Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:35/14.6BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:05/28/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:COMPENSAÇÃO POR CADUCIDADE DE CONTRATO;
EXECUÇÃO DE CONTRATO;
RELAÇÕES CONTRATUAIS E DE RESPONSABILIDADE;
ESTADO;
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA;
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL
Sumário:I - Nas acções que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, em que seja parte o Estado Português, a demanda deve fazer-se contra o Estado, que é quem tem personalidade judiciária para figurar como R;
II - A falta de personalidade judiciária é uma excepção dilatória insuprível, que importa a absolvição da instância do correspondente R.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

N....................... inconformado com a decisão, proferida em 22/09/2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que absolveu o Réu da instância por falta de personalidade judiciária, rejeitando o pedido de intervenção principal provocada passiva do Estado Português (EP), no âmbito da acção administrativa comum (AAC) intentada contra o Agrupamento de Escolas de Mêda, em representação do Ministério da Educação e Ciência (MEC), vem interpor recurso da mesma.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”I- O recorrente não se conforma com a absolvição da instância, sem antes ter sido convidado para proceder à modificação subjetiva da instância.
II - O Meritíssimo Juiz a quo deveria ter lançado mão dos instrumentos processuais consignados no art. 590°, nº 2, al. a), e artº 6°, nº 2 do C.P.C., notificando o Autor, aqui Recorrente, para suprir as irregularidades do processo, depois dos articulados, no que concerne às exceções dilatórias, que obstassem à apreciação dos pedidos.
III - As normas constantes dos art. 590°, nº 2, al. a), e artº 6°, nº 2 do C.P.C., são aplicáveis aos presentes autos, por força do disposto no art. 35º, nº 2 do CPTA, devendo o Meritíssimo Juiz recorrido providenciar pelo suprimento daquela exceção dilatória de ilegitimidade;
IV - Tendo sido omitido o cumprimento daquelas normas processuais estabelecidas no artº 590°, nº 2, al. a) do C.P.C., ocorreu omissão de formalidade que a lei prescreve e a respetiva nulidade, nessa parte, do despacho recorrido e dos termos subsequentes que devam ser anulados, conforme previsto nos nºs 1 e 2 do artº 195° do CPC.
V- O meritíssimo Juiz a quo, ao decidir-se pela absolvição da instância, sem antes dar cumprimento ao estabelecido no art. 590º, nº 2, al. a), fez uma errada aplicação do direito aplicável.
VI - Em conformidade, deverá o despacho recorrido ser revogado, na parte impugnada, por o mesmo ser nulo, nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 195º do CPC., substituindo-o por outro, que convide o Autor a suprir a ilegitimidade passiva detetada”.

O Recorrido, MEC, não contra-alegou.
O DMMP não apresentou a pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada, pelo que se mantém:
1) Em 24/1/2014 o autor remeteu a estes autos, através do SITAF, a petição inicial da presente acção da qual consta o seguinte:

«imagens no original»

[cf. fls. 1, dos autos em suporte de papel, quanto ao modo e data em que a petição inicial foi remetida a tribunal; cf. fls. 2 a 9, quanto ao teor da petição inicial].

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.sº 6.º, n.º 2, 590.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil (CPC), porque se exigia que antes da determinação da absolvição da instância se convidasse o A. a corrigir a sua PI, para suprir a excepção dilatória da falta de legitimidade do R.

A presente acção foi intentada em 24/01/2014, na vigência do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na versão anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/0, pelo que se aplica esse diploma na sua versão anterior - cf. art.º 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10.
Na PI o A. afirma que celebrou com o Agrupamento de Escolas de Meda, em representação do MEC, um contrato de trabalho em funções públicas, a termo, que foi sendo sucessivamente renovado, com vista à prestação de 22 horas lectivas semanais, mediante a retribuição base bruta de €1.373,13, a que acrescia o subsídio de almoço.
Alega o A. que o seu contrato transformou-se em contrato sem termo, pelo que a comunicação da respectiva cessação configura um despedimento ilícito. Mais diz o A., que se assim não se entender, tem direito a uma compensação pela caducidade do contrato, nos termos dos art.ºs 253.º e 252.º da Lei n.º 59/2008, de 11-09, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP).
A final, o A. pede que seja declarado que o contrato que celebrou era um contrato sem termo e, consequentemente, que seja declarado que ocorreu um despedimento ilícito ou, se assim não se entender, que lhe seja atribuída a indemnização de €2.746,26, a título de compensação pela caducidade do contrato.
Portanto, face à causa de pedir e pedidos formulados pelo A., há que concluir que através da presente AAC se pretende apreciar os termos do contrato celebrado, designadamente a sua validade e interpretação ou, se assim não se entender, a sua execução, que se diz incumprida, por não ter sido paga a compensação devida aquando da extinção do contrato, por caducidade.
Logo, a pretensão do A. caí na al. h) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA e havia de ser formulada através de uma AAC, tal como ocorreu no caso.
Por seu turno, da aplicação conjugada dos art.ºs 10.º, n.º 1, 11.º, n.º 2, do CPTA e 11.º, do CPC, resulta que nas acções sobre contratos a personalidade judiciária – e a consequente legitimidade passiva - pertence ao EP, que aqui é representado pelo Ministério Público (MP) e não à pessoa colectiva pública MEC.
A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte - cf. art.º 11.º, n.º 1, do CPC.
Por regra, quem tem personalidade jurídica tem personalidade judiciária - cf. art.ºs 11.º, n.º 2, do CPC e 10.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPTA.
Os Ministérios não têm personalidade jurídica, que pertence ao EP, que é representado pelo MP – cf. art.º 24.º, n.º 1, do CPC. Por regra, os Ministérios não têm personalidade judiciária. A extensão de personalidade e legitimidade judiciária que decorre do art.º 10.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, é excepcional, ocorrendo apenas nas acções que tenham por objecto actos ou omissões dessas entidades administrativas ou normas por elas emanadas, o que não é, como vimos, o caso dos presentes autos.
Ocorrendo a falta de personalidade judiciária de uma das partes, tal excepção é insuprível, salvo nos casos expressamente previstos no art.º 14.º, do CPC (relativo às sucursais, agências, filiais, deligações ou representações, o que não ocorre no caso dos autos).
Estando em litígio a validade, interpretação e execução de um contrato, a demanda deve ser feita nos termos dos citados preceitos, contra o EP, que é quem tem personalidade judiciária para figurar como R. na acção.
Nestes últimos casos, não há nenhuma regra que faça estender a personalidade judiciária dos Ministérios, permitindo-lhes figurar numa acção em nome próprio, com a consequente legitimidade passiva.
Neste mesmo sentido, remeta-se para o Ac. do STA n.º 166/18, de 24/05/2018, onde se fixou a seguinte jurisprudência:” “numa acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade contratual ou extra-contratual, instaurada contra um Ministério, a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível e não sendo sanável, também não pode ser objecto de suprimento, sendo determinante da absolvição da instância, nos termos do preceituado no artº 278º, nº 1, alínea c) do Código do Processo Civil”.
Neste sentido, para situações semelhantes à dos presentes autos, também se julgou nos Acs. do STA n.º 0556/15, de 01/01/2015, n.º 065/18, de 07/06/2018, do TCAS n.º 1267/13.0BELSB, de 10/10/2019, n.º 11243/14, de 30-04-2015 ou do TCAN n.º 00748/12.7BEAVR.
Assim, o MEC não detém personalidade judiciária, nem a consequente legitimidade passiva para figurar nesta acção como R.
Mais se indique, que o Agrupamento de Escolas de Meda é um órgão que faz parte do MEC. Porque errada a demanda pelo A. deste Agrupamento, havia a mesma de ser oficiosamente corrigida, considerando-se a demanda feita contra o MEC – cf. art.º 10.º, n.º 4, do CPTA. Mais ainda que se procedesse a tal correcção oficiosa, como se indicou, o MEC mantinha-se sem personalidade judiciaria, não podendo figurar como R. nesta AAC.
Contrariamente ao que o A. alega em recurso, a questão a dirimir nestes autos não se reconduz apenas à aferição da legitimidade passiva do MEC para figurar como R. numa AAC, mas a algo que é prévio, isto é, reconduz-se à prévia aferição da personalidade judiciária do MEC para figurar como parte numa AAC.
Da mesma forma, o MEC não pode ser substituído na acção pelo EP, por via de um eventual despacho de convite ao aperfeiçoamento, pois a excepção de falta de personalidade judiciária é insuprível.
Na verdade, porque a instância foi interposta apenas contra o MEC – ou mais (im)propriamente contra o Agrupamento de Escolas de Mêda - ocorrendo uma absolvição da instância desta entidade, deixa de haver um R. na acção a quem se possa associar um outro R., cuja intervenção se requer.
No mais, o que verdadeiramente o A. e Recorrente pretende não é a intervenção principal provocada de um outro R., mas uma substituição processual de um R. que não detém personalidade judiciária por um novo R., diferente daquele, que já detém a personalidade judiciaria que falta ao primeiro e que também seria a parte legitima para figurar como R. nesta acção.
Restará ao A. e Recorrente, pretendendo propor outra acção contra o EP, fazer uso da prerrogativa do art.º 279.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
Em suma, a decisão recorrida está certa. Consequentemente, o presente recurso claudica.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 28 de Maio de 2020.

(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)