Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4382/00
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2002
Relator:António de Almeida Coelho da Cunha
Descritores:LISTAS DE ANTIGUIDADE
CONSEQUÊNCIAS DA NÃO IMPUGNAÇÃO
Sumário:I - As listas de antiguidade constituem um acto de acertamento, valendo apenas na medida em que estiverem conformes com o direito.
II - A sua não impugnação não as consolida na ordem jurídica, nem pode ter-se como aceitação tácita, podendo ser objecto de alteração posterior, oficiosamente ou a pedido do interessado.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção (2ª Subsecção) do T.C.A.

1. Relatório.

J......, Professor do Quadro de Nomeação Definitiva (Q.N.D.) na Escola EB 2,3 (nº 1) de Seia veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa de 17.2.2000, que rejeitou o recurso hierarquico em que o ora recorrente impugna a contagem de tempo de serviço como professor do quadro de nomeação definitiva, levada a efeito pelos serviços administrativos da Escola Básica dos 2º e 3º ciclo de Seia, com fundamento na “falta de legitimidade e extemporaneidade dos pedidos”, decorrente da não impugnação da lista de antiguidade reportada à data de 31.08.98.
A entidade recorrida respondeu, defendendo a improcedência do recurso.
Em alegações finais, o recorrente formulou as conclusões seguintes:
1ª) Deve ser reconhecida ao recorrente a contagem do tempo de serviço como Vereador a ½ tempo, Lei 29/87, de 30 de Setembro, por não haver incompatibilidade nos termos do artº 4º nº 6, al. a) da Lei 9/90, na redacção dada pela Lei 56/90, de 5 de Setembro.
2ª) Devem ser contados 64 dias de bonificação do recorrente nos termos do disposto no nº 5 do Dec. Lei 312/83, de 1 de Julho.
3ª) Deve, assim, e em consequência, ser procedente o recurso interposto da decisão do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa de 17.02.2000, por estar ferido de vício de violação da lei, por violar o disposto no nº 5 do Dec. Lei 312/83, de 1 de Julho, a Lei 29/87 de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais) e o artº 148º do Código do Procedimento Administrativo.
A entidade recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto
Emerge dos autos a seguinte factualidade relevante:
a) O recorrente é Professor do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola EB 2,3 (nº 1) de Seia, por Despacho de 14.10.83 do Subdirector-Geral, cfr. delegação publicada no D.R. de 28.07.83; -
b) Conforme consta do seu Registo Biográfico, o recorrente iniciou a sua carreira como Professor, em 23.10.63, na Escola Industrial e Comercial de Setúbal;
c) No ano lectivo de 1975/76, mais precisamente de Dezembro de 1975 a Julho de 1976, o recorrente desempenhou as funções de Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária de Seia, em substituição do então Presidente, após movimentações do Corpo Discente e Encarregados de Educação;
d) Durante esse período, o recorrente reestruturou a àrea adminstrativa da Escola;
e) Nos anos lectivos de 1976 a 1979, o recorrente desempenhou funções de Secretário do Conselho Directivo e foi eleito, como Vereador, para a Câmara Municipal de Seia;
f) De 1979 a 1981, o recorrente fez a profissionalização, em exercício, no 4º Grupo, na Escola Preparatória de Gouveia;
g) Entre 1979 e 1982, o recorrente exerceu funções, em 2º mandato, como Vereador, na Câmara Municipal de Seia; -
h) No ano lectivo de 1981/82, o recorrente foi Professor Agregado na E.P. de Seia, e desempenhou funções de Coordenador dos Directores de Turma;
i) De 1982 a 1988, o recorrente desempenhou funções de Presidente do C. D. da referida Escola Preparatória; -
j) De 1990 a 1993, o recorrente exerceu o 3º mandato como Vereador na Câmara Municipal de Seia, a meio tempo, cumulativamente com o horário de Professor na referida Escola (tarde e manhã, respectivamente
k) Para além das funções já referidas, nos Conselhos Directivos como Presidente e Secretário, o recorrente também desempenhou funções de Director de Turma nos anos lectivos de 1974/75, 1979/80, 1980/81, 1981/82, 1988/89, 1989/89, 1989/90, 1990/91, 1991/92 e 1993/94
l) Em 14.12.98, com a publicação da lista de antiguidade do pessoal docente, à dade de 31 de Agosto de 1998, não foi contemplado o tempo de serviço prestado pelo recorrente no Conselho Directivo, em funções de administração e de direcção, a que correspondia a bonificação de 64 dias; -
m) De tal contagem, o recorrente reclamou para o Presidente do Conselho Directivo da Escola
n) Os Serviços da Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), emitiram informação (nº 1062) na qual se pronunciaram que tal contagem de tempo não poderia ser considerada, por se reportar a actos praticados há mais de um ano, apontando para uma inequívoca convalidação jurídica
o) O recorrente interpôs recurso para o Sr. Secretário da Administração Educativo, o qual foi rejeitado
p) Ao recorrente está, também, a ser negada a contagem de tempo de serviço prestado no período compreendido entre 1.01.91, no exercicio de cargo de Vereador na C.M. de Seia
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3. Direito Aplicável
Os fundamentos do presente recurso são, basicamente, os seguintes, tal como decorre da pretensão do recorrente.
Erro pela não contagem da bonificação devida pelo exercício de cargo de gestão na Escola Secundária de Seia (bonificação de 64 dias ao abrigo do disposto no artº 5º do Dec. Lei nº 312/83 de 1 de Julho);
Recusa de contagem do tempo de serviço prestado na qualidade de Vereador a meio tempo na Câmara Municipal de Seia, entre 1.01.91 e 7.04.94, ao abrigo do Estatuto dos Eleitos Locais
A entidade recorrida entende que o recurso hierarquico foi rejeitado com fundamento nas razões expostas na informação nº 246/00/DSRH/GJ da Direcção Regional de Educação do Centro, em virtude de ter sido publicitada pela Escola a lista de antiguidade com a contagem de tempo reportada a 31.08.98, sem que o ora recorrente a tivesse impugnado.
Em relação a tal lista, portanto, embora tivesse desde logo verificado que havia um erro na contagem, por dela não constarem os 64 dias de bonificação, o recorrente manteve-se passivo, em vez de reclamar conforme lhe era facultado pelo nº 2 do artº 96º do Dec. Lei 497/88.
O mesmo sucede, diz ainda a entidade recorrida, no que concerne à contagem de tempo de serviço prestado enquanto vereador a meio tempo em regime de acumulação, conforme foi defendido no parecer constante da informação nº 246/00/DSRH/GJ da DREC.
Na tese da entidade recorrida, as listas de antiguidade são constitutivas de direitos, determinando o lugar que os funcionários ocupam e servindo de fundamento a actos administrativos, como sucede com actos de reposicionamento. Assim, as listas de antiguidade que não foram objecto de reclamação ou recurso, consolidam a situação jurídica, tornando-se actos firmes (cf. Ac. STA pub. Apêndice D.R. II Série de 30.5.80).
Salvo o devido respeito, a não impugnação de uma lista de antiguidade deste tipo não conduz à sua consolidação definitiva na ordem jurídica, tanto assim que a Administração já procedeu a várias contagens do tempo de serviço do recorrente, o que só pode significar que em qualquer momento possa haver uma alteração, derivada do aparecimento de novos dados ou de uma melhor análise dos existentes no processo do recorrente.
Propendemos a seguir a tese da Digna Magistrada do Ministério Público, segundo a qual, a estabilização da lista de antiguidades reportada a 31-8-98, por falta de impugnação, não deve, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, obstar à correcção da contagem de tempo de serviço de acordo com a lei aplicável.
Neste sentido, “vejam-se os votos de vencido apostos ao parecer da P.G.R. nº 51/91 – in “Diário da República”, II Série, de 14.5.92, segundo os quais não deve dar-se relevo excessivo ao valor das listas de antiguidade: “Estas ordenam os funcionários, fixando-lhes a sua posição relativa, contam o tempo de serviço, mas como acto de acertamento, valem na medida em que estiverem conformes com o direito que lhes subjaz. As listas não reclamadas, embora se tornem firmes, não poderão retirar direitos que tenham entrado na espera jurídica do funcionário.”
Parece-nos ser esta a tese actualmente vigente, tanto assim que na sequência do parecer citado, o Ac. STA de 26.3.96, in Rec. 38.903 veio entender que da lista de antiguidades “não decorre outro efeito que não seja dar publicidade à antiguidade e categoria dos funcionários de certo serviço ou organismo para poderem ser alvo das pertinentes correcções através da participação dos interessados.”
Vai ainda mais longe, no sentido da exigência de verdade material, o Ac. do STA (Pleno) de 16.1.01, no qual se escreve que “a apresentação pelos concorrentes a um concurso de acesso... de certidões dos serviços de que conste a respectiva antiguidade, não impede o júri de avaliar e fiscalizar a pertinência e força probatória dos documentos apresentados, se forem trazidos ao procedimento concursal elementos que coloquem em causa o teor da força probatória de tais documentos.
Isto posto, analisemos a questão substancial, acerca da qual não existe controvérsia.
Como resulta da prova produzida nos autos, o recorrente exerceu funções de gestão no Conselho Directivo da Escola Secundária de Seia (Presidente e Secretário), durante os anos lectivos supra discriminados e foi titular de 3 (três) mandatos, a meio tempo, como Vereador na Câmara Municipal de Seia, no período também acima indicado.
Trata-se de duas situações claramente tuteladas na lei: a primeira no artº 5º do Dec. Lei 312/83, que prevê a bonificação de 64 dias pela aplicação do factor 1,25 e a segunda na Lei nº 29/87, Estatuto dos Eleitos Locais (exercício das funções de Vereador a meio tempo em regime de permanência).
Assim sendo, procedem os vícios invocados pelo recorrente, impondo-se a rectificação do respectivo Registo Biográfico.
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4. Decisão.
Em face do exposto acordam em conceder provimento ao recurso e em anular o acto recorrido.
Sem Custas
Lisboa, 31.10.02
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa