Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:519/17.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CGA
DOENÇA PROFISSIONAL
DECRETO-LEI N.º 503/99
Sumário:I – As «pensões extraordinárias de aposentação ou reforma», e «pensões de invalidez», configuravam-se como direito emergente do preenchimento daquelas causas, seja da ocorrência de «acidente em serviço» ou de «doença profissional» [artigos 54º e 127º do EA, revogados no artigo 57º, nº2, do DL nº503/99, de 20.11].
Tendo sido revogadas e alteradas as normas do EA que justificavam essas pensões, terá o legislador querido salvaguardar aquelas que haviam sido atribuídas ao tempo da entrada em vigor do DL nº503/99, de 20.11, estatuindo que «As disposições do EA revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação a pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como a pensões de invalidez atribuídas […]».
II- Em qualquer caso, foram ainda mantidas em vigor as disposições revogadas ou alteradas do EA relativamente a «pensões de invalidez» «referentes a factos ocorridos antes» de 01.05.2000 [data da entrada em vigor do DL 503/99], o que significa que esta previsão, no tocante a doenças profissionais, inova relativamente à alínea b) do nº1 do artigo 56º em apreciação.
III – Dever-se-á entender que esta “sobreposição” normativa é meramente aparente, o que significa que o legislador pretendeu, no nº2 do artigo 56º do DL nº503/99, consagrar uma exceção à regra da alínea b), do seu nº1, no que concerne a pensões de invalidez referentes a factos ocorridos antes de 01.05.2000.
IV - Resulta do n.º 1 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, que os militares das forças armadas, incluindo os do serviço militar obrigatório, estão sujeitos ao regime instituído pelo referido diploma legal, o qual se aplica a todos os acidentes em serviço ocorridos ou a todas as doenças profissionais diagnosticadas depois de 1 de maio de 2000, como resulta dos artigos 56.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
O regime transitório previsto no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 503/99, estabelece claramente a sua aplicabilidade aos acidentes em serviço e às doenças profissionais ocorridos ao serviço da administração pública antes e depois da sua entrada em vigor.
Deste modo, aos acidentes em serviço ocorridos após 1 de maio de 2000 e às doenças profissionais diagnosticadas após a mesma data, aplicam-se, respetivamente, por força das alíneas a) e b) do corpo do artigo 56.º, o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
V - Quanto aos acidentes ocorridos antes daquela data e às doenças profissionais diagnosticadas antes da mesma data, aplica-se, conforme determina a parte final do artigo 56.º, n.º 2, do mesmo diploma, o Estatuto de Aposentação.
Em qualquer caso, a expressão "factos ocorridos", no que se refere às doenças profissionais, não se refere à data em que aquela foi contraída, mas à data em que foi diagnosticada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa intentada por J....., com vista à anulação do despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 6 de Fevereiro de 2017 (…) que indeferiu o pedido de pensão do autor, com o fundamento da doença de que este padece não ter sido caracterizada como Doença Profissional pelo Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais e à condenação da ré à prática do ato administrativo devido, em substituição do ato cuja anulação se peticiona”, inconformada com a Sentença proferida em 12 de maio de 2020, que julgou a Ação totalmente procedente e, em consequência, anula-se o despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 6-02-2017, que indeferiu o requerimento de atribuição de desvalorização por acidente/doença em serviço, condenando-se a Entidade Demandada, nos termos do n.º 2 do art.º 56.º do Decreto-Lei n.º 503/99, a aplicar ao pedido as disposições do Estatuto da Aposentação vigentes até à data da entrada em vigor daquele diploma”, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo.

Formulou a aqui Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso, apresentadas em 18 de maio de 2020, as seguintes conclusões:
“A - O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, veio regular, de forma inovadora, a reparação de acidentes em serviço e doenças profissionais dos funcionários e agentes da administração pública.
B - Abrangendo, expressamente, por força do n.º 1 do artigo 55.º os militares das forças armadas, incluindo os do serviço militar obrigatório, como o Autor, aqui recorrido.
C – Tal regime é aplicável a todos os acidentes em serviço ocorridos ou a todas as doenças profissionais diagnosticadas depois de 1 de maio de 2000, como resulta dos artigos 56.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
D - O regime transitório previsto no artigo 56.º daquele diploma é muito claro quanto à aplicação quer do seu próprio regime quer do regime previsto no Estatuto de Aposentação aos acidentes em serviço e às doenças profissionais ocorridos ao serviço da administração pública antes e depois da sua entrada em vigor.
E - Assim, aos acidentes em serviço ocorridos após 1 de maio de 2000 e às doenças profissionais diagnosticadas após a mesma data, aplicam-se, respetivamente, por força das alíneas a) e b) do corpo do artigo 56.º, o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
F - Quanto aos acidentes ocorridos antes daquela data e às doenças profissionais diagnosticadas antes da mesma data, aplica-se, conforme determina a parte final do artigo 56.º, n.º 2, do mesmo diploma, o Estatuto de Aposentação.
G - Já que "As disposições do Estatuto de Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação (...) a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma".
H - Só que a expressão "factos ocorridos", no que se refere às doenças profissionais, não se refere à data em que aquela foi ou teria sido contraída, mas à data em que foi diagnosticada como tal.
I - Pois, quer se queira quer não, antes de uma doença profissional ter sido diagnosticada, não existe! Ora, no caso em apreço,
J - Por um lado, o diagnóstico efetuado pelas entidades militares decorreu muito para além da data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro - 1 de maio de 2000.
K - Por outro, no âmbito do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, a entidade competente para diagnosticar e caracterizar uma doença como profissional é, exclusivamente, a junta médica do CNPCRP.
L - A que também os militares, sejam do quadro permanente ou não, têm de sujeitar-se.
M - Sendo que, como vimos, o A./Recorrido foi avaliado presencialmente por dois médicos do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social em 2016-12-15 – que foram claros: “Não foram apurados fatores traumáticos relevantes, nem tão pouco uma doença clinicamente significativa.”
Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

O aqui Recorrido/J..... não veio apresentar Contra-alegações de Recurso.

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 6 de outubro de 2020, o qual, simultaneamente, sustenta a decisão proferida, “atentas as nulidades alegadamente invocadas no Recurso”, chegando-se a afirmar que a sentença recorrida não incorreu em qualquer das nulidades invocadas”.

Em qualquer caso, analisado atentamente o Recurso, não é no mesmo imputada qualquer nulidade à Sentença, lapso do Despacho, que, em qualquer caso, é inócuo.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 21 de outubro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas no Recurso, onde, em síntese, se refere que a sentença recorrida não interpreta corretamente as disposições legais aplicáveis ao A.”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
A) O Autor nasceu em 9-02-1952. (Cfr. fls. 12 do Processo Administrativo -PA-)
B) Em 19-07-1973, o Autor foi incorporado no serviço militar, como recrutado, e cumpriu uma comissão de serviço na ex-Província Ultramarina de Moçambique entre 29-07-1974 e 23-06-1975, com a especialidade de atirador de artilharia. (Admitido: art.º 83.º, n.º 4 do CPTA e fls. 132 a 144 do PA)
C) Em 12-11-2009, Médico do Centro de Saúde da Amadora elaborou formulário de relatório médico, referente ao Autor, de “Admissão na Rede Nacional de apoio aos militares e ex-militares portugueses portadores de perturbação de pós-stress traumático”. (Cfr. fls. 156 do PA)
D) Em 25-05-2010, Médica da Associação dos Deficientes das Forças Armadas preencheu formulário modelo 2 de “Admissão na Rede Nacional de apoio aos militares e ex-militares portugueses portadores de perturbação psicológica resultante da exposição a fatores traumáticos de stresse durante a vida militar” referente ao Autor. (Cfr. fls. 159 a 167 do PA)
E) Em 4-06-2010, Psicóloga da Associação dos Deficientes das Forças Armadas elaborou exame psicológico referente ao Autor, do qual resulta, designadamente, o seguinte:
«(…) Tendo em conta os dados recolhidos, conclui-se que o doente apresenta sintomatologia compatível com PPST.
O doente encontra-se simultaneamente em acompanhamento psiquiátrico e psicológico (semanal), nos serviços clínicos da ADFA. Não havendo data prevista para o seu termino.» (Cfr. fls. 171 e 172 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)
F) Por despacho da Direção da CGA de 6-09-2010, foi atribuída ao Autor pensão definitiva de aposentação, com redução por antecipação, no valor de € 2.523,82. (Cfr. fls. 81 e 82 do PA)
G) Em 23-06-2015, o Autor foi sujeito a Junta Médica Única no Hospital das Forças Armadas, do qual resultou o seguinte relatório:
«Entidade Nosológica: Neuroses e perturbações relacionadas com stress e somatização Capítulo V, art 78
Apresenta nexo de causalidade
Fundamentação da Junta Médica Única sobre nexo de causalidade:
Os acontecimentos traumáticos ocorridos na ex-PU Moçambique originam um quadro clínico crónico e incapacitante com limitações no funcionamento afetivo descrito.
Em conclusão, esta Junta Médica Única é de PARECER que Incapaz de todo o serviço Militar.
Apto parcialmente para o trabalho com a desvalorização de 25%.» (Cfr. fls. 145 e 146 do PA)
H) O relatório referido na alínea anterior foi homologado por despacho do Diretor do Hospital das Forças Armadas de 1-07-2015. (Cfr. fls. 154 do PA)
I) Em 12-04-2016, Jurista da Direção-Geral de Recursos Humanos da Defesa Nacional elaborou a informação/parecer n.º 515, a qual concluiu o seguinte:
«No seguimento do exposto, é nosso parecer que o ex-Alferes NIM 02….., J..... não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, porquanto não se encontram preenchidos todos os requisitos cumulativos exigidos para o efeito pelo n.º 2 do art.º 1.º e pela alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.» (Cfr. fls. 132 a 144 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)
J) Em 12-04-2016, o Diretor-Geral da Direção-Geral de Recursos Humanos da Defesa Nacional apôs o seguinte despacho na informação referida na alínea anterior:
«Tendo presentes os fundamentos de facto e de direito constantes no presente Parecer, não qualifico o Ex-Alferes NIM 02…. J..... como deficiente das Forças Armadas (…).» (Cfr. fls. 132 do PA)
K) Em 5-09-2016, o Chefe da Repartição de Pessoal Fora da Efetividade de Serviço do Exército Português dirigiu ofício à CGA com o seguinte teor:
«Assunto: EX-ALF 02….. J..... – ENVIO DE PROCESSO DE REFORMA POR INVALIDEZ DE EX-MILITAR NÃO QUALIFICADO DFA
Sobre o assunto em título, encarrega-me o Exmº Major-General Diretor da Direção de Administração de Recursos Humanos de:
1. Enviar o processo de invalidez, respeitante ao ex-militar em questão, julgado incapaz para o serviço militar com 25% desvalorização pela Junta Médica Única em sessão de 23Jun2015 e homologado em 01Jul2015.
(…)» (Cfr. fls. 120 do PA)
L) Em 27-09-2016, Coordenador da Unidade da CGA dirigiu o seguinte ofício à Direção Administração Recursos Humanos Exército:
«Assunto: Junta Médica.
Nome: J.....
Categoria: Alferes
Pelo presente informo V. Exa. de que nesta data foi remetido ao Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais, o processo do ex-Alferes NIM 02…. em referência, atendendo a que nos termos do art.º 26.º e 56.º, n.º 1, alínea b) do D.L. n.º 503/99 de 20.11, relativamente às doenças profissionais cujo diagnóstico final ocorra após a entrada e vigor daquele diploma – 2000.05.01-, a competência para caraterizar e certificar a doença é daquela Entidade.» (Cfr. fls. 178 do PA)
M) Por ofício de 27-09-2016, o Autor foi notificado do ofício referido na alínea anterior. (Cfr. fls. 179 do PA)
N) Em 28-12-2016, o Médico Dr. F..... elaborou parecer relativo à situação clínica do Autor, do qual resultam as seguintes conclusões:
«(…)
F. Opinião
O examinado, de momento, não apresenta doença mental relevante que possa ser relacionada com a prestação do serviço militar.
(1) Não foram apuradas circunstâncias de perigosidade elevada durante o cumprimento do serviço militar (página 8 da Informação 2015-4241 do MDN).
(2) De momento não cumpre os critérios para perturbação de stress de pós-traumático. Predominam sintomas de irritabilidade e alterações do sono, que não são os aspetos nucleares da PSPT. Os sintomas que apresenta agora, em conjunto com os aspetos da história, são mais compatíveis com uma perturbação de personalidade.
(3) Não está medicado, nem faz qualquer tratamento para PSPT.
(4) Nunca foi acompanhado em psiquiatria de forma regular, e agora não é acompanhado.
(5) Desempenhou a sua vida de forma grosseiramente normal, nomeadamente estava casado 18 anos com a mesma mulher e depois disso refez a sua vida com outra, com a qual mantém o casamento. Quanto à vida profissional, segundo referiu, desempenhou-a sempre sem problemas.»
(Cfr. fls. 246 a 248 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)
O) Em 28-12-2016, Junta Médica constituída pelo Dr. F..... e pela Dr.ª I..... elaborou relatório de avaliação médica do Autor, do qual resulta o seguinte:
«(…)
Parecer Clínico: NÃO EXISTE DP
Fundamentação: Não foram apurados fatores traumáticos relevantes, nem tão pouco uma doença clinicamente significativa.
(…)
Incapacidade Global Final 0,0% zero por cento
Capacidade Restante: 100% cem porcento
(…)» «(Cfr. fls. 185 e 186 do PA)
P) Em 18-01-2017, o Diretor do Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais emitiu o seguinte despacho no relatório referido na alínea anterior:
«Concordo com o parecer Clínico e indefiro o requerimento.» (Cfr. fls. 185 do PA)
Q) Em 27-01-2017, o Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social, IP enviou à CGA ofício com o seguinte teor:
«Assunto: Caracterização de doença profissional
Em cumprimento do disposto no artigo 28.º, n.º 1 e para efeitos do artigo 26.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, em anexo envio a V. Exa. o processo do doente J..... que este Departamento não caracterizou como doente profissional.» (Cfr. fls. 184 do PA)
R) Em 3-02-2017, os serviços da CGA elaboraram a seguinte informação:
«Assunto: Indeferimento – Junta Médica
Número Produtor: 47…..
Nome Produtor: J.....
Pelos motivos abaixo indicados, parece à UAC-2.1 ser de indeferir o pedido e arquivar o processo:
A doença do ex-Alferes NIM 02….. não foi caraterizada como Doença Profissional pelo Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais.
Superiormente, porém, se resolverá.» (Cfr. fls. 251 do PA)
S) Em 6-02-2017, os Diretores da CGA apuseram o seguinte despacho na informação referida na alínea anterior:
«Concordamos». (Cfr. fls. 251 do PA)
T) Por ofício de 6-02-2017, Coordenadora da Unidade da CGA dirigiu o seguinte ofício ao Autor:
«Assunto: Indeferimento - Junta Médica
Com referência ao requerimento para efeitos de atribuição de desvalorização por acidente/doença em serviço, informo V.Exa. de que o mesmo foi indeferido, por despacho de 06 de fevereiro de 2017 da Direção da CGA delegação de poderes publicada no Diário da República, 11 Série, n.° 192 de 2013-10-04, com base nos seguintes fundamentos:
A doença do ex-Alferes NIM 02….. não foi caraterizada como Doença Profissional pelo Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais.
Com os melhores cumprimentos» (Cfr. documento n.º 1 da PI, fls. 8 dos autos)
U) A presente ação administrativa foi intentada em 10-04-2017. (Cfr. fls. 2 dos autos)

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
Como exposto, importa analisar se o despacho da Direção da CGA, de 6-02-2017, que indeferiu o requerimento de atribuição de desvalorização por acidente/doença em serviço, viola as disposições legais invocadas na petição inicial.
(…)
Desta forma, importa saber se era aplicável o Decreto-Lei n.º 503/99 ao procedimento administrativo em apreciação.
No caso em apreço, não subsistem dúvidas que o diagnóstico de doença incapacitante, com desvalorização parcial para o trabalho, ocorreu após 1-05-2000. Aliás, não existe qualquer elemento clínico no processo administrativo anterior a essa data. Mais concretamente, tal incapacidade foi constatada na Junta Médica Única realizada no Hospital das Forças Armadas em 23-06-2015, cfr. factos G) e H), ainda que se tenha concluído pelo não preenchimento dos requisitos para a qualificação como deficiente das Forças Armadas (factos I) e J)).
Tem sido controvertida a interpretação do art.º 56.º do Decreto-Lei n.º 503/99 no que concerne ao regime legal aplicável em relação a doenças profissionais originadas antes da sua entrada em vigor, mas cujo diagnóstico final se faça após.
Relativamente a essa questão, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu, em sede de recurso de revista, o acórdão de 19-06-2014, proc. n.º 01738/13, no qual se destaca o seguinte:
«O DL nº 503/99, de 20 de novembro, estabelece o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridas ao serviço da Administração Pública (art. 1º), introduzindo na ordem jurídica uma nova regulação da matéria, substitutiva do regime consagrado no Decreto-Lei nº 38 523, de 23 de novembro de 1951.
E, no modelo de regime transitório que adotou, nos termos do supratranscrito artigo 56º, as proposições normativas relativas aos acidentes em serviço, revelam, inequivocamente, a intenção de a lei nova dispor apenas para o futuro, visando só os factos novos.
Na verdade, em primeiro lugar, o preceito manda que o diploma se aplique aos acidentes em serviço que ocorram após a respetiva entrada em vigor [art. 56º/1/a)]. Em segundo lugar, do mesmo passo que altera (art. 54º) e revoga (art. 57º/2) os artigos do Estatuto da Aposentação que regiam a reparação dos acidentes e doenças profissionais permanentemente incapacitantes, prescreve a respetiva sobrevivência determinando que “as disposições do Estatuto da Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação às pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma” (art. 56º/2).
Deste modo, quanto aos acidentes em serviço, as disposições da lei, pela clareza do seu texto e pelo modo coerente como se articulam, revelam, como diz o acórdão recorrido, a intenção de incluir no novo regime as novas situações e manter o velho regime para as velhas situações.
Todavia, no que respeita às pensões por doenças profissionais as coisas já não são assim tão claras.
Na parte final do nº 2 do artigo 56º do DL 503/99, o legislador manda aplicar as disposições Estatuto da Aposentação, alteradas ou revogadas, às pensões referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do diploma, sem distinguir ente acidentes em serviço e doenças profissionais, comando que sugere que o seu pensamento foi o de submeter as pensões por acidentes em serviço e as pensões por doenças profissionais a idêntico regime transitório, deixando os factos passados para a lei velha e sujeitando à lei nova apenas os factos futuros.
Contudo, o mesmo legislador, no mesmo diploma e no mesmo artigo 56º, prescreve, na alínea b) do º 1, que a lei nova se aplica “às doenças profissionais cujo diagnóstico final se faça após a data referida na alínea anterior.” E ao eleger o diagnóstico final como critério de aplicação da lei no tempo, está a estabelecer uma consequência jurídica diferente da prevista na parte final do nº 2, na medida em que inclui no âmbito de aplicação da lei nova todos os factos causadores das doenças profissionais, quer os que hajam ocorrido antes, quer os que tenham acontecido depois da entrada em vigor do DL 503/99.
O acórdão recorrido viu nesta divergência um verdadeiro conflito normativo que, nos termos supra expostos, resolveu considerando, que, palavras suas, “sob a égide decisiva dos elementos sistemático e teleológico da interpretação jurídica, o nº 2 do artigo 56º afasta a aplicação da alínea b) do nº 1 do art. 56º, havendo uma ab-rogação do artigo 56º-1-b).”
Neste ponto, não acompanhamos a fundamentação do tribunal a quo.
É certo que, numa primeira leitura, pode ficar a ideia de que existe uma contradição normativa, no seio do mesmo diploma legal, que, na circunstância, não pode resolver-se por via interpretativa nem pelos usuais critérios da superioridade hierárquica da fonte (art. 112º da CRP), da preferência da lei mais recente ou da prevalência da lei especial (art. 7º/3 do C. Civil) e que, por consequência, estamos em presença de normas entre as quais existe uma contradição insanável, que reclama uma interpretação ab-rogante que sacrifique uma delas, em obediência ao pensamento legislativo, ou que, no limite, não sendo isso possível, ficamos perante normas que se anulam uma à outra, dando causa a uma “lacuna de colisão”. (Vide, a propósito, J. Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pp. 170-171 e 186)
Mas, procedendo a uma análise mais fina, entendemos que o “conflito normativo” é apenas aparente.
E isto porque, “só há um verdadeiro conflito quando não for possível transformar uma das regras conflituantes em regra excecional da outra” (Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, in “Introdução ao Direito”, p. 262.) e pelas razões que, de seguida se expõem, entendemos que no contexto normativo do DL nº 503/99, não só se pode estabelecer essa relação entre as normas em causa, mas também que essa solução harmonizadora é a que melhor traduz o pensamento do legislador.
A doença profissional, ao contrário do acidente em serviço, não tem uma causa súbita e de efeitos imediatos; resulta de factos que atuam continuadamente de modo gradual e progressivo e cujas consequências nefastas só se manifestam decorrido um tempo variável, conforme a natureza da doença. (Vide, a propósito, o acórdão do STJ de 2001.11.21 - procº 01S1591 e a doutrina e jurisprudência que nele está indicada.) Deste modo, é pensável que em muitas situações, a doença venha a eclodir por efeito de um processo etiológico que se desenvolveu num período, mais ou menos longo, decorrido parcialmente em cada um dos tempos da vigência das diferentes leis que sucessivamente regularam o regime da respetiva reparação.
Quando assim, a doença deve-se a factos que ocorreram enquanto vigorou a lei velha e a outros que tiveram lugar quando já vigorava a lei nova.
Daí que, nesses casos, porventura a maioria, por não ser possível cindir o processo evolutivo da doença entre factos causalmente relevantes ocorridos antes e depois da entrada em vigor da lei nova, não seja praticável nem adequado, eleger a referência aos factos passados como critério geral de direito transitório.
Assim se explica, a nosso ver, que o legislador do DL 503/99, na alínea b) do nº 1 do artigo 56º, se tenha afastado da referência ao tempo dos factos que faz no nº 2 do mesmo artigo e tenha optado por fixar, como regime-regra, que a lei nova se aplica às doenças profissionais cujo diagnóstico final se faça após a data da entrada em vigor do diploma.
Porém, casos haverá, também, em que apesar do diagnóstico final se fazer depois da entrada em vigor do diploma, é possível determinar, a posteriori, mas com total segurança, que todos os factos causalmente relevantes que foram condição da doença (por exemplo, os fatores que provocaram a doença e o período de exposição ao risco) ocorreram antes do início da vigência da lei nova.
Ora, nessas outras situações, não há razões de praticabilidade nem justificação racional para não submeter as doenças profissionais ao regime reparatório das sobrevigentes normas do Estatuto da Aposentação, de acordo com o previsto na parte final do nº 2 do artigo 56º do DL nº 503/99, de 20 de novembro, solução que, a nosso ver, tem apoio na letra da lei e, como já atrás dissemos, respeita o pensamento legislativo.
Assim interpretada, com este alcance excecional, esta norma tem efeito útil e não conflitua com a que está prevista na alínea b) do nº 1 do mesmo diploma legal.
Deste modo, não havendo conflito normativo, divergimos do acórdão recorrido e consideramos, contra o entendimento do tribunal a quo, que não há necessidade de sacrificar qualquer das normas em confronto, por via de interpretação revogatória ou ab-rogante.
Posto isto, de regresso ao caso concreto em apreciação, apesar da diferença no caminho interpretativo, temos por certa a decisão do acórdão recorrido de condenar a entidade demandada a decidir a pensão do autor de acordo com o artigo 56º, nº 2 do DL nº 503/99 e com a versão do Estatuto da Aposentação anterior a tal Decreto-Lei.
Tendo em conta que está provado (i) que apesar do diagnóstico final ser posterior a 1 de Maio de 2000, data em que entrou em vigor o DL nº 503/99, de 20 de Novembro, (ii) a Junta Médica concluiu que a doença profissional que afeta o autor - otite média crónica bilateral - foi por ele contraída durante o serviço militar e por motivo do seu desempenho, (iii) que há nexo de causalidade entre as sequelas otológicas que apresenta e a sua permanência no serviço militar, (iv) que este foi cumprido entre 1.8.1972 e 29.11.1974 e que, (v) por consequência, nesta última data cessou a exposição aos fatores de risco que desencadearam a doença, consideramos, pelas razões de direito supra expostas, que a situação é enquadrável na previsão excecional da parte final do nº 2 do art. 56º do DL nº 53/99, de 20 de Novembro.»
Assim, como sumariado nesse mesmo aresto, a despeito do previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 56º do Decreto-Lei n.º 503/99 e de o diagnóstico final se fazer depois da data da entrada em vigor desse diploma, como é o caso, «sempre que nesse exame se determine, a posteriori, que os factos causalmente relevantes que foram condição da doença profissional ocorreram, todos eles, antes do início da vigência da referida lei nova, a situação é enquadrável na previsão excecional da parte final do nº 2 do mesmo preceito e a pensão relativa à doença profissional deve decidir-se de acordo com as disposições do Estatuto da Aposentação na versão anterior à daquele Decreto-Lei.»
É o que se verifica na situação em apreço, porquanto, apesar de o diagnóstico da Junta Médica Única no Hospital das Forças Armadas só se ter realizado em 23-06-2015, tal Junta entendeu que o Autor padece de neuroses e perturbações relacionadas com stress e somatização, passível de determinar uma desvalorização profissional de 25%, as quais apresentam nexo de causalidade com os acontecimentos traumáticos ocorridos na ex-Província Ultramarina de Moçambique (facto G)). Ou seja, para efeitos do acórdão citado, os factos causalmente relevantes que foram condição da doença profissional ocorreram, todos eles, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, mais precisamente durante o cumprimento do serviço militar, como recrutado, entre 29-07-1974 e 23-06-1975 (facto B)).
Este foi o entendimento também adotado no recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13-03-2020, proc. n.º 00841/17.0BEPRT, que se debruçou sobre uma factualidade aproximada àquela em análise, no qual se sumariou o seguinte:
«1 – Da conjugação das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 56º, e do artº. 58º, resulta que o regime instituído pelo D.L. nº 503/99, de 20 de novembro, se aplica às doenças profissionais cujo diagnóstico final seja feito depois de 30.04.2000; por sua vez, do texto do nº2 do artigo 56º do mesmo diploma resulta que o anterior regime previsto no Estatuto da Aposentação, e que foi por ele revogado, se aplica às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes de 01.05.2000;
O legislador, ao referir-se, no nº2 do artigo 56º, a factos ocorridos, e não, de novo, a diagnóstico definitivo, pretendeu distinguir a substância da forma, visou distinguir a realidade empírica que subjaz ao diagnóstico definitivo deste mesmo. Assim, pretendeu que sempre que toda a substância factual relevante para um diagnóstico definitivo tenha ocorrido antes da entrada em vigor do novo regime do D.L. nº 503/99, de 20 de novembro, e tenha sido suficientemente encarada como doença profissional, deve ser aplicado o antigo regime do Estatuto da Aposentação.
2 - Não obstante o acidente determinante da atribuição da requerida pensão de invalidez, ter ocorrido em Novembro de 1962, o que é facto é que só em 19 de maio de 2015 foi o sinistrado submetido a Junta Médica Única (JMU), a qual o considerou “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 16% de desvalorização com nexo causalidade com o serviço militar”, em virtude de “durante o cumprimento do serviço militar na ex PU de Angola” ter sido vitima de um “rebentamento de bazuca dentro da unidade, tendo ficado com otorragia e hipoacusia”, situação que não pode ser ignorada.
3 – Com efeito, tendo a doença do aqui Recorrido surgido em decorrência de episódio ocorrido em Novembro de 1962, o que veio a determinar um prolongado internamento hospitalar, tudo, naturalmente, antes da entrada em vigor do novo regime do DL nº503/99, dever-lhe-á ser aplicado, ao abrigo do nº2 do artigo 56º deste diploma, o anterior regime estatuído no EA, uma vez que os fatores que provocaram a doença agora declarada, ocorreram antes da entrada em vigor do referido Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.»
Desta forma, seguindo a jurisprudência dominante sobre a matéria, tem razão o Autor quando afirma que o seu pedido não podia ser regido pelo disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, sendo-lhe aplicável, nos termos do n.º 2 do art.º 56.º desse diploma, as disposições do Estatuto da Aposentação vigentes até à data da entrada em vigor daquele diploma.
Nestes termos, a presente ação administrativa procede, tendo o despacho da Direção da CGA, de 6-02-2017, que indeferiu o requerimento de atribuição de desvalorização por acidente/doença em serviço, violado o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 56.º do Decreto-Lei 503/99, de interpretação conjugada com o n.º 2 do mesmo preceito.

Analisemos então o suscitado.
A Sentença recorrida decidiu julgar procedente o pedido formulado pelo Autor, determinando a anulação do despacho da Direção da CGA, de 06-02-2017, que indeferiu o requerimento de atribuição de desvalorização por acidente/doença em serviço, por ter violado o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 56.º do Decreto-Lei 503/99, de interpretação conjugada com o n.º 2 do mesmo preceito, condenando-a, nos termos do n.º 2 do art.º 56.º do Decreto-Lei n.º 503/99, a aplicar ao pedido as disposições do Estatuto da Aposentação vigentes até à data da entrada em vigor daquele diploma.

Visou o Autor, aqui Recorrido, com a presente Ação peticionar ao Tribunal a declaração de inaplicabilidade à sua situação do regime de reparação previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, o que sempre teria como consequência a anulação do despacho objeto de impugnação da CGA de 2017-02-06, uma vez que entende que “…a sua doença psiquiátrica não sofreu alteração desde o seu regresso de Moçambique em 1975, até à presente data…” correspondendo assim, a “…factos ocorridos muito antes da entrada em vigor do DL 503/99…”, sendo que após o serviço militar (1975) e até 2010 não terá recuperado totalmente a sua saúde mental.

A Sentença em análise assenta predominantemente o seu entendimento no Acórdão do STA de 19-06-2014, proferido no Proc. n.º 01738/13, sendo que a própria posição do referido Tribunal Superior evoluiu desde então, tendo chegado mesmo a afirmar, nomeadamente no Acórdão nº 01245/12.6BEBRG de 11.04.2019, que “cremos não ser essa a melhor solução”.

Correspondentemente, sumariou-se no identificado Acórdão do STA de 11.04.2019, o seguinte:
“I - No nº2 do artigo 56º do DL nº503/99, de 20.11, é consagrada uma exceção à regra da alínea b) do seu nº1, no tocante, pelo menos, a pensões de invalidez referentes a factos ocorridos antes de 01.05.2000;
II - O ex-militar, vitimado por doença profissional cujos factos ocorreram antes de 01.05.2000, só terá direito a pensão de invalidez, ao abrigo dessa exceção, se a sua situação preencher uma de duas hipóteses legais:
- Ter sido julgado incapaz de todo o serviço militar, mediante exame da junta médica do competente serviço de saúde militar;
- Ter sofrido simples desvalorização permanente e parcial na capacidade geral de ganho, que afete a sua aptidão apenas para o desempenho de alguns cargos ou funções, salvo se ele tiver requerido, nos termos de lei especial, a sua continuação no serviço ativo em regime que dispense plena validez;
III - A competência para determinar o grau da respetiva incapacidade geral de ganho, e a conexão da mesma com a doença adquirida em serviço, pertence a uma junta médica composta por dois médicos indicados pela CGA e um médico indicado pelo competente serviço de saúde militar (…)”.

O que está pois aqui e agora em causa é aferir qual o regime jurídico aplicável à situação do Recorrente, o que passa pela interpretação a dar ao artigo 56º, do DL nº503/99, de 20.11, nomeadamente quanto à conjugação da alínea b) do seu nº1 com o seu nº2.

Efetivamente, o referido regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço da Administração Pública, «revogou» vários artigos do EA - artigos 38º, 41º nº3, 54º, 55º, 60º a 62º, 94º, 119º, 123º e 127º a 131º do EA – sendo que o seu artigo 57º nº2 - «alterou» outros - artigos 36º, 37º, 39º e 40º, 49º, 89º, 101º e 118º do EA, tendo entrado em vigor em 01.05.2000.
O referido artigo 56º define o «regime transitório» aplicável, nos seguintes termos:
“1- O presente diploma aplica-se:
a) Aos acidentes em serviço que ocorram após a respetiva entrada em vigor;
b) Às doenças profissionais cujo diagnóstico final se faça após a data referida na alínea anterior;
c) […];
2- As disposições do Estatuto de Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação às pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma.
3- […].”

O intérprete, na fixação do sentido e alcance da lei, deverá presumir «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» [artigo 9º, nº3, do CC].

Assim, atento o nº2, e as alíneas do nº1, do citado artigo 56º, importa encontrar uma interpretação que impeça a colisão e a contradição de ambos os normativos.

Com efeito, uma das referidas normas (nº 1) refere-se a “acidentes em serviço” e “doenças profissionais”, sendo que a outra (nº2) se refere a “pensões extraordinárias de aposentação ou reforma” e a “pensões de invalidez”.

Deste modo, a consagração das «regras transitórias» das duas alíneas do nº1 resulta do facto dos “acidentes em serviçoe as “doenças profissionais, em certos casos, serem determinantes de causa justificativa da aposentação extraordinária [Cfr. artº 38º do EA, revogado pelo artigo 57º, nº2, do DL nº503/99, de 20.11], o que determina que o deixem de ser a partir da entrada em vigor do novo regime jurídico instituído pelo DL nº503/99, em função da data da sua “ocorrênciaou do seu “diagnóstico final”.

Por outro lado, o nº2 não se refere a “causas justificativas” da aposentação extraordinária, mas antes às suas consequências.

Efetivamente, as «pensões extraordinárias de aposentação ou reforma», e «pensões de invalidez», configuravam-se como direito emergente do preenchimento daquelas causas, seja da ocorrência de «acidente em serviço» ou de «doença profissional» [artigos 54º e 127º do EA, revogados no artigo 57º, nº2, do DL nº503/99, de 20.11].

Com efeito, o legislador, tendo revogado e alterado as normas do EA que justificavam essas pensões, terá querido salvaguardar aquelas que haviam sido atribuídas ao tempo da entrada em vigor do DL nº503/99, de 20.11, estatuindo que «As disposições do EA revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação a pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como a pensões de invalidez atribuídas […]».

Em qualquer caso, foram ainda mantidas em vigor as disposições revogadas ou alteradas do EA relativamente a «pensões de invalidez» «referentes a factos ocorridos antes» de 01.05.2000 [data da entrada em vigor do DL 503/99], o que significa que esta previsão, no tocante a doenças profissionais, inova relativamente à alínea b) do nº1 do artigo 56º em apreciação.

Deste modo, como resulta da interpretação dada pelo último Acórdão referenciado do STA, dever-se-á entender que esta “sobreposição” normativa é meramente aparente, o que significa que o legislador pretendeu, «nesse segmento do nº2» do artigo 56º do DL nº503/99, consagrar uma exceção à regra da alínea b), do seu nº1, no que concerne a pensões de invalidez referentes a factos ocorridos antes de 01.05.2000.

Em concreto, resulta que o aqui Recorrido, de acordo com a avaliação médica promovida em 2016-12-28 pelos clínicos do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social, não detetou quaisquer dados clinicamente relevantes, tendo mesmo afirmado no correspondente relatório, singelamente, que “Não foram apurados fatores traumáticos relevantes, nem tão pouco uma doença clinicamente significativa,” não tendo sido fixada qualquer incapacidade global.

Acresce que resulta do relatório de 2016-12-28, elaborado clinico diverso (Dr. F......), no âmbito de avaliação presencial, que, “o examinado, de momento, não apresenta doença mental relevante que possa ser relacionada com a prestação do serviço militar”.

De referir ainda que o aqui Recorrido não foi igualmente qualificado como Deficiente das Forças Armadas (DFA), por não terem sido detetados “…eventos traumáticos alegados pelo requerente…”.

É incontroverso e incontornável que resulta do n.º 1 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, que os militares das forças armadas, incluindo os do serviço militar obrigatório, estão sujeitos ao regime instituído pelo referido diploma legal, o qual se aplica a todos os acidentes em serviço ocorridos ou a todas as doenças profissionais diagnosticadas depois de 1 de maio de 2000, como resulta dos artigos 56.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

Como resulta do já expendido, a propósito da mais recente jurisprudência do STA, o regime transitório previsto no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 503/99, estabelece claramente a sua aplicabilidade aos acidentes em serviço e às doenças profissionais ocorridos ao serviço da administração pública antes e depois da sua entrada em vigor.

Deste modo, ao contrário do decidido em 1ª instância, aos acidentes em serviço ocorridos após 1 de maio de 2000 e às doenças profissionais diagnosticadas após a mesma data, aplicam-se, respetivamente, por força das alíneas a) e b) do corpo do artigo 56.º, o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

Quanto aos acidentes ocorridos antes daquela data e às doenças profissionais diagnosticadas antes da mesma data, aplica-se, conforme determina a parte final do artigo 56.º, n.º 2, do mesmo diploma, o Estatuto de Aposentação.

Por outro lado, "as disposições do Estatuto de Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação (...) a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma".

Em qualquer caso, como interpretado pela aludida mais recente jurisprudência do STA, a que aderimos agora, a expressão "factos ocorridos", no que se refere às doenças profissionais, não se refere à data em que aquela foi contraída, mas à data em que foi diagnosticada.

Assim, na situação em apreciação, é incontornável que o diagnóstico efetuado pelas entidades militares decorreu muito para além da data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro (1 de Maio de 2000) em face do que o referido diploma é necessariamente aplicável, sendo que, em qualquer caso, nos termos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, a entidade competente para diagnosticar e caracterizar uma doença como profissional é, exclusivamente, a junta médica do CNPCRP, mesmo face a militares.

Assim, em conformidade com o referido regime legal, foi o aqui Recorrido avaliado presencialmente por dois médicos do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social em 2016-12-15, que afirmaram que “Não foram apurados fatores traumáticos relevantes, nem tão pouco uma doença clinicamente significativa”.

Deste modo, outra não poderia ter sido a decisão adotada pela CGA, em 6 de fevereiro de 2017, que não a de indeferir o pedido de pensão do Autor, aqui Recorrido, com fundamento no facto da doença de que este diz padecer, não ter sido caracterizada como doença profissional pelo Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais.

Atento o exposto, conceder-se-á provimento ao recurso e declarar-se-á improcedente a ação interposta pelo autor.

V - Decisão
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, acordam:
a) Conceder provimento ao Recurso;
b) Revogar a Sentença Recorrida;
c) Julgar improcedente a Ação.

Custas pelo Recorrido

Lisboa, 21 de abril de 2022

Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa