Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06685/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/08/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:DOMICÍLIO FISCAL (ART. 19.º DA LGT); HABITAÇÃO PERMANENTE PARA EFEITOS DA EXCLUSÃO DE TRIBUTAÇÃO EM MAIS-VALIAS( N.º 5 DO ART. 10.º DO CIRS).
Sumário:Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no art. 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressupostos de “habitação permanente” o n.º 5 do art. 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 06685/13

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação apresentada por CÉSAR ……………………., do despacho de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS (rendimentos da categoria G – mais valias) do ano de 2004.

A Recorrente Fazenda Pública apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

4. Conclusões

4.1 - O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", julgando procedente a impugnação deduzida, e em consequência, condenando a Fazenda Publica no pedido.

4.2 -Após determinar que a questão a decidir seria a de saber se o Impugnante reunia todos os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10° do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel situado em ……………...

4.3 - Compulsando os autos, constata-se, contrariamente, ao entendimento do Tribunal "a quo", que a posição da AT teve por base fundamentos definidos no ordenamento legal, nomeadamente no Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares, na Lei Geral Tributária e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, por onde se constata que, coincidindo o domicilio fiscal com o local da residência habitual e tendo o Impugnante como a sua mulher comunicado a alteração do seu domicilio para ………… - Lisboa em 23-01-2003, nos termos do artigo 19° da LGT, vindo, posteriormente, e na sequência de tal alteração, requerer a isenção de IMI para aquele prédio nos termos do artigo 46° do EBF, assumindo este como sua habitação própria e permanente, afigura-se-nos que o imóvel sito em ………….. - Condeixa a Nova, não poderá, nesta relação tributária, ser considerado como habitação própria e permanente para efeitos de exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos proveniente da transmissão onerosa daquele imóvel.

4.4 - Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada no facto do Impugnante reunir todos os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10° do ClRS.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA”.

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O Recorrido não apresentou contra-alegações.


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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao entender que o Impugnante reunia os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel sito em Sabal Grande, pois não comunicou à AT a alteração do seu domicílio fiscal para esse local.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“III FUNDAMENTAÇÃO
III.1 De facto
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. Em 3/2/1998 César ……………. e Anabela ……….., casados no regime de comunhão de adquiridos celebraram escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, através da qual, compraram pelo preço global de cinco milhões e cem mil escudos (EUR 24.940,00) uma casa de habitação, sita no Casal do Paraíso, na freguesia de ……., Conselho de Condeixa a Nova, inscrita na respectiva matriz sob o artigo ……., e um terreno sito na ……, na freguesia do …………, Conselho de Condeixa a Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …….., tendo celebrado um mútuo com hipoteca no valor de onze milhões de escudos (EUR 54.867.76) (cf. escritura a fls. 12 a 19 do Processo Administrativo Tributário, de ora em diante designado de PAT)

2. No contrato de mútuo celebrado através da escritura identificada no ponto anterior, foi declarado que da importância mutuada destinava-se a importância de cinco milhões de escudos (EUR 25.000) há compra do prédio identificado em 1 e a importância de seis milhões de escudos (EUR 29.927) a obras de beneficiação do imóvel, (cf. Documento complementar à escritura constante a fls. 20 a 28 do PAT).

3. Em 4/5/2004 o Banco ……………. emitiu a declaração de cancelamento da hipoteca que incida sobre o prédio descrito no ponto n°1 (cf. declaração a fls. 30 e 31 do PAT).

4. Em 11/8/2004 o impugnante e Anabela ……………, casados entre si no regime de comunhão de adquiridos celebraram escritura de compra e venda e mutuo com hipoteca, através da qual compraram pelo preço global de EUR 192.500,00 a fracção autónoma designada pelas letras "………", correspondente à habitação no piso seis do edifício sete BC com a identificação seis B, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Zona de Intervenção da Expo 98 ou Parque Expo 98- ………., lote ………, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, descrito na oitava Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°…………, da referida freguesia, inscrito na matriz respectiva sob o artigo …….. (cf. escritura a fis. 34 a 40 do PAT).

5. Em 11/8/2004 no âmbito da compra identificada no ponto anterior, o impugnante contraiu um empréstimo garantido por hipoteca, junto da …………….. no valor EUR 125.000,00 destinado à aquisição do imóvel identificado no ponto anterior, para habitação própria e permanente (cf. documento complementar à escritura a fls. 41 a 52 do PAT).

6. Em 30/4/2004 o impugnante e a sua mulher Anabela ……………. tinham o seu domicílio fiscal na R. …………, n°32-1, ……….., Lisboa, domicílio fiscal que se mantinha, no que se refere ao impugnante em 11/8/2004 (cfr. print das finanças a fls. 62 a 72 do PAT).

7. Em 3/2/2005, a Direcção Geral dos Impostos, serviço de finanças de Condeixa-a-Nova, emitiu carta-aviso dirigida ao ora impugnante, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual consta o seguinte (cf. oficio a fls. 29 do PAT):
(…)
Assim, dado que V. Exa. alienou onerosamente, durante o ano de 2004, o prédio a seguir indicado, conforme elementos abaixo discriminados e, caso o prédio se encontre na situação referida no primeiro parágrafo da presente carta-aviso, deverá V. Exa. apresentar, no prazo previsto na alínea b) do n°1 do artigo 60° do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (16 de Março a 30 de Abril), conjuntamente com a sua declaração modelo 3 de l. R. S., o respectivo anexo G, onde mencionará os valores da transmissão.
Montante (€): 110 000,00
Liquidação de IMT n………….
Data da Liquidação: 04-05-04
Artigo: -------------
Freguesia: ……………
(...)
Obs.: Vendeu o artigo urbano ………. por 100.000,00 Euros.
Vendeu o artigo rústico …………. por 10,000,00 Euros
(...)"

8. Em 13/7/2005, o impugnante entregou a declaração de IRS relativa ao ano de 2004, com a menção no respectivo anexo G (mais valias), da alienação onerosa de vários imóveis, manifestando a intenção de proceder ao reinvestimento do valor de EUR 110.000,00, correspondente ao valor de realização da venda do artigo matricial urbano n°………, e rústico n°……….. da freguesia do …………., Concelho de Condeixa a Nova, (cf. anexo G a fls. 7 e 8 do PAT).

9. Em 23/7/2008 o impugnante apresentou declaração rectificativa do modelo 3, anexo ……… (relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais) a alienação dos imóveis identificada em 1, o reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria permanente, EUR 50.763,34, quanto ao " valor em divida do empréstimo à data da alienação" do bem vendido, o valor de realização que pretendia investir (sem recurso ao crédito) no montante de EUR 59.236,66 e o valor de EUR 67.500,00 de capital reinvestido no ano da alienação (cfr. anexo G a fls. 53 e 54 do PAT).

10. Em Junho de 2004, Anabela ……….. mulher do impugnante, trabalhava no Governo Civil do Distrito de Viseu, recebendo a correspondência relativa à ADSE na ……….., Sobreiro, …………. …… (cfr. cópia dos recibos de vencimento e correspondência da ADSE a fls. 14, 16 e 17 dos autos e o depoimento da testemunha João …………….).

11. Em 10/8/2004 a Direcção Geral dos Impostos, através do ofício n°000275759, comunicou ao impugnante o despacho de indeferimento emitido em 6/8/2004, do processo relativo ao pedido de isenção de contribuição autárquica relativa ao artigo …….., fracção B - ………….., com o fundamento de que o comproprietário ………….………..tinha o mesmo tipo de isenção (cf. ofício a fls. 18 dos autos).

12. No ano de 2003 e 2004 o ora impugnante, a sua mulher e o seu filho menor dormiam, tomavam as refeições e recebiam os amigos no imóvel descrito no ponto n°1 (Depoimento da testemunha João ……………).

13. O impugnante teve que ir trabalhar para Lisboa em finais de 2003, deslocando-se para junto da família aos fins-de-semana (Depoimento da testemunha João ………………….).

14. Em 4/6/2008, a administração fiscal procedeu à liquidação de IRS n°………………, relativa ao exercício de 2004 referente ao impugnante, com o valor a pagar de EUR 7.298,60, com uma compensação no valor de EUR 626,02 realizada em 24/6/2008 e data limite de pagamento de 30/7/2008 (cf. fls.68 e 69 dos autos).

15. Em 25/7/2008, o ora impugnante deduziu reclamação da liquidação descrita em 14, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual constam os seguintes fundamentos: (cfr. fls. 1 do PAT- autos de reclamação).
" Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa 14"
(...)
a)Em Maio de 2004 procedem à venda da sua casa de Habitação Própria Permanente no Concelho de Condeixa-a-Nova, freguesia …………., com a matriz …………, pelo valor de 110.000,00€;
b) Adquiriram em Agosto do mesmo ano, outra habitação Própria Permanente, que habitam até à presente data, pelo valor de €192.500,00;
c)Recorrem a um empréstimo bancário no valor de 125.000,00€
d) D) Reinvestem no ano da alienação do referido bem imóvel o valor de 67.500,00
2- Por lapso, aquando da entrega do IRS de 2004, no Anexo G, procederam incorrectamente ao seu preenchimento, pelo que apresentam nova declaração, com o anexo G devidamente preenchido, para que possa V. Exa., proceder à devida análise e rectificação.
3- Informam que:
• no dia 7 de Julho, dirigiram-se ao serviço de repartição de finanças dos Olivais onde foram informados pela funcionária que se encontrava ao serviço no balcão de atendimento referente a assuntos do IRS, que antes de efectuarem a reclamação graciosa, deveriam proceder ao pagamento voluntário da notificação de cobrança;
(...)
4- Informam ainda, que já procederam voluntariamente à liquidação do valor de 6.672,58, correspondente à nota de compensação supra citada.
(…)”

16. Em 9/9/2008 foi proferida decisão no sentido do indeferimento da reclamação descrita no ponto anterior, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual constam os seguintes fundamentos (cfr. fis. 73 a 75 do PAT - autos de reclamação).
" Visto a informação que antecede com cujos fundamentos concordo, indefiro a presente reclamação já que o bem alienado não era destinado a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar conforme vem determinado no n°5 do artigo 10° do CIRS, pese embora o direito de audição a que se refere o art.60° da LGT.
Notifique-se (...)"

17. Em 9/10/2008 o impugnante recepcionou o projecto decisão descrito no ponto anterior, por carta postal registada, com a concessão do prazo de 15 dias para o exercício do direito de audiência prévia (cfr. fls. 76 a 99 do PAT - autos de reclamação).

18. Em 27/11/2008 o impugnante exerceu o direito de audiência prévia por escrito, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte (cfr. fls. 83 a 86 do PAT - autos de reclamação):
“(…)
7.° O requerente é casado, sendo o seu agregado familiar constituído nos termos da alínea a), do n°3, do artigo 13° do CIRS,
8.° e era aí, em ……….., que o casal - requerente e esposa - tinham o centro da sua vida familiar, paradigma da residência habitual,
9.° Local onde recebiam os amigos e pernoitavam.
Tal facto,
10.° É ainda atestado por em tal residência usufruírem da isenção, a que se refere o artigo 42.° do Estatuto dos benefícios fiscais, de contribuição autárquica hodierno IMI
11.º Acontece que o requerente - Técnico Superior do Instituto do Emprego e Formação Profissional - por via de solicitação de tal entidade, passou a prestar a sua actividade em Lisboa, na Rua de Xabregas,
12.° Pelo que, dada a grande distância a percorrer diariamente o impedir, voltava a residência à sexta-feira ao fim do dia,
13.° E regressava a Lisboa à segunda-feira de madrugada para cumprir a sua actividade.
14.° Tal facto, manifestamente não impedia que a residência habitual do requerente e a que aludem os preceitos já citados, se situasse em …… local onde, reitera-se, mantinha o requerente o centro da sua vida familiar, e
15.° Onde aliás se mantinha o conjugue, Assistente Administrativa no Governo Civil de Lisboa de Viseu, conforme melhor se alcança da cópia da declaração para preenchimento do IRS de 2004, endereçada para a residência habitual de ............., e que se junta e se dá como reproduzida para todos os efeitos legais (...)
Ora,
20.° Com a vinda forçada por deveres profissionais - para Lisboa do requerente, decidiu este e a conjugue a compra de um imóvel em ………., no desiderato de obviar custos com a pernoita do requerente,
21.° Pelo que este adquiriu o imóvel sito na Rua ………….., n°32-1.° em ………, local onde o requerente pernoitava durante a semana,
22.° Deslocando-se à sexta-feira para a sua residência habitual em ............., local onde se encontrava com o conjugue.
Entretanto,
23.° E porque o requerente é que na relação conjugal organizava todos os assuntos referentes à administração tributária, alterou tão só a morada para tal correspondência.
24.° Mantendo, todavia, tudo o mais, correspondência bancária, de fornecedores, de amigos, na sua residência habitual em ..............
25.° Em Julho de 2008, a conjugue do requerente teve uma oportunidade de transitar a prestação da sua actividade para Lisboa, já que era penosa para a conjugue e para o requerente a ausência do último durante a semana.
(...)
27.° Tendo até chegado a requerer a isenção de contribuição autárquica - IMI. Acontece que, em resposta a tal pedido de isenção, a Administração tributária indeferiu o mesmo liminarmente, com a seguinte fundamentação:
«Comproprietário com o mesmo tipo de isenção vigente (...)
35.° A conjugue do requerente, porque as condições remuneratórias para a sua transferência para Lisboa se revelaram inferiores às que auferia em Viseu,
36.° Acabou por não aceitar tal lugar e manteve-se em Viseu,
37.° Com a residência habitual em ............., local onde com o requerente mantive a sua residência habitual,
38.° Até ter obtido, meses volvidos, as mesmas condições que auferia em Viseu,
39.° e após a aquisição da actual residência do casal em Jardim das Jacarandás, lote 4.28.01, 6.°B, em Lisboa.
40.° Desta sorte, a habitação própria e permanente do requerente e conjugue foi, até á aquisição da referida no número anterior foi a de ............., pelo que se encontra preenchida a previsão do n°5, do artigo 10°, do CIRS.
(...)

19. Em 30/10/2008 foi proferida a decisão de indeferimento da reclamação descrita no ponto 15 pelo Chefe do serviço de finanças, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual consta como fundamento o seguinte (cfr. a fls.108 a 110 do PAT- autos de reclamação).
" (...) o sentido dado ao n.°5 do art.10° do CIRS, quando se refere a habitação própria e permanente, é meu parecer, ter que ser aquela que fiscalmente é relevante (a do domicilio fiscal), ou então não faria sentido estar na Lei se esta não fosse possível provar pela Administração Fiscal.
(...)"

20. Em 10/11/2008 o ora impugnante recepcionou a carta postal registada com aviso de recepção, com a decisão de indeferimento descrita no ponto anterior (cfr. aviso de recepção assinado a fls 111 do PAT- autos de reclamação).

21. Em 20/11/2008 o mandatário do ora impugnante recepcionou a carta postal registada com aviso de recepção, com a decisão de indeferimento descrita no ponto 18 (cfr. aviso de recepção assinado a fls.114 do PAT- autos de reclamação).

22. Em 5/12/2008, foi enviada por telecópia, ao Serviço de Finanças Lisboa 14, a petição inicial da presente impugnação judicial, posteriormente, enviada por correio registado em 9/12/2008 (cfr. comprovativo de envio de fax a fls. 104 dos autos, carimbo aposto a fls. 4 dos autos e comprovativo de registo a fls. 105 dos autos).

23. A petição de impugnação que consta do Processo Administrativo tributário corresponde à petição enviada por fax, conforme é visível pelas inscrições no topo das páginas (cf. fls. 4 a 13 do PAT).

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento da testemunha João Pedro Pereira da Costa que se mostrou credível, consistente e com conhecimento directo dos factos.

Factos Não Provados
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”.

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos a liquidação impugnada assenta no entendimento da Autoridade Tributária (AT) de que a expressão “habitação própria e permanente” a que se refere o n.º 5 do art. 10.º do CIRS é a que coincide com o domicílio fiscal previsto no art. 19.º da LGT.

A sentença recorrida, após a análise da prova produzida entendeu que o Impugnante reunia os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel sito em ……………..- Condeixa-a-Nova.

A Recorrente insurge-se contra o decidido por entender que como a Impugnante não comunicou à AT a alteração do seu domicílio fiscal para aquele local, não poderá ser considerado como habitação própria e permanente, pois em 23/01/2003 alterou o seu domicílio fiscal para ……………(Lisboa).

Apreciando.

À data dos factos dispunha o n.º 5 do art. 10.º do CIRS o seguinte:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;” (sublinhado nosso).

Trata-se de uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei.

Como refere Paula Rosado Pereira “Face aos contornos do regime em apreço, poder-se-á dizer que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (…)” [Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, Coimbra, 2005, p.101].


“A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.” (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413).

“O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.” (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114).

“Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação” (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168).

Ora, importa sublinhar, desde logo, que da análise do n.º 5 do art. 10.º do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico-fiscal de “domicílio fiscal”, como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente prevista no n.º 1 do art. 46.º do EBF considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicilio fiscal (cfr. n.º 9 daquele preceito legal)].

Mas mesmo nesse caso em que se remete para o conceito de domicílio fiscal, mesmo assim, “(…) II. O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal._ Ac. do STA de 23/11/2011, proc. n.º 0590/11.

Ou seja, mesmo nesses casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal o STA admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.

Com efeito, o art.º 19.º da LGT, à data dos factos e na parte relevante para os autos dispunha o seguinte:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
2 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
3 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”

Portanto, o conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do art. 19.º, n.º 1 da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual.

Por outras palavras, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente.

Para além da definição de domicílio fiscal que consta do n.º 1 daquele preceito legal o legislador entendeu estabelecer uma obrigação comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária no n.º 2 [corresponde actualmente ao n.º 3], regulando as consequências jurídico-fiscais do incumprimento dessa obrigação: é ineficaz a mudança enquanto não for comunicada à administração tributária (cfr. n.º 3 a que corresponde o actual n.º 4).

Importa, então, distinguir por um lado, o conceito de domicílio fiscal (que depende única e exclusivamente do local da residência habitual), e por outro lado, a obrigação de comunicação da mudança de domicílio (cujo incumprimento acarreta a ineficácia da mudança).

A mudança da residência habitual do sujeito passivo (domicílio fiscal) deve ser obrigatoriamente comunicada à AT, mas se não o for, tal incumprimento tem consequências jurídicas apenas a nível da eficácia da mudança do domicílio, ou seja, dos seus efeitos jurídicos.

Aqui chegados importa então concluir que, se é legítimo à AT no procedimento tributário opor-se ao reconhecimento de determinado direito do contribuinte derivado de lei substantiva quando este se limita a invocar o seu domicílio fiscal, mas não tenha comunicado a sua alteração, já não é legítimo o não-reconhecimento desse direito quando para além da invocação do domicílio fiscal o sujeito passivo prove que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinha residência habitual no local em questão.

Ora, como vimos, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que nunca se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal, e de qualquer modo, seguindo a jurisprudência supra citada, sempre seria de entender que o Impugnante poderia fazer prova da sua residência habitual em certo lugar, pelo que importava, no caso dos autos, aferir se o Impugnante fez ou não essa prova.

E neste particular a sentença recorrida, após a valoração da prova documental e testemunhal produzida nos autos, entendeu e bem, que a Impugnante que reunia os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel (cfr. pontos 10, 12 e 13 da matéria de facto).

Como bem se decidiu na sentença recorrida “os actos ou factos que demonstram a ligação do Impugnante ao imóvel não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o impugnante pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva naquele imóvel. Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através de “factos justificativos” de que o impugnante fixou no imóvel o centro da sua vida pessoal. (…)
Dos pontos n.º 10, 11, 12 e n.º 13 dos factos provados resulta que o impugnante e a sua família habitaram o imóvel sito no Casal do Paraíso, na freguesia de ............. …………, Conselho de Condeixa a Nova (melhor descrito no ponto n.º 1 dos factos provados) até à data da sua venda.
O impugnante manifestou a intenção de proceder ao reinvestimento, mencionando o valor que tencionava reinvestir na declaração de rendimentos que apresentou, respeitante ao ano da alienação (ponto n.º 8 dos factos provados).
Assim, resta concluir, que o impugnante reunia todos os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel que habitara e que somada a um empréstimo bancário, foi reinvestido na compra de imóvel para habitação própria no prazo legal de 24 meses.”

Pelo exposto, a sentença recorrida não enferma dos vícios invocados pela Recorrente, e nessa medida, improcedem os fundamentos do recurso.

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3. Sumário do acórdão

Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no art. 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressupostos de “habitação permanente” o n.º 5 do art. 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.



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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.

D.n.
Lisboa, 8 de Outubro de 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso