Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12710/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/16/2016
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:SEGUNDA PERÍCIA – FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO – PERITO EM AUDIÊNCIA
Sumário:1.Sobre a parte processual que requer a realização de 2ª perícia recai o ónus de fundamentar as razões “da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” mediante a explicitação dos pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente – cfr. artº 589º nº 1 CPC/1995 regime que passou para o vigente artº 487º nº 1 CPC/2013.

2.A finalidade da comparência do perito em audiência de discussão e julgamento prende-se com a formação da convicção judicial em face das respostas constantes do relatório pericial e dos esclarecimentos complementares eventualmente prestados à luz do regime do artº 485º nºs 2 a 4 CPC/2013.

3.O eventual erro de julgamento incorrido no juízo de dispensa de prova testemunhal ou de esclarecimentos do perito em audiência (violação primária de direito adjectivo), em regra apenas se confirma não pelos próprios termos do despacho de dispensa de meio de prova requerido, mas perante a concreta selecção da matéria de facto levada ao probatório na sentença de 1ª Instância.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:E………….- Empresa ………………………. SA, com os sinais nos autos, inconformada com o despacho proferido em 25.JUN.2015 (fls. 645-647) pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, dele vem recorrer, concluindo como segue (fls. 668-672):

1. A A. instaurou a 15 de Dezembro de 2014 acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, nos termos da qual peticionou a anulação do acto de adjudicação da Empreitada ao Concorrente nº 4 D…………, SA/CME, SA e em consequência, adjudicação da mesma Empreitada à Autora, Concorrente n.° 3;
2. A A. aponta vários vícios à proposta apresentada pela Concorrente n. 4 que, a existirem, tornam ilegal a adjudicação que lhe foi efectuada, os quais de forma sucinta se podem discriminar como:
a. falta de assinaturas electrónicas nos documentos da proposta da Concorrente n° 4 D..........., SA/CME, SA;
b. desrespeito do prazo de execução da Empreitada fixado no Caderno de Encargos;
c. configuração de prática restritiva do comércio por parte da proposta Concorrente n° 4, D..........., SA/CME, SA;
d. errada Classificação do Concorrente n° 4 no Factor G dos critérios de adjudicação.
3. A R. apresentou a respectiva contestação, pugnando pela legalidade da proposta apresentada pela D...........,SA/CME, SA, tendo em termos probatórios requerido a junção de documentos, a audição de testemunhas e a produção de prova pericial;
4. Após audição das partes sobre quais factos as testemunhas seriam ouvidas, por despacho de 12 de Março de 2015 o Tribunal deferiu a realização da perícia requerida e a audição das testemunhas, agendando logo data para a realização da audiência de julgamento, a qual acabou por dar sem efeito por despacho de 18 de Abril;
5. Nesse despacho o Tribunal ordenou ainda a notificação das partes para se pronunciarem sobre a utilidade da audiência de julgamento, a R. respondeu, salientando que outros elementos de prova havia tão relevantes como o Relatório Pericial, para a boa decisão;
6. Notificada que foi do Relatório Pericial a R. requereu
i) a realização de segunda perícia;
ii) caso esta segunda perícia viesse a ser indeferida, a notificação do Senhor Perito para esclarecer determinados aspectos da perícia realizada; e em qualquer caso,
iii) que o Senhor Perito fosse notificado para estar presente na audiência de julgamento para prestar esclarecimentos;
7. Por despacho de 06 de Maio de 2015 o Tribunal ordenou a notificação do Senhor Perito para completar o relatório pericial prestando os esclarecimentos solicitados pelas partes,
8. Apesar de ter entregue relatório complementar do Relatório Pericial, o Sr. Perito reconheceu não ser capaz de fornecer ao tribunal uma análise técnica sobre o funcionamento de uma assinatura electrónica, conforme avulta do ponto 9 da página 5 do Relatório de Esclarecimentos,
9. Notificada do relatório complementar a R. reiterou o pedido de realização de uma segunda perícia, agora verdadeiramente técnica, na medida em que o Senhor Perito nomeado para realizar a primeira perícia reconheceu a sua incapacidade para produzir relatório estritamente técnico.
10. A 25 de Junho foi proferido o despacho que se impugna através do presente requerimento, nos termos do qual o tribunal decidiu serem despiciendas a realização da segunda perícia e a produção de prova testemunhal, tendo notificado as partes para apresentarem alegações finais
11. Tal despacho, salvo melhor entendimento, viola o artigo 613° do CPC, designadamente o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, o qual consubstancia um dos afloramentos constantes do Código de Processo Civil do princípio da segurança jurídica, que exige estabilidade das relações jurídicas de forma a proteger a confiança legítima dos cidadãos,
12. O Tribunal por despacho de 12 de Março de 2015 já se havia decidido expressamente pela "realização de audiência de julgamento nos autos para produção daquela prova" (leia-se testemunhal), despacho esse que transitou em julgado;
13. O despacho ora sindicado violou igualmente o artigo 90º nº 2 do CPTA, pois o tribunal só pode indeferir requerimentos de prova ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando considere a produção dessa prova claramente desnecessária, o que deve fazer mediante despacho fundamentado;
14. A locução "claramente" utilizada pelo legislador inculca ao intérprete que a desnecessidade tem de resultar evidente dos factos alegados e sobre os quais se pretende a produção de prova, o que no caso sub judice não se verifica, pois os factos da contestação cuja produção de prova testemunhal se pretende e melhor indicados no requerimento de 01 de Março de 2015 não estão confirmados ou infirmados por prova documental, razão pela qual o Tribunal deferiu a produção da prova testemunhal sobre esses factos por despacho de 12 de Março de 2015;
15. Ainda que tais factos tenham sido parcialmente considerados na elaboração do Relatório Pericial, tal não pode obstar a que sobre os mesmos recaia a produção da prova testemunhal requerida; porquanto, o Relatório Pericial está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, sendo que tal princípio é violado se sobre tais factos a prova pericial acaba por ser a única prova admitida pelo Tribunal;
16. Tanto mais que, a A. por requerimento de 21 de Abril de 2015, deu conta ao tribunal que do seu rol de testemunhas constam técnicos responsáveis pela G………., empresa que gere a plataforma electrónica "compras públicas" na qual se processou o procedimento concursal objecto da presente acção e que se poderiam pronunciar sobre a validade e integridade de todo o procedimento concursal, designadamente da proposta apresentada pela D........... na aludida plataforma;
17. Não resulta assim fundamentado no despacho de 25 de Junho de 2015 a clara desnecessidade de se ouvir estas testemunhas;
18. O despacho em análise viola ainda os artigos 486° e 487° do CPC, pois no despacho de 12 de Março de 2015 o tribunal, nos termos do artigo 90° nº 2 do CPTA tomou uma posição sobre a produção de prova pericial, deferindo a mesma;
19. Tal deferimento importa a aplicação a esta perícia da plenitude das normas processuais aplicáveis a este tipo de prova, conforme determina a última parte do artigo 90° n.° 2 do CPTA;
20. Um desses direitos conferido às partes é o direito de requerer a presença do perito na audiência de julgamento a fim de prestar esclarecimentos, o que a R. fez através do requerimento de 27 de Abril de 2015, não estando na disponibilidade do Julgador indeferir tal pedido;
21. Idêntico raciocínio se deve fazer quanto ao direito que as partes têm de requerer a realização da segunda perícia, o que a R. fez no requerimento de 27 de Abril de 2015 e reiterou a 05 de Junho de 2015, pois o Tribunal está obrigado a ordenar a realização da segunda perícia desde que qualquer das partes o requeira fundamentando as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado;
22. Para que tal pedido fosse indeferido era necessário que, de forma fundamentada, o Tribunal entendesse a parte requerente não havia fundamentado as razões da sua discordância, argumentação que não consta do despacho ora impugnado;
23. Acresce que, conforme já aludido, no relatório pericial complementar apresentado pelo Senhor Perito, este reconhece não ser capaz de fornecer ao tribunal uma análise técnica sobre o funcionamento de uma assinatura electrónica, com efeito,
24. Ou seja, é o próprio Senhor Perito que dá conta da incompletude do relatório pericial e da sua incompetência para responder na plenitude aos esclarecimentos solicitados, conferindo assim uma maior acuidade à requerida segunda perícia, cuja realização é fundamental para o apuramento da verdade material.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Excias:
Deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se o despacho de 25 de Junho de 2015 e ordenando o prosseguimento dos autos com a realização da segunda perícia requerida e realização da audiência de julgamento para audição da prova testemunhal, incluindo a audição do Senhor Perito que fez a primeira perícia.

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A Sociedade de Construções ………………….., ora Recorrida, contra-alegou pugnando pela bondade do decidido (fls.688-692).

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Com dispensa de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juizes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Os actos jurídicos praticados nos autos que importam ao presente recurso são os seguintes:

A O despacho de 25.JUN.2015 ora recorrido é do teor que se transcreve:
“(..) Visto o teor do relatório pericial complementar ao relatório pericial já apresentado e analisadas as posições de todas as partes em litígio importa definir, neste momento, a posição do Tribunal quanto aos meios de prova necessários à prolação de decisão.
Principiemos por notar que é o pedido do Autor que delimita a acção e é nesse âmbito, e somente nesse, que se pode movimentar o Tribunal.
Posto isto, e circunscrita nessa medida a perscrutação que o Tribunal deve levar a cabo, entende-se que dos autos constam todos os elementos suficientes e necessários para decidir.
Com efeito, dos autos constam os documentos pertinentes a apurar parte substancial dos fatos relevantes.
Por outro lado, junto se encontra o procedimento em moldes que o Tribunal, experimentado que se encontra para o analisar, dele extrairá o que demais importa apurar.
Acrescentou-se a estes meios de prova o relatório pericial, cuja versão inicial foi complementado por rigorosa indicação das partes, nomeadamente Ré e Contra-interessada.
Este será apreciado de acordo com a livre convicção do julgador, sendo certo que se antevê nele utilidade quer para aclaração das questões jurídicas trazidas a juízo quer para dilucidar as questões técnicas subjacentes.
Acresce que ao dispor do Tribunal se encontra abundante jurisprudência que trata matéria idêntica àquela submetida a decisão nestes autos.
Considerando o que antes se mencionou, e já antes se havia evidenciado, a segunda perícia e a prova testemunhal mostram-se despiciendas, configurando ato inútil e proibido a ser determinado pelo Tribunal.
Pelo exposto, rejeita-se toda a demais prova que vem peticionada pelas partes entendendo-se que os autos se encontram prontos para decisão.
Entendendo-se, assim, concluída a fase instrutória dos presentes autos de contencioso pré-contratual e sopesando o retardamento na decisão que a perícia realizada assumiu determina-se, de imediato, a notificação das partes nos termos do disposto no art. 102°, n° 3, al. a) do CPTA, ou seja, para produzirem alegações finais, querendo.
Prazo - 20 dias. (..)”. – fls. 645-647 dos autos.
B Requerida segunda perícia pela ora Recorrente por despacho de 05.MAI.2015 decidiu-se:
“(..)reconhecendo que a complementaridade do Relatório apresentado com aprofundamento dos quesitos que o permitam atendendo ao caso concreto beneficia o apuramento da verdade material essencial para a decisão, determina-se que ao abrigo do n° 3 do art. 485° do CPC
- seja remetida cópia do DVD ao Senhor Perito junta aos autos, o qual contém o processo instrutor;
- seja solicitado ao Senhor Perito que complete o Relatório por si já apresentado com apreciação em concreto dos quesitos considerando o procedimento concursal em questão em atenção às posições assumidas pelas partes;
- nesta reapreciação determina-se, ainda, que preste os esclarecimentos solicitados pela Entidade Requerida e acima transcritos.
Concede-se o prazo de 15 dias ao Senhor Perito para o que agora se determinou.(..)” – fls. 398 dos autos.


DO DIREITO


1. segunda perícia a requerimento da parte;

De acordo com o regime jurídico que enforma a prova pericial, esta “(..) é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objecto (artº 389º C. Civil). Não tem, inclusivamente, de haver qualquer prevalência dos resultados da segunda perícia sobre os da primeira e, embora aquela se destine a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (artº 589º nº 3 CPC), os resultados de ambas são valorados segundo a livre convicção do julgador.
Dizia-o antes do actual código, o anterior artº 611º e, antes deste, o equivalente artº 615º do CPC de 1939, “(..) Não havendo hierarquia entre o resultado das duas perícias, o juiz pode preferir, de acordo com a convicção formada, o resultado da primeira, tal como pode acabar de decidir de acordo com a averiguação e a apreciação dos factos feitas por um perito que, numa ou noutra das perícias, tenha emitido isoladamente as suas conclusões. (..)”(1)
A diferença de regime no que respeita ao CPC/1939 é que a parte não tinha que justificar o pedido mediante as razões por que requeria segunda perícia – vd. artº 613º CPC/1939.
Apenas com a reforma processual dada pelo DL 329-A/95 se introduziu o encargo de fundamentar o pedido, tendo a parte requerente que alegar “fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” – artº 589º nº 1 CPC, regime que passou para a Reforma de 2013 no artº 487º nº 1 CPC/2013.(2)
O que significa que uma vez requerido o segundo arbitramento por qualquer das partes sem que ocorra o indeferimento judicial com fundamento em que se trata de diligência impertinente ou dilatória, e tendo em conta que ambas as perícias têm o mesmo objecto quanto às questões de facto indicadas pelas partes ou oficiosamente pelo tribunal - cfr. artº 487º nº 3 CPC/2013 - e ainda que o juiz da causa tem liberdade opcional para decidir com fundamento em qualquer delas - cfr. artº 489º CPC/2013 - a consequência é que do processo deverão constar ambas as perícias,

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A perícia requerida pela ora Recorrente – vd. articulado de contestação a fls. 13136 – e realizada – vd. relatório de peritagem fls. 279-298 - foi objecto de requerimento de 2ª perícia por parte da ora Recorrente – vd. requerimento de fls. 343-348 – e para o caso de ser indeferida, formulou em alternativa o pedido de prestação de esclarecimentos escritos por parte do Senhor Perito, discriminados de A) a D), bem como em audiência de julgamento.
Por despacho de 05.MAI.2015 transcrito em B determinou-se, de acordo com o regime do artº 485 nºs. 2 e 3 CPC/2013, a prestação dos esclarecimentos escritos por parte do Sr. Perito, juntos a fls. 514-560.
Por requerimento de fls. 621-627 a ora Recorrente reitera no pedido de 2ª perícia, indeferido nos termos do despacho de 25.JUN.2015 transcrito em A.

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No item 22. das conclusões sustenta a Recorrente que “(..) era necessário que, de forma fundamentada, o Tribunal entendesse [que] a parte requerente não havia fundamentado as razões da sua discordância, argumentação que não consta do despacho ora impugnado; (..)”.
Todavia, o afirmado não tem fundamento.

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Em primeiro lugar, o Tribunal a quo indeferiu a realização de 2ª perícia na sequência de motivação expressa no despacho de 25.JUN.2015 nos termos seguintes:
“(..)Com efeito, dos autos constam os documentos pertinentes a apurar parte substancial dos factos relevantes.
Por outro lado, junto se encontra o procedimento em moldes que o Tribunal, experimentado que se encontra para o analisar, dele extrairá o que demais importa apurar.
Acrescentou-se a estes meios de prova o relatório pericial, cuja versão inicial foi complementado por rigorosa indicação das partes, nomeadamente Ré e Contra-interessada.
Este será apreciado de acordo com a livre convicção do julgador, sendo certo que se antevê nele utilidade quer para aclaração das questões jurídicas trazidas a juízo quer para dilucidar as questões técnicas subjacentes.
Acresce que ao dispor do Tribunal se encontra abundante jurisprudência que trata matéria idêntica àquela submetida a decisão nestes autos.
Considerando o que antes se mencionou, e já antes se havia evidenciado, a segunda perícia e a prova testemunhal mostram-se despiciendas, configurando ato inútil e proibido a ser determinado pelo Tribunal. (..)”.
Ou seja, o Tribunal a quo julgou a 2ª perícia uma diligência processualmente inútil na medida da suficiência de prova carreada para o processo, a saber, da perícia realizada, dos esclarecimentos solicitados e prestados, dos meios de prova documental junta aos autos e constante do procedimento concursal.

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Em segundo lugar, a lei exige que o pedido de 2ª perícia comporte fundadamente as razões da discordância “relativamente ao relatório pericial apresentado” – artº 487º nº 1 CPC/2013.
A desnecessidade de motivar a 2ª perícia, vigente desde o Código de 1939, foi alterada no artº 589º nº 1 pela reforma de 1995, cujo regime passou para a reforma de 2013 no artº 487º nº 1 CPC.
A lei adjectiva investe o requerente da 2ª perícia no ónus de apresentar fundamente as razões da sua discordância sobre segmentos concretos do relatório da perícia realizada - artº 487º nº 1 CPC/2013, anterior 589º nº 1 na reforma de 1995.
Como nos diz a doutrina, “(..) é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente.
Não era assim anteriormente: a parte não tinha de apresentar qualquer justificação e dificilmente a repetição da diligência podia ser considerada impertinente ou dilatória. (nunca, segundo Alberto dos Reis, CPC anotado, cit. II, ps.302-303). (..)” (3)
Todavia, decorre do teor dos artigos 3º a 13º do requerimento de fls. 343-348, que o Recorrente tece considerações valorativas e conclusivas no sentido de “os quesitos foram respondidos de forma abstracta”, “omissão de uma análise circunstanciada”, “ausência de um enquadramento das respostas ”, “o perito acabou por se pronunciar sobre matéria que não lhe competia”, pelo que o ónus de explicitação legalmente exigida não foi observado.
Razão a acrescer ao juízo de desnecessidade da diligência requerida.


2. esclarecimentos de perito em audiência;

Quanto ao alegado no item 12 das conclusões de recurso a designação de audiência de julgamento perdeu efectividade jurídica na exacta medida da continuação de instrução do processo, mormente com as diligências periciais, pelo que não tem fundamento a alegada formação de caso julgado.
Por outro lado, a sanção da nulidade por vício por omissão de pronúncia nos termos do artº 615º nº 1 d) CPC/2013 ocorre quando se verifique a falta em absoluto de especificação dos fundamentos de facto, problemática que nada tem a ver com a questão trazida a recurso expressa no despacho de dispensa de esclarecimentos de perito em audiência.

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De acordo com o regime estabelecido no artº 588º nº 1 CPC, regime que passou intocado para o artº 486º nº 1 CPC/2013, “A presença dos peritos na audiência final é uma decorrência dos princípios da imediação e da oralidade (ver nº 2 da anotação ao artº 652º). Os esclarecimentos que aí podem ser pedidos aos peritos transcendem a mera reclamação contra o relatório apresentado. (..) Trata-se, fundamentalmente, de precisar as conclusões do relatório, justificá-las e compreender as eventuais divergências entre os peritos, de modo a proporcionar o máximo de elementos para a formação da convicção judicial. Os esclarecimentos têm lugar imediatamente antes da inquirição das testemunhas (artº 652º nº 3 c) CPC [artº 604º nº 3 c) CPC-2013]) (..)” (4)
Como já referido, a finalidade da comparência do perito em audiência de discussão e julgamento prende-se com a formação da convicção judicial em face das respostas constantes do relatório pericial e dos esclarecimentos complementares prestados sobre o relatório junto aos autos.
Neste sentido, a dispensa de esclarecimentos de perito em audiência afere-se segundo os mesmos parâmetros adjectivos que permitem a dispensa de prova testemunhal, na medida em que é através da prova sobre a matéria de facto levada ao processo que é “(..) feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida (..)”- vd. artº 608º nº 2 CPC/2013 (ex 660º nº 2 CPC). (5)
É nos factos articulados pelas partes - factos controvertidos, julgados pertinentes à causa e indispensáveis para a resolução jurídica mediante a aplicação do bloco normativo que compete ao caso concreto - que o processo evidencia “as várias soluções plausíveis da questão de direito”, na expressão do artº 511º nº 1 do CPC anterior à Reforma de 2013, variabilidade de soluções jurídicas que devem mostrar-se expressas tanto na base instrutória como no elenco dos factos assentes (ex questionário e especificação), concretamente levados ao processo.
Hoje, nos termos do artº 596º nº 1 CPC/2013, as várias soluções plausíveis da questão de direito têm de estar evidenciadas no elenco dos temas da prova, abertos à inquirição testemunhal e valoração pericial.
O que significa que o eventual erro de julgamento incorrido no juízo de dispensa de prova testemunhal ou de esclarecimentos do perito em audiência, por violação primária de direito adjectivo, em regra apenas se confirma não pelos próprios termos do despacho de dispensa de meio de prova requerido, mas perante a concreta selecção da matéria de facto levada ao probatório na sentença de 1ª Instância.
Consequentemente, apenas o recurso interposto da sentença de 1ª Instância cujo objecto suscite a questão da insuficiência de probatório, coloca o Tribunal ad quem em condições de aferir se nem todos os pedidos ou nem todas as causas de pedir e excepções invocadas pelas partes nos articulados foram conhecidas pelo Tribunal recorrido e, se for caso disso, não podendo suprir em 2ª Instância a insuficiência de probatório, proceder à anulação da sentença e ordenar o reenvio do processo para o tribunal a quo em ordem à ampliação dos tais temas da prova nos termos especificados no aresto de recurso, que no caso traduzam uma insuficiência de meio probatório testemunhal ou depoimento/declaração de parte e consequente falha de determinação da fase de audiência de julgamento – artºs. 662º nº 2 b) e 665º nº 2 CPC-2013. (6)

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Aplicando à dispensa de esclarecimentos de perito em audiência a mesma identidade de razões que presidem à dispensa de prova testemunhal, a eventualidade de erro de julgamento por violação primária de direito adjectivo só será evidenciado em função da totalidade do probatório levado à sentença, em conexão com a formulação dos quesitos e respectivas respostas constantes do relatório pericial

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Pelo que vem de ser dito improcedem todas as questões trazidas a recurso.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho proferido.


Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 16.JUN.2016


(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………

(Paulo Gouveia)...................................................................................................

(Nuno Coutinho) ……………………………………………………………….
(1) Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora/2008, págs. 556-557.
(2) Alberto dos Reis, CPC – anotado, Vol. IV, Coimbra Editora /1962, págs.302-303.
(3) Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, pág. 554.
(4) Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora/2008, págs. 552-553.
(5) Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora/2008, pág.680.
(6) Abrantes Geraldes, Recursos …, págs. 240/241 e 261.