Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07640/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/13/2011
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:NACIONALIDADE POR NATURALIZAÇÃO – ARTº 6º Nº 4 LN
EFEITOS DO ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO – ARTº 14º LN
Sumário:1. O artº 14º da Lei 37/81 de 03.10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006 de 17.04 (Lei da Nacionalidade, LN) dispõe que “Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”.

2. A aquisição da nacionalidade por naturalização dá-se pela verificação do pressuposto de que o requerente estrangeiro, interessado em que Estado português lhe conceda a qualidade de seu nacional, tenha um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e conserve essa nacionalidade - artº 6º nº 4 LN.

3. No âmbito da naturalização vinculada prevista no artº 6º nº 4 LN e por força do princípio geral adoptado no artº 14º da citada Lei, o estabelecimento da filiação na menoridade para efeitos de relevar em sede de nacionalidade corre em ambas as gerações, na geração do requerente e na geração dos seus pais.

4. O que significa que o facto biológico do nascimento tem de se mostrar inscrito no registo civil durante a menoridade do indivíduo nascido no estrangeiro e filho de estrangeiros que manifesta a vontade de se naturalizar português, tal como no tocante ao seu progenitor, igualmente estrangeiro e filho do ascendente em 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que serve de referência legal no reconhecimento da nacionalidade portuguesa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: A Conservatória dos Registos Centrais, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. O art.° 14° da LN, inserido no Capítulo VI da LN, sob a epígrafe "Disposições Gerais", aplica-se a todas as aquisições de nacionalidade que se fundem em relações de filiação;
2. A douta sentença recorrida, ao não convocar a aplicabilidade daquele princípio ao caso dos autos, sanciona uma clara incongruência, permitindo que o descendente de 2° grau de português tenha direito a esta nacionalidade quando o ascendente de l° grau dele não pode beneficiar. Por isso,
3. Deve a douta sentença ser revogada, e prolatado acórdão que, acolhendo a tese desde sempre sufragada por esta Conservatória, promova a costumada JUSTIÇA

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O Recorrido A...não contra-alegou.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Na sequência de Auto de Declarações datado de 16.05.2008, registado na Secção Consular de Santiago do Chile da Embaixada de Portugal e remetido à ora Demandada por ofício de 1.07.2008, o Autor, luso-descendente de nacionalidade chilena, pediu que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa por naturalização, em virtude de ter um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa, que não perdeu esta condição, nos termos do art. 6°, n° 4, da Lei da Nacionalidade – tudo como constante do doe. de fls. 2-4 do proc. adm. apenso, o que se dá por integralmente reproduzido.
2. O Autor nasceu em Santiago do Chile, aos 27.02.1945 - cfr. doe. de fls. 6 do proc. adm. apenso.
3. É filho de B...e neto de C..., natural do concelho de Viseu, de nacionalidade portuguesa - cfr. docs de fls. 9 e s. do proc. adm. apenso.
4. O pai do ora Autor, D..., nasceu em 6.01.1910 e foi o próprio declarante do nascimento em 4.06.1932 (idem).
5. O Autor foi ouvido em audiência prévia (cfr. doe. fls. 33 do proc. adm. apenso).
6. Do ofício n.° 036998 de 9.03.2009 da Embaixada de Portugal em Santiago do Chile dirigido à ora Demandada, consta que: "a filiação legítima na menoridade dos seus pais ficaria estabelecida através do casamento dos seus avós, o qual ocorreu em Portugal antes do seu nascimento. // No Chile em princípios do sec. XX o registo de nascimento dos filhos era muito difícil devido às distâncias existentes entre capitais de distrito e as pequenas localidades rurais." (cfr. doe. de fls. 34 do do proc. adm. apenso).
7. O referido ofício anexou fotocópias do registo de casamento de seus avós, celebrado em 1905, na Igreja Paroquial de Santa Maria do Barro, Concelho de Resende, devidamente legalizadas - cfr. doe. de fls. 35 e s., o qual se dá por integralmente reproduzido.
8. Dou por integralmente reproduzido o teor da informação dos serviços de 17.03.2009, constante a fls. 37-38 do proc. adm. apenso, e onde se concluiu: "Crê-se, porém não se terem alterado os fundamentos explanados no parecer emitido em 02 de Fevereiro afigurando-se-nos que o pedido do requerente não merece deferimento em face de os documentos apresentados não fazerem prova do estabelecimento da filiação de D..., pai do requerente, relativamente à avó paterna, ascendente de segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa, na respectiva menoridade daquele pois que, pese embora os seus avós paternos fossem casados, entre si, à data do nascimento do filho, o nascimento, ocorrido em 06 de Janeiro de 1910, só veio a ser declarado em 04 de Junho de 1932 pelo próprio registando, já maior, não produzindo efeitos, relativamente à nacionalidade, a filiação estabelecida na maioridade (cf. art. 14.°, L.N.)".
9. Com os fundamentos constantes da informação supra referida por despacho de 20.03.2009 foi indeferido o requerimento descrito em 1.

Nos termos do artº 712º nº 1 a) CPC ex vi artº 140º CPTA adita-se ao probatório o ponto 10, com o teor integral da informação dos serviços de 17.03.2009, constante a fls. 37-38 do proc. adm. Apenso, referida no ponto 8 do probatório:

10. O teor da Informação de 17.03.2009, exarada pela Conservatória dos Registos Centrais referida no ponto 8 é o que de seguida se transcreve:
“(..) Proc º nº 45299/2008
INFORMAÇÃO
(artº 27º nº 11 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/06, de 14 de Dezembro)
I - MATÉRIA DE FACTO:
1. A..., nascido a 27 de Fevereiro de 1945, natural de Santiago do Chile, de nacionalidade chilena, filho de B...e de E..., veio requerer, que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, nos termos previstos no art. 6º nº 4 da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril (LN).
2. Fundamenta o seu pedido no facto de ter um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa, que nunca perdeu esta nacionalidade.
II - DISPOSIÇÕES LEGAIS APLICÁVEIS:
Artigos: 6º nº 4 e 7º da LN; 18º, 22º, 25º, 37º, 44º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RN) e 18º3.2.1 do RERN, aprovado pelo Decreto-Lei nº 322-A/2001 de 14/12; 122º do Código Civil (C.C) e 19º do Código Penal (C.P).
III -PROVA DOS FACTOS:
1. O requerimento, apresentado em 16 de Maio de 2008, reúne todos os elementos necessários (cf. art. 18º nº 4 do RN) como se constata a fls. 2 a 3 do processo, sendo a parte legítima e próprio o procedimento (cf. art. 7º nº 1da LN e art. 18º nºs 1,2 e 3 do RN);
2. O requerente de nacionalidade chilena - fls. 6 - é maior à face da lei portuguesa (art. 122º do Código Civil, 19º nº 1 do RN e 6º nº 1 da LN) e nasceu em Santiago do Chile, como resulta do seu assento de nascimento - fls. 4 a 5;
3. É filho de B...e neto paterno de C..., natural do concelho de Viseu, de nacionalidade portuguesa - fls. 4 a 5, 8, e 10 a 11 do processo;
4. Não tem qualquer condenação criminal, como resulta dos certificados do registo criminal português - fls. 22 – e chileno - fls.15;
5. Conhece suficientemente a língua portuguesa, o que se comprova pela consulta do resultado obtido no teste de diagnóstico previsto no art. 25º nº 2 al. b) do R.N. (fls. 30);
6. Solicitadas as informações necessárias ao SEF e à PJ, nos termos previstos no art. 27º nº 5 do RN, verifica-se nada constar em desabono da pretensão do requerente - fls. 21 e 28.
7. Verifica-se, porém, que a filiação do progenitor (pai), descendente do ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa (avó paterna), não foi estabelecida na menoridade daquele, não produzindo efeitos, relativamente à nacionalidade, a filiação estabelecida na maioridade (cf. art. art. 14º L.N.).
Com efeito, o pai do requerente, D..., nasceu em 06 de Janeiro de 1910 e foi o próprio declarante do nascimento em 04 de Junho de 1932, portanto já na respectiva maioridade.
8. Pelas razões acima invocadas foi-se de opinião que o pedido não merecia acolhimento.
9. Regularmente notificado do teor do parecer emitido por esta Conservatória em 02 de Fevereiro de 2009 (cf. fls. 33 e 34 do processo), nos termos e para os efeitos do disposto no nº 10, do artº 27º do RN, o requerente veio apresentar cópia do casamento de seus avós, ocorrido na Igreja Paroquial de Santa Maria de Barro, em Resende, em 1905, alegando que "(...)a filiação legítima na menoridade dos seus pais ficaria estabelecida através do casamento (...) o qual ocorreu em Portugal antes do seu nascimento".
Crê-se, porém não se terem alterado os fundamentos explanados no parecer emitido em 02 de Fevereiro afigurando-se-nos que o pedido do requerente não merece deferimento em face de os documentos apresentados não fazerem prova do estabelecimento da filiação de D..., pai do requerente, relativamente à avó paterna, ascendente de segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa, na respectiva menoridade daquele pois que, pese embora os seus avós paternos fossem casados, entre si, à data do nascimento do filho, o nascimento, ocorrido em 06 de Janeiro de 1910, só veio a ser declarado em 04 de Junho de 1932 pelo próprio registando, já maior, não produzindo efeitos, relativamente à nacionalidade, a filiação estabelecida na maioridade (cf. art. art. 14º, L.N.).
CONCLUSÃO:
Face ao exposto, nos termos do nº 11 do art. 27º, submete-se o processo a decisão
Lisboa e Conservatória dos Registos Centrais, aos 17 de Março de 2009 (..)”



DO DIREITO


De acordo com o disposto no artº 14º da Lei 37/81 de 03.10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006 de 17.04 (Lei da Nacionalidade, LN), “Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”, ancorando-se a adopção deste princípio “(..) na ideia de que o estabelecimento de uma relação de filiação atesta a existência de laços entre o progenitor e a descendência que permitem supor que esta seja associada àquele conjunto de modos de ver e de sentir que identificam a comunidade nacional do primeiro. (..)” (1)
Em sede de aquisição de nacionalidade por naturalização e dentro das hipóteses de actuação administrativa vinculada em que o estrangeiro goza de um direito à naturalização desde que preencha os respectivos pressupostos legais, o artº 6º nº 4 da nova LN estatui que o Governo concede a naturalização “aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.”
É em torno da conjugação destes dois dispositivos da LN que se desenrola o litígio trazido a recurso, na medida em que a filiação do pai do ora Recorrente com a sua mãe - ou seja, a avó paterna do ora Recorrente -, encontra-se estabelecida legalmente mas quando o pai do ora Recorrente já era maior de idade.
Sustenta a entidade recorrida que não se mostram preenchidos os requisitos de que depende a produção de efeitos da filiação em matéria de nacionalidade, conforme artº 14º da LN, restritos à filiação estabelecida durante a menoridade, abrangendo nesta exigência ambos os graus de parentesco em linha recta referidos no artº 6º nº 4 LN, ou seja, do filho com os pais e destes com os avós.

a) eficácia retroactiva da filiação – artº 1797º nº 2 CC;

No tocante à noção de filiação esta é “(..) essencialmente um vínculo jurídico que une pais e filhos, o qual pode ter uma base biológica, ainda que só presumida [filiação natural], ou resultar de uma decisão judicial [adopção]. (..) o termo filiação foi entre nós exclusivamente reservado para designar as relações entre os filhos e os pais de quem eles descendem, a filiação natural, presumivelmente biológica, baseada na procriação. (..) a filiação não é apenas e só um vínculo de base natural mas também um vínculo jurídico e registado (..)
(..) Vínculo jurídico porque não basta que uma pessoa seja gerada por outra para que nasça uma relação de filiação; é necessário que se dê conhecimento de tal facto na ordem jurídica. A este reconhecimento chama a lei estabelecimento da filiação, ao prescrever no artº 1797º do CC, que sómente na hipótese de a filiação se encontrar legalmente estabelecida se pode atender aos poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco nela fundado, se bem que, uma vez estabelecida, passe a ter eficácia retroactiva.
Vínculo registado, porque ainda não basta que a filiação se encontra legalmente estabelecida, sendo essencial que ela conste do registo civil e isto porque a lei prescreve que:
a) a filiação é um facto obrigatoriamente sujeito a registo [artºs. 1º b) e 2º nº 1 CRC];
b) a prova da filiação só pode, em princípio, fazer-se pela forma estabelecida nas leis do registo civil [artº 1802º do CC];
c) salvo disposição legal em contrário, uma vez que é um facto sujeito a registo obrigatório, não pode ser invocada, quer pelas pessoas a quem respeite, ou seus herdeiros, quer por terceiros, enquanto não for lavrado o respectivo registo [artº 3º do CRC];
d) só pode provar-se, também porque é um facto sujeito a registo obrigatório, pelos meiso previstos no CRC, ou seja, por certidões, boletins, cédula pessoal ou bilhete de identidade [artºs. 261 e ss. do CRC]; (..)”. (2)

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Ao caso dos autos importa ainda saber dos eventuais efeitos do disposto no artº 1797º nº 2 do CC, sobre o regime da nacionalidade, na medida em que aquele normativo do Código Civil introduz um desvio ao princípio enunciado no seu nº 1 segundo o qual “Os poderes e deveres emergentes da filiação .. só são atendíveis se a filiação se encontrar legalmente estabelecida”, disciplina que resulta do princípio geral da eficácia do registo civil expresso, concretamente, dos artºs. 1º b), 2º nº 1 e 3º do CRC.
Diferentemente, o artº 1797º nº 2 do CC diz: “O estabelecimento da filiação tem, todavia, eficácia retroactiva.”, o que significa que uma vez estabelecido os seus efeitos retroagem à data do facto nascimento e, por isso, entende a doutrina que “(..) A retroactividade admitida pelo nº 2 mostra que o legislador aceitou o carácter simplesmente declarativo – e não constitutivo – do estabelecimento da filiação; e que o dado biológico foi aceite sem distorções – a filiação jurídica recua ao tempo em que começa a filiação biológica. (..)” (3)
Tudo conjugado com a circunstância de a personalidade jurídica se adquirir com o nascimento completo e com vida, cfr. artº 66º nº 1 do CC, conclui-se que do ponto de vista jurídico a relação de filiação natural se estabelece mediante a inscrição no registo civil dos factos essenciais relativos ao indivíduo, ou seja, os factos do nascimento completo e com vida, bem como nascido de quem, isto é, quem é o pai e quem é a mãe da pessoa singular nascida, relevando para efeitos de filiação biológica do lado do pai o facto presumido de que o pai é o marido da mãe, no caso de se tratar de filho de mulher casada, vd. artº 1796º nº 2 do CC.

b) inaplicabilidade da eficácia retroactiva da filiação em matéria de nacionalidade – artº 14º LN;

Ora na economia do artº 6º nº 4 LN a aquisição da nacionalidade por naturalização dá-se pela verificação do pressuposto de que o requerente estrangeiro, interessado em que Estado português lhe conceda a qualidade de seu nacional, tenha um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e conserve essa nacionalidade.
O que significa que a lei “(..) dá relevância à nacionalidade portuguesa do ascendente de segunda geração, como que através de uma não atendibilidade da interrupção do ius sanguinis [(93) Verificada pelo facto de nenhum dos progenitores ser de nacionalidade portuguesa, caso em que o interessado poderia recorrer ao mecanismo do artº 1º nº 1 alínea c), mediante simples declaração e de um dos ascendentes de segunda geração possuir esta nacionalidade,] (..)” (4)
O teor do artº 14º LN é claro e específico quanto à determinação do parâmetro temporal em que o estabelecimento do vínculo jurídico que une pais e filhos constitui facto passível de produzir efeitos em matéria de nacionalidade, parâmetro temporal restrito ao período da menoridade do filho.
Atenta esta estipulação “(..) parece que a relevância da filiação em sede de nacionalidade estará ligada à influência educativa que o progenitor regra geral exerce sobre os filhos. Ora, tal influência não a pode ela exercer senão durante o período de formação da personalidade destes, isto é, durante a fase da vida em que o carácter de cada um pode ser moldado pela influência de terceiros. E tal situação desaparece, em via de regra, com o acesso à maioridade. Desta forma, uma filiação estabelecida depois da maioridade não poderia funcionar como elemento presuntivamente revelador da integração sociológica e psicológica do filho na comunidade nacional do progenitor. (..) só desta [a filiação estabelecida na menoridade do interessado] é possível deduzir a existência de uma situação de facto que deva ser tida por atributiva da nacional. O que implica assim que .. o estabelecimento da filiação posterior à maioridade .. deva considerar-se sem efeitos sobre o vínculo da nacionalidade, pois .. não gera o estado de facto que funciona como suporte da constituição do vínculo de nacionalidade (..)” (5)
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Do elenco de factos provados decorre que a avó do ora Recorrente, C..., ascendente de segunda geração, é portuguesa, facto levado ao probatório no ponto 3.
O pai do ora Recorrente, B...é cidadão chileno, nasceu a 06.JAN.1910 em Santiago do Chile e foi ele próprio que se declarou no registo civil em 04.JUN.1932, factos levados ao probatório nos pontos 8 e 10.
Consequentemente, a circunstância de o pai do ora Recorrente ter estabelecido a sua relação de filiação aos 22 anos, quando já era maior de acordo com o direito nacional - nasceu a 06.JAN.1910 em Santiago do Chile e foi ele próprio que se declarou no registo civil em 04.JUN.1932 - significa que o ora Recorrente não pode prevalecer-se da nacionalidade portuguesa da avó (ou do avô, que também é cidadão português) porque a linha de parentesco em linha recta ascendente na geração do seu pai foi estabelecida em 04.06.1932 quando o seu pai já era maior de idade.
Portanto, embora do ponto de vista cível o artº 1797º nº 2 CC estatua a retroacção dos efeitos à data do nascimento em 06.01.1910, o artº 14º da LN normativo de carácter geral e, por isso, aplicável ao regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade do interessado, v.g. da aquisição da nacionalidade por naturalização, exclui essa retroacção de efeitos da filiação quando estabelecida seja na maioridade do interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa seja na maioridade dos seus pais, nenhum deles de nacionalidade portuguesa, na hipótese estabelecida pelo artº 6º nº 4 LN em que o sujeito é admitido a prevalecer-se do facto de um dos ascendentes de segunda geração possuir a nacionalidade portuguesa.

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No âmbito da naturalização vinculada prevista no artº 6º nº 4 LN e por força do princípio geral adoptado no artº 14º, o estabelecimento da filiação na menoridade para efeitos de relevar em sede de nacionalidade corre em ambas as gerações, na geração do requerente e na geração dos seus pais; o que significa que o facto biológico do nascimento tem de se mostrar inscrito no registo civil durante a menoridade do indivíduo nascido no estrangeiro e filho de estrangeiros que manifesta a vontade de se naturalizar português, tal como no tocante ao seu progenitor, igualmente estrangeiro e filho do ascendente em 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que serve de referência legal no reconhecimento da nacionalidade portuguesa.
Como diz a doutrina. “(..) o nº 4 do artº 6º impõe a concessão da naturalização solicitada, com dispensa do requisito da residência legal em Portugal aos indivíduos nascidos no estrangeiro que possuam, ao menos, um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que não tenha perdido essa nacionalidade. Trata-se afinal de um relevo do ius sanguinis, que se produz, a exemplo do que ocorre noutros ordenamentos, no segundo grau da linha recta e não no primeiro, e que se não manifesta em sede de nacionalidade originária mas de naturalização (nacionalidade derivada). (..)” (6)
Frustra-se, pois, a inserção na comunidade portuguesa de pessoas que, embora explicitem uma vontade nesse sentido e tenham um ascendente em 2º grau de parentesco em linha recta (avós maternos ou paternos) de nacionalidade portuguesa, não tenham a filiação estabelecida na menoridade em ambas as gerações convocadas por reporte aos graus de parentesco a que alude o artº 6º nº 4 LN, a saber, a geração do interessado e a geração dos seus pais.
No plano geral e abstracto da norma, o legislador terá querido dar relevo ao princípio da unidade familiar conjugado com a interiorização da valência quer jurídica quer afectiva no seio da família, evidenciada pelo critério do registo civil do vínculo de consanguinidade em linha recta entre pais e filhos enquanto estes são menores, optando assim na redacção dada ao artº 14º LN por excluir os indivíduos cujos registos de nascimento fossem lavrados já na maioridade do registando afastando deste modo o princípio da retroactividade do estabelecimento a filiação à data do facto biológico do nascimento, consagrado no artº 1797º nº 2 CC, independentemente das razões tardias desse estabelecimento da filiação, pois que não se legislou no sentido de onerar o interessado com a prova do justo impedimento.
De quanto vem dito se conclui pela procedência do recurso, cabendo revogar a sentença proferida, mantendo-se válido e eficaz o despacho impugnado de 20.03.2009.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, na procedência do recurso, revogar a sentença proferida mantendo-se válido e eficaz o despacho impugnado datado de 20.03.2009.

Custas pelo Recorrido em 1ª Instância.

Lisboa, 13.OUT.2011,


(Cristina dos Santos)


(António Vasconcelos)


(Paulo Gouveia)




1- Rui Moura Ramos, O novo direito português da nacionalidade in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Boletim da FDUC, Coimbra/1986, pág.640.
2- Brandão Ferreira Pinto, Filiação natural, Almedina/1983, págs. 29, 30, 43, 44 e 45.
3- Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da filiação, Almedina/1979, págs. 9 e 10.
4- Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006 de 17 de Abril, RLJ nº 3943, ano 136º, Março-Abril 2007, pág.210.
5- Rui Moura Ramos, O novo direito português da nacionalidade in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Boletim da FDUC, Coimbra/1986, pág.641.
6- Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006 de 17 de Abril, RLJ nº 3943, ano 136º, Março-Abril 2007, pág.232.