Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 35/21.0 BCLSB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | INIMPUGNABILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL PRONÚNCIA INDEVIDA RECURSO DE REVISÃO ERRO DE JULGAMENTO |
| Sumário: | I-Infere-se do teor literal do normativo 27.º do RJAT, e da sua ratio legis, que a expressão “decisão arbitral” visa, tão-só, integrar, a decisão final e não uma decisão interlocutória. II-É admissível a impugnação da decisão arbitral que põe termo ao recurso extraordinário de revisão por falta de verificação dos pressupostos legais atinentes ao efeito, porquanto é uma decisão final passível de subsunção normativa no artigo 27.º do RJAT, e abstratamente enquadrável no fundamento da “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c), do artigo 28.º, n.º 1 do RJAT. III-O erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. IV-Se o Tribunal Arbitral se reconstitui para apreciar um pedido de revisão com fundamento em oposição da decisão arbitral revidenda já transitada com jurisprudência do TJUE, mas decide que o pedido não apresenta fundamento válido de revisão, tal consubstancia eventual erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, donde radicada no mérito e, portanto, cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição. |
| Votação: | COM UM VOTO DE VENCIDO |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Impugnante), deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º, e 28.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAT”), dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo 727/2019-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA). A Impugnante termina as exposições da impugnação formulando as seguintes conclusões: “ A. A decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado pela agora Impugnante é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis. B. E, nessa medida, é impugnável, nos termos do disposto na primeira parte da alínea c) do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida. C. Está jurisprudencialmente assente que a questão da incompetência dos tribunais arbitrais integra-se no conceito de “pronúncia indevida”, enquanto fundamento para a dedução de Impugnação de Decisão Arbitral, a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do TCAS, proferido em 03/12/2020 no âmbito P. 123/19.2BCLSB, e 177/2016 do TC, proferido em 29/03/2016. D. Pelo que o conceito de “pronúncia indevida” previsto no artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT, abrange os casos em que, por via da impugnação, se pretende a sindicância de questões referentes à competência do tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD. E. As questões referentes à competência tanto podem dizer respeito aos casos em que o tribunal arbitral não podia sequer decidir, por vício na sua constituição; conheceu de questões que não podia conhecer; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu a sua competência; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu o prazo para as conhecer; ou, como interessa para os presentes autos e para esta impugnação, os casos em que o tribunal arbitral não se considera ele próprio competente para apreciar a questão. F. A decisão ora em crise, de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão. G. E tal é manifesto quando afirma que a AT “(…) nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado ‘uma instância de recurso”. H. Ainda que tal correspondesse à verdade, o que não se concede, é inquestionável que não cabe à Impugnante explicar a um órgão jurisdicional as noções básicas de organização judiciária portuguesa, até porque foi invocado todo o arsenal legal, doutrinário e jurisprudencial necessário para a formação de tal juízo. I. A decisão ora colocada em crise consubstancia uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete, com o culminar de uma decisão de natureza exclusivamente processual pela qual o Tribunal Arbitral se coloca, ilegalmente, à margem do sistema jurídico, enveredando, para tanto, numa “pronúncia indevida”. J. Consubstanciando a sua posição no facto de, alegadamente, o TJUE não ser uma “instância internacional de recurso” para efeitos da legislação processual portuguesa, de o acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo 0360/13, não ser aplicável ao caso vertente, e, por fim, por nos processos de Reenvio Prejudicial, o TJUE não funcionar enquanto instância de recurso, mas sob as vestes de colaboração de juízes. K. Porém, e salvo o devido respeito, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder. L. O primeiro, e como se deixou bem expresso na presente Impugnação, não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, o “(…) TJUE é uma instância internacional vinculativa para o Estado português”, pois ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa. M. É, precisamente, neste sentido que deve ser interpretado o conceito de “instância internacional de recurso”, e não na dimensão redutora empregue pelo Tribunal Arbitral. N. Também não colhe o argumento segundo o qual o acórdão do STA, invocado pela Impugnante, não é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial. O. Em primeiro lugar porque o Tribunal Arbitral não logrou fundamentar as motivações que subjazem a tal conclusão. P. Seja como for, certo é que, estando em causa a interpretação de normas comunitárias (como é o caso do IVA), obviamente que nem a espécie processual, nem o autor da ação poderiam (e poderão), por si só, constituir fatores determinantes para o acesso, ou não, ao instituto do Recurso de Revisão. Q. Não se vislumbra uma razão objetiva e válida que justifique uma diferença de tratamento recursório entre uma ação por incumprimento e um Reenvio Prejudicial para efeitos do acionamento do artigo 696.º-f) do CPC. R. Antes pelo contrário, a doutrina produzida sobre esta matéria não tem dúvidas quanto à aplicação do artigo 696.º-f) do CPC, independentemente de a decisão do TJUE ser o culminar de uma ação por incumprimento ou de um Reenvio Prejudicial. S. Também a jurisprudência está alinhada com a posição doutrinal, conforme decidido pelo TCA Norte, em 03/12/2020, no âmbito do P. 00036/11.6BEPNF-A. T. Quanto à afirmação de que o TJUE apenas funciona sob as vestes de colaboração de juízes, e tomando por base tudo o que se disse anteriormente, naturalmente também este argumento não tem sustentação. U. Não existem dúvidas que a União Europeia não constitui uma federação e tão-pouco possui um tribunal federal, assim como não possui um sistema de tribunais próprios, com vista à aplicação exclusiva do seu direito. V. E que na ausência de tal sistema, a arquitetura jurisdicional da União Europeia assenta nos tribunais nacionais existentes nos Estados-Membros. W. Entre o TJUE e os tribunais nacionais existe uma relação de cooperação horizontal, o que, como se viu, não invalida que o TJUE seja instância internacional vinculativa para o Estado Português, designadamente nas situações de Reenvio Prejudicial, ou seja, quando perante um órgão jurisdicional nacional foi suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia, como, aliás, já se pronunciou o TC no Acórdão n.º 422/2020, de 15/07/2020. X. Assim, é evidente que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia. Y. O que se traduz na circunstância de os tribunais nacionais, incluindo os constituídos sob a égide do CAAD, ficarem vinculados à interpretação decidida pelo TJUE, não só nos respetivos reenvios prejudiciais, mas também nas situações em que estão reunidos os pressupostos de que depende o recurso extraordinário de Revisão, como in casu, pois o que aqui está em causa não é mais do que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia e a garantia do primado do direito europeu. Z. Razão pela qual se entende que o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial. AA. Acresce ainda referir que o artigo 696.º-f) do CPC, em articulação com o artigo 293.º/1 do CPPT e o artigo 29.º/1-e) do RJAT, é inconstitucional, na interpretação normativa de que o TJUE não constitui uma “instância internacional de recurso”, designadamente nas situações em que profere um acórdão em resultado de um Reenvio Prejudicial, por violação dos artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 e da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). BB. A forma como o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou as citadas normas é, desde logo, atentatória do dever de observância do Direito Europeu (artigo 8.º/4 da CRP) e, nessa medida, inconstitucional (artigo 204.º da CRP), uma vez que, tal como tem sido reiteradamente referido pela jurisprudência nacional e é corolário do Reenvio Prejudicial (previsto no artigo 267.º do TFUE), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia. CC. E colocou em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia, a par da garantia do primado do Direito Europeu. DD. A interpretação e aplicação efetuadas pelo Tribunal Arbitral viola os princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva, pois negou à Impugnante o exercício de meios de reação legais expressamente consignados na lei e cujos pressupostos estão reunidos. EE. E dessa forma está a colocar-se à margem de normas de Direito Europeu e à jurisdição comunitária, pese embora saiba que o nosso sistema jurídico está obrigado a acolhê-las, olvidando, por completo, o papel que cabe a todos os órgãos jurisdicionais de zelarem e aplicarem o Direito da União Europeia, de que o IVA é clássico exemplo. FF. Por todo o exposto conclui-se que a decisão que rejeitou o Recurso de Revisão é nula, devendo ser substituída por decisão que admita o Recurso e analise os fundamentos ali aduzidos. GG. Aqui chegados e, tendo em conta que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia e, bem assim, que as decisões prejudiciais têm efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico, entende a Impugnante que um interpretação conjugada dos artigos 696.º-f) do Código de Processo Civil, 293.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 29.º/1-e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que resulte na não admissão de recurso de revisão, com base no entendimento de que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, viola os artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é contrária ao Primado do Direito da União e ao Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, sendo assim inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA. “ *** A Entidade Impugnada, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: “A. Esta impugnação tem como objeto o indeferimento pelo tribunal arbitral do requerimento de interposição do recurso de revisão (que por sua vez tem como objeto a decisão arbitral sobre o mérito, que pôs termo ao processo); B. Uma vez que aquele recurso de revisão não está previsto no RJAT e não é passível de utilização nos processos arbitrais tributários, a presente impugnação, por ter aquele recurso como pressuposto, também não é admissível. C. Não obstante, mesmo que se aceite que é possível fazer uso do recurso de revisão nos processos arbitrais tributários, D. Acontece que a AT, ao ter recorrido ao regime legal dos recursos de revisão do CPC, também deveria ter respeitado o artigo 641º, nº6, do CPC. E. Ou seja, não se conformando com a decisão de indeferimento do tribunal arbitral, impunha a lei, à AT, que apresentasse a este tribunal superior a reclamação prevista no artigo 643º do CPC, F. Mas nunca uma impugnação ao abrigo do artigo 27º do RJAT! G. E considerando que a AT era obrigada a apresentar aquela reclamação do 643º do CPC, tal deveria ter sido feito no prazo de 10 dias (até 26 de abril de 2021), o que nunca aconteceu (repare-se que a presente impugnação deu entrada ao dia 29 de abril de 2021). H. E se a AT interpretou que poderia recorrer a um regime de recurso do CPC, desvirtuando o RJAT, então deveria ter respeitado a totalidade do regime legal que se impõe àquele recurso, em vez de, goradas as suas expectativas, “saltar” para o regime legal do RJAT de forma a contestar o indeferimento do recurso de revisão. I. Nestes termos, sendo a presente impugnação um meio impróprio para contestar o indeferimento decidido pelo tribunal arbitral (pois devia ter recorrido à reclamação do artigo 643º do CPC), resta concluir, uma vez mais, pela inadmissibilidade desta impugnação. J. Ainda que assim não se entenda, é imperativo verificar se o fundamento da “pronúncia indevida” (artigo 28º, nº1, al. c), do RJAT) foi corretamente utilizado pela AT para recorrer a esta Impugnação. K. O acórdão proferido a 2020- 12-03 pelo TCAS, no âmbito do processo n.º 123/19.2BCLSB (art. 9º das alegações), o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 2016-03-29 (artigo 10º das alegações) e o acórdão do TCAS, processo nº 147/17.4BCLSB (art. 22º das alegações), são tudo processos onde estavam em causa decisões de mérito, proferidas por tribunal arbitral, sobre um tema de Direito Fiscal que não é passível de apreciação pelos tribunais arbitrais tributários, nos termos da legislação que atribui competências a estes tribunais arbitrais. L. Em nenhum destes processos estava em causa o indeferimento de um recurso de revisão, mas sim uma “verdadeira” pronúncia indevida, no sentido de que aqueles tribunais arbitrais se pronunciaram indevidamente, de mérito, sobre questões que não eram da sua competência. M. Ora, a própria AT reconhece a competência do tribunal arbitral que proferiu a decisão impugnada, caso contrário nunca teria, ali, apresentado o seu requerimento do recurso de revisão. N. Assim, não faz sentido a analogia do presente processo com aqueles suprarreferidos, em que estava em causa uma decisão de mérito dos tribunais arbitrais sobre matéria excluída da sua competência legal. O. Ademais, a AT não compreende, ou faz por não querer compreender, que em momento algum o tribunal arbitral se eximiu das suas competências. Tanto se entendeu competente, que o tribunal arbitral fez uso da prorrogativo do artigo 699º do CPC para recusar/ indeferir o recurso em causa. P. Novamente, se a AT entendia não concordar com a decisão de indeferimento tomada pelo tribunal arbitral ao abrigo daquele artigo, então teria de ter feito uso da reclamação prevista no artigo 643º do CPC, e não da impugnação do artigo 27º do RJAT. Q. O que a AT também faz, erradamente, ao longo das suas alegações, é expor que os mesmos argumentos jurídicos que permitiriam o uso de um recurso de revisão, são os mesmos argumentos que permitem a presente Impugnação, o que está errado. R. Pois não se trata de uma questão de pronúncia indevida (que permitiria esta impugnação), mas sim do facto de a AT entender que o tribunal arbitral esteve mal ao indeferir o seu recurso de revisão – apenas sindicável pela reclamação do artigo 643º do CPC. S. O tribunal arbitral não quis afastar a sua competência. O que fez foi gorar as expectativas da AT. Por isso esta entidade tenta forçar o enquadramento dos motivos do indeferimento pelo tribunal arbitral no conceito de “pronúncia indevida”, o que é manifestamente errado. T. Por leitura do acórdão do TCAS, processo nº 33/19.3BCLSB, relator VITAL LOPES, ou do acórdão do TCAS processo nº 09156/15, relator Lurdes Toscano, articulado com os artigos 25º, nº1, al. c), do RJAT, 125º, nº1, do CPPT e com o artigo 615º, nº1, al. d), do CPC, U. “Pronúncia Indevida” só estará em causa quando: V. O tribunal arbitral exceder a sua competência (não se verifica); W. O tribunal arbitral funcionar de modo irregular (não se verifica); X. O tribunal arbitral se pronunciar sobre matérias que não fazem parte do objeto do litígio, excedendo o princípio do pedido e do dispositivo – excesso de pronúncia (não está em causa e não é alegado pela AT). Y. Ora, neste processo, a AT não impugna verdadeiramente a decisão arbitral de indeferimento com base numa pronúncia indevida. Z. O que a AT faz é apresentar esta impugnação (que se entende ser inadmissível logo na base, claro) utilizando o argumento (subjacente ao falso argumento da competência e da pronúncia indevida) de que o tribunal arbitral deveria ter admitido o recurso de revisão por causa de uma interpretação doutrinária sobre a força judicial de um reenvio prejudicial. AA. Mas este fundamento, esta não aceitação do argumento aduzido pela AT para a admissão do recurso de revisão junto do tribunal arbitral, não se enquadra nas alíneas do artigo 28º do RJAT! Nestes termos, e nos demais de Direito, requer-se a V. Venerandas Exas que decidam pela improcedência da presente Impugnação.” *** O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. *** Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão. *** II. Fundamentação de Facto A decisão arbitral impugnada possui o seguinte teor: “A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs Recurso de Revisão da Decisão Arbitral proferida no presente processo, ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil (CPC), para que remete o n.º 1 do artigo 293.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português ». Neste caso, a Decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do Recurso de Revisão é uma Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos. Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT). Por isso, nos termos do n.º 1 do artigo 699.º do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão». No caso em apreço, «não há motivo para a revisão», pois é manifesto que o Acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é proferido por «uma instância internacional de recurso». Na verdade, desde logo, não há qualquer recurso que possa ser interposto para o TJUE de decisões judiciais portuguesas, pelo que não pode ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, que é a que está em causa aplicar. Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do artigo 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13), no caso de acórdãos do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência. O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE. Aliás, para além de ser evidente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE: – Note se, a este respeito, que o artigo 234.° CE (atual artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.° CE; (Acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04). – Uma vez que o artigo 267.º TFUE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente no tribunal nacional, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito da União apenas porque esta questão foi invocada perante o mesmo por uma destas partes (acórdão de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert, C-376/05 e C-377/05, Colect., p. I-11383, n.º 28); – Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (Acórdãos do TJUE Kempter, de 12-02-2008, processo C‑2/06, n.° 41; Cartesio, C‑210/06, n.° 90; VB Pénzügyi Lízing Zrt., de 09-11-2010, processo C-137/08, n.º 29; Jozef Križan et alii, de 15-02-2013, processo C-416/10, n.º 66). – “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” (Paul Craig e Gráinne de Búrca in EU Law, Text, Cases and Material, 6th ed., Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 464). – «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» (Luísa Lourenço in O REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE E OS PARECERES CONSULTIVOS DO TRIBUNAL EFTA, publicado em revista Julgar n.º 35, página 189). – «Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais. Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros. Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/ pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar. O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019, processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2-6). Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso. Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do n.º 1 do artigo 293.º do CPPT e da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º do CPC: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando ...». Tratando-se, neste artigo 696.º do CPC, de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral a ela constitucionalmente associada (n.º 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional e da União Europeia, proferidas por «instâncias de recurso». Nestes termos, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso. Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigo 130.º e n.º 2 do artigo 608.º, ambos do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão previsto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo n.º C-581/19 é inconciliável ou não com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português, para efeitos daquela norma. Publique-se esta Decisão Arbitral nos termos da alínea g) do artigo 16.º do RJAT.” ***
III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo 727/2019-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela ATA. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar: Ø Se a decisão arbitral é inimpugnável e sendo, se existe erro quanto ao meio processual de reação, na medida em que deveria ter sido apresentada reclamação; Ø Ajuizando-se impugnável, se a decisão recorrida padece de nulidade por Pronúncia Indevida. Comecemos pela Inimpugnabilidade da decisão. A Impugnante sustenta, desde logo, que a decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis, subsumindo-se, assim, na primeira parte da alínea c), do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida. Dissente a Impugnada, desde logo, quanto à admissibilidade da presente impugnação, porquanto não estando o recurso de revisão previsto no RJAT e não sendo passível de utilização nos processos arbitrais tributários, a presente impugnação, por ter aquele recurso como pressuposto, também não é admissível. Não lhe assiste, porém, razão na medida em que a presente decisão é impugnável e inexiste qualquer censura quanto ao meio de reação dimanante do indeferimento do pedido de revisão. Senão vejamos. De relevar, neste particular, que não cumpre nesta sede tecer quaisquer considerações relativamente à circunstância do RJAT não estatuir, expressamente, o Regime de Revisão e bem assim da concreta insusceptibilidade de convocação subsidiária do regime do CPC, na medida em que a decisão recorrida relevou, de forma expressa, que “não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).” Logo, não podendo, nesta sede, ser sindicado o erro de julgamento, e não configurando o supra aludido uma nulidade, não cumpre tecer qualquer valoração nesse e para esse efeito. Quanto à própria inimpugnabilidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão, e alegada insusceptibilidade de integração no artigo 21.º do RJAT, importa evidenciar que não lhe assiste razão. Ab initio, há que atentar no normativo que regulamenta a impugnação arbitral, concretamente o artigo 27.º do RJAT, sob a epígrafe de “impugnação da decisão arbitral” dispõe o mesmo seguinte: “1 - A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respetivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral ou da notificação prevista no artigo 23.º, no caso de decisão arbitral emitida por tribunal coletivo cuja intervenção tenha sido requerida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º. Ora, atentando na letra do normativo 27.º supracitado verifica-se que o mesmo ao reportar-se a “decisão arbitral” visa, tão-só, integrar, a decisão final e não uma decisão interlocutória. Note-se que esta é a interpretação que melhor se coaduna com a própria ratio e delimitação da recorribilidade. Com efeito, o RJAT consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, porquanto não permite recurso de mérito da decisão arbitral nem para uma segunda instância arbitral, nem para os tribunais judiciais. Aliás, este é, também, o entendimento já sufragado por este Tribunal, designadamente, no âmbito dos processos nºs 15/21.5 BCLSB, de 13 de maio de 2021, 83/18.7 BCLSB, de 05 de junho de 2019, e bem assim 124/17, de 22 de março de 2018. Contudo, in casu, contrariamente ao advogado pela Impugnada e se bem interpretamos as suas alegações, não se verifica a aludida inimpugnabilidade, na medida em que nos encontramos perante uma decisão final, rigorosamente uma decisão final que incide sobre o Recurso de Revisão, a qual visa “combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto (1) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3, T. I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 222., sendo considerado como um recurso de reparação. É essa especial gravidade que admite a cedência da certeza e da segurança jurídica conferida pelo princípio do caso julgado (2) Cfr., v.g., neste particular, o Acórdão do STJ, prolatado no âmbito do processo 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, de 13.12.2017, convocado, desde logo, no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 542/14, de 27.01.2022.”. E por assim ser, há que concluir pela sua impugnabilidade. Prosseguindo. Advoga, subsidiariamente, que mesmo computando-se a sua admissibilidade não foi respeitado o artigo 641.º, nº6, do CPC, porquanto não se conformando com a decisão de indeferimento do tribunal arbitral, impunha a lei, à AT, que apresentasse a este Tribunal superior a reclamação prevista no artigo 643.º do CPC. Porém, mais uma vez, não lhe assiste razão. Da interpretação conjugada dos normativos 293.º, nº3, do CPPT, 696.º, 697.º, nº1 e 699.º todos do CPC, resulta que o Recurso de Revisão deve ser interposto no prazo de trinta dias, e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda, no Tribunal que proferiu tal decisão, sendo que o mesmo pode ser liminarmente indeferido, por falta de legitimidade ativa, por a decisão não ter transitado em julgado, por terem sido excedidos os prazos consignados para o efeito, e bem assim por não ter sido instruído nos termos exigidos ou quando de imediato se reconheça que não há motivo para a revisão. Sendo que, o expediente de reação a esse indeferimento liminar, consistirá na interposição de Recurso, atento o disposto no artigo 629.º, n.º 3, al. c), do CPC. Quanto ao âmbito, extensão e expediente de reação ao aludido Recurso de Revisão, importa chamar à colação o doutrinado no Acórdão prolatado por este Tribunal no âmbito do processo nº 542/14.0BEALM-S1, de 27 de janeiro de 2022, o qual aborda, justamente, essas questões e, demais jurisprudência nele convocada, do qual se extrata, designadamente, o seguinte: “Caso haja este indeferimento liminar, da decisão proferida cabe recurso, atento o disposto no art.º 629.º, n.º 3, al. c), do CPC, e não reclamação nos termos do art.º 643.º do CPC, ao contrário do pugnado pela Recorrida [v., neste sentido, os Acórdãos deste TCAS de 29.11.2016 (Processo: 1005/12.4 BELRA-D), de 29.06.2017 (Processo: 274/10.9BEBJA-A) e de 20.05.2021 (Processo: 3260/11.8BELSB-S1-R1)]. No mesmo sentido, aponta o Aresto deste TCAS, prolatado no processo nº 1005/12.4 BELRA-D, de 29 de novembro de 2016, nele se doutrinando, designadamente, o seguinte: “Da decisão de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão, e face ao prescrito no art. 629º n.º 3, al. c), do CPC de 2013, cabe sempre recurso jurisdicional - ainda que o valor da causa esteja contido na alçada do tribunal a quo - e não reclamação nos termos do art. 643º, do CPC de 2013”. Donde, tendo por base a Jurisprudência e a Doutrina supracitada, a qual se perfilha e adere, na íntegra, ter-se-á, então, de concluir que inexiste a aduzida impropriedade, porquanto no âmbito do Recurso de Revisão, no caso de indeferimento liminar, a reação contra o mesmo, pela parte interessada, não se coaduna, inversamente ao sustentado pela Impugnada, por apresentação de uma reclamação. E por assim ser, sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, encontramo-nos perante uma decisão final que põe termo ao recurso extraordinário de revisão por falta de verificação dos pressupostos legais atinentes ao efeito, concretamente por o Tribunal Arbitral ajuizar que não se verifica “[o] pressuposto a que se refere o artigo 696.º, alínea f), do CPC, uma vez que a decisão do TJUE invocada como fundamento do recurso não deve ser entendida como tendo sido proferida por uma instância internacional de recurso”, logo uma decisão passível de subsunção normativa no citado artigo 27.º do RJAT, e abstratamente enquadrável no fundamento da “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c), do artigo 28.º, n.º 1 do RJAT. Improcede, assim, a arguida inimpugnabilidade e concreta inidoneidade. Analisemos, ora, a questão atinente à pronúncia indevida. Vejamos, então, se a decisão recorrida padece da arguida nulidade. A Recorrente defende que a decisão de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão, consubstanciando, assim, uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete. Mais aduz que, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder, na medida em que não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, que o TJUE ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa. Existindo, outrossim, errada valoração no atinente ao acórdão do STA, invocado pela Impugnante, porquanto contrariamente ao evidenciado é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial. Sublinhando, para o efeito, que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia, donde o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial. Vejamos. Preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” De harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas d) e e) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”. Dir-se-á, portanto, que o vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (3) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013.. Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum). Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. Neste particular, importa relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º e bem assim do normativo 125.º do CPPT. O legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o tribunal arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências (4) Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº 09286/16, de 28 de abril de 2016.: Visto o direito, importa transpor o mesmo para o caso vertente, relevando, desde já, que a pretensão da Impugnante se reconduz a erro de julgamento, porquanto no seu entendimento a questão foi, erradamente, julgada padecendo de errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Aliás, se atentarmos no teor das suas alegações verifica-se que é a própria que acaba por concluir no sentido do erro de julgamento, na medida em que “nenhum dos argumentos convocados pelo Tribunal Arbitral para afastar a sua competência é apto a proceder”. Razão pela qual, identifica, particulariza e aparta os fundamentos externados pelo Tribunal Arbitral Coletivo, convocando Doutrina e Jurisprudência que reputa aplicáveis em ordem à demonstração do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Porém, como é consabido, o erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra (5) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.. Dir-se-á, portanto, que o Tribunal Arbitral se considerou competente para apreciar o Recurso de Revisão, mas, no entanto, -independentemente da bondade da decisão que não cumpre, ora, apreciar, porquanto cerceada-, indeferiu-o. Com efeito, pronunciou-se sobre o requerido, contudo entendeu que não se verificavam os respetivos pressupostos. Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada por este Tribunal, no Acórdão proferido no âmbito do processo 79/21.1BCLSB, datado de 27 de outubro de 2021 (6) Vide no mesmo sentido, Acórdãos proferidos por este Tribunal no âmbito dos processos nºs 45/21, datado de 20.12.2022, 46/21 e 47/21, ambos datados de 19.01.2023, e 83/21, de 04.05.2023. -transitado em julgado-e a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, com similitude inclusive no teor das respetivas alegações, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Aresto, a cuja fundamentação se adere: Assim, aderindo ao entendimento supra expendido, se a Impugnante, sob a invocação de nulidade por pronúncia indevida, argui um erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, tal questão já radica no mérito, donde cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição, e nessa medida a presente impugnação terá de improceder. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, e manter a decisão impugnada.
Lisboa, 01 de junho de 2023 (Patrícia Manuel Pires) (Luísa Soares) Declaração de Voto de Vencido: "Vencido nos termos do voto de vencido, elaborado no âmbito do processo nº 45/21.7. BCLSB, e para o qual se remete". (Jorge Cortês) |