Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:50/21.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
RECURSO DE REVISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I-Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1, do mesmo diploma.

II-O erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma.

III-Se o Tribunal Arbitral se reconstitui para apreciar um pedido de revisão com fundamento em oposição da decisão arbitral revidenda já transitada com jurisprudência do TJUE, mas decide que o pedido não apresenta fundamento válido de revisão, tal consubstancia eventual erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, donde radicada no mérito e, portanto, cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição.

Votação:Com voto vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Impugnante), deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º, e 28.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAT”), dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo 196/2020-T, que indeferiu o Requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

A Impugnante termina as exposições da impugnação formulando as seguintes conclusões:

“A. A decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado pela agora Impugnante é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis.

B. E, nessa medida, é impugnável, nos termos do disposto na primeira parte da alínea c) do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida.

C. Está jurisprudencialmente assente que a questão da incompetência dos tribunais arbitrais integra-se no conceito de “pronúncia indevida”, enquanto fundamento para a dedução de Impugnação de Decisão Arbitral, a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do TCAS, proferido em 03/12/2020 no âmbito P. 123/19.2BCLSB, e 177/2016 do TC, proferido em 29/03/2016.

D. Pelo que o conceito de “pronúncia indevida” previsto no artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT, abrange os casos em que, por via da impugnação, se pretende a sindicância de questões referentes à competência do tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD.

E. As questões referentes à competência tanto podem dizer respeito aos casos em que o tribunal arbitral não podia sequer decidir, por vício na sua constituição; conheceu de questões que não podia conhecer; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu a sua competência; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu o prazo para as conhecer; ou, como interessa para os presentes autos e para esta impugnação, os casos em que o tribunal arbitral entende que a decisão do TJUE não vincula o Estado Português.

F. A decisão ora em crise, de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão.

G. A decisão ora colocada em crise consubstancia uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete, com o culminar de uma decisão de natureza exclusivamente processual pela qual o Tribunal Arbitral se coloca, ilegalmente, à margem do sistema jurídico, enveredando, para tanto, numa “pronúncia indevida”.

H. Consubstanciando a sua posição no facto de, alegadamente, as decisões proferidas em sede de reenvio prejudicial não vincularem o Estado Português.

I. Porém, e salvo o devido respeito, os argumentos ali esgrimidos não podem proceder.

J. O primeiro, e como se deixou bem expresso na presente Impugnação, não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, o “(…) TJUE é uma instância internacional vinculativa para o Estado português”, pois ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

K. É, precisamente, neste sentido que deve ser interpretado o conceito de “instância internacional de recurso”, e não na dimensão redutora empregue pelo Tribunal Arbitral.

L. Também não colhe o argumento segundo o qual o acórdão do STA, invocado pela Impugnante, não é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

M. Em primeiro lugar porque o Tribunal Arbitral não logrou fundamentar as motivações que subjazem a tal conclusão.

N. Seja como for, certo é que, estando em causa a interpretação de normas comunitárias (como é o caso do IVA), obviamente que nem a espécie processual, nem o autor da ação poderiam (e poderão), por si só, constituir fatores determinantes para o acesso, ou não, ao instituto do Recurso de Revisão.

O. Não se vislumbra uma razão objetiva e válida que justifique uma diferença de tratamento recursório entre uma ação por incumprimento e um Reenvio Prejudicial para efeitos do acionamento do artigo 696.º-f) do CPC.

P. Antes pelo contrário, a doutrina produzida sobre esta matéria não tem dúvidas quanto à aplicação do artigo 696.º-f) do CPC, independentemente de a decisão do TJUE ser o culminar de uma ação por incumprimento ou de um Reenvio Prejudicial.

Q. Também a jurisprudência está alinhada com a posição doutrinal, conforme decidido pelo TCA Norte, em 03/12/2020, no âmbito do P. 00036/11.6BEPNF-A.

R. Entre o TJUE e os tribunais nacionais existe uma relação de cooperação horizontal, o que, como se viu, não invalida que o TJUE seja instância internacional vinculativa para o Estado Português, designadamente nas situações de Reenvio Prejudicial, ou seja, quando perante um órgão jurisdicional nacional foi suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia, como, aliás, já se pronunciou o TC no Acórdão n.º 422/2020, de 15/07/2020.

S. Assim, é evidente que as decisões prejudiciais são vinculativas para o órgão jurisdicional de reenvio, para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia e, consequentemente, para o Estado Português.

T. O que se traduz na circunstância de os tribunais nacionais, incluindo os constituídos sob a égide do CAAD, ficarem vinculados à interpretação decidida pelo TJUE, não só nos respetivos reenvios prejudiciais, mas também nas situações em que estão reunidos os pressupostos de que depende o recurso extraordinário de Revisão, como in casu, pois o que aqui está em causa não é mais do que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia e a garantia do primado do direito europeu.

U. Razão pela qual se entende que o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

V. Acresce ainda referir que a interpretação que o Tribunal Arbitral faz do artigo 696.º-f) do CPC é inconstitucional por violação dos artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 e da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

W. A forma como o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou a citada norma é, desde logo, atentatória do dever de observância do Direito Europeu (artigo 8.º/4 da CRP) e, nessa medida, inconstitucional (artigo 204.º da CRP), uma vez que, tal como tem sido reiteradamente referido pela jurisprudência nacional e é corolário do Reenvio Prejudicial (previsto no artigo 267.º do TFUE), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.

X. E colocou em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia, a par da garantia do primado do Direito Europeu.

Y. A interpretação e aplicação efetuadas pelo Tribunal Arbitral viola os princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva, pois negou à Impugnante o exercício de meios de reação legais expressamente consignados na lei e cujos pressupostos estão reunidos.

Z. E dessa forma está a colocar-se à margem de normas de Direito Europeu e à jurisdição comunitária, pese embora saiba que o nosso sistema jurídico, e o Estado Português, estão obrigados a acolhê-las, olvidando, por completo, o papel que cabe a todos os órgãos jurisdicionais de zelarem e aplicarem o Direito da União Europeia, de que o IVA é clássico exemplo.

AA. Aqui chegados e, tendo em conta que as decisões prejudiciais são vinculativas para o órgão jurisdicional de reenvio, para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia, e, consequentemente para o Estado Português, e, bem assim, que as decisões prejudiciais têm efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico.

BB. Uma interpretação conjugada dos artigos 696.º-f) do Código de Processo Civil, 293.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 29.º/1-e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que resulte na não admissão de recurso de revisão, com base no entendimento de que o Tribunal de Justiça da União Europeia é uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, viola os artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é contrária ao Primado do Direito da União e ao Princípio da tutela jurisdicional efetiva, sendo assim inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.

CC. Por todo o exposto conclui-se que a decisão que rejeitou o Recurso de Revisão é nula, devendo ser substituída por decisão que admita o Recurso e analise os fundamentos ali aduzidos.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


***

A Entidade Impugnada, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, concluindo como segue:

“A. A 12 de novembro de 2020 foi proferida sentença pelo Tribunal Arbitral Tributário, a qual transitou em julgado a 21 de dezembro de 2020.

B. No entanto, a aqui Recorrente veio interpor recurso de revisão da decisão arbitral, a 7 de abril de 2021, com fundamento numa decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, nos termos do artigo 696.º, alínea f) do CPC e artigo 293.º CPPT.

C. Ou seja, a aqui Recorrente veio fundamentar o seu recurso de revisão na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a 4 de março de 2021, no processo de reenvio prejudicial C-581/19,

D. Acontece que, o Tribunal Arbitral Tributário, por despacho proferido a 23 de abril de 2021, não admitiu o respetivo recurso, por falta de fundamento legal, nos termos dos artigos 293.º do CPPT e 696.º, alínea f) do CPC.

E. Uma vez que, a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia vincula apenas o Tribunal Arbitral Tributário que colocou as questões e os tribunais que possam vir a julgar a causa em sede de recurso,

F. Impondo-se apenas aos órgãos jurisdicionais nacionais e não ao Estado, conforme decorre do fundamento invocado pela aqui Recorrente, com base na alínea f) do artigo 696.º CPC.

G. No entanto, a aqui Recorrente, notificada da decisão que indeferiu o seu requerimento de recurso de revisão e não se conformando com a mesma, veio impugná-la, nos termos do artigo 144.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos ex vi do artigo 27.º, n.º 2 do RJAT.

H. Com vista à reconstituição do Tribunal Arbitral e subsequente revogação da decisão arbitral inicialmente proferida, atendendo à sua não conciliação com o acórdão proferido pelo TJUE de 4 de março de 2021 sobre a mesma matéria.

I. Porém, o Tribunal Arbitral Tributário esteve bem ao indeferir o requerimento de Recurso de Revisão da aqui Recorrente, por ausência de fundamento legal, designadamente, pelo não verificação da situação excecional prevista na alínea f), do artigo 696.º do CPC.

J. Não padecendo a decisão do tribunal arbitral de qualquer vício inquinatório de nulidade por pronúncia indevida, nos termos da alínea c) do n.º1 do artigo 28.º do RJAT, conforme alegado pela aqui Recorrente.

K. Senão vejamos, ao indeferir o requerimento de Recurso de Revisão, por falta de fundamento legal, designadamente, pelo não preenchimento da única situação, potencialmente, aplicável ao caso concreto, como seja a alínea f) do artigo 696.º do CPC,

L. O Tribunal Arbitral Tributário não se imiscui da sua competência, conhecendo da questão que podia conhecer e sem exceder a sua competência.

M. Pelo que, em momento algum, na sua decisão, o Tribunal Arbitral se declara incompetente para conhecer da questão.

N. Pronunciando-se sobre o pedido, concluindo pela não verificação do fundamento invocado pela Recorrente para revisão da sentença transitada em julgado, nos termos da alínea f) do artigo 696.º do CPC.

O. Neste sentido, não existe, ao contrário do aqui alegado pela Recorrente, pronúncia indevida por parte da decisão arbitral impugnada, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.

P. Pelo que, consequentemente, não deverá a presente impugnação da decisão arbitral ser julgada procedente por falta de fundamento legal, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

Q. Contudo, ainda que a presente impugnação da decisão arbitral seja considerada procedente, sem conceder, sempre se dirá, que a aqui Recorrida acompanha o entendimento do douto Tribunal Arbitral quanto à inadmissibilidade do recurso de revisão, por falta de fundamento legal.

R. Na medida em que, o recurso de revisão, com fundamento na alínea f) do artigo 696.º do CPC, conforme invocado pela aqui Recorrente, só é admissível quando seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português,

S. E, a este propósito, cumpre-nos referir três pontos que não permitem a verificação do fundamento invocado: “Instância internacional de recurso”; “Vinculativa para o Estado português” e “inconciliável com a decisão definitiva”;

T. Relativamente ao primeiro, o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia invocado não é proferido por uma “instância internacional de recurso”.

U. O reenvio prejudicial é um mecanismo de cooperação, que visa fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros um meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniforme do Direito da União.

V. Este mecanismo não é um recurso para uma instância europeia!

W. O reenvio prejudicial é uma pergunta dirigida ao Tribunal de Justiça da União Europeia, relativa à aplicação do Direito da União que antecede a decisão final no processo nacional.

X. Aliás, não existe qualquer recurso que possa ser interposto para o Tribunal de Justiça da União Europeia de decisões judiciais portuguesas,

Y. Pelo que, não pode ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa como é o caso.

Z. Assim como, as decisões emitidas pelo TJUE no âmbito dos pedidos de reenvio prejudicial não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por tribunais nacionais e não se destinam a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea.

AA. Relativamente ao segundo ponto, a aqui Recorrida, à semelhança do despacho proferido pelo douto Tribunal Arbitral Tributário, entende, desde logo, que as decisões do Tribunal de Justiça da União europeia, no âmbito do procedimento de reenvio prejudicial, vinculam o Tribunal Arbitrário que colocou as questões e os Tribunais que possam vir a julgar a causa em sede de recurso.

BB. Impondo-se apenas aos órgãos jurisdicionais nacionais e não ao Estado, conforme invocado pela aqui Recorrente.

CC. O fundamento previsto na alínea f) do artigo 696.º do CPC refere-se aos casos de condenação do Estado Português nos tribunais internacionais, especificamente no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e nos tribunais da União Europeia, quando o ato praticado pelo Estado e que constitui a causa de pedir da ação instaurada perante a instância internacional, esteja a coberto de uma decisão judicial.

DD. Relativamente ao terceiro ponto, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de julho de 2017, “O caráter inconciliável do conteúdo que tem de assumir a decisão proferida pela instância internacional (...) com a decisão nacional revidenda verifica-se quando esta última se opuser, em virtude de desconformidade, por ação ou omissão, a algo firmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional, e que deixe sem tutela o direito ou situação jurídica regulada por aquela decisão jurisdicional internacional.”

EE. Mais, a revisão do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, só se revela indispensável quando se verifica que a decisão interna que “suscitou o recurso” é, quanto ao mérito, contrária aos princípios que emanam da instância internacional e cuja gravidade seja manifesta.

FF. O recurso de revisão é um recurso de aplicação extraordinária que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio da justiça leva a que este prevaleça sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.

GG. Neste sentido, exige-se a formulação de um juízo prévio não só em sentido formal, mas também tendencialmente substantivo, na medida em que, deverá indagar-se sobre a manifesta ou não inviabilidade, isto é, de se reconhecer de imediato que não há motivo para a revisão,

HH. Atendendo que não estamos perante duas decisões inconciliáveis!

II. Aliás, bem pelo contrário, na medida em que, a decisão da TJUE vem confirmar que as prestações de serviços nas áreas de nutrição, do fitness e do bem-estar físico, como no caso em análise, são prestações distintas e independentes umas das outras na aceção da Diretiva relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

JJ. À semelhança da conclusão alcançada pelo Tribunal Arbitral Tributário na sua sentença de 12 de novembro de 2020 e transitada a 21 de dezembro de 2020 e que a aqui Recorrente agora pretende ver revista.

KK. Acrescentando, contudo, um questão não suscitada pelo Tribunal Arbitral, referente à finalidade terapêutica do serviço de acompanhamento nutricional prestado como condição para a aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º1, alínea c) da diretiva IVA.

LL. No entanto, atendendo a toda a jurisprudência do próprio TJUE produzida até à data, à doutrina sobre a matéria, à jurisprudência dos nossos tribunais e às posições assumidas pela própria Recorrente a título vínculo,

MM. Esta questão suscitada não se mostra inconciliável com a decisão nacional transitada em julgado,

NN. Uma vez que, conforme jurisprudência do TJUE “as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” (Acórdãos L.u.P.,C-106/05, de 08-08-2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20-01-2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20-11-2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11-11-2001) e as consultas dietéticas podem beneficiar daquela isenção como reconheceu a própria Recorrente na sua Informação Vinculativa n.º 9215.

OO. Desta forma, não estamos perante decisões inconciliáveis que permitam fundamentar a respetiva revisão e, consequente, revogação da decisão arbitral inicialmente proferida pelo Tribunal Arbitral.

PP. Por fim, importa referir que os fundamentos previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º1 do CPPT e 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT, são taxativos (não havendo lugar a uma interpretação extensiva) e apresentam-se como excecionais, na medida em que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral, não podendo ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas,

QQ. Designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam em face da legislação nacional e da União Europeia proferidas por “instâncias de recurso” e “vinculativas para o Estado Português”.

RR. Face ao supra exposto, resulta que a interpretação do Tribunal Arbitral sobre a alínea f) do artigo 696.º do CPC é conforme o princípio da legalidade, obedecendo à interpretação sistemática do texto constitucional e demais legislação aplicável como seja o Direito da União.

SS. Sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com o equilíbrio necessário entre o valor da certeza jurídica inerente ao caso julgado e a justiça material.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas, deve a impugnação da decisão arbitral ser julgada improcedente, por falta de fundamento legal, e, consequentemente, mantida a respetiva decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


***


O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

***


Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

***


II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral impugnada possui o seguinte teor:

“A 7 de Abril de 2021 veio a AT, ou Recorrente, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAT”), do artigo 293.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e dos artigos 696.º e ss. do Código de Processo Civil (“CPC”), interpor RECURSO DE REVISÃO contra a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral, transitada em julgado em 21.12.2020 que julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela ora Recorrida, com fundamento no disposto na alínea f) do artigo 696.º do CPC.

Sobre a admissibilidade do recurso de revisão de sentença dispõe artigo 293.º do CPPT o seguinte:

1 -A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.(Redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)

2 - (Revogado.) (Redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)

3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.

4 – Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses. (Redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)

5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda. (Lei n.º 3-B/2000 de 4 de abril).

Por sua vez o artigo 696.º do CPC, sob a epígrafe “Fundamentos do Recurso” determina o seguinte:

A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:

i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;

ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;

iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.

h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.

Exposto o enquadramento legal aplicável à admissibilidade do recurso de revisão importa verificar se, no caso concreto, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revisão de sentença. Assim vejamos:

Atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT e a jurisprudência constante já produzida sobre a questão, é aplicável ao processo arbitral subsidiariamente o disposto no artigo 293.º do CPPT.

À luz do disposto na referida base legal, este Tribunal é competente para apreciar o presente recurso.

A admissibilidade do recurso de revisão depende, também, nos termos do n.º 1 do artigo 293.º do CPPT do trânsito em julgado da Decisão recorrida. Ora, conforme resulta dos autos, a Decisão recorrida foi proferida a 12.11.2020, tendo transitado em julgado em 21.12.2020.

De acordo com o n.º 3 do artigo 293.º do CPPT, O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.

De acordo com a Recorrente, o fundamento do Recurso de revisão assenta em decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português proferida a 4.03.2021, notificada na mesma data.

Tendo o recurso sido interposto em 7.04.2021, o recurso de revisão é tempestivo.

Por fim, o recurso de revisão interposto tem como fundamento o disposto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, segundo o qual a Decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando seja inconciliável com Decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado português.

Entende-se que uma decisão é inconciliável com decisão definitiva de uma instância jurisdicional internacional quando o teor material da decisão jurisdicional interna seja desconforme, por acção ou omissão, com uma decisão jurisdicional de uma instituição jurisdicional internacional, em concreto.

Para além disso, a admissão do Recurso depende dessa decisão inconciliável ser vinculativa para o Estado Português.

No caso em apreço, a Recorrente fundamenta o Recurso de Revisão interposto, na Decisão proferida pelo TJUE, no processo prejudicial C-581/19.

A decisão proferida pelo TJUE, no processo prejudicial C-581/19, constitui uma decisão proferida no âmbito do processo reenvio prejudicial, efectuado pelo Tribunal Arbitral Tributário, por Decisão de 22 de Julho de 2019.

O pedido de reenvio prejudicial constitui uma faculdade atribuída aos Tribunais nacionais com base no artigo 267.º do TJUE, que determina o seguinte:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”

O TJUE ao decidir a questão ou as questões colocadas determina por Acórdão a vinculação do tribunal que suscitou a questão e dos restantes tribunais que julgam a causa em sede de recurso às conclusões do acórdão prejudicial, quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais (assim foi estabelecido no Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C – 29/68 quanto a questão prejudicial de interpretação).

Como resulta da variada Jurisprudência Europeia, por razões de uniformidade, o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial (por exemplo, Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C – 29/68).

Mais se tem entendido que, nos acórdãos interpretativos, a regra é a produção de efeitos ex tunc, ou retroactividade dos efeitos do acórdão interpretativo. Todavia, o TJ – e apenas este – tem a faculdade, em todos os casos, de limitar os efeitos do acórdão prejudicial, de interpretação ou de apreciação de validade, no tempo.

Assim, resulta, claro do processo de reenvio prejudicial que a decisão sobre o pedido de decisão prejudicial apresentado, no âmbito do processo C-581/19, vincula o Tribunal Arbitral Tributário que colocou as questões e os Tribunais que possam vir a julgar a causa em sede de recurso.

Por isso, resulta da própria decisão do TJUE, proferida no proc. C-581/19, em sede de reenvio prejudicial, que aquela procede à interpretação da mesma base legal interpretada em decisão interna, “sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio”, impondo-se aos órgãos jurisdicionais nacionais.

Está, assim perfeitamente estabelecido na Lei e na Jurisprudência que os efeitos materiais de uma decisão de reenvio prejudicial vinculam os Tribunais.

Uma vez que a Recorrente fundamenta o seu pedido de revisão extraordinária na alínea f) do artigo 696.º do CPC, que determina que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, verifica-se que, sendo a decisão em discussão apenas vinculativa para os Tribunais e não para o Estado, o fundamento invocado é inaplicável, no caso concreto em análise.

Na verdade, no âmbito do direito comunitário, só existe fundamento para a interposição de recurso extraordinário com base na alínea f) do artigo 696.º do CPC, relativamente às decisões que resultem de acções por incumprimento contra o Estado, que constituem o único meio contencioso comunitário expressamente destinado à apreciação do incumprimento dos Estados membros.

Destinando-se o recurso extraordinário de revisão a obter uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado, a sua admissibilidade está absolutamente limitada às situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam susceptíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem.

“Assim, estamos face a um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um “remédio” de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado.” – Cfr. Acórdão STJ, Proc. 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, de 13.12.2017.

Em face do exposto, o Recurso não pode ser admitido, por falta de fundamento, nos termos legais.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo 196/2020-T, que indeferiu o Requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela ATA.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão recorrida padece de nulidade por Pronúncia Indevida.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece da arguida nulidade.

A Recorrente defende que a decisão de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão, consubstanciando, assim, uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete.

Mais aduz que, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder, na medida em que não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, que o TJUE ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

Existindo, outrossim, errada valoração no atinente ao acórdão do STA, invocado pela Impugnante, porquanto contrariamente ao evidenciado é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

Sublinhando, para o efeito, que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia, donde o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão impugnada na medida em que o Tribunal arbitral ao indeferir o requerimento de Recurso de Revisão, por falta de fundamento legal, designadamente, pelo não preenchimento da única situação, potencialmente, aplicável ao caso concreto, como seja a alínea f) do artigo 696.º do CPC, não se imiscui da sua competência, conhecendo da questão que podia conhecer e sem exceder a sua competência.

Vejamos, então.

Preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas d), e e), do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.

Dir-se-á, portanto, que o vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.(1)

Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Neste particular, importa relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º e bem assim do normativo 125.º do CPPT. O legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o tribunal arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências: (2)

Visto o direito, importa transpor o mesmo para o caso vertente, relevando, desde já, que a pretensão da Impugnante se reconduz a erro de julgamento, porquanto no seu entendimento a questão foi, erradamente, julgada padecendo de errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Aliás, se atentarmos no teor das suas alegações verifica-se que é a própria que acaba por concluir no sentido do erro de julgamento, razão pela qual, identifica, particulariza e aparta os fundamentos externados pelo Tribunal Arbitral Coletivo, convocando Doutrina e Jurisprudência que reputa aplicáveis em ordem à demonstração do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.
Porém, como é consabido, o erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra. (3)

Dir-se-á, portanto, que o Tribunal Arbitral se considerou competente para apreciar o Recurso de Revisão, mas, no entanto, -independentemente da bondade da decisão que não cumpre, ora, apreciar, porquanto cerceada-, indeferiu-o. Com efeito, pronunciou-se sobre o requerido, contudo entendeu que não se verificavam os respetivos pressupostos legais atinentes ao efeito.

Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada por este Tribunal, no Acórdão proferido no âmbito do processo 79/21.1BCLSB, datado de 27 de outubro de 2021,-transitado em julgado e no mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos proferidos por este Tribunal no âmbito dos processos nºs 45/21, datado de 20.12.2022, 46/21 e 47/21, ambos datados de 19.01.2023-e 83/21, de 04 de maio de 2023, a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, com similitude inclusive no teor das respetivas alegações, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Aresto, a cuja fundamentação se adere:

“Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,
«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos [uniformização de jurisprudência], isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
(…) os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
(…)
Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.
A questão dos autos afigura-se-nos simples face aos poderes de cognição do TCAS delimitados anteriormente e que constituem jurisprudência assente deste Tribunal.
Alega a impugnante que a decisão arbitral revidenda, transitada em julgado em 04/10/2020, decidiu a mesma questão de direito em oposição ao Ac. do TJUE proferido em 04/03/2021 (rectificado em 23/03/2021) e que corresponde ao entendimento por si preconizado na resposta que apresentara ao pedido de pronúncia arbitral.

Com esse fundamento, dirigiu ao CAAD um pedido de reconstituição do Tribunal Arbitral Singular com vista à admissão e provimento do Recurso de Revisão à luz do disposto no art.º 696.º, al. f) do CPC, a fim de se operar a revogação da decisão arbitral inicialmente proferida e o proferimento de nova decisão conciliável com o citado ac. do TJUE.
Como também alega a Impugnante e documentam os autos, reconstituído o Tribunal Arbitral Singular, veio o mesmo por decisão proferida em 24/06/2021 e notificada em 28/06/2021, indeferir o requerimento de Recurso de Revisão por considerar “… ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso”.
Pretende a impugnante – e a tanto se reconduz o fundamento da presente impugnação – que a decisão arbitral proferida se mostra contrária à Constituição e à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.
Sucede que, se o Tribunal Arbitral foi reconstituído e decidiu, o mérito dessa pronúncia não pode ser sindicado por este TCAS por via de impugnação, ainda que com apelo a razões de ordem constitucional.
Este Tribunal não pode sindicar se o Tribunal Arbitral decidiu bem ou mal o pedido de revisão, pois tal equivaleria a sindicar erros de julgamento (“error in judicando”) da decisão de revisão, que mesmo pretensamente grosseiros, escapam aos poderes de cognição que a lei lhe confere, como acima deixamos explicado.
A impugnação não pode proceder com o fundamento invocado.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, aderindo ao entendimento supra expendido, se a Impugnante, sob a invocação de nulidade por pronúncia indevida, argui um erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, tal questão já radica no mérito, donde cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição, e nessa medida a presente impugnação terá de improceder.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, e manter a decisão impugnada.
Condena-se a Impugnante em custas.
Registe. Notifique.


Lisboa, 13 de julho de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Luísa Soares)


Declaração de Voto de Vencido:
"Vencido nos termos do voto de vencido, elaborado no âmbito do processo nº 45/21.7. BCLSB, e para o qual se remete".
(Jorge Cortês)














1) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013.
2) Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº 09286/16, de 28 de abril de 2016.
3 ) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.