Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1175/10.6 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:NOTIFICAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I - Não sendo cumprido o formalismo previsto no art.º 39.º, n.º 4, CPPT, a notificação é inválida e irregular se não se demonstrar, por qualquer outro meio, que a carta chegou, efetivamente, ao seu destinatário.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrente ou AT) veio recorrer da sentença proferida a 30.03.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada procedente a ação administrativa especial apresentada por M. C... & F… Lda (doravante Recorrida ou A.), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico, apresentado na sequência de indeferimento da reclamação graciosa, por intempestividade.

Nas alegações apresentadas, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“A. A Entidade ora Recorrente apresenta recurso jurisdicional da douta sentença proferida em 30/03/2020, que julgou «(…) a presente acção procedente, anulo o ato impugnado consubstanciado no despacho datado de 24.03.2010, proferido pela Diretora de Serviços do IRC, com as consequências legais.»

B. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que a Decisão a quo incorreu em erro de julgamento de facto por errada apreciação e fixação da matéria de facto e em erro de direito, por ter feito errada interpretação e aplicação do n.º3 e 4 do artigo 39.º do CPPT).

C. Razão pela qual, deve a Sentença a quo ser revogada e substituída por outra que julgue, a acção improcedente.

D. A questão a decidir nos presentes autos prende-se com o indeferimento do Recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa por intempestividade, atendendo a que a Autora havia sido devidamente notificada da liquidação de IRC referente ao ano de 2005 em 31/05/2007.

E. A Autora, em síntese, contrapôs que “nunca foi notificada de qualquer liquidação efectuada ou nota de cobrança, relativa ao IRC de 2005”, dada a “irregularidade da notificação [a que se alude em B) a D) do probatório] face ao disposto no artº 39º nº 3 e 4, nomeadamente quanto à omissão da exigência estabelecida no nº 4”.

F. A douta sentença recorrida entendeu em suma, que:

«No caso dos autos, resulta do teor do aviso de receção a que se alude em D) do probatório, não conter o mesmo o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial do(a) autor(a) da assinatura nele aposta, sendo a identificação deste (a), ademais, ilegível.

Acresce que, a entidade demandada não logrou demonstrar, conforme era seu ónus, que a Autora, apesar da omissão de tal formalidade, tomou conhecimento do teor da decisão em causa na mesma data da assinatura do aviso de receção.

Assim, na esteira da jurisprudência acima convocada, cuja fundamentação se acolhe, impõe-se a conclusão de que a notificação da liquidação a que se alude em A) do probatório é irregular e inválida, conforme defendido pela Autora.

Ao assim não ter considerado, a decisão posta em causa não pode manter-se, o que se decide.»

G. As razões da discordância da Entidade ora Recorrente relativamente à douta decisão prendem-se com o facto de efectivamente estar provado nos autos que a notificação da liquidação de 2005 preencheu todos os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais, e que foi a Autora que não ilidiu a presunção que lhe cabia, pelo que não ocorreu a inversão do ónus da prova.

H. É importante realçar que, o procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT e no artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.

I. Ora, tal como se comprova da matéria de facto provada de a) a d), a Entidade Recorrente, cumpriu todos os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais referentes à notificação da liquidação de IRC de 2005, e nos termos do n.º 3 do artigo 39º do CPPT, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

J. A Entidade Recorrente entende, que deverá ser aditado outro ponto que se encontra sustentado no documento n.º1 junto com a PI e que permite aferir da correcção da notificação e que demonstra que a Autora não ilidiu a presunção constante no n.º3 do artigo 39º do CPPT.

K. De acordo com o documento junto sob o n.º 1 e identificado na PI no articulado 3, a Autora admite que recebeu uma citação postal em 09/12/2008, citação essa, referente ao processo de execução fiscal n.º 1457200801035770.

L. Forçoso então é, concluir, que essa citação efectuada em 2008 foi enviada por via postal para a morada da sede da empresa, que é exactamente a mesma morada para onde foi enviada a notificação da liquidação identificada na alínea A), B) e C) dos factos provados.

M. Ora, a Entidade ora Recorrente considera que a Sentença a quo errou, ao não considerar este facto como provado, pelo que, deve ser aditado um facto à matéria de facto provada, no qual fique consignado que: «Em 09/12/2008 a Autora foi citada por via postal da instauração processo de execução fiscal n.º 1457200801035770, para a morada fiscal da sede da Autora que é a mesma, na Rua … – C… - 2…-… C.. conforme doc. n.º1 que a A. juntou com a PI;»

N. Este facto, mostra que não são verosímeis os argumentos apresentados pela Autora, quer na Reclamação Graciosa, quer em sede de Recurso Hierárquico, nem nos pontos 22 e 36 da PI, quando afirmou que não era possível ter sido recebida a notificação da liquidação nas instalações da empresa porque estavam devolutas e não tinha funcionários desde 1999 e não existia ninguém no local, por em 2008 a Recorrida ter sido citada na mesma morada.

O. É que, se na morada da empresa não estivesse ninguém capaz de receber a notificação, o distribuidor de serviço postal teria devolvido a carta, com a menção “encerrado” ou “não atendeu”, e a carta seria devolvida ao serviço de Finanças de Porto de Mós. O que se sabe, não aconteceu.

P. Com o aditamento deste facto, fica comprovado que, a notificação identificada nos factos provados nas alíneas A) a D) foi entregue na morada da sede da sociedade, tendo o aviso de recepção sido assinado por pessoa, a quem o distribuidor de serviço postal considerou idónea para confiar a correspondência e que aceitou a correspondência, operando assim, a presunção do n.º3 do artigo 39º do CPPT.

Q. Por tudo o supra exposto, se reafirma que a douta Sentença recorrida errou ao não considerar fixados os factos indicados no ponto cujo aditamento à matéria de facto se peticiona, Assim como também errou na interpretação e aplicação do n.º3 do artigo 39º aos factos provados, levaria à confirmação da presunção da notificação da aqui Recorrida.

R. A Douta sentença a quo, salvo o devido respeito, também incorreu em erro de julgamento, na interpretação e aplicação do n.º4 do artigo 39º do CPPT, dando procedência aos argumentos da Autora aqui Recorrida, que afirmou, que a Ré “não logrou demonstrar, conforme era seu ónus, que a Autora, apesar da omissão de tal formalidade, tomou conhecimento do teor da decisão em causa na mesma data da assinatura do aviso de receção”.

S. É um facto que, o aviso de recepção relativo à notificação de IRC enviada em 2007, foi assinado e a carta foi entregue/recebida na morada da sede da empresa, contudo, o facto de não conter a anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial de quem assinou o aviso e recepcionou a notificação, não pode ser impeditivo de fazer operar a presunção da notificação.

T. Ficou sobejamente demonstrado nos factos provados e do ponto cujo aditamento à matéria de facto já requereu que, a carta chegou à morada do destinatário, e que assim se presume que o destinatário foi notificado de acordo com o n.º3 do artigo 39º do CPPT.

U. Acresce, salvo o devido respeito, que a ora Recorrente, não pode aceitar que da interpretação do n.º 4 do referido artigo, se conclua que aquela formalidade seja determinante da validade ou da perfeição da notificação, quando existe prova de que a notificação foi efectivamente entregue com a assinatura do aviso de recepção e essa formalidade da anotação do número do registo postal dessa notificação não depende em nada da actuação da AT.

V. Apesar deste n.º 4 do artigo 39º, ser uma formalidade procedimental, a Entidade ora Recorrente não pode concordar que tenha sido entendido que, a AT não comprovou que a notificação atingiu o fim que se pretendia alcançar, pois a notificação foi efectivamente entregue e o aviso de recepção assinado por quem a recebeu.

W. Pelo que, se defende que a Sentença a quo errou na interpretação e aplicação do n.º 4 do artigo referido, ao fazer depender a presunção da notificação, da anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

X. Ao não ter decidido conforme a fundamentação que se expôs, incorreu em erro na fixação dos factos provados e em erro na interpretação dos factos, assim como também errou na interpretação e aplicação dos nºs 3 e 4 do artigo 39º do CPPT, devendo ser aditado o facto que de indicou em M) e a sentença recorrida ser revogada com as legais consequências.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença, com as legais consequências”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público neste TCAS foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a notificação da liquidação ter sido feita de acordo com as exigências legalmente prescritas?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Autora liquidação de IRC do ano de 2005, no valor de 16.600,87 euros – conforme documento a folhas 9 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

B) Em 15.05.2007 foi expedida sob o registo postal n.º RY392008519PT, a demonstração da liquidação a que se alude em A) – conforme documento a folhas 10 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C) A demonstração da liquidação a que se alude em B) foi dirigida para a sede da Autora – conforme documentos a folhas 10 e 11 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

D) O aviso de receção da demonstração da liquidação a que se alude em B) foi assinado em 31.05.2007 – conforme documentos a folhas 10 e 11 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

E) Em 08.01.2009 foi remetida ao Serviço de Finanças de Porto de Mós, “reclamação graciosa” em nome da Autora contra a liquidação a que se alude em A) – conforme documentos a folhas 3 a 8 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

F) A “reclamação graciosa” a que se alude em E) correu termos sob o processo n.º 157200904000021, do Serviço de Finanças de Porto de Mós – conforme documento a folhas 2 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

G) Em 09.02.2009 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em F), “informação/decisão final”, da qual consta conforme segue:

«(…)

(…)» - conforme documento a folhas 21 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

H) Sobre a informação a que se alude em G) foi exarado despacho do Diretor de Finanças de Leiria, datado de 09.02.2009, do qual consta conforme segue: «Concordo, indefiro» - conforme documento a folhas 21 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

I) A Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, remeteu ao mandatário da Autora ofício datado de 09.02.2009, do qual consta conforme segue:

«(…)

(…)» - conforme documentos a folhas 22 a 24 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

J) O ofício a que se alude em I) foi recebido 10.02.2009 – conforme documentos a folhas 22 a 24 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

K) Em 12.03.2009 foi remetido à Direção de Finanças de Leiria “Recurso Hierárquico” em nome da Autora, contra o despacho a que se alude em H) – conforme documento a folhas 2 a 4 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

L) Em 20.07.2009 foi prestada, no âmbito do recurso a que se alude em K), informação da Divisão de Administração II, da Direção de Serviços do IRC, da qual consta conforme segue:

«(…)





(…)» - conforme documento a folhas 12 a 16 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

M) Sobre a informação a que se alude em L) foi exarado despacho da Diretora de Serviços, datado de 22.12.2009, do qual consta conforme segue: «Concordo. Notifique-se para o exercício do direito de audição» - conforme documento a folhas 12 a 16 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

N) Em 22.02.2010 foi prestada, no âmbito do recurso a que se alude em K), informação da Divisão de Administração II, da Direção de Serviços do IRC, da qual consta conforme segue:

«(…)









(…)» - conforme documento a folhas 18 a 20 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

O) Sobre a informação a que se alude em N) foi exarado despacho da Diretora de Serviços do IRC, datado de 24.03.2010, do qual consta conforme segue: «Converto em definitiva a decisão de indeferimento, com os fundamentos invocados» - conforme documento a folhas 18 a 20 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

P) A Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, remeteu ao mandatário da Autora ofício datado de 09.04.2010, do qual consta conforme segue: «(…)

(…)» - conforme documentos a folhas 21 a 23 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

Q) O ofício a que se alude em P) foi recebido em 14.04.2010 – conforme documentos a folhas 21 a 23 do P.A.2, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

R) A petição inicial da ação administrativa especial foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por e-mail, em 14.07.2010 – conforme documentos a folhas 1 a 18 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem outros factos que revelem interesse para a boa decisão da causa, que houvessem de ser provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos acima identificados, os quais não foram impugnados, constantes dos autos, bem como, do processo administrativo junto aos mesmos”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.).

Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto D), transcrito em II.A:

D) Do aviso de receção da demonstração da liquidação a que se alude em B), consta, no campo para preenchimento no destino, assinatura de caligrafia impeditiva de percecionar o seu autor e a data 31.05.2007, estando em branco o campo relativo ao preenchimento do documento de identificação do assinante – cfr. documentos a folhas 10 e 11 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que, em seu entender, deveria ser dado como provado o seguinte facto:

Em 09/12/2008 a Autora foi citada por via postal da instauração processo de execução fiscal n.º 1457200801035770, para a morada fiscal da sede da Autora que é a mesma, na Rua … – C… - 2…-… C… conforme doc. n.º1 que a A. juntou com a PI”.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (2-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (3-V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada..

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

O facto em causa não é controvertido, como resulta da petição inicial.

Assim, defere-se o requerido, ainda que com diferente formulação, sendo de aditar o seguinte facto:

S. Foi remetido, via correio postal, ofício, com vista à citação da Autora no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1457200801035770, dirigido à A. e à Rua … – C…- 2…-… C…, que foi recebido a 09.12.2008 (cfr. posição da A. na petição inicial – cfr. art.º 3.º - e documento n.º 1 junto com aquele articulado).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto está demonstrado que a notificação da liquidação foi feita de acordo com as exigências legalmente exigíveis.

A questão controvertida prende-se com aferir se a notificação da liquidação mencionada em A) foi efetuada nos termos legalmente prescritos, por forma a poder considerar-se ou não notificada a Recorrida, para efeitos de contagem do prazo de reclamação graciosa.

Vejamos, então.

In casu, estamos perante liquidação oficiosa, cuja notificação foi expedida via correio postal registado com aviso de receção e dirigida à sede da A. O mencionado aviso de receção foi assinado a 31.05.2007, não constando do mesmo a identificação da pessoa que o assinou e sendo a assinatura impercetível.

Nos termos do art.º 39.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT (redação à época):

“3 - Havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial”.

Assim, como resulta deste regime, para que haja a segurança de que a notificação foi recebida pelo seu destinatário ou por terceiro, é fundamental que seja a pessoa em causa cabalmente identificada e, nessa sequência, seja anotado o respetivo número de documento de identificação.

Ora, in casu, não é aferível a quem pertence a assinatura aposta no aviso de receção, quer em virtude de a mesma não ser percetível, quer por força de nada constar do mesmo no que respeita à indicação do respetivo documento de identificação.

Em situações como a descrita, não se pode considerar perfeita a notificação efetuada, por não ser aferível um dos elementos essenciais deste regime: o de haver a segurança de que a notificação foi entregue ao destinatário ou a terceiro capaz de proceder à sua entrega.

Cabe à AT a prova de que a notificação foi efetuada nos termos legalmente prescritos, tenho resultado justamente provado que tal não ocorreu. Carece de relevância o alegado quanto ao facto de a irregularidade ter sido cometida pelos serviços postais, porquanto, aquando da devolução do aviso de receção, a AT deve sempre aferir se todas as exigências legalmente prescritas foram cumpridas.

Ademais, a AT não alegou (e, logo, não provou) que, não obstante a irregularidade em causa, a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade da Recorrida em momento anterior ao da citação (momento referido pela A., na sua petição inicial, na sequência do qual terá tido conhecimento da liquidação), o que se revela impeditivo de se considerar estarmos perante uma mera irregularidade.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.04.2016 (Processo: 01476/15), onde se referiu:

“[N]ão sendo cumprido o formalismo previsto no nº 4 do art. 39º do CPPT, a notificação é inválida e irregular se não se demonstrar por qualquer outro meio que a carta chegou, efectivamente, ao seu destinatário; e caso a ele tenha chegado, degradando-se tal formalidade em formalidade não essencial, é a partir dessa data que deve contar-se o prazo para sindicar a respectiva decisão e não a partir da data da assinatura do A/R por terceiro” [v. igualmente, v.g., os Acórdãos deste TCAS de 16.09.2021 (Processo: 683/07.0BELRS) e de 14.10.2021 (Processo: 112/09.5BELRS)].

A única informação que consta nos autos é a de que a A. foi citada a 09.12.2008, data que refere que foi o momento em que teve conhecimento da existência da liquidação, o que não foi contraditado pela AT, motivo pelo qual a reclamação graciosa apresentada a 08.01.2009 é tempestiva (cfr. art.º 70.º do CPPT).

Carece, pois, de relevância apreciar o alegado quanto à morada para a qual foi remetida a citação, porquanto a decisão sustentou-se no facto de a notificação padecer de irregularidade e não no facto de a sede da Recorrida estar ou não funcional.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Jorge Cortês)

(Patrícia Manuel Pires)