange uma vinculação sem lacunas” - e o grau de juridicidade (a sua real força normativa), é dado não só pela interpretação conforme à Constituição, mas igualmente pela desaplicação da lei desconforme à norma fundamental.

Ora tendo em conta os termos em que a presente acção se mostra deduzida, dúvidas não existem que nos situamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, regulada e disciplinada, pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, mormente os artigos 7º e 12º, conjugado com os art. os 20º n.º 4 e 22º da CRP e 6º § 1º da CEDH

Estando em causa a responsabilidade civil fundada na prática de acto (ou omissão) ilícito e culposo importar verificar se, in casu, estão preenchidos todos esses pressupostos, de modo a que ao aqui recorrente possa ser imputada responsabilidade civil por atraso na administração da justiça, conforme decidiu o T.A.C. de Lisboa, já que para que esta exista necessário se torna que estejam preenchidos os respectivos pressupostos (cfr. art. os artigos 7º, 9º 10º e 12º e segs. da citada Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, 20º e 22º da CRP e 6º da CEDH).
Constitui jurisprudência administrativa assente a ideia de que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil (com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos) (5), isto é, no facto, na ilicitude, na imputação do facto ao lesante (culpa), no dano e no nexo de causalidade entre este e o facto.
Tal responsabilidade não exige a imputação dos factos ilícitos culposos a um comportamento individual, admitindo a “culpa funcional dos serviços” (6), havendo, neste caso, que apurar se houve ou não “funcionamento anormal do serviço”, sendo certo que “existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos”. (7)
O facto ilícito revela-se no evento enquanto ocorrência resultante da acção humana (voluntária) lesiva de bens jurídicos pessoais e/ou patrimoniais.
O nexo de imputação subjectiva reporta-se à específica ligação psicológica do agente com a produção do evento e ao respectivo grau de censurabilidade que a conduta merece.
Já o dano traduz o desvalor infligido por acção do facto ilícito aos bens jurídicos alheios atingidos.
Por sua vez, o nexo de causalidade manifesta-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge.
Quanto a este último elemento, diga-se que a norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigação de indemnização é o art.º 563º do CC, que preceitua que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Em termos jurisprudenciais, o STA tem vindo a entender que, em matéria de nexo de causalidade, o art.º 563º do CC consagra a teoria da causalidade adequada, e que, na falta de opção legislativa explícita por qualquer das suas formulações, os tribunais gozam de liberdade interpretativa, no exercício da qual se deve optar pela formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Ennecerus-Lehmann (cfr., por todos, Acórdão do STA de 5/11/1998, proferido no Rec. n.º 39 308, publicado em Apêndice ao Diário da República de 06/06/2002, pág. 6954).
Nesta formulação, a condição deixará de ser causa do dano, sempre que, “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano” (8).

Quanto ao primeiro pressuposto da responsabilidade civil, pode dizer-se que o facto consiste num acto jurídico ou num facto material traduzido num certo comportamento humano voluntário que pode revestir a forma de acção ou de omissão. É necessário, por conseguinte, que haja um agente (não um mero facto natural causador de danos), pois, só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos alheios ou de agir contra disposições legais. Por via de regra, o acto jurídico provém de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa colectiva de que é elemento essencial, ao passo que o facto material é normalmente produto ou resultado da execução ou omissão de tarefas, ordens e/ou actividades dos agentes ao serviço daquela mesma pessoa colectiva, in casu, do Estado Português.

No que concerne à ilicitude, a mesma decorre, no caso, da não prolação de decisão num “prazo razoável”, entendido nos termos que infra serão expostos, no que constituiria uma violação do disposto nos art.os 20º n.º 4 da CRP, 6º § 1º da CEDH e 2º n.º 1 do CPC, resultando, assim, preenchida a previsão do art.º 9º nº 1 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
À luz desta última norma, consideram-se ilícitas “as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Resulta, portanto, que para a verificação do requisito da ilicitude se exige, pelo menos, que o fim das normas violadas seja também o da defesa do lesado, que haja violação de direitos subjectivos e outras posições jurídicas subjectivas que justifiquem o pagamento duma indemnização.

Presente este enquadramento quanto ao requisito da ilicitude, importa, para a sua concretização, aferir e caracterizar em que se traduz o direito à justiça “em prazo razoável”, consagrado na CEDH, na nossa Lei Fundamental, bem como no artº 12º da Lei 67/2007.

Ora, resulta do art.º 20º, n.º 4, da CRP que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, enquanto partes/sujeitos processuais, seja objecto de decisão em prazo razoável, o que se traduz numa consagração autónoma do direito fundamental a um processo com prazo razoável, que assiste a cada pessoa e que vincula todos os órgãos do poder judicial.
Daí que o direito à justiça em prazo razoável assegura às partes envolvidas numa acção judicial o “(…) direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade do processo”. (9)

Em concretização de tal princípio constitucional, ou seja, o de que a todos é assegurado, através dos tribunais, o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada, atente-se nos regimes fixados na lei ordinária, quer no CPC (art.º 2º, nº 1) quer no CPTA (art.º 2º, nº 1) (10), sendo que de tal direito está dependente a credibilidade e a própria eficácia da decisão judicial.
É certo que os juízes, sem prejuízo do acerto da decisão, têm, no exercício das suas funções, o dever de adoptar as providências necessárias (uma vez que têm a direcção do processo) e de observar os prazos e trâmites previstos para que, num prazo razoável, os litígios sejam solucionados.
Será, todavia, que a mera e formal constatação de inobservância dum prazo processual fixado na lei para prolação de decisão por parte dum magistrado fará desencadear e preencherá a previsão dos art.s 20º n.º 4 da CRP e 6º § 1º da CEDH e 12º nº 1 da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro dela derivando a verificação do requisito da ilicitude?
Temos, para nós, que a resposta a esta questão não poderá ser feita em termos abstractos, não podendo ter-se como boa a admissão, como tese e regra geral, de que uma vez decorrido o prazo legal derive, automaticamente, a ilicitude da conduta fundamentadora de responsabilidade civil por ofensa ao direito à obtenção de decisão em “prazo razoável”.
Tal posicionamento seria equiparar o decurso de prazo processual legalmente previsto para a prática dum acto com o conceito de obtenção de decisão em “prazo razoável”, confundindo os dois conceitos, o que não nos parece legítimo e que corresponda à adequada interpretação deste último conceito.
Na verdade, no que tange à apreciação e integração do conceito de justiça em “prazo razoável” ou de obtenção de decisão em “prazo razoável”, entendemos que se trata dum processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto” e nunca em abstracto, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer, única e exclusivamente, do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos actos processuais pelos vários intervenientes.
Nessa medida, a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspectiva global, tendo como ponto de partida, no caso vertente (o recurso contencioso em apreço), a data de entrada da acção no tribunal competente (11) e como ponto final a data em que foi intentada, pela ora recorrida, a acção de efectivação de responsabilidade civil, uma vez que, quando foi a mesma intentada, não tinha sido ainda proferida sentença pelo T.A.C. de Lisboa, no recurso contencioso de anulação nº 209/2002.

Para tal tarefa de avaliação e de ponderação, afigura-se-nos adequado e útil fazer apelo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo. (12)

Tal jurisprudência serviu-se, inicialmente, apenas de três critérios: o da complexidade do assunto, o do comportamento dos demandantes e o da actuação das autoridades judiciais competentes no processo (cfr., v.g., “AFFAIRE Farinha Martins c. Portugal, Requête n.º 53795/00; AFFAIRE Textile Traders, Limited c. Portugal, Requête n.º 52657/99; AFFAIRE Baraona, Requête n.º 10/092.82 - in www.coe.int e www.gddc.pt). Mais recentemente, aquela jurisprudência acrescentou um outro critério, que se prende com o assunto do processo e o significado que ele pode ter para o requerente (“l’enjeu du litige”), sendo que todos estes critérios são valorados e aferidos em concreto, atendendo “às circunstâncias da causa”.
Chamando aqui à colação aquela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo para a definição ou integração de cada um destes critérios, temos que quanto ao primeiro critério (complexidade do assunto) se analisam tanto as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo (mormente, o número de pessoas/partes envolvidas na acção; o tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados, produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta). É assim que o número e a complexidade das questões de facto, a dificuldade das questões de direito, o volume do processo, a quantidade de provas a produzir, devem ser tomadas em conta no cômputo do prazo, sendo que não haverá que levar em conta a complexidade da causa quando o atraso respeite a um acto ou uma fase processual em que ela não tenha incidência.
Já quanto ao segundo critério (avaliação do comportamento das partes), atende-se não só ao uso do processo para o exercício ou efectivação de direitos, como à utilização de mecanismos processuais (afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória). Daí que o TEDH exija que o queixoso tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.
Relativamente ao terceiro critério (actuação das autoridades judiciais), atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo, mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo (o Estado apresenta-se como uma unidade), exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais. A este propósito, o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados, traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infracção ao art.º 6º da CEDH, porquanto, face à ratificação desta Convenção pelos Estados, estes comprometem-se a organizar os respectivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele art.º 6º. Também a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho, não tem merecido aceitação, pois se pode afastar a responsabilidade pessoal dos juízes, não afasta a responsabilidade dos Estados.
Assim, para efeitos de avaliar se houve violação do direito à justiça em “prazo razoável”, a conduta negligente ou omissiva do juiz é equivalente à inércia do tribunal ou de qualquer autoridade dependente do tribunal em que corre o processo. Nessa medida, quer estejamos perante actuação ou omissão de juiz, quer estejamos face a ausência de juiz, de falta de juízes por não haverem sido formados ou por má gestão dos respectivos quadros face ao volume de serviço do tribunal (deficiente definição dos quadros), quer, ainda, quando haja grande volume de serviço e não haja um adequado quadro de funcionários judiciais, o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial.
Por fim, quanto ao quarto critério (assunto do processo e significado que ele pode ter para o requerente), analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objecto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante, a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, sobretudo, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas.
O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa, poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efectiva em sede cautelar.

Munidos desta metodologia e dos critérios supra elencados, impõe-se, agora, aferir se, em concreto, ocorreu violação do direito à obtenção de decisão em “prazo razoável” por parte da aqui recorrida no recurso contencioso de anulação que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o n.º 209/2002.

Tendo em conta os factos dados como provados na decisão recorrida, importa alinhar a factualidade que emerge do aludido processo, importando, desde logo, referir que o recurso contencioso, visando deliberação da Direcção de Serviços da Caixa Geral de Aposentações que alterou o montante da pensão definitiva de aposentação da aqui recorrida foi apresentado em 10 de Maio de 2002 – cfr. item 1º da matéria de facto assente – tendo as alegações escritas da C.G.A. sido apresentadas em 1 de Abril de 2003 – cfr. item 11º –, sendo o parecer do M.P. datado de 07 de Abril de 2003 – cfr. item 12º -, tendo sido aberta conclusão dos autos de recurso contencioso de anulação em 26 de Maio de 2003, ao Juiz titular dos autos – cfr. item 13º.

Seguidamente, em 10 de Fevereiro de 2004, a ora recorrida apresentou requerimento alegando não ter sido notificada da cópia dos documentos juntos pela Direcção de Serviços da CGA com o requerimento a que se alude no facto 8 da matéria de facto assente, requerendo ser notificada dos referidos documentos; tendo em 16 de Fevereiro de 2004, sido aberta conclusão dos autos ao Juiz titular do processo – cfr. itens 14º e 15º dos factos apurados.

Dos itens 15º) a 20º) dos factos apurados constata-se que os autos não tiverem qualquer tramitação relevante entre o dia 16 de Fevereiro de 2004 e o dia 5 de Janeiro de 2009 – data em que a ora recorrida intentou a acção administrativa comum, na qual foi proferida a decisão recorrida – cfr. item 19º) - importando salientar ter existido uma redistribuição em 10 de Outubro de 2007 – cfr. item 18º) dos factos apurados - “…em conformidade com o provimento nº 29 de 2 de Outubro” -, tendo o T.A.C. de Lisboa proferido decisão em 7 de Maio de 2010, de acordo com a qual foi julgado procedente o recurso contencioso deduzido pela ora recorrida, decisão que seria confirmada por Acórdão proferido pelo TCAS em 23 de Novembro de 2011 – cfr. itens 23º) e 24º).

Importa ainda recordar que em 5 de Janeiro de 2009 – cfr item 19º) dos factos apurados - data em que presente acção administrativa comum foi intentada, o processo encontrava-se sem qualquer movimentação relevante há quase 5 anos, desde 16 de Fevereiro de 2004 – cfr. item 15º) dos factos apurados - sendo inócuo, para a decisão do presente recurso, o facto de no dia 10 de Outubro de 2007, os autos terem sido redistribuídos a novo Juiz, de acordo com o provimento nº 29/2007 – item 18 dos factos fixados.

Ao exposto acresce ainda que já anteriormente o processo estava concluído ao titular dos autos, após o parecer do M.P., desde 26 de Maio de 2003 - cfr. item 13º) – tendo apenas a ora recorrida, em 10 de Fevereiro de 2004, apresentado requerimento, alegando que não havia sido notificada de cópia dos documentos juntos pela Direcção de Serviços da CGA, com o requerimento a que se alude no item 8º) dos factos apurados – cfr. item 14º) - tendo o processo sido concluído ao titular dos autos, novamente, em 16.02.2004 – cfr. item 15º), após o que, na sequência da cobrança dos mesmos “…em conformidade com o provimento nº 4/2004 da MMª Juiz Presidente” – cfr. item 16º) – foram novamente conclusos em 15/03/2004 – cfr. item 17º).

Dos factos supra elencados alguns emergem que ditam a sorte do presente recurso e que são, concretamente, a circunstância de o processo ter ficado sem qualquer movimentação entre 15 de Março de 2004 e 10 de Outubro de 2007 – cfr. itens 17º) e 18º), e o lapso temporal que mediou entre a data em que foi instaurado o recurso contencioso de anulação – a instância iniciou-se em 10 de Maio de 2002 (cfr. item 1º) dos factos apurados) – e a data em que presente acção foi intentada: 5 de Janeiro de 2009 – cfr. item 19º) dos factos apurados - bem como a circunstância de a Caixa Geral de Aposentações ter apresentado alegações escritas em 01 de Abril de 2003 – cfr. item 11 dos factos apurados – tendo o Proc. sido concluído ao titular dos autos em 26 de Maio de 2003 – cfr. item 13) dos factos apurados - importando referir, ainda, que desde a redistribuição de 10 Outubro de 2007 – cfr. item 18º) – até ao dia em que ora recorrida intentou os presentes autos, nenhuma movimentação registaram os mesmos – cfr. referido item, bem como o 19º) – sendo, naturalmente irrelevante para o presente recurso o facto de os autos de recurso contencioso de anulação terem sido redistribuídos em 10 de Outubro de 2007.

Analisando agora os critérios supra elencados, elencados pelo TEDH para apreciar a razoabilidade da duração de um processo, é de sufragar o entendimento, a que chegou a decisão recorrida, segundo o qual foi violado o direito da ora recorrida a obter uma decisão em prazo razoável no âmbito do recurso contencioso referido no item 1º) dos factos apurados.

Assim, não relevam os presentes autos, concretamente a matéria de facto assente que, o recurso contencioso de anulação em apreço fosse de complexidade assinalável, para além do habitual, limitando-se a relação processual estabelecida a dois sujeitos processuais, a ora recorrida e a CGA, não relevando a matéria de facto apurada que nos referidos autos tenha existido complexa actividade instrutória; por outro lado revela também a matéria de facto apurada que quer a ora recorrida quer a Caixa Geral de Aposentações não colocaram entraves à normal tramitação dos autos, bastando para tal recordar que entre a data em que deu entrada a p.i. no T.A.C. de Lisboa e a data em que a CGA apresentou as respectivas alegações escritas decorreram cerca de 11 meses – cfr. itens 1º) e 11º) – prazo que revela que a tramitação do recurso contencioso decorreu sem entraves ou entropias susceptíveis de originar e, eventualmente, justificar atraso na prolação da decisão.

Por outro lado e embora o item 25º) dos factos apurados revele uma elevada pendência, no ano de 2004, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, registando-se, entre o referido ano de 2004 e o ano de 2007 uma diminuição do número de magistrados em exercício de funções no Tribunal, tendo, ao longo dos anos, o CSTAF dado conta do aumento exponencial de processo, com o consequente agravamento das pendências processuais existentes nos tribunais da jurisdição administrativa – cfr. item 26º dos factos apurados – tais factos não podem justificar a demora que se verificou na prolação de decisão nos autos de recurso contencioso de anulação nº 209/2002, revelando os referidos factos que a situação de insuficiência de meios sentida na jurisdição administrativa e fiscal não é pontual, prolongando-se, ao invés, no tempo, o que, naturalmente e nos termos em que vem sendo entendido pelo TEDH não pode ser entendida como forma de obstar à responsabilidade por atrasos injustificados na administração da justiça, o que bem se entende, dado que, se assim não fosse, um sistema judiciário com insuficiente meios, e em que tal insuficiência fosse prolongada no tempo, com foros de natureza estrutural, sempre justificaria e obstaria à responsabilização de um Estado com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por atraso na administração da justiça.

Por último, e quanto à natureza do processo, é patente que visando o recurso contencioso de anulação a anulação de acto nos termos do qual tinha sido reduzida o montante de pensão de aposentação da recorrida – cfr. item 1º) dos factos apurados - sempre existia, para esta, um interesse relevante na decisão do mesmo recurso.

Assim, é de acolher, na íntegra, o entendimento a que chegou a decisão do T.A.C. de Lisboa, segundo a qual foi violado o direito da ora recorrida a obter uma decisão em prazo razoável, no âmbito do recurso contencioso de anulação em questão, direito violado pelo Estado e que configura acto omissivo ilícito, por violação dos artigos 20º nº 4 da CRP e artigo 6º nº 1 da CEDH, por força do nº 2 do artigo 8º da CRP, e culposo, culpa que “…resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos”. (13)

Aqui chegados, importa analisar se se verifica o nexo de causalidade entre o facto e o dano, para o que importa recordar os seguintes factos dados como provados na sentença recorrida – cfr. itens 28, 30, 31, 32 e 33 dos factos assentes - que se recordam: na pendência do recurso contencioso de anulação, a A. padeceu de ansiedade, problemas em dormir e instabilidade emocional e sentiu angústia e revolta; os sentimentos de ansiedade e angústia agravaram-se a partir de 2005; tendo a A. sentido um grande alívio com a prolação da decisão em 1.ª instância pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa; a ora recorrida, na pendência do recurso contencioso de anulação manifestou um estado obsessivo quanto ao seu andamento e conclusão, contactando telefonicamente o seu mandatário para saber do estado do processo, com uma regularidade semanal, factos dos quais se pode concluir, ao contrário do alegado pelo recorrente, alegação sintetizada na conclusão 6º das alegações de recurso - existir nexo de causalidade entre a omissão ilícita e culposa – o atraso na decisão do recurso contencioso de anulação – e a ansiedade, problemas em dormir, instabilidade emocional, angústia e revolta sentidas pela ora recorrida, dado a causa dos mesmos ser, conforme resulta dos factos apurados, o atraso na prolação de decisão no recurso contencioso em apreço.

Como último fundamento do presente recurso o R. sustentou que o montante indemnizatório fixado na decisão recorrida se mostra exagerado, face a todos os critérios jurisprudenciais existentes.

Apreciando:

Como é sabido, os danos não patrimoniais são susceptíveis de serem indemnizados quando assumam um grau de intensidade e objectividade que mereçam a tutela do direito.

Assim, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é um dado assente: o artigo 496.º do Código Civil dispõe no seu n.º 1 que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Isto é, os danos sofridos devem ser de tal forma graves (14) que justifiquem a concessão de indemnização ao lesado.
Tal gravidade (do dano) mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada, meros transtornos, incómodos e preocupações sofridas.
Como se refere em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (15), a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Todavia, e como refere Antunes Varela (16), não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, a gravidade deverá medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado; e, por outro lado, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
Todavia, a indemnização por danos não patrimoniais, nos casos em que é concedida, visa não só reparar os danos sofridos pela pessoa lesada, mas também reprovar ou castigar a conduta do agente infractor.(17)

O dano moral é aquele que acarreta, para quem o sofre, muita dor, grande tristeza, mágoa profunda, muito constrangimento, vexame, humilhação e sofrimento. Estas sensações e emoções desagradáveis, que podem ser justificáveis, compreensíveis, razoáveis e moralmente legítimas, só devem ser reparáveis se delas decorrerem “danos injustos”, se tiverem como consequência a violação à igualdade, à integridade psico-física, à liberdade, à solidariedade, à personalidade e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana.
No caso em apreço, atendendo à objectiva gravidade dos factos apurados – cfr itens 28), 30) a 32) da matéria de facto constante da decisão recorrida –, que configuram danos causados pela violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, os mesmos revestem-se de gravidade digna da tutela do direito – cfr. art. 496º nº 1 do Código Civil – devendo ser ressarcidos. Com efeito, e mostrando-se provado que na pendência do recurso contencioso de anulação, a A. padeceu de ansiedade, problemas em dormir e instabilidade emocional e sentiu angústia e revolta; que os sentimentos de ansiedade e angústia agravaram-se a partir de 2005; tendo a A. sentido um grande alívio com a prolação da decisão em 1.ª instância pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa; e que a ora recorrida, na pendência do recurso contencioso de anulação, manifestou um estado obsessivo quanto ao seu andamento e conclusão o que é revelado pela circunstância de contactar telefonicamente com o seu mandatário para saber do estado do processo, com uma regularidade semanal, deve concluir-se que a gravidade dos danos justificam e suportam a concessão de uma indemnização à ora recorrida, justificando a dimensão dos mesmos uma indemnização.

No que diz respeito ao montante da indemnização, por danos não patrimoniais, o mesmo é fixado equitativamente pelo tribunal, nos termos do nº 3 do aludido preceito, tendo presente as circunstâncias referidas no art. 494º: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstância do caso concreto. No caso em apreço, atendendo aos contornos dos danos causados à ora recorrida – supra elencados – com inquestionáveis reflexos na qualidade de vida desta e à circunstância de estar em causa a violação de direito com consagração na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de que resulta a sua inquestionável importância, adveniente, também, de a administração da justiça constituir função soberana do Estado, entende o Tribunal que a fixação do montante de 3.000 € como compensação à recorrida dos danos não patrimoniais causados pela violação do direito da recorrida a obter no já identificado recurso contencioso de anulação uma decisão em tempo razoável se afigura adequada, improcedendo este último fundamento do recurso.

III) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2017

Nuno Coutinho


José Gomes Correia



Paulo Vasconcelos
(1) Na sentença recorrida, eventualmente por mero lapso de escrita, consta o dia 6, contudo a data constante do carimbo aposto na p.i. – cfr. fls. 2 dos autos - permite concluir que a acção foi intentada no dia 5 de Janeiro, pelo que se altera a referida data, nos termos do nº 1 do artº 642º do C.P.C..
(2) Diploma que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, tendo procedido à revogação do D.L. nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967.
(3) Ratificada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro.
(4) Isabel Fonseca, “Do Novo Contencioso Administrativo e do Direito à Justiça em Prazo Razoável”, Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, pág. 353.
(5) Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 27/10/2004, Proc. 011214/02.
(6) Neste sentido, cfr. Acórdão do STA de 07/03/1989, Proc. 026525, A.D. n.º 344-345, págs. 1035 a 1054.
(7) Cfr. artigo 7º nº 4 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
(8) Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6.ª edição, pág. 861, nota 2.
(9) Isabel Fonseca, loc. cit., pág. 360; Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição, pág. 163.
(10) Na redacção dada pela revisão operada pelos D.L.s n.os 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, que se mantém com a alteração ao C.P.C. introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
(11) Em matéria civil, o prazo começa a correr, em princípio, a partir da data da apresentação do pedido no tribunal – ver, por todos, o Acórdão Guincho, A81, pág. 13, § 29 – in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, 3.ª edição, Ireneu Cabral Barreto, Coimbra Editora, 2005.
(12) Isabel Fonseca, “A garantia do prazo razoável: o juiz de Estrasburgo e o juiz nacional”, C.J.A. n.º 44, págs. 43 e segs, em especial, págs. 58 a 60.
(13) Cfr. Acórdão proferido pelo S.T.A. em 09/10/2008, no âmbito do Proc. 0319/08, Acórdão que se alude na decisão recorrida.
(14) Que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
(15) Cfr. Acórdão do S.T.J., de 30/09/2003, proferido no âmbito do Proc. nº 1949/03.
(16) “Das Obrigações em Geral”, 2ª edição, Vol. I, pág. 486/487.
(17) Neste sentido, ver Acórdão do S.T.J. de 20/06/1991, in BMJ 408º-538º.