Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2790/10.3BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/28/2021 |
Relator: | MÁRIO REBELO |
Descritores: | DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO; APROVEITAMENTO DO ATO. |
Sumário: | 1. O dever de fundamentação tem um alcance eminentemente prático – trata-se de saber se, com a informação prestada, um bonus pater familiae ficou em condições de conhecer o iter cognoscitivo seguido pela AT. 2. A questão é muito simples e resulta da resposta que se der à seguinte pergunta: com os elementos fornecidos pela AT o contribuinte pode efetuar uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa? 3. Não se justifica a anulação de um ato afetado por vício de forma se este, designadamente, não afetou o procedimento administrativo e a sua decisão não lesou os interessados. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: Autoridade Tributária RECORRIDO:L…………., S.A. OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TT de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por L………….., S.A., contra o acto de liquidação adicional de IRC, n.º………… , e respectivos juros de mora, relativo ao exercício de 2007, no montante total de Euros 303.937,85, alegando, para tanto e em síntese, a falta de fundamentação da liquidação, e o vício de violação de lei por a AT ter procedido à liquidação de juros de mora, ao invés de juros compensatórios.
A recorrida contra-alegou e concluiu: 1. Constitui jurisprudência deste TCA que a circunstância de a Recorrente não pôr em causa a factualidade considerada na decisão recorrida, não invocar factos que aí não tenham sido contemplados, nem tão pouco fazer qualquer juízo de censura sobre questões probatórias, mas apenas suscitar questões suscetíveis de serem resolvidas mediante simples operação de interpretação e aplicação de normas, determina a exclusiva competência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso - vd., por todos, o Acórdão de 15 de maio de 2014, recurso n° 06999/13. 2. Ainda que porventura assim não se entendesse, sem prescindir, o certo é que toda a fundamentação está omissa quer no ato de correção, quer no ato de liquidação, quer até mesmo na resposta ao pedido de fundamentação que a ora impugnante se viu na necessidade de dirigir à administração tributária nos termos do art° 37° do CPPT. 3. Não constitui qualquer fundamentação legalmente exigida a mera reprodução de quadros ou tabelas de registos informáticos da administração tributária, sem qualquer elucidação ou descrição, ainda que sucinta, sobre o seu significado e a sua relevância para o ato de correção ou de liquidação. 4. Em face do discurso alegadamente fundamentador integralmente reproduzido sob os pontos 5 e 7 do probatório, não se vê como pudesse um contribuinte médio com uma capacidade normal de entendimento descortinar as razões de facto e de direito que determinaram a correção oficiosa e a liquidação consequente. 5. É francamente impossível apreender ou decifrar qualquer alcance ou sentido útil nos registos informáticos da AT reproduzidos sob os pontos 5 e 7 do probatório da douta sentença ora recorrida - os quais a Fazenda Pública, ora Recorrente, não impugnou, e que esgotam toda a sua fundamentação - que se nos afiguram, s.m.o., verdadeiramente ininteligíveis. 6. Se o próprio Tribunal Tributário não consegue inferir os pressupostos de facto e direito que determinaram o sentido decisório do ato, não se pode por maioria de razão, pretender exigir do contribuinte, ora Recorrido, que os consiga deslindar. 7. Tal como a douta sentença recorrida concluiu, "com a fundamentação proposta pela A T não é possível conhecer o seu percurso cognoscitivo, pois não se entende quais as razões que motivaram a desconsideração do montante dos prejuízos fiscais e conduziram à correção efectuada, pois os "prints ” são manifestamente insuficientes. ” 8. O tribunal não pode decidir pela improcedência da impugnação por considerar o acto impugnado legal sob uma perspectiva nunca anteriormente alegada, analisada ou discutida, sob pena de assim se assumir como órgão de administração activa dos impostos (Acórdão TC AS de 16 de Outubro de 2014, recurso n.° 07807/14). 9. O tribunal não pode manter, com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária, actos que de outro modo deveriam ser anulados (cfr. Acórdão STA de 01 de Junho de 2011, recurso n.° 058/11). 10. É peculiar que a Fazenda Pública se apresente a recurso brandindo que o ato estava fundamentado à data em que foi praticado, quando das suas alegações de recurso transbordam múltiplos argumentos novos esgrimidos apenas em apoio do ato que se acham completamente omissos na sua fundamentação contextual e coeva. 11. É peculiar que a Fazenda Pública enuncie que o ato estava fundamentado à data em que foi praticado, quando dos elementos que o tentaram fundamentar - dois “prints" do sistema informático da AT que em nada esclarecem um destinatário médio colocado no lugar da Recorrida - nem a própria FP consegue, nem mesmo nas suas alegações deste recurso, retirar um efetivo significado e relevância para o ato de correção ou de liquidação. 12. A sentença ora recorrida não sofre assim da pecha que lhe foi atribuída pela IRFP, sendo ostensiva a falta de verificação do fundamento por esta invocado - erro de aplicação do disposto no art.° 77° da LGT -, pelo que se deverá manter na ordem jurídica. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado inteiramente improcedente e mantida a douta sentença ora recorrida, como é de justiça!»
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Exmo. Procuradora-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer no sentido do não provimento do recurso.
II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação com fundamento em falta de fundamentação da liquidação.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
«imagem no original» 6. Em 24 de Agosto de 2010 a Impugnante requereu à AT a fundamentação da correcção e da liquidação consequente;7. Através do ofício n.° 15 503, de 03.09.2010 a AT respondeu da seguinte forma: «imagens no original» 8. A AT liquidou ainda juros moratórios no valor de € 64.616,71 contados sobre o valor de IRC adicional à taxa de 1% ao mês desde Julho de 2008 até Agosto de 2010: «imagem no original» 9. Em resultado da correcção efectuada foi emitida a liquidação ora impugnada. * Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa.* A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, e por acordo.IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. A Impugnante deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de relativa ao IRC de 2007 com fundamento em falta de fundamentação da liquidação e erro na liquidação de juros que deveriam assumir natureza compensatória e não moratória. O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou, por remissão, para a informação constante dos autos a fls. 60 a 74 do PA. Proferida sentença, o MMº juiz julgou procedente a impugnação com fundamento na falta de fundamentação da liquidação. O ERFP não se conforma e defende que: 1º A liquidação encontra-se fundamentada na medida em que o acto incide estritamente sobre as diferenças entre a auto liquidação de IRC de 2007 submetida pela Impugnante e a liquidação adicional emitida pela AT [Conclusões A a E]; 2º A notificação de 10/7/2010 [correspondente ao facto provado n.º 5] indica as normas em que se baseia a correção e esclarece as razões pelas quais se efetua: assenta no facto de os prejuízos fiscais reportados pela Impugnante não se encontrarem em conformidade com os prejuízos fiscais dedutíveis constantes da base de dados da AT, nos termos do ofício de 10/7/2010 [Conclusões F a G]; 3º Assim, a fundamentação é expressa, clara, suficiente e congruente [Conclusões F a P] 4º Mas ainda que se entenda estar o acto indevidamente fundamentado, o objetivo pretendido pelo n.º 2 do art. 77º da LGT encontra-se atingido, pelo que o alegado vício se degrada em mera irregularidade, deixando e constituir fundamento para anulação do ato [Conclusões R a T]; 5º A dúvida que se coloca prende-se com a quantificação dos prejuízos fiscais, não existindo dúvidas que a divergência de valores de prejuízos fiscais dedutíveis constitui a razão da liquidação. Mas este cálculo é uma questão de quantificação do rendimento, constituindo uma questão de legalidade material do acto tributário. Todavia, esta questão não é objecto de impugnação e é externa à questão da suficiência da fundamentação [Conclusões U a Y]; 6º Existe dificuldade/impossibilidade de fundamentar a correção dos prejuízos fiscais apurados pela Impugnante desde 1989 até 2006 porque cada uma destes resultados fiscais foi fundamentado pela impugnante nas suas auto liquidações, ou pela AT nas liquidações oficiosas que efetuou à Impugnante. E cada destes atos constitui uma fundamentação parcial da liquidação adicional de IRC de 2007 que ele teve a possibilidade de questionar a fundamentação ou a sua legalidade. A co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária influencia o “quantum” da fundamentação necessária que se impõe à Administração. A decisão tributária não nasce do zero, não é totalmente nova no ordenamento jurídico-tributário, não sendo exigível à T a fundamentação “quilométrica” [Conclusões Z a II]. Sintetizadas as questões- e argumentos- que o Recorrente mobiliza contra a sentença recorrida, passemos, então, à sua apreciação. Desde logo, sem querer repetir a vasta doutrina e jurisprudência sobre o dever de fundamentação formal (é desta que falamos, por oposição à fundamentação substancial[1]), faremos apenas breves alusões ao conteúdo deste direito/dever (com assento constitucional- art.º 268º- e legal art. 77º LGT e 125º CPA), como referência e contextualização para raciocínio posterior. - É um direito com consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (artigo 268º), o que impõe a atribuição de um sentido que lhe dê a possibilidade de recurso à impugnação contenciosa com a máxima eficácia[2]. - Visa esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que a legitime. Fundamentar é “dizer” as premissas de facto e de direito nas quais a decisão se fundamenta. - O seu cumprimento visa várias objetivos: a ponderação «interna» (reflexão do órgão decisor), função garantística (facultar ao cidadão o conhecimento do «iter» seguido pela AT na emissão do ato) por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa, bem como o controlo da legalidade aferindo o seu acerto jurídico pelos órgãos de “recurso”. - O dever de fundamentar não obedece a modelo único, antes deve refletir o tipo de ato praticado e a matéria envolvida. - Ainda que efetuada de modo sumário, ou por remissão, a fundamentação não pode deixar de ser clara, suficiente e congruente. - O ato só estará fundamentado quando o destinatário ficar em condições de conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, segundo padrão de um destinatário normal - o bonus pater familiae. - É possível o aproveitamento do ato se se constatar, com segurança, atentas as específicas circunstâncias concretas do caso, que não ocorreu uma lesão dos direitos dos interessados. Exposto sumariamente o quadro legal e doutrinário do conteúdo do dever de fundamentação, avancemos para o caso concreto. Recordemos que o Impugnante apresentou a declaração de rendimentos relativa a 2007 apurando um lucro tributável de € 5.983.188,14 ao qual deduziu prejuízos fiscais no montante de € 2.357.074,81 determinando assim uma matéria coletável para aquele exercício de € 3.626.133,33. Porém, os prejuízos dedutíveis constantes da base de dados da AT eram inferiores, e por isso efetuou a correção. Como o dever de fundamentação tem um alcance eminentemente prático – trata-se de saber se com a informação prestada um bonus pater familiae está em condições de conhecer o iter cognoscitivo seguido pela AT. A questão é muito simples e resulta da resposta que se der à seguinte pergunta: com os elementos fornecidos pela AT e que constam dos factos provados n.º 5 e 7º poderemos afirmar que se facultou ao contribuinte fundamentação suficiente para lhe permitir uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa? Perguntando de outra maneira, será que um bonus pater familae ficaria ciente das razões pelas quais os prejuízos fiscais declarados não foram aceites pela AT podendo formular um juízo de concordância, ou discordância, atacando o ato colocando em crise os seus fundamentos? Questionando ainda de outra maneira, será que com a fundamentação conhecida o tribunal ficou em condições de sindicar a legalidade da decisão? A resposta em qualquer das formulações é negativa. Desde logo, não pode o contribuinte adivinhar quais os prejuízos fiscais que a AT aceita e quais não aceita porque só na posse desses elementos está em condições de poder acatar ou não a correção, ou mesmo aceitar uns e discordar/impugnar outros. A notificação menciona que o valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 47º do Código do IRC, evidenciado por V. Exa na declaração modelo 22 do exercício de 2007, não se encontra de acordo com os elementos constantes da base de dados da administração fiscal e vai ser objecto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo” . Dir-se-á que o Contribuinte ficou a saber que a correção resulta do facto de na base de dados da AT os prejuízos fiscais serem de montante inferior ao declarado pelo Impugnante. Isso está certo, ninguém discute. Mas dizendo isso, não se faculta ao contribuinte a possibilidade de uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa, total ou parcial. Ou seja, a fundamentação é claramente insuficiente. E mesmo com a junção dos “prints” referidos nos factos provados n.º 7 a fundamentação devida ao contribuinte não melhorou, pois como bem salientou o MMº juiz "a quo" os prints em causa “em nada esclarecem um destinatário médio colocado no lugar da Impugnante”. O Recorrente entende que o cálculo dos prejuízos fiscais é uma questão de quantificação do rendimento para efeitos da alínea a) do art. 99º do CPPT constituindo uma questão de validade substancial da fundamentação, de legalidade material do acto tributário (Conclusão V). É certo que o Impugnante não questiona a quantificação. Situa-se a montante, invocando a falta de fundamentação formal, que é prévia a qualquer impugnação substancial da questão. Como é bom de ver, se o contribuinte não dispõe dos elementos que levaram a AT a enveredar por uma determinada correção, a tarefa de a impugnar está impossibilitada, ou, pelo menos, dificultada. Acresce que se o Contribuinte impugnasse a liquidação na sua vertente substancial então poderia haver razões para crer que teria compreendido o alcance da fundamentação, tornando-a “suficiente” [3]. Só que não foi essa a opção do Impugnante e parece-nos que com objetiva razão. Noutra perspetiva, entende o Recorrente que acto indevidamente fundamentado se degrada em mera irregularidade, deixando de constituir fundamento para a sua anulação, pelo que o ato deveria ser mantido na ordem jurídica. Em tese geral tem razão. O princípio do aproveitamento do ato administrativo, que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, previsto o no artigo 163.º/5 do novo CPA «consiste na desculpabilização dos vícios de que o ato padece pela Administração ou pelos tribunais», persistindo o ato impugnado não obstante o vício que o inquina, gerando efeitos jurídicos válidos[4]. E de facto decorre do princípio de aproveitamento dos actos administrativos, que a anulação de um acto viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado. Tem-se entendido que a aplicação deste princípio de aproveitamento do acto envolve a violação das prescrições relativas ao procedimento e à forma, mas não de um vício de violação de lei (vício em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objecto e ao conteúdo – cf. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, (Direito Administrativo Geral, edição D. Quixote, Tomo III, pag. 158), Como ensinam aqueles autores (Ob. citada, Tomo III, pag. 49), «por vezes, a ordem jurídica comina, prima facie, a invalidade (nulidade ou anulabilidade) para um acto jurídico da administração que padece de determinado vício, mas permite que, reunidas determinadas circunstâncias, o acto em causa passe a ser considerado como simplesmente irregular. Este fenómeno é exclusivo dos vícios formais. Situações típicas são as de degradação da forma legal e de degradação de formalidades essenciais em não essenciais, quando as finalidades que a prescrição da forma ou das formalidades exigidas para um determinado acto foram plenamente atingidos por outro meio, torna-se inútil o cumprimento daqueles requisitos formais. Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem acolhido a aplicação eventual deste princípio nos casos de actos administrativos feridos por vício de forma e de procedimento (preterição de formalidades essenciais, mas não por vício de violação de lei). Sublinhando que a inoperacionalidade dos vícios se reporta «a irregularidades procedimentais (v.g. falta de audiência) que dada sua natureza instrumental se degradam perante o resultado final, ou vícios que se desvalorizam totalmente perante a natureza vinculada de actos praticados conforme à lei (apesar das irregularidades cometidas), ou porque subsistem fundamentos exactos bastantes para suportar a validade do acto» – cfr. Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2010, recurso 855/09, e por todos o acórdão do Supremo Tribunal de 18-11-2009, proferido no processo 0434/09, onde é feita uma sistematização dos casos admitidos pela jurisprudência e uma referência às posições doutrinárias no direito comparado[5]. Assim, por força dos princípios do aproveitamento do ato e da inoperância dos vícios, a constatação de que um ato administrativo enferma de um vício nem sempre justifica que ele seja anulado. Designadamente não se justifica a anulação, quando a existência de um vício de forma não afetou, no caso concreto, o procedimento administrativo e a sua decisão não lesou os interessados[6]. No caso concreto estamos longe de poder concluir que a falta de fundamentação não lesou o direito dos interessados, designadamente no direito a conhecer os fundamentos do ato e formular um juízo de aceitação ou impugnação do ato. Assim, não pode aqui operar o princípio reclamado pelo Recorrente. Defende ainda a dificuldade/impossibilidade de fundamentar a correção dos prejuízos fiscais apurados pela Impugnante desde 1989 até 2006 porque cada uma destes resultados fiscais foi fundamentado pela impugnante nas suas auto liquidações, ou pela AT nas liquidações oficiosas que efetuou à Impugnante. E cada destes atos constitui uma fundamentação parcial da liquidação adicional de IRC de 2007 que ele teve a possibilidade de questionar a fundamentação ou a sua legalidade. A co- responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária influencia o quantum da fundamentação necessária que se impõe à Administração, dado que a decisão tributária não nasce do zero, não é totalmente nova no ordenamento jurídico-tributário, não sendo exigível à T a fundamentação “quilométrica” [Conclusões Z a II]. Estas considerações não têm pertinência no caso concreto dos autos em que a AT se demitiu de fundamentar minimamente um acto de liquidação impedindo o contribuinte de conhecer o iter cognoscitivo e por essa via, impedir o acesso à justiça. Não vemos como pode o contribuinte ser responsável, ou co-responsável, pelo incumprimento de um dever a cargo da AT. E não é fundamentação “quilométrica” que se pretende, muito menos o que a lei exige. Apenas que seja clara, suficiente e congruente. Assim, improcedendo todas as conclusões, a sentença deverá ser confirmada por não ter incorrido em nenhuma das ilegalidades que o Recorrente lhe imputa. V DECISÃO. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda subsecção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente Lisboa, 28 de janeiro de 2021.
(Mário Rebelo) [Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]
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