Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/18.7BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/02/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA;
(NÃO) ARREMESSO DE OBJETO PERIGOSO;
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório


O V..., SAD, impugnou junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a Federação Portuguesa de Futebol, a decisão do Pleno da secção profissional do Conselho de Justiça desta entidade, que decidiu julgar improcedente o recurso hierárquico impróprio que havia interposto da decisão proferida em secção restrita, assim confirmando a sua condenação pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 186.°, n.° 2 do RD2016, na pena de multa do montante de € 7.650,00, por referência ao jogo realizado no Estádio D..., no dia 04.12.2016, entre si e o G....

Por decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 17.01.2018, foi concedido provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida.

A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, veio então interpor recurso jurisdicional daquela decisão, no âmbito do qual concluiu como se segue:

«(…) 1 - O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 17 de janeiro de 2018, designadamente a decisão do Colégio Arbitral em anular o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina e, consequentemente, não condenar o V... pela prática da infração p. e p. no artigo 186.º-2, do Regulamento Disciplinar da LPFP em multa de 7.650,00€ e ainda o segmento decisório que versa sobre a rejeição do pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente;

2 - O acórdão recorrido padece desde logo de nulidade, porquanto não logra demonstrar porque razão entende o Tribunal Arbitral do Desporto, que não se encontram preenchidos três elementos objetivos do tipo de infração do artigo 186.º do RDLPFP, tanto mais que, ficou supra demonstrado que existiu arremesso de um objeto (isqueiro), pois atendendo a critérios de razoabilidade e senso comum, a presença de um isqueiro junto ao 4.º árbitro, terá de fazer deduzir que tal foi arremessado (primeiro elemento) e que o foi por adeptos da bancada mais próxima do 4.º árbitro, onde se encontravam adeptos do V... (segundo elemento);

3 - Relativamente ao terceiro elemento objetivo do tipo de infração que o acórdão recorrido entende não estar preenchido, trata-se da suscetibilidade de o referido objeto provocar lesão de especial gravidade, nos termos do artigo 4.º-l, I) do RDLPFP, sendo que, o Tribunal a quo não valorou nem examinou a prova produzida pela Recorrente que, com recurso a imagens televisivas, demonstrou de forma clara que um isqueiro pode causar lesão de especial gravidade, bastando para tal que atinja uma pessoa na vista ou na zona da têmpora, devendo a referida prova ser examinada e relevada, por se tratar de prova essencial para a descoberta da verdade material, sendo que, não o tendo sido, deverá o acórdão ser revogado, por preterição de formalidade essencial, consubstanciada na não apreciação da prova produzida;

4 - O presente recurso versa ainda sobre outras matérias, que apesar de não terem sido objeto de discussão nos autos, o acórdão de que ora se recorre decide aflorar, como sendo o elemento preponderante subjacente aos artigos 186.º e 187.º do RDLPFP, tendo ficado demonstrado que a diferença é o arremesso para o terreno de jogo e para fora do terreno de jogo, respetivamente e não a perigosidade e o resultado de determinada conduta, respetivamente, como conclui o acórdão recorrido sem demonstrar como chega a tal posição, concluindo assim com base em erro notório que influencia toda a decisão e deve concorrer para a revogação da mesma;

5 - O Tribunal Arbitral do Desporto excedeu clara e largamente os seus poderes de pronúncia, tendo entrado em campo reservado por lei à Administração (no caso, à Recorrente), tendo valorado a opção tomada pela Recorrente no seu Regulamento Disciplinar no âmbito da sua margem de livre decisão administrativa ao invés de se cingir a apreciar a legalidade de tal opção;

6 - Os poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina no âmbito da modalidade para que detém estatuto de utilidade pública são prerrogativas públicas exclusivas da Recorrente, o que decorre da lei e do referido estatuto, pelo que apenas por si podem ser exercidos, no território nacional, o que abarca designadamente a definição das normas disciplinares aplicáveis à modalidade;

7 - No Acórdão recorrido o Colégio de Árbitros não se limita a aferir a legalidade da norma regulamentar, mas também a exprimir uma valoração sobre a opção tomada pela Administração, o que é notório pelas expressões usadas e pela total ausência de justificação que permita demonstrar que a norma que prevê a sanção de multa é desnecessária, desadequada ou excessiva;

8 - O Tribunal recorrido não solicitou nem tinha em seu poder nenhum dado objetivo que permitisse chegar à conclusão a que chegou, pelo que simplesmente decidiu formular opiniões sobre os Regulamentos Disciplinares da Federação Desportiva que rege esta modalidade e sugerir que a sanção devia ser outra, o que demonstra o pré-conceito que o Colégio Arbitral tinha relativamente a esta matéria;

9 - Apenas à entidade com poderes regulamentares exclusivos cabe fazer a ponderação entre o interesse público e os interesses dos administrados pois tem em seu poder os elementos de facto para decidir. Caímos, portanto, na análise do mérito da decisão, a qual se encontra dentro da margem de livre decisão da administração e não é sindicável perante os tribunais, sejam eles Arbitrals ou não;

10 - Claramente, no Acórdão recorrido, o que o Colégio Arbitral fez foi entrar no campo reservado, pela Constituição e por Lei, à Federação Portuguesa de Futebol e determinar a anulação da decisão por razões de mérito, conveniência ou oportunidade e não por razões de legalidade;

11 - O Colégio Arbitral acabou por formular o seu juízo de valoração quanto à solução adotada no Regulamento Disciplinar, o que, a abrir-se este precedente, em particular no que toca a Regulamentos Desportivos e em sede Arbitral, pode trazer consequências bastante graves;

12 - Ao formular valorações próprias da função administrativa, o Acórdão Arbitral violou o princípio da separação de poderes, ínsito nas normas constitucionais do artigo 2.º e 202.º, n.º 1 da CRP, pelo que deve ser revogado;

13 - O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram o Colégio Arbitral;

14 - A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância Arbitral obrigatória;

15 - Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Colégio de Árbitros aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;

16 - Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. (…)».

O Recorrido contra-alegou, defendendo o não provimento do recurso, invocando, em suma, o seguinte:

«(…) 1 - INTRODUÇÃO

Veio a recorrente Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF) interpor recurso da decisão proferida pelo conselho Arbitral legalmente constituído sob a égide do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante TA D) e que absolveu o V... (doravante V...) da infração disciplinar prevista no artigo 186° n.° 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional vigente para a época 2016/2017 (doravante RD)

Certo é que não assiste nenhuma razão à recorrente, que, aliás, não realizou uma análise crítica seria da sentença recorrida, motivo pelo qual não despendeu um qualquer argumento novo que fundamentasse a revogação da decisão proferida ou que pelo menos a pusesse em crise.

Na verdade, no presente Recurso a Recorrente optou por concentrar as usas energias (i) na defesa da legalidade da norma do artigo 127° do RD (ii) na defesa da legalidade e constitucionalidade da norma prevista no artigo 186° n.° 1 do RD e iii) na defesa da sua isenção de pagamento de custas nos processo o que correm termos perante o Tribunal Arbitral do Desporto, sendo que é nestas matérias que verdadeiramente se nota o esforço da recorrente na procedência das suas razões.

Sucede que tais matérias não constituem, de lodo, o objecto do recurso que foi levado ao conhecimento do Painel Arbitral constituído sobre a égide do Tribunal Arbitral do Desporto e que, recorde-se, era o de saber se o V... cometeu uma infração à norma prevista no artigo 186° n.° 1 do RD.

Assim, aquelas outras matérias que constituem o cerne do recurso da recorrente não interessam à sorte do objeto do presente recurso, razão pela qual apenas serão abordadas pelo recorrido nesta sede introdutória e com as seguintes e parcas palavras:

Quanto à questão da legalidade da norma do artigo 127° do RD, e com a qual a Recorrente despende as primeiras 29 páginas, não entende o recorrido o seu escopo, dado que esta é matéria totalmente nova aos autos. O que resultou para a o recorrido da leitura desta parte das alegações, foi, salvo o devido respeito, o constatar de um lapso da recorrente, que parece ter ido copiar esta parte das suas alegações a um outro recurso, sem ter cuidado de atentar que não era a mesma a matéria, quer de facto, quer de direito.

Dever-se-á, então a um mero lapso, o facto de nesta parte do recurso, a recorrente, por várias, vezes alega não assistir razão ao S... SAD, pessoa que, como sabido, não é aqui parte; Será também por incorrer em lapso que a recorrente defende que constitui violação ao artigo 127° do RD o levantamento de tarjas por parte das claques, factos típicos que em nada de se assemelham aos factos aqui em discussão, sendo também certo que nos presentes autos não se discute a aplicação, sequer, do artigo 127° do RD.

(ii) Já quanto à questão da legalidade e constitucionalidade da norma prevista no artigo 186.º n.° 2 alínea b) do RD realça-se que todo o expendido na decisão recorrida não constituiu, sequer, a fundamentação da decisão final e que absolveu o V... da infracção que lhe era imputada.

Na verdade, foi após ter concluído que o V... não havia cometido a infração disciplinar que lhe foi imputada que o Painel constituído tomou a liberdade de fazer uma análise critica do artigo 186° n.° 1 do RD.

Certo é que, como se disse, tal análise critica não constituiu, sequer, a fundamentação para a decisão final que veio a ser proferida, e muito menos constitui uma decisão ou contem uma qualquer parte do elemento decisório da decisão proferida pelo Painel Arbitral

Assim, toda esta matéria com que a Recorrente ferozmente se insurge e com a qual ocupa, também, grande parte do seu recurso não constituiu uma decisão do Painel Arbitral, não sendo por isso sequer passível, no modesto entendimento do recorrente, de constituir questão a decidir no presente recurso.

(iii) Por outro lado, também já não pode constituir objecto do presente recurso saber se a recorrente se encontra isenta do pagamento de custas nos processo que correm termos sob a égide do TAD, dado que tal pretensão já lhe foi negada, nestes autos, pelo acórdão deste Douto Tribunal de 4 de Outubro de 2017, já transitado em julgado.

ISTO POSTO

2- DO OBJECTO DO RECURSO

Como já se referiu, que se encontra em causa nestes autos é saber se o V... cometeu, ou não uma infração ao artigo 186 n.° 1 do RD.

De facto em 4/12/2016 disputou-se no estádio D... entre o V... e o G... um jogo de futebol a contar para a 12.ª Jornada da Liga NOS, sendo que no relatório ao jogo efectuado pelo árbitro da partida constava o seguinte:

"Aos 47 minutos da segunda parte foi arremessado um isqueiro em direção do 4.º árbitro. Este objecto não atingiu o 4°árbitro." (cfr. doc. n.° 5).”

Foi com base nesta factualidade que a decisão sumária proferida em 6/12/2016 puniu o V... pela prática da infração prevista no artigo 186° do RD.

(…)

Note-se, acima de tudo, que a decisão recorrida ponderou devidamente o depoimento da testemunha P..., 4.º arbitro designado ao jogo e que supostamente teria sido a vítima do isqueiro que foi arremessado, fazendo constar na fundamentação da decisão que

Por seu turno, no seu depoimento o referido 4.° árbitro, P..., afirmou:




Face a tal depoimento, é por demais evidente que nunca o V... poderia ser punido pelo arremesso de um objecto perigoso, sendo aqui tempo de recordar à FPF que o direito penal c processual penal constituem direito subsidiário aplicável aos autos, pelo que, não bastasse a prova direta da inocência do V..., tal como foi feita e se conclui com o depoimento do Sr. P..., também pela aplicação do princípio do acusatório e do princípio in dubeo pro reo, importariam a absolvição do V....

A TERMINAR

Não deixa de ser curioso o facto de a recorrente, apesar de ferozmente se insurgir contra a decisão proferida peio TAD, ter no entanto, acolhido os seus princípios no seu funcionamento.

Recorda-se que os factos narrados nos autos ocorreram na época desportiva 2016/2017.

No entanto, na época desportiva 2017/2018, o Conselho de Disciplina da Federação de Portuguesa de Futebol, em plenário, adotou a jurisprudência seguida pelo TAD, ou seja, um isqueiro não é um objeto idóneo a criar um perigo de vida conforme requisito do artigo 186° do RD. (cfr decisão do Conselho de Disciplina junto a final sob o documento n.° 1)

Não se compreende, assim, esta batalha de Pirro da Recorrente, que, na verdade, já demonstrou, nas suas decisões, que bem sabe assistir razão ao recorrido. (…). »

Neste tribunal, o DMMP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

A Recorrente pronunciou-se nos autos sobre o mesmo, suscitando dúvidas sobre a sua admissibilidade, nos seguintes termos:
«1. Analisado o teor do parecer em apreço, tem a Recorrente fundadas dúvidas quanto à admissibilidade processual deste parecer.
2. A intervenção do Ministério Público em matéria de recursos jurisdicionais encontra-se devidamente prevista e regulada nos termos da lei processual aplicável, em concreto, no artigo 146.° do CTPA.
3. Intervenção essa que não é livre, no sentido de que o MP não decide, discricionariamente, em que casos emite parecer e em que casos não o faz.
4. Pelo contrário, a intervenção do MP deve obedecer a um conjunto de requisitos - de carácter restritivo e não ampliativo - que o legislador entendeu legitimarem (apenas se reunidos esses requisitos) essas mesma intervenção (sobre esta concreta matéria, cf. o acórdão do TCA-Norte de 15 de Novembro de 2007 proferido no âmbito do Proc. n.° 2406/06 e que esclarece o âmbito da pronúncia do MP nos recursos, e Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2010, p. 954 ss.).
5. Tais requisitos estão previstos na parte final do n.° 1 do artigo 146.°.
6. A doutrina acima indicada chama-lhe "intervenção qualificada".
7. Ora, no parecer apresentado pelo MP nos autos, não é minimamente indicado ou sugestionado qual o fundamento constante do CPTA (ou até da CRP, admita-se) que estará subjacente à emissão do mesmo, qual o interesse que o MP se encontra a proteger, quais os valores que estará a amparar com a sua vinda aos autos ou quais os direitos fundamentais que pretende com ela salvaguardar.
8. E essa era uma indicação (por incidental que fosse) indispensável à emissão do parecer ora em análise - só assim se poderia entender como legítima a presente intervenção processual do MP. (…)»

Por despacho de 19.04.2018, foi ordenada a baixa dos autos para que o TAD se pronunciasse sobre as nulidades assacadas ao acórdão recorrido – cfr. fls. 158, ref. SITAF.

Por decisão de 12.05.2021, o TAD pronunciou-se no sentido da sua inverificação.

Devolvido o processo a este tribunal de recurso, importa decidir, em conferência desta secção de contencioso administrativo, embora com dispensa de vistos, mas com prévia divulgação do texto do acórdão pelos Mmos. Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

a) Da inadmissibilidade do parecer do DMMP;

b) Da nulidade do acórdão recorrido por violação de limites funcionais e do princípio da separação de poderes;

c) Do erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida ao não ter aplicado o disposto no art. 186.º do RD2016, ao caso vertente;

d) Da isenção das taxas de arbitragem por parte da FPF ora Recorrente;

II. Fundamentação de facto e de direito

Os factos tidos por relevantes no acórdão recorrido, não impugnados, são os seguintes: «(…)

«(…) 14. No dia 6.12.2016, o Conselho de Disciplina da FPF, em reunião restrita, condenou a recorrente, pela prática da infração p. e p. no artigo 186, n.° 2 do RD2016, na pena de multa do montante de €7.650,00, com base nos seguintes factos:

1.° - No dia 4.12.2016, no Estádio D..., em Guimarães, realizou-se o jogo entre o V...-Futebol SAD e o G...-SAD, a contar para a liga NOS;


«Imagem no original»

(…)»

De Direito

a) Da inadmissibilidade do parecer do DMMP.

Veio a Recorrente suscitar, em sede de pronúncia sobre o mesmo, a inadmissibilidade do parecer do DMMP junto deste tribunal de recurso.

Esta questão improcede, por inteira adesão à doutrina que dimana da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente, a que se extrais do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.11.2017, P. 0960/17, e demais decisões ali citadas e/ou apreciadas, e, bem assim, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.10.2010, P. 00135/05.3BEPNF (1), no qual se sumariou, cristalinamente, o seguinte:

«I. No âmbito do contencioso administrativo incumbe ao Ministério Público defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para esse efeito, os poderes que a lei processual lhe confere;
II. Em sede de recurso jurisdicional, o artigo 141º nº1 do CPTA atribui ao Ministério Público legitimidade para recorrer de decisões dos tribunais administrativos, e centraliza esta legitimidade activa na defesa da legalidade democrática, ou seja, permite-lhe reagir sempre que a respectiva decisão judicial for, em seu entender, violadora de disposições ou princípios constitucionais ou legais;
III. Enquanto o artigo 146º nº1 do CPTA atribui ao Ministério Público legitimidade para emitir parecer sobre o mérito de recurso jurisdicional interposto por terceiros, sempre que, no seu entender, assim o imponha a defesa de algum dos direitos, interesses, valores ou bens, nele referidos;
IV. Esta intervenção do Ministério Público, ao abrigo do artigo 146º nº1 do CPTA, encontra-se, pois, limitada ao pronunciamento sobre o próprio mérito do recurso, e encontra-se condicionada à existência, no caso concreto,
de uma situação em que esse pronunciamento seja justificado pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou dos valores ou bens referidos no nº2 do artigo 9º do CPTA [saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais];
V.
Enquanto a intervenção processual permitida ao Ministério Público ao abrigo do artigo 146º nº1 do CPTA apenas se justifica em situações de ilegalidade qualificada, a interposição de recurso jurisdicional pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 141º nº1 do mesmo diploma basta-se com o intuito de defesa da mera legalidade;
VI. Assim, em princípio, não assistirá legitimidade ao Ministério Público para, ao abrigo do artigo 146º nº1 do CPTA, intervir na defesa da mera legalidade processual, que por si só não constitui direito fundamental ou interesse público especialmente relevante;
VII. Todavia, mesmo neste último caso, haverá que distinguir as situações em que o próprio Ministério Público suscita determinada questão processual daquelas em que apenas se pronuncia sobre o mérito de questão processual arguida pelo recorrente. De facto, na primeira hipótese, o tribunal terá de encarar a questão ex novo, e apreciar, desde logo, se assiste legitimidade a quem a suscitou; na segunda hipótese, o tribunal confronta-se com um pronunciamento, talvez excessivo, mas que não lhe exige qualquer apreciação qua tale, surgindo apenas como um auxiliar da decisão final;
VIII. Importa acrescentar, ainda, que poderá o Ministério Público, no âmbito da sua intervenção ao abrigo do artigo 146º nº1 do CPTA, requerer ao tribunal [ao Relator] determinadas diligências desde que as mesmas sejam instrumentais e necessárias ao seu próprio pronunciamento [caso da solicitação de PA que não está junto aos autos, e caso de convite ao recorrente para apresentar ou esclarecer as suas conclusões de recurso];
IX.
Exercida dentro destes diferentes parâmetros, a intervenção do Ministério Público, desenvolvida quer ao abrigo do artigo 141º nº1 quer do 146º nº1 do CPTA, apresenta-se como o exercício de um poder-dever de matriz constitucional, cujo exercício obedece a um critério de oportunidade de intervenção que a ele, enquanto órgão titular da função de defesa da legalidade cabe fazer actuar; (…)» (sublinhados nossos).

Na presente instância de recurso, que tem como objeto uma decisão com escopo disciplinar, dúvidas não há que se trata de questão cuja pronúncia por parte do DMMP se justifica pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos. Pronúncia essa que se ateve a questões de fundo e que, obedecendo esta a um critério de oportunidade seguido pelo DMMP, nada há a apontar (2).

b) Da nulidade do acórdão recorrido por violação de limites funcionais e do princípio da separação de poderes.

Esta alegação da Recorrente, embora extensa e contundente, padece de um erro de perceção sobre os poderes funcionais das jurisdições quando apreciam atos da Administração.

Na verdade, no âmbito de tais limites funcionais, conhecer da atuação da Administração não só quanto ao momento e motivos porque atua, mas também quanto ao modo como o faz, não é administrar, é julgar.

O acórdão recorrido, ao colocar em causa o julgamento que foi feito pela secção profissional do Conselho de Disciplina da Recorrente, não está a substitui-se a esta.

Está sim, a reapreciar a questão, nos limites da interpretação das normas aplicáveis ao caso em apareço, in casu, o art. 186.º do RD2016, não se vislumbrando qualquer substituição por parte do TAD em sede de valorações próprias da Administração.

Sobre os limites funcionais em causa, muito em particular em matéria disciplinar, «É jurisprudência constante deste STA que o tribunal pode analisar a existência material dos factos imputados ao arguido e determinar se constituem infracção disciplinar, mas já não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo se for invocado, nomeadamente, desvio de poder, erro sobre os pressupostos, “erro grosseiro ou manifesto” ou violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, por tal respeitar à designada “discricionariedade técnica ou administrativa”, ou margem de livre apreciação da Administração (cfr., v,g,, os acórdãos do Pleno de 23.06.1998, proc. 040332, de 21.03.2006, proc. 0412/05 e da Secção de 31.05.2005, proc. 02036/03).(…)» (3).

Pelo que, e sem necessidade de mais amplas considerações, improcede também a suscitada nulidade do acórdão recorrido.

c) Do erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida não ter aplicado o disposto no art. 186.º do RD2016, ao caso vertente.

Sobre esta questão, o discurso fundamentador do acórdão recorrido foi o seguinte:

«(…) cumpre atentar no que foi apurado nos autos quanto ao preenchimento dos elementos do tipo de ilícito imputado ao demandante.

21. Assim, desde logo, cumpre identificar os elementos objetivos do tipo de infração do artigo 186.°, que são os seguintes:

- Arremesso de um objeto;

- Por sócio ou simpatizante do clube;

- Para dentro do terreno de jogo;

- Que o objeto arremessado seja suscetível de provocar lesão de especial gravidade.

Ora, os únicos elementos de prova existentes nos autos suscetíveis de serem considerados pelo tribunal, para prova dos factos típicos do ilícito, são, por um lado, o documento junto e intitulado “Relatório de Jogo” e, por outro, o depoimento da testemunha inquirida em audiência de discussão e julgamento, P... que exerceu as funções de 4.° árbitro no jogo em causa nos autos.

Do “Relatório de Jogo” consta que: — “Aos 47 minutos da segunda parte foi arremessado um isqueiro em direção do 4o árbitro. Este objecto não atingiu o 4º árbitro”.

Por seu turno, no seu depoimento o referido 4.° árbitro, P..., afirmou: — (i) que tinha apanhado um isqueiro do chão e o tinha entregue ao árbitro, (ii) que se tratava de um isqueiro tipo BIC de tamanho pequeno, (iii) que não tinha visto o objeto em causa no ar, (iv) que o tinha apenas avistado no chão fora do retângulo de jogo (entre a linha lateral e as bancadas), (v) que não sabia se o referido objeto tinha sido arremessado, (vi) que, naturalmente, o referido objeto não o atingiu e que (vii) mesmo que o tivesse atingido não lhe teria feito grande mossa atenta a sua dimensão e peso.

Não obstante no RD2016 se estatuir na alínea f) do artigo 13.° a “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercido das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, afigura-se claro não estarmos perante uma prova subtraída à livre apreciação do julgador, desde logo, porque na referida disposição se consagra uma presunção ilidível - enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa o que não pode deixar de significar apenas que, por um lado, o “Relatório de Jogo” constitui base suficiente para a abertura do procedimento disciplinar e, por outro, que o julgador deve ser particularmente exigente na apreciação das provas que se mostrem em contradição com o que consta daquele documento.

Assim sendo, está este tribunal obrigado a avaliar o depoimento testemunhal prestado em audiência e a confrontá-lo com o que consta do documento e a explicar, no caso de contradição entre as duas provas, porque é que se afasta, se for o caso, da prova documental, revestida que está de um valor reforçado.

Ora, no caso vertente, cremos que o facto de estarem em causa factos que, manifestamente, foram vivenciados, exclusivamente, pela testemunha confere ao seu depoimento um inquestionável valor superior ao que foi pelo árbitro registado, de acordo com o que lhe foi comunicado pela testemunha.

E não pode o tribunal deixar de valorizar particularmente o facto de a testemunha ter prestado o seu depoimento de forma absolutamente convincente quanto à veracidade do que afirmou.

Acresce que, o depoimento da testemunha é perfeitamente compatível com o que terá relatado ao árbitro e o que este registou, se tivermos em conta que este assumiu no seu registo uma presunção decorrente do comportamento daquele. Ou seja, tendo o 4.° árbitro entregue ao árbitro um isqueiro que tinha recolhido do chão e não lhe tendo referido ter sido atingido pelo mesmo, o árbitro presumiu que o mesmo tinha sido arremessado (pensamento idêntico, aliás, terá tido o 4.° árbitro) e que não tinha atingido o 4.° árbitro, e foi isso que registou.

Temos, pois, que, por um lado, não se afigura que tenha existido qualquer intenção de faltar à verdade por qualquer dos intervenientes que registaram no “Relatório de Jogo” exatamente a perceção que tiveram do ocorrido, e, por outro, que compaginando o teor do documento com o do depoimento, este assume maior detalhe, ponderação e exatidão quanto aos factos, pelo que se impõe conferir-lhe total credibilidade.

Desta forma, outra conclusão não é possível que não seja a de, de imediato, dar como não provado que tenha existido o arremesso de um objeto. Com efeito, embora o arremesso constitua uma explicação possível para o facto de o isqueiro de encontrar no local onde foi recolhido pelo 4.° árbitro, outras poderão existir, desde logo a de o referido objeto já se encontrar naquele local antes do jogo e não ter sido detetado em momento anterior. A verdade é que o ato de arremessar implica que o objeto seja lançado e percorra um determinado espaço no ar e dos autos não resulta qualquer prova desse facto.

Por outro lado, o facto de que o arremesso teria sido efetuado por “sócio ou simpatizante do clube” também não colhe nos autos qualquer tipo de prova direta. Com efeito, tal facto foi dado como provado, exclusivamente, segundo se alcança, através da presunção de que o objeto seria proveniente da bancada que se situava atrás do 4.° árbitro, por ser esta a mais próxima, sendo esta destinada aos sócios e simpatizantes do clube da casa. Ora, tendo em conta que não existe nenhuma prova de o objeto ter sido arremessado, fica imediatamente em causa a referida presunção, que não pode subsistir.

Acresce que, não só o arremesso (a ter existido) poderia ter sido feito de outra zona do Estádio (embora com menor probabilidade), como a prova da qualidade de “sócio ou simpatizante” é, também ela, feita através da presunção retirada do facto de o agente se encontrar numa determinada bancada do Estádio, o que, com o devido respeito, não encontra na letra das disposições regulamentares apoio para tanto.

Com efeito, o regulamento não pune, e podia ter punido, o arremesso (...) proveniente das bancadas x e y, mas o arremesso (...) feito por sócios ou simpatizantes do clube, pelo que, presumir que possuem a categoria de sócios ou de simpatizantes aqueles que se encontram nas bancadas destinadas aos mesmos, sem qualquer outro apoio é, para efeitos do direito sancionatório, um passo sem a indispensável sustentação.

Com o devido respeito mal se compreende a alegação da demandada no que respeita à valoração do depoimento da testemunha (4.° árbitro), advogando que o depoimento da mesma não pode ser valorizado, porque esta se encontrava de costas e não podia ter visto os factos, sendo apenas de atentar no que foi descrito pelo árbitro, F..., que foi o autor do relatório.

E mal se entende esta alegação pela simples razão de que resulta com toda a evidência do relatório do árbitro (F...), para mais quando compaginado o mesmo com o depoimento da testemunha (4.° árbitro), que o mesmo não viu qualquer dos factos relatados, com exceção da entrega do isqueiro que lhe foi feita pelo 4.° árbitro.

Falece, portanto, o preenchimento de dois imprescindíveis elementos objetivos do tipo de infração, razão suficiente para que não se possa dar por verificada a infração imputada ao recorrente e se tenha que conceder provimento ao seu recurso.

22. No entanto, o tribunal não se eximirá a pronunciar-se sobre o preenchimento dos restantes elementos objetivos do tipo, no intuito, por um lado, de responder concretamente à questão levantada pelo recorrente e, por outro, de contribuir para a formação de uma jurisprudência do tribunal que permita servir de orientação aos órgãos disciplinares e aos agentes desportivos.

Assim, no que concerne a saber se o objeto se encontrava no “terreno de jogo”, afigura-se que, tendo em conta o local onde o 4.° árbitro declarou ter recolhido o mesmo e a definição constante da alínea h) do n.° 1, do artigo 4.° do RD2016: — “«terreno de jogo» a superfície onde se desenrola a competição, incluindo as zonas de proteção definidas de acordo com os regulamentos internacionais do futebol”, o mesmo estaria na zona de proteção e, por isso, ainda no “terreno de jogo”, embora não no “retângulo de jogo”, de acordo com a definição resultante da alínea i) do n.° 1, do artigo 4.° do RD2016: — “ «retângulo de fogo» a parcela do terreno de jogo onde, nos termos das Leis do Jogo, se disputa o jogo de futebol. ”

Finalmente, no que respeita a saber se o objeto em causa era suscetível de provocar lesão de especial gravidade, o tribunal não pode deixar de, em primeiro lugar, afirmar, perante a posição das partes e a tese acolhida na decisão recorrida, o seguinte:

i. Estamos perante uma infração de perigo abstrato, em que a infração se comete com o simples arremesso do objeto, independentemente de qualquer resultado decorrente desse arremesso;

ii. Pelo que, o traço distintivo entre a infração do artigo 186.° e a do artigo 187.° reside na perigosidade intrínseca do objeto arremessado, que constituiu o elemento típico fundamental do artigo 186.°, enquanto que no artigo 187.° o elemento típico relevante reside na realização de danos patrimoniais ou na perturbação ou ameaça de perturbação da ordem e da disciplina;

iii. Na infração do artigo 186.° o elemento preponderante é a perigosidade do objeto, a sua particular aptidão para provocar lesão de especial gravidade, enquanto que no artigo 187.° o elemento valorizado é o resultado de uma determinada conduta;

iv. Assim, para que seja suscetível convocar a aplicação do artigo 186.° do RD, é preciso proceder à caracterização do objeto arremessado, em si próprio, e aferir se o mesmo é suscetível de causar uma lesão de especial gravidade, ou seja, tendo em conta a definição constante da alínea 1) do n.° 1, do artigo 4.° do RD2016, se o objeto arremessado, por si próprio, é apto a ofender a integridade física de determinada pessoa deforma a: i. privá-la de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-la grave e permanentemente; ii. tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação, ou, também de maneira grave, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, temporária ou permanentemente; iii. provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou iv. Provocar-lhe perigo para a vida;

v. Assim, terá, a nosso ver, que tratar-se de um objeto que possua em si mesmo uma periculosidade maior do que a do comum dos demais objetos, não se levando em conta a intenção e condições em que o mesmo é usado ou o modo como o mesmo é arremessado (ao contrário do sustentado pela recorrida), tendo por base o pressuposto (ficcionado) de o mesmo atingir o agente desportivo que se encontra no terreno de jogo.

Ou seja, o raciocínio subjacente, a ratio da norma, não pode deixar de ser a da considerável probabilidade, em função das características do objeto, de que caso o mesmo atinja o agente desportivo que se encontra no terreno de jogo, provocar-lhe lesões com a amplitude das descritas na alínea 1) do n.° 1, do artigo 4.° do RD2016;

vi. São, pois, de rejeitar as considerações feitas na decisão recorrida e na contestação da recorrida, de acordo com as quais qualquer objeto arremessado para o terreno de jogo seria apto a preencher o elemento típico do artigo 186.°, porque não se nos afigura ser essa a intenção do autor do regulamento, porque tal interpretação não colhe sustento na letra do artigo 186.° (violando o principio da tipicidade), porque tal interpretação esvaziaria de sentido o disposto no artigo 187.° ou admitiria situações de concurso real de infrações que a letra do próprio artigo 187.° rejeita;

vii. Em face do exposto, fácil se torna concluir que um isqueiro, para mais com as características descritas pela testemunha P... (que foi quem o encontrou) não é, por si mesmo, um objeto suscetível de causar uma lesão de especial gravidade na aceção da alínea 1) do n.° 1, do artigo 4.° do RD2016.

Pelo exposto, não poderia, em qualquer caso, o recurso deixar de proceder, porque não se encontram preenchidos os elementos objetivos típicos do artigo 186.° e, tão pouco, os do artigo 187.°, dada a inexistência de qualquer prova quanto a qualquer resultado decorrente do alegado arremesso. (…)». (negritos e sublinhados nossos).

Desde já se adianta que o assim decido é para manter na sua totalidade, por revelar uma correta avaliação dos factos e respetiva subsunção jurídica, acrescentando-se apenas o seguinte:

Nos autos foi devidamente ponderado o depoimento da testemunha P..., 4.º árbitro designado ao jogo, enquanto eventual vítima do isqueiro sob escrutínio, fazendo constar na fundamentação da decisão que esta testemunha havia afirmado:

Face a tal depoimento, imperioso se torna concluir, como se concluiu na decisão recorrida, que o Recorrido não poderia ter sido punido pelo arremesso de um objeto, desde logo pela aplicação do princípio in dubeo pro reo, pois não ficou provado, desde logo e para além de qualquer dúvida razoável, que o isqueiro tivesse sido arremessado, o que afasta um dos elementos da previsão da norma constante do invocado art. 186.º do RD2016.

d) Da isenção das taxas de arbitragem.

Finalmente, no que concerne à isenção das taxas de arbitragem e à violação dos art.s. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, que a Recorrente invoca, carece também de razão.

Efetivamente, resultando dos art.s. 76.º, n.º 2 e 77.º, n.º 3, da Lei n.º 74/2013, de 06.09 (Lei do TAD, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16.06) que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contra-interessados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22.09., nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se considera poder verificar-se qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita, o que afasta a violação do art. 13.º da CRP.

Esta situação é também insuscetível de infringir os comandos insertos nos art.s 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da CRP, quando nem sequer foi alegado que este regime é de tal modo gravoso que dificulta, de forma considerável, o acesso da Recorrente aos tribunais, ao invocar apenas que reune as condições legais e subjetivas para beneficiar da isenção de taxa de arbitragem.

Neste sentido, e por todos, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.10.2018, P. 0144/17.0BCLSB, de 20.12.2018, P. 08/18.0BCLSB e de 21.02.2019, P. 33/18.0BCLSB (4).


III. DECISÃO

Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, acórdão os juízes da secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.


Lisboa, 02.06.2021.


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Dora Lucas Neto

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Juízes Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) Ambos disponíveis em www.dgsi.pt

(2) Neste sentido v. também MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, 2017, em anotação ao art. 146.º do CPTA.

(3) Por todos, v. ac. STA de 09.11.2017, P. 0510/14, disponível em www.dgsi.pt

(4) Todos disponíveis em www.dgsi.pt