Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1071/16.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Sumário:I - Mostra-se correctamente aplicado pelo Tribunal a quo o previsto no nº 2 do artº 195º (15 dias úteis) e o consignado no artº 198º (30 dias úteis), ambos do CPA, do qual se perfaz o prazo total de 45 dias úteis para considerar o decurso do prazo para a impugnação contenciosa do acto, uma vez que o recurso hierárquico não foi objecto de decisão, não foram realizadas diligências complementares previstas no nº 2 do artº 198º do CPA e não se aferiu da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer.
II - Neste enquadramento, não há que contabilizar o referido prazo nos termos do previsto no nº 2 do artº 198º do CPA (15+90 dias úteis).
III - O Recorrente impugnou contenciosamente o acto administrativo quando tinha já sido ultrapassada a totalidade do prazo, o que determina a verificação da excepção de caducidade do direito de acção.
IV - O prazo de natureza substantiva e peremptória, estabelecido na alínea b) do nº 2 do artº 58º do CPTA para a impugnação de actos anuláveis, atendendo a que no disposto na alínea b) do seu nº 3 não se integra o modus operandi do Recorrido, não se evidenciando que a Administração tenha induzido em erro o Recorrente, não obsta a que extrapolado o mesmo, seja decidida a caducidade do direito de acção.
V - Mostra-se insindicável a arguida (má) conduta da Administração – vide alínea b) do nº 3 do artº 58º do CPTA – pelo que não é admissível a instauração da acção judicial para além do prazo.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório
J..., vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de Março de 2017 pela qual foi julgado improcedente a acção administrativa de condenação à prática de acto devido por si interposta contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., pela verificação da excepção da caducidade do direito de acção, consequentemente tendo sido determinada a absolvição da Entidade Demandada da instância.
Não se conformando com esta decisão, nas suas alegações de recurso, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“Da contagem do prazo de decisão do Recurso Hierárquico (art. 198º CPA), para os efeitos do previsto no art. 59º, nº 4 CPTA
1. Refere a douta Sentença ora recorrida que: “Nos termos do disposto no art. 198º do CPA, é de 30 dias o prazo de decisão do recurso hierárquico” contados a partir “(...) da data de remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, o que deve ocorrer no prazo de 15 dias a contar da data de recepção do requerimento de interposição de recurso (...)”.

2. Refere ainda a mesma douta Sentença ora recorrida que “Os autos não demonstram, com certeza, em que data ocorreu essa remessa, sendo que as informações dadas ao Requerente e enunciadas nas alíneas F) e G) dos factos assentes, uma a 7.04. e outra a 9.06, na sequência de pedido de informação por este formulado, não são conclusivas a esse respeito nem pode considerar-se que configurem a notificação a que se refere o art. 195º/2 do CPA”.

3. Sucede, porém, que o mesmo art. 198º do CPA referido na douta Sentença, no seu nº 2, para alem do já acima referido, estatui também que “O prazo referido no número anterior é elevado até ao máximo de 90 dias, quando haja lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares”.

4. Aliás, e nesse mesmo exacto sentido, é a própria douta Sentença que transcreve ainda que “A mesma doutrina emerge do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em recurso de revista excepcional (P. nº 01954/13), (...)”. Assim sendo, na ausência de decisão do recurso hierárquico no prazo de (90 + 15 dias) por ter havido diligências instrutor ias a Recorrente dispunha de três meses para impugnar o acto (...)”..

5. No caso presente, considerou o Tribunal a quo conclusivamente na sua Sentença que o prazo a considerar, para efeitos de suspensão do prazo de impugnação judicial do acto, seria o do nº 1 do art. 198º (15 + 30 dias úteis), conforme refere expressamente a fls. 11.

6. Não levou pois em consideração o Tribunal a quo o facto, demonstrado nos Autos, de que a Entidade Recorrida, após a recepção do Recurso Hierárquico do ora Recorrente (24/Março/ 2016), terá levado a cabo “diligências complementares”.

7. Razão pela qual, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o prazo a considerar deveria ter sido o constante do nº 2 do art. 198º (15 + 90 dias úteis),

8. O que levaria necessariamente a considerar que o prazo de caducidade do direito de acção, na acção principal de condenação à prática de acto devido, não teria sido ultrapassado aquando da data de entrada dessa acção em juízo.

9. De facto, é a própria Entidade Recorrida que anexa à sua Contestação um “Doc. 1”, não impugnado pelo ora Recorrente, clara e expressamente datado de “29-04-2016”.

10. Ora, se a Entidade Recorrida utiliza e junta aos Autos, na sua Contestação, um documento datado posteriormente à recepção do Recurso Hierárquico do ora Recorrente (obtido via site do SIRCOM, a que a Entidade Recorrida tem acesso e o ora Recorrente não tem), a única conclusão possível a retirar é a de que terá obrigatoriamente essa mesma Entidade Recorrida levado a cabo “diligências complementares” para obter esse documento.

11. Nem se defenda que, uma vez que esse documento obtido pela Entidade Recorrida não consta da Certidão do PA “completo” junto aos Autos pela mesma Entidade Recorrida, o mesmo não poderá relevar para este efeito, pois deste PA “completo” deveriam constar, e não constam, “(...) todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora (...)” (art. 84º/l do CPTA).

12. De facto, consta amplamente demonstrado nos Autos que a Certidão do PA “completo” (datada de 11/Maio/2016, quatro meses antes de a Entidade Recorrida ter sido citada do presente processo judicial (...) junta aos Autos pela Entidade Recorrida será muito pouco “completa”, não constando da mesma, por exemplo, o Recurso Hierárquico apresentado pelo ora Recorrente em 24/Março/2016 (alínea E) da matéria de facto dada como assente), nem as informações escritas da Entidade Recorrida de 07/Abril/2016 e de 09/Junho/2016 (alíneas F) e G) da matéria de facto dada como assente).

13. No entender do ora Recorrente, o número 4 do artigo 59º CPTA terá por objetivo também pressionar a administração a responder atempadamente aos recursos dos particulares.

14. Entendemos que não pode ser a letra da lei o único argumento encontrado para desenhar os contornos do supra referido nº 4, pois assim se acaba por se esquecer o pensamento legislativo, desprezando a unidade do sistema jurídico e com isso, ferindo o direito fundamental de impugnação dos atos administrativos lesivos dos particulares, violando o preceito legal do nº l do artigo 9º do Código Civil e o disposto no artigo 268º nº 4 da Constituição, que consagra um modelo de justiça administrativa que tem por função a proteção dos direitos dos particulares.

15. Não menos importante é também o desrespeito pelo art. 7º do CPTA que onera o juiz a interpretar a norma «no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».

16. A interpretação literal da parte final do artigo 59º nº 4, visto in casu não ter havido qualquer notificação da decisão dentro do prazo legal que o órgão administrativo dispõe para decidir, consubstanciaria uma clara profanação no principio da efetivação do direito de acesso à justiça, disposto no artigo 7º do CPTA, e implica uma limitação ao acesso dos particulares à tutela jurisdicional, consubstanciando uma violação dos princípios constitucionais da desconcentração administrativa (artigo 261º, nº 2 da CRP) da plenitude de tutela dos direitos dos particulares e da efetividade da tutela.

17. Face a tudo o acima exposto, e em bom rigor, deveria o tribunal a quo ter considerado, na matéria de facto dada como assente, que a Entidade Recorrida levou a cabo diligências instrutórias complementares após a recepção do Recurso Hierárquico do ora Recorrente, aditamento à matéria de facto assente que ora expressamente se requer, por extremamente relevante para esta questão em concreto.

18. E deveria ainda dai ter sido retirada a devida ilação de que o prazo de suspensão a considerar, em termos de caducidade do direito de acção, na acção principal de condenação à prática de acto devido, deveria ter sido o previsto no nº 2 do art. 198º (15 + 90 dias úteis), o que não aconteceu.

Ao assim não entender, violou a douta sentença ora recorrida o disposto nos arts. 195º, 197º e 198º, todos do CPA, conjugado com o disposto nos arts. 7º e 59º, nº 4 do CPTA.

Da (má) conduta da Administração - art. 58º, nº 3, alínea b) CPTA

19. Entende ainda o ora Recorrente aqui invocar ainda a verificação de uma clara má conduta por parte da Entidade Recorrida, a qual em Julho/ 2016 informa por escrito o ora Recorrente ter o seu processo já sido “enviado ao Conselho Directivo para análise e decisão”, e até à presente data (Janeiro/2017), quase seis meses depois disso, aparentemente se verificar não ter havido qualquer “análise e decisão”...

20. Por nada constar sobre isso na certidão do PA constante dos Autos, nem sequer podermos ter a certeza se tal informação corresponde à verdade, o que, a confirmar-se, não pode deixar de ser considerada como uma conduta reprovável e enganosa pela Administração, que induziu o ora Recorrente em erro, tendo este ficado a aguardar por uma decisão da Administração, “prometida” e legalmente obrigatória, que nunca veio.

21. Conduta da autoridade administrativa - consubstanciada na prática de actos jurídicos ou materiais - que gerou a falsa expectativa da desnecessidade ou inconveniência da impugnação do acto e, assim, induzindo o interessado a prescindir da apresentação em tempo oportuno da petição, em violação dos princípios da protecção da confiança e da boa fé.

22. O que, remetendo ainda para tudo o já acima exposto, permite ao ora Recorrente invocar o disposto no art. 58º, nº 3, alínea b) do CPTA para alegar dever ser a impugnação administrativa apresentada admitida, mesmo que, hipótese que aqui se considera, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, seja entendido não ser de aceitar o alegado no ponto i) supra.

Ao assim não entender, violou a douta sentença ora recorrida o disposto nos arts. 7º e 58º, nº 3, alínea b) do CPTA, bem como o disposto nos arts. 10º, 11º, 13º, 195º, 197º e 198º, todos do CPA.

Termos em que, e nos demais que Vossas Excelências, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença ora recorrida,

Com o que, uma vez mais, se fará a costumada JUSTIÇA”.

*

O Recorrido Instituto da Segurança Social, IP., notificado do recurso interposto, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto da douta Sentença do Tribunal a quo, que considerou verificada a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, tendo determinando a improcedência do pedido e absolvendo da instância o Réu;

B) Inconformado, vem o Recorrente apresentar recurso, assacando à Sentença recorrida o vício de “incorreta interpretação dos factos e do direito”, por no seu entender não se verificar exceção da caducidade do direito de ação e ainda por alegadamente existir uma “clara má conduta” por parte da administração, peticionando que seja revogada a douta Sentença recorrida;

C) Ora as Alegações apresentadas pelo Recorrente, não trazem nada de novo que permita interferir com o juízo meramente perfunctório realizado pelo Digníssimo Tribunal “a quo” e que conduziu à prolação da decisão de absolvição da instância, por se verificar a exceção da caducidade de ação;

D) No caso concreto, verificou-se que por ofício datado de 16/02/2016, da Senhora Diretora de Segurança Social, do Centro Distrital de Lisboa (rececionado a 19/02/2016), o Recorrente foi notificado da decisão de indeferimento do requerimento do subsídio de desemprego;

E) Em 24/03/2016, veio o Recorrente interpor recurso hierárquico da decisão de indeferimento, e naquela data tinham já decorrido 26 dias, do prazo de 3 meses respeitante à impugnação contenciosa do ato;

F) O prazo aplicável à impugnação contenciosa de atos anuláveis encontra-se previsto no artigo 58º, nº 2 alínea b) do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o qual dispõe que a mesma tem lugar no prazo de 3 meses, ao que acresce o disposto no seu nº 2 que prevê: “Sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 59º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil.

G) O prazo de 3 meses equivale a 90 dias (nesse sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, 2007), suspendendo-se sempre que ocorram períodos de férias judiciais;

H) Dispõe o artigo 59º, nº 4 do CPTA: “A utilização dos meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.

I) O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta disposição (no seu Acórdão de 27/2/2008, relativo ao Proc. 0848/06) no sentido de que o prazo de impugnação contenciosa se suspende até à notificação da decisão de recurso hierárquico, ou até ao termo do prazo legalmente fixado para a sua decisão - que é de 30 dias úteis nos termos dos artigos 198º, nº 1 do CPA - conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar;

J) Tendo o Recorrente interposto recurso hierárquico (facultativo) da decisão que lhe foi notificada a 16/02/2016, tendo o referido recurso dado entrada nos serviços do Recorrido a 24/03/2016, além dos 30 dias úteis já mencionados, ter-se-á em conta os 15 dias úteis de acordo com o previsto no artigo 195º, nº 2 do CPA (quanto à pronuncia do autor do ato recorrido);

L) No caso sub judice, a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessou com o decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa, sendo irrelevante o facto de o Recorrido não ter sido notificado da remessa do processo;

M) Uma vez que o recurso hierárquico, não foi objeto de decisão, o facto que ocorreu em primeiro lugar, foi claramente, o decurso dos 30 dias úteis (mais 15 dias úteis de remessa do processo, num total de 45 dias);

N) Assim, contando 15 dias úteis a partir do dia 24/03/2016, e acrescentando os 30 dias úteis previstos para pronúncia do órgão superior sobre o recurso hierárquico (num total de 45 dias úteis), período esse durante o qual o prazo de contagem para propositura da ação judicial se suspende (conforme o disposto no artigo 59º, nº 4, do CPTA), a verdade é que o prazo para a propositura da ação judicial retomou o seu curso no dia 28/05/2016, tendo terminado em 01/09/2016 {já incluindo a suspensão das férias judiciais do verão);

O) Pelo que dúvidas não há, que tendo o Recorrido interposto a ação administrativa em 05/09/2016, mostrava-se ultrapassado o prazo previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA e caducado o direito de intentar ação de condenação à prática de ato devido;

P) No que respeita a alegada “clara má conduta” por parte do Recorrido, sempre se dirá a esse respeito que o Recorrente admite a existência de uma caducidade do direito de ação de intentar a ação principal;

Q) Para além do mais, na notificação de decisão datada de 16/02/2016, constava a informação dos prazos e dos meios de impugnação, ao dispor do Recorrente (graciosa e contenciosa), o que em nada indicia a alegada “clara má conduta”;

R) Ademais, a indicação do prazo de “5 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social e 3 meses para impugnar contenciosamente”, referida na notificação datada de 16/02/2016, respeita à primeira parte do nº 4 do artigo 59º do CPTA, a qual dispõe que “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo”, competindo ao Recorrente averiguar até que momento tal prazo fica suspenso e assim, impugnar contenciosamente, em tempo, a decisão em crise;

S) Por outro lado, na redação da alínea b), do artigo 58º do CPTA, pode ler-se que: “A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do nº 1 (...) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro;

T) Ora, o Recorrente, sabia, porque disso tinha sido informado, quais os prazos de reação graciosa e contenciosa, pelo que face a um cidadão normalmente diligente lhe era exigível, que no caso concreto soubesse quais os meios e prazos de reação;

U) Consequentemente, entendemos que a douta sentença do Tribunal “a quo” não se encontra ferida de qualquer vício ou ilegalidade e muito menos do vício de uma “incorreta interpretação dos factos e do direito", que lhe vem assacado pelo Recorrente, devendo a mesma deve ser mantida na ordem jurídica, por válida e legal.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá improceder, por não provado, o presente recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

Tudo com as devidas e legais consequências, como é de inteira, Justiça!”.

*
Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Objeto do recurso (artºs 144º, nº 2, e 146º, nº 1, do CPTA, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi do artº 140º do CPTA):
A questão objecto do presente recurso suscitada pelo Recorrente prende-se em saber qual o prazo, a partir da interposição do recurso hierárquico sem que no mesmo tenha recaído decisão, para a impugnação contenciosa, quando após a recepção do recurso hierárquico a Recorrida levou a cabo ‘diligências complementares’.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
Com relevância para a decisão da excepção agora suscitada mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
A) O Autor dirigiu e apresentou junto da Demandada, o requerimento de fls. 32-33 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e no qual requereu a atribuição de prestações de desemprego;
B) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, que recebeu, o ofício de fls. 48 dos autos, datado de 14.12.2015, cujo teor se dá por reproduzido e no qual se referiu, designadamente o seguinte:

C) O Autor pronunciou-se sobre o projecto de indeferimento vertido no ofício da alínea anterior através do requerimento de fls. 50-54 verso dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e no qual referiu, designadamente que: (…) Nestas circunstâncias e uma vez que ao longo de toda a vigência do contrato de trabalho celebrado com o contribuinte, a sua entidade empregadora sempre comunicou que as remunerações deste eram pagas a título de TCO e sempre fez os descontos e pagou a TSU enquanto TCO não se entende nem se admite que os serviços da Segurança Social tenham decidido por sua exclusiva iniciativa e discricionariedade, considerar as remunerações do mesmo contribuinte entre Janeiro de 2013 e Maio de 2015 como MOE (…);
D) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, que recebeu a 19.02.2016, o ofício de fls. 61 dos autos com o teor seguinte: (…) Informa-se V. Exa. de que o requerimento acima indicado será indeferido se no prazo de cinco dias úteis a contar da recepção deste ofício não der entrada nestes serviços resposta por escrito da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos do indeferimento são os a seguir indicados:
- não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem com o correspondente registo de remunerações num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego para atribuição do subsídio de desemprego (nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 220/2006 de 3 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 64/2012);
- Não ter igualmente prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, para atribuição do subsídio social de desemprego (nº 2 do art. 22º do Decreto-Lei nº 220/2006 de 3 de Novembro).
Mais se informa que na falta de resposta o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido (…)»; (a data da recepção do ofício é a indicada pelo Autor no recurso hierárquico a que adiante se aludirá);
E) O Autor apresentou, junto da Demandada, a 24.03.2016, o recurso hierárquico de fls. 63-73 verso, cujo teor se dá por reproduzido e no qual requereu a revogação do acto de indeferimento de concessão de subsídio de desemprego:
F) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, via e-mail, a 7.04.2016, mensagem de fls. 75 verso dos autos com o teor seguinte: «…informamos que face ao recurso hierárquico que apresentou sobre a decisão de indeferimento, este vai ser enviado ao Conselho Directivo para análise e decisão…»;
G) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, via e-mail, a 9.06.2016, mensagem de fls. 75 dos autos com o teor seguinte: «…. Relativamente ao seu contacto que desde já agradecemos, informamos que no seguimento do recurso hierárquico apresentado pelo beneficiário o processo foi enviado ao Conselho Directivo para análise e decisão…»;
H) O recurso hierárquico mencionado em E) não foi objecto de decisão (por acordo);
I) A petição inicial foi apresentada neste TAF a 5.09.2016 (cfr. SITAF e fls. 3);”

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IV. Direito
Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise da questão a decidir, que consiste em determinar, a partir da interposição do recurso hierárquico que não foi objecto de decisão, qual é o prazo para a impugnação judicial, se o do previsto no nº 1 do artº 198º do CPA (15+30 dias úteis) ou o contido no seu nº 2 (15+90 dias úteis), dado que o Recorrente sustenta que a Recorrida após a recepção do recurso hierárquico levou a cabo ‘diligências complementares’.
Resulta do probatório que “F) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, via e-mail, a 7.04.2016, mensagem de fls. 75 verso dos autos com o teor seguinte: “…informamos que face ao recurso hierárquico que apresentou sobre a decisão de indeferimento, este vai ser enviado ao Conselho Directivo para análise e decisão…”, e que “G) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, via e-mail, a 9.06.2016, mensagem de fls. 75 dos autos com o teor seguinte: «…. Relativamente ao seu contacto que desde já agradecemos, informamos que no seguimento do recurso hierárquico apresentado pelo beneficiário o processo foi enviado ao Conselho Directivo para análise e decisão”.
O nº 2 do artº 195º do CPA dispõe que “No mesmo prazo referido no número anterior, ou no prazo de 30 dias, quando houver contrainteressados, deve o autor do ato ou da omissão pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo administrativo”.
No caso, não se apurou a data desta remessa, não redundando das alíneas F) e G) da matéria assente na decisão recorrida e supra enunciadas que se consubstancie a notificação assinalada naquele normativo.
Isto porque, no essencial, patenteia a aludida alínea G) que a informação prestada pela Recorrida ao Recorrente derivou do impulso deste último.
Todavia, ex vi do transcrito nº 2 do artº 195º do CPA, a data da remessa do processo apenas teria efeitos na contagem do prazo de suspensão do prazo de impugnação no caso de ter ocorrido em data anterior ao prazo de 15 dias.
Com efeito, o Acórdão do TCAN, Processo nº 1194/15.6BEAVR, de 18 de Setembro de 2020, in www.dgsi.pt dita que “a notificação do momento da remessa dos autos ao órgão competente para conhecer o recurso hierárquico, assim como a notificação da data de decisão do recurso hierárquico, apenas são relevantes para efeito de encurtamento do período de suspensão do prazo de impugnação contenciosa, tornando-se irrelevantes com o esgotamento dos prazos máximos permitidos para remessa e decisão do recurso hierárquico”.
O nº 1 do artº 198º do CPA estabelece que “Quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias, a contra da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer”, que tem lugar no prazo de 15 dias a contar da recepção do requerimento de interposição de recurso, ao abrigo do densificado no nº 2 do artº 195 daquele diploma.
Assente que está que o recurso hierárquico não logrou obter decisão, há que saber em que momento findou o prazo legal para lançar mão da impugnação contenciosa.
Em 24 de Maio de 2016 foi interposto recurso hierárquico que devia ser decidido no prazo de 30 dias – cfr nº 1 do artº 198º do CPA – havendo, igualmente, que convocar o prazo de 15 dias, estatuído no nº 1 do artº 195º daquele diploma: “Recebido o requerimento, o autor do ato ou da omissão deve notificar aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência para alegarem, no prazo de 15 dias, o que tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus fundamentos”.
Na verdade, este prazo de 15 dias destina-se ao autor do acto permitindo-lhe a ponderação e pronúncia sobre o recurso hierárquico e, quiçá, mercê da demonstração do nele expendido, assiste-lhe a faculdade de “revogar, anular, modificar ou substituir o ato, informando da sua decisão o órgão competente para conhecer do recurso”vide nº 3 do artº 195º do CPA.
Trata-se, assim, de conceder um compasso de tempo ex ante ao prazo de 30 dias subsumido ao recurso hierárquico para a reanálise deste último pelo autor do acto, que diverge em duas vias:
. ou pela respectiva improcedência, sendo que a manutenção do decidido não obsta ao percurso normal da tramitação do aludido recurso;
. ou, toma-se pela sua procedência, altura então em que dá do mesmo “conhecimento ao órgão competente para conhecer do recurso”, notificando o Recorrente e os eventuais Contra-Interessados, em harmonia com o preceituado no nº 5, para os efeitos consignados nos nºs 4, 6 e 7 do supra assinalado normativo e no artº 197º, todos do citado diploma legal.
Nos termos do supra expressado, sobre o recurso hierárquico não foi emitida decisão, pelo que nesse hiato temporal (15+30 dias), isto é, desde a data da sua interposição até ao final do prazo, somam 45 dias, cômputo este que releva para se apurar da verificação da caducidade em apreço.
Nesta averiguação não cabe alçar o supra mencionado prazo de 45 dias para o máximo de 60 dias adstrito ao exercício de diligências complementares, de acordo com o nº 2 do artº 198º do CPA, que segundo refere o Recorrente, a Recorrida levou a efeito.
Não se infere dos autos a realização daquelas diligências reconduzindo-se a matéria assente nas alíneas F) e G) da sentença recorrida, a um mero informe sobre a remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, não se descortinando nos autos a data em que esta se materializou.
Não se pode, igualmente, desconsiderar da apreciação sobre o que o Recorrente vem denominar:
Da (má) conduta da Administração – alínea b) do nº 3 do artº 58º do CPTA.
O Recorrente vem invocar esta conduta por banda da Entidade Recorrida, aduzindo, em súmula, que a mesma radica em lhe ter informado por escrito, em Julho de 2016, que o seu processo tinha sido “enviado ao Conselho Directivo para análise e decisão”, e praticamente seis meses depois disso, se verificar não ter havido qualquer análise e decisão.
Não tem razão na presente asserção por duas ordens de razões.
Primo, a circunstância da informação que o Recorrido lhe forneceu nela indicando mês e ano, não enforma a cominação legal de ter de ser analisado e decidido.
Secondo, o Recorrente com a notificação do Recorrido elencada na alínea D) do probatório, da decisão datada de 16 de Fevereiro de 2016 que recebeu três dias depois, por constar expressamente do atinente ofício, ficou sabedor de que dispunha de “3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social” e de “3 meses para impugnar contenciosamente”.
Acresce que o artº 6º do Código Civil, consagra que “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
Ora, não pode o Recorrente vir esgrimir a má conduta do Recorrido quando este cumpriu os ditames que lhe cabiam, ou seja, o de explicitamente mencionar in fine no ofício de 16 de Fevereiro de 2016, os prazos legais de que aquele dispunha para reagir graciosa e contenciosamente ao indeferimento do pedido. A circunstância de não ter observado o nele descrito em conformidade, ou dito de outro modo, o ter violado, é um ónus que recai sobre si próprio e cujas consequências operam em seu desfavor.
Em conclusão, o prazo de natureza substantiva e peremptório, estabelecido na alínea b) do nº 2 do artº 58º do CPTA para a impugnação de actos anuláveis, atendendo a que no disposto na alínea b) do seu nº 3 não se integra o modus operandi do Recorrido, não se evidenciando que a Administração tenha induzido em erro o Recorrente, não obsta a que extrapolado o mesmo, seja decidida a caducidade do direito de acção.
Mostra-se, pois, insindicável a arguida (má) conduta da Administração – vide alínea b) do nº 3 do artº 58º do CPTA – pelo que não é admissível a instauração da acção para além do prazo.
Assim, o Recorrente teve conhecimento no dia 19 de Fevereiro de 2016 do indeferimento do pedido de concessão de prestações de desemprego, pelo que contando a dilação de 5 dias úteis até ao dia 24 de Março de 2016 em que interpôs recurso hierárquico, decorreram 26 dias.
Trazendo à colação o instituído no nº 4 do artº 59º do CPTA, o prazo de impugnação esteve suspenso desde aquele dia 24 de Março de 2016 até à data de 27 de Maio de 2016 (45 dias úteis), sendo que o tempo para a contagem para a propositura da acção judicial em causa, principiou em 28 de Maio de 2016 e terminou em 30 de Julho de 2016; contudo, transferiu-se para o dia 1 de Setembro de 2016, atendendo ao disposto na alínea e) do artº 279º do Código Civil: “O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
A acção para a prática de acto devido foi instaurada em 5 de Setembro de 2016 – cfr alínea I) do Probatório – ou seja, depois de esgotado o prazo legal de três meses, preceituado na alínea b) do nº 1 do artº 58º conjugado como o nº 2 do artº 69º, ambos do CPTA.
Assim sendo, não assiste razão ao Recorrente quando dirige censura à sentença recorrida pois nesta se efectuou uma correcta apreciação, quer dos factos, quer do Direito aplicável, respectivamente mostrando-se conforme a aplicação do previsto no nº 2 do artº 195º (15 dias úteis) e o consignado no artº 198º, ambos do CPA (30 dias úteis) em resultado do qual se decretou a caducidade do direito de acção.
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V. Decisão

Nestes termos, face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, por não provados os seus fundamentos, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente – vide nºs 1 e 2 do artº 527º do CPC e nº 2 do artº 189º do CPTA.

Registe e notifique.

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Lisboa, 11 de Abril de 2024

(Maria Helena Filipe)

(Eliana de Almeida Pinto)

(Frederico Macedo Branco)