Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2308/20.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/06/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ASILO;
PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA;
REPÚBLICA DO GANA;
CREDIBILIDADE DO RELATO;
MOTIVOS ECONÓMICOS
Sumário:i) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.
ii) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados permitem concluir não existir, desde logo pela incoerência da narração e falta de credibilidade dos motivos que são apresentados como justificativos da medida de protecção.
iii) Não está demonstrado nos autos que a ora Recorrente tivesse sido alvo de tratamento que colocasse em causa a sua vida ou integridade física, por parte das autoridades da República do Gana.
iv) É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
v) Desse artigo 7.º da Lei do Asilo decorre que a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária não se basta unicamente com a conclusão de que no país da nacionalidade ou da residência habitual do requerente de asilo, existe uma sistemática violação dos direitos humanos – o que não ficou demonstrado -, sendo também necessário que o mesmo esteja impedido ou se sinta impossibilitado de regressar e permanecer nesse país atendendo a essa sistemática violação dos direitos humanos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O... (Recorrente), nacional da República do Gana, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa especial urgente (pedido de asilo) por si proposta contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que considerou infundado o pedido de asilo por aquela formulado, bem como o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dos supra mencionados autos, o qual foi concluído com a decisão de improcedência da ação proposta pela Recorrente.

II. Pelo entendimento do juízo a quo, a ora Recorrente não obteve êxito em comprovar que preenche os requisitos necessários a atribuição de proteção internacional.

III. A Recorrente não se conforma com as conclusões da r. sentença, posto que além de todo o processo administrativo ter sido realizado em língua diversa à sua língua materna, o que de certeza prejudicou os esclarecimentos acerca de seus medos e motivações para vir à Portugal, bem como todo o contexto de sua história de vida;

IV. A Recorrente acredita que não estamos perante uma questão caprichosa nem injustificada, tendo em conta, nomeadamente, que é do entendimento da ora Recorrente que a decisão do juízo a quo, foi decidida por completo descaso e menosprezo de sua situação pessoal, nomeadamente pelo fato de ter sido mãe recentemente e ter o menor nascido já em Portugal, salvo o devido respeito.

V. Nenhuma mãe em sã consciência colocaria a vida de seu filho em uma jornada tão perigosa em um país estrangeiro se não tivesse motivos reais e sinceros para fazê-lo!

VI. Bem como nenhuma mãe, também em sã consciência, permaneceria em seu país de origem a sentir-se insegura e ameaçada pelas próprias autoridades daquele lugar, bem como pelos demais indivíduos e milícias que pensam de forma diferente.

VII. A ora Recorrente deseja fazer vida em Portugal e oferecer melhores condições ao seu filho e é função do Direito, bem como do Estado Democrático de Direito Português, na medida em que esse ser humano encontra-se tolhido em seus direitos, liberdades e garantias em seu país de origem, o Gana, proteger esse indivíduo.

VIII. Portanto, é certo que a reforma da decisão do juízo a quo é a medida necessária para a consecução da justiça, conforme os termos apresentados neste recurso, para assim, declarar procedente a respetiva ação de intimação de direitos, liberdades e garantias e, consequentemente, condenar o Ministério da Administração Interna à conceder a proteção internacional, ou subsidiariamente, conceder à Recorrente o direito à autorização de residência por proteção subsidiária, pedidos esses extensíveis ao seu filho, menor e recém nascido.



O Recorrido não contra-alegou.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I.1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao não ter concluído pela necessidade de protecção internacional.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. Autora é nacional do Gana – cf. fls. 17 e 24 do PA;

2. A Autora chegou ao Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa em 27.09.2020, tendo-lhe sido recusada a entrada em território nacional, por não ser portadora de documento de viagem válido -uso de passaporte e autorização de residência alemã alheios - fls. 15 do PA;

3. Por despacho da Diretora nacional do SEF, de 28.09.2020, foi concedido, à Autora, “visto especial”, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 68.º da Lei 23/2007, de 4 de julho – cf. fls. 12 do PA;

4. Em 06.10.2020, a Autora apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, pedido de proteção internacional às autoridades portuguesas – cf. fls. 75 do PA;

5. A Autora assinou o “questionário preliminar”, redigido em língua inglesa, preenchido por técnica do Conselho Português de Refugiados (CPR) – cf. fls. 4 a 6 do PA;

6. Em 29.10.2020, em cumprimento do disposto no n. º1 do artigo 16.º da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/14, de 05 de maio, a Autora foi ouvida, quanto aos fundamentos do seu pedido de proteção internacional, tendo prestados as seguintes declarações: (…)


«Imagem no original»

- cf. fls. 82 a 90 do PA;

7. As declarações prestadas em 29.10.2020, foram lidas à Requerente, ora Autora, em língua Inglesa e por esta assinadas – cf. fls. 90 do PA;

8. Em 03.11.2020, foi elaborado relatório, pelos serviços do SEF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que foi lido à Autora, em língua inglesa, tendo a mesma achado conforme, tendo-lhe sido entregue uma cópia da notificação das declarações e do relatório – cf. fls. 91 a 93 do PA;

9. Em 11.11.2020, a Autora apresentou requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dirigido à Diretora Nacional do SEF, requerendo que lhe seja assegurado o direito de prestar declarações na língua da sua preferência, – Twi, por não se ter conseguido expressar corretamente em língua inglesa, durante a audição do dia 29.10.2020 – cf. requerimento de fls. 97 e 98 do PA;

10. Em 16.11.2020, foi emitida, pelos serviços do SEF a informação nº 2236/GAR/20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e onde se destaca o seguinte:


«Imagem no original»

- cf. fls. 101 a 117 do PA;

11. Em 16.11.2020, foi proferida decisão pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF que considerou infundado o pedido de proteção internacional, apresentado pela Autora, sendo a decisão extensível ao seu filho M..., nascido em 09.10.2020 - cf. fls. 131 do PA;

12. Em 17.11.2020, a decisão, mencionada no ponto que antecede, foi lida à Autora em língua Inglesa, tendo-lhe sido entregue cópia da mesma e da informação mencionada no ponto 10 – cf. fls.132 do PA.

Não existem factos não provados, com relevo para a decisão.



II.2. De direito

O..., nacional da República do Gana, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nos termos da qual viu julgada totalmente improcedente, por não provada, a impugnação da decisão do Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou infundado o seu pedido de protecção internacional, com base na informação supra referida e cujo teor foi reproduzido.

Alega a Recorrente, em especial, que as declarações que prestou no âmbito do procedimento administrativo são credíveis, sendo que a realização da entrevista em língua diferente da sua língua materna a terá prejudicado. Mais alega razões de natureza pessoal e humanitária que deverão ser consideradas para a procedência do pedido condenatório formulado.

Vejamos então se a sentença errou na apreciação do caso.

Para fundamentar a sua decisão exarou a Mma. Juiz a quo o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

No presente caso, a Entidade Demandada considerou que a Autora, requerente de proteção internacional, prestou, voluntariamente, falsas declarações, sendo a informação pela mesma prestada incoerente, pautada por omissões ou declarações pobres em pormenor, oferecendo ao examinador um cenário sem qualquer relevância para a matéria de asilo, apenas indicando questões não pertinentes ou de relevância mínima para a análise do cumprimento das condições de reconhecimento do estatuto de refugiado.

Concluiu, assim, que o pedido apresentado pela Autora é infundado, de acordo com o disposto nas alíneas c) e e) do n.º 1, do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 20.º, ambos da Lei do Asilo.

O presente caso, enquadra-se, pelo exposto, na fase preliminar do procedimento administrativo de concessão de proteção internacional, que consiste na verificação do fundamento e da admissibilidade do pedido, cabendo, ao tribunal, apreciar os fundamentos da pretensão da Autora e decidir se a Entidade Demandada analisou corretamente a situação, ao ter considerado o pedido infundado ou, se, ao invés, deve ser condenada a admitir o pedido de proteção internacional à fase de instrução.

Vejamos.

Alega, desde logo, a Autora que a suposta ausência de detalhes do seu depoimento, argumento sustentado pela Entidade Demandada, deve-se ao facto de ter realizado toda a entrevista, e procedimentos, em inglês, língua essa distinta de sua língua materna, o Twi.

Mais afirma que compreende e é capaz de comunicar em inglês, mas nunca do mesmo modo se o tivesse feito em sua língua materna.

Com efeito, em sede de alegações, a Autora argumentou que deveria ter prestado declarações na sua língua materna, o Twi, pois, por ter poucos estudos, apenas consegue comunicar em Inglês de forma básica, não lhe sendo possível explicar vivências e factos de forma detalhada, como desejaria.

Contradiz-se, todavia, ao mencionar que antes da audição do dia 29 de outubro esclareceu ao SEF que a sua língua materna é Twi, única que diz compreender e através da qual comunica claramente e que nesse mesmo dia, alegadamente, não lhe tendo sido explicado que poderia ser ouvida noutra língua, nada mencionou.

Ora, como resulta dos factos provados, a entrevista foi efetivamente realizada em Inglês, língua que a Autora identificou como sendo a língua que fala, referindo expressamente, quando questionada, “É a língua que tenho utilizado em todas as conversações, mesmo com os técnicos da CPR”.

Do mesmo modo, quando questionada sobre a língua em que pretendia efetuar a entrevista, reiterou pretender efetuar em Inglês.

Tendo sido lidas as declarações (e depois o relatório elaborado) em língua inglesa, a Autora declarou serem as mesmas verdadeiras e corresponderem ao seu depoimento.

Resulta ainda do probatório que a Autora também efetuou a entrevista preliminar, junto do CPR, em inglês.

Estabelece o n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 que “Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a sua pretensão.”

Não resulta provado que, em momento algum, durante o procedimento, ou até apresentar as suas alegações, a Autora tenha mencionado, junto do SEF, não entender qualquer questão ou pretender prestar declarações na língua Twi, tendo a entrevista sido efetuada em língua inglesa, tal como foi sua vontade expressa.

Por outro lado, e tal como decorre da informação n.º 2236/GAR/20, o Inglês é a língua oficial do Gana e a que é utilizada no sistema educativo desde o ensino pré-escolar, pelo que, tendo a Autora estudado até aos quinze anos, estará apta a compreender e exprimir-se naquela língua, tal como declarou.

Conclui-se, assim, que a entrevista foi realizada em língua que a Autora revelou compreender e através da qual comunica claramente, decorrendo, como tal, em obediência a todas as formalidades legais, não se verificando a violação do artigo 16.º, n.º 1 da Lei do Asilo.

Improcede, pelo exposto, o alegado, quanto a este fundamento.

- Do pedido de asilo e de proteção subsidiária

Fundamenta a Autora o seu pedido de proteção internacional com base no facto de ter receio de ser perseguida em virtude de suas opiniões políticas e devido à influência de suas opiniões no grupo de jovens que participa, não querendo voltar ao seu país de origem, por recear pela própria vida.

Refugiado, nos termos da alínea ac), do n.º 1, do artigo 2.º da Lei n.º 27/2008 é: “o estrangeiro ou apátrida que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9.º”.

Sobre atos de perseguição, estabelece o artigo 5º, designadamente, o seguinte:

“1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.

2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:

a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;

b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;

c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;

d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;

e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;

f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores. (…)

4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”.

A propósito dos “agentes de perseguição” determina o artigo 6.º que:

“1 - São agentes de perseguição:

a) O Estado;

b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território;

c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.

2 - Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva.”.

Tendo sido ouvida sobre as circunstâncias que fundamentaram o seu pedido, referiu a Autora, em síntese, que “faz parte de um grupo de pessoas jovens que diz o que pensa e luta pelos nossos direitos, e as pessoas seguem-me”.

Mais declarou que o grupo em causa não tem nome, nem é dotado de estrutura formal, afirmando também que “Por vezes reuníamos na área e eu manifestava a minha opinião e como tinha muitos seguidores junto dos jovens, os políticos viam-me como uma ameaça e como alguém com influência, junto dos jovens.”

Afirmou também não ter sido ameaçada diretamente, mas antes ter sido informada por “um dos meus rapazes” que lhe disseram que “eles me querem morta”, não identificando os sujeitos em causa.

Questionada sobre se reportou tais ameaças, e receios, a alguma autoridade do seu país, a Autora mencionou não o ter feito.

Saliente-se que a Autora declarou não pertencer a um grupo politico, não mencionando ser membro de qualquer tipo de organização religiosa, militar, étnica ou social, no seu país.

Face ao exposto, cumpre verificar se os factos alegados, pela Autora, preenchem os requisitos para a concessão do direito de asilo ou de autorização de residência por proteção subsidiária, respetivamente previstos nos artigos 3.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, da Lei do asilo.

Como bem aponta a Entidade Demandada, na informação elaborada, o relato da Autora, prestado em auto de declarações, suscita, desde logo, fundadas e graves dúvidas quanto à respetiva credibilidade, por se revelarem incoerentes e pouco pormenorizadas.

Com efeito, a argumentação da Autora prende-se unicamente com a alegada liderança de um grupo de jovens, sem designação ou estrutura, onde manifesta as suas opiniões, que segundo a mesma, podem ser uma ameaça para os partidos do poder, ressalvando, contudo, não pertencer a qualquer grupo ou partido político.

Na verdade, a Autora não identificou qualquer situação, concreta, de natureza persecutória que tenha sido alvo, sendo as suas declarações incoerentes, desde logo, porque, tendo estado, em data anterior (janeiro e fevereiro de 2020), na Europa, com visto de turismo, e afirmado ter viajado por esse motivo, apenas requereu proteção internacional às autoridades portuguesas em 06.10.2020.

O relatado pela Autora revela-se, de facto, incongruente e genérico, não podendo o receio de perseguição, e a saída do seu país ser sustentado apenas por “opiniões de rapazes com que se relaciona”, não sendo sequer capaz de identificar quem a “pretende ver morta”.

Mais, não se afigura razoável, e credível, o abandono do país de origem, onde permanecem três dos seus filhos, sem que o alegado receio de perseguição tenha sido denunciado a qualquer entidade, nem procurado outro local, dentro do país, onde pudesse sentir-se em segurança.

Efetivamente, quando questionada sobre a possibilidade de se radicar noutras localidades do Gana, nomeadamente onde a sua família reside, mencionou que a sua maioridade lhe permite escolher onde residir.

Não logrou, assim, a Autora, concretizar o alegado, não tendo feito prova de quaisquer factos relevantes que possam demonstrar que, de alguma forma, foi ou possa vir a ser perseguida, ou gravemente ameaçada de perseguição, ameaçada, discriminada ou vítima de qualquer ato de natureza ou com caráter persecutório individual.

Tende presente o que antecede, constata-se que as declarações da Autora não são suscetíveis de criar a convicção de que é uma pessoa verdadeiramente necessitada de proteção internacional e que pretendeu fugir por falta de segurança no país de que é nacional, não resultando, das mesmas que a vida da Autora corra risco.

Tendo em linha de conta estes motivos, não existem fundamentos para que possa ser aplicado ao caso em apreciação o regime previsto nos artigos 3.º e 7.º da Lei nº 27/2008, corolários do n.º 8 do artigo 33.º da CRP.

De resto, não pode ser concedida à Autora o benefício da dúvida que deve ser concedido quando exista manifesta dificuldade de prova dos factos invocados e documentos apresentados pelo requerente de asilo/autorização de residência por proteção subsidiária, desde que as declarações prestadas pareçam credíveis e não sejam suscetíveis de prova.

No ponto 204, o Manual de Procedimentos do ACNUR refere que “o benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos.”.

Sucede, efetivamente, que as declarações prestadas pela Autora suscitam fundadas e graves dúvidas quanto à respetiva credibilidade, desde logo porque, da análise recolhida e informação analisada pelo SEF sobre o país de origem – Gana (informações cuja fonte consta enunciada na informação que subjaz ao ato impugnado e cujo teor em momento algum da petição inicial põe em causa) não foi possível obter qualquer dado que comprove, ou indique com segurança, a existência de perseguições de cariz politico, sendo possível à generalidade dos cidadãos do Gana poder exercer as suas escolhas politicas livremente e sem interferências de grupos/milícias não elegíveis democraticamente, atenta a existência atual de um sistema politico multipartidário, sendo a liberdade de expressão e imprensa respeitadas.

Por outro lado, a Autora viajou com documentos alheios e apenas logrou apresentar pedido de proteção internacional depois de ter estado na Europa com visto de turismo, em fevereiro de 2020, facto que não é compatível com o quadro de alguém que necessita de proteção internacional.

Não é, de facto, credível que, tendo viajado “em turismo” no mencionado período e chegado a Portugal, em setembro do mesmo ano, tenham, naquele lapso de tempo, ocorrido quaisquer factos, que não consegue precisar e que ponham em causa o seu regresso ao Gana.

Atento o exposto, por falta de verificação do invocado, improcede o pedido impugnatório e, por falta de verificação dos pressupostos necessários, improcede o pedido condenação da Entidade Demandada a admitir o pedido de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias.

(…).”

O assim decidido é de manter.

Quanto à questão da língua adoptada no procedimento e sua repercussão na compreensão das questões e explicitação das motivações inerentes ao pedido de protecção internacional, diremos, em primeiro lugar, que a alegação recursória não questiona a legalidade da entrevista ter sido realizada em inglês. A entrevista foi conduzida em inglês, língua que a Recorrente compreende e fala, não sendo sequer contestada a conformidade entre o registado no auto e as suas declarações. Pelo que em causa não está a violação do artigo 16.º, n.º 1, da Lei do Asilo.

O que vem alegado, de modo genérico aliás, é que o facto de a entrevista não ter sido realizada na língua nativa prejudicou a ora Recorrente. Porém, compulsada a matéria de facto, verifica-se que aquela afirmou compreender a língua inglesa e não se denota sequer hesitação nas respostas às perguntas que lhe foram colocadas. Donde, não assistir razão à Recorrente no que vem alegado e que poderia apenas ter relevância na aplicação do princípio do benefício da dúvida.

E quanto ao princípio do benefício da dúvida, tal como explicitado na sentença recorrida, nada tendo sido referido pela requerente de asilo que justificasse dissipar qualquer dúvida, não cabia – nem cabe - o socorro do princípio do benefício da dúvida.

O benefício da dúvida deverá apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos.

Com efeito, das declarações prestadas pela ora Recorrente decorre que a mesma não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por si exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, na acepção do art. 3.º, n.º 1, da Lei do Asilo. E também não foi por aquela comprovado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do art. 3.º, n.º 2, da mesma Lei. Aliás, o que foi peremptoriamente afirmado pela Recorrente é que “se deslocou à Europa em turismo”.

Em segundo lugar, relativamente, agora, à concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, o artigo 7º da Lei n.º 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave. Só existe sistemática violação dos direitos humanos, para efeitos, do artigo 7º, quando esteja em causa a violação de direitos humanos relacionados com a segurança dos cidadãos e que as violações ocorram frequentemente de forma que gerem na generalidade dos residentes nesse país um sentimento de grave insegurança; o que, de acordo com a informação recolhida, não pode afirmar-se ocorrer no país da ora Recorrida. Sendo que do citado artigo 7.º da Lei do Asilo decorre que a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária não se basta com a conclusão de que no país da nacionalidade ou da residência habitual do requerente de asilo, existe uma sistemática violação dos direitos humanos, sendo também necessário que o mesmo esteja impedido ou se sinta impossibilitado de regressar e permanecer nesse país atendendo a essa sistemática violação dos direitos humanos. O que no caso vem minimamente evidenciado.

O ponto está em que dos autos não resultam factos concretos que permitam considerar que a Requerente e ora Recorrente tenha razões fundadas para não regressar ao seu país, não conseguindo demonstrar ser pessoalmente alvo de perseguição ou ameaças graves, nem que a sua permanência no país se tornou insustentável a ponto de fazê-la sair.

Neste capítulo, veja-se que o que resulta da informação do SEF:


«Imagem no original»

Aqui chegados, não resta senão concluir que a factualidade relatada pela Recorrente não se enquadra na previsão do art. 7º da Lei de Asilo.

Em caso idêntico ao presente, igualmente com um cidadão do Gana, este TCAS concluiu no ac. de 10.09.2020, no proc. 1384/19.2BELSB:

I- Os motivos que conduziram a Recorrente a Portugal, e que subjazem ao seu pedido de proteção internacional, constituem motivos puramente económicos, pelo que não têm cabimento nos desígnios do estatuto da proteção internacional.

II- Para efeitos da proteção subsidiária prevista no art.º 7.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, admite-se a atribuição de autorização de residência por razões humanitárias aos requerentes que se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer por sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por se verificar o risco dos interessados sofrerem ofensa grave (a ofensa grave, na norma exemplificativamente enumerada, pode consistir em: pena de morte ou execução; tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ameaça grave contra a vida ou integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos).

III- No caso do país da nacionalidade da Recorrente, o Gana, anotamos que têm sido relatados episódios concretos de violação dos direitos humanos, bem como ilustradas determinadas práticas afrontadoras desses direitos por banda, designadamente, de forças de autoridade. Igualmente, têm sido reportadas práticas decorrentes da existência de tráfico de influência e corrupção nas instituições públicas e que afetam, entre outras instituições, os tribunais estaduais. Sucede, todavia, que tais afrontas aos direitos humanos, para além de estarem em desacordo com a Constituição e a lei do Gana, também não são chanceladas pelos poderes públicos, sendo certo que se registam esforços- ainda que, nalguns casos, débeis- no sentido de reverter determinadas práticas originadas por traços socioculturais ou ocasionadas por um certo clima de baixo desenvolvimento económico. Ademais, não é possível afirmar, face à informação internacional disponível e às fontes informativas consultadas, que subsiste no Ghana um clima disseminado de desrespeito pelos direitos humanos, que atinja a população em geral, assumindo um grau que se situe em patamar de gravidade. Sendo assim, entendemos não ser possível afirmar a verificação de uma situação de sistemática violação dos direitos humanos” na aceção pressuposta pelo n.º 1 do art.º 7.º da Lei do Asilo.

IV- Considerando o panorama da situação política e militar atual do Gana, especificamente da região em que a Recorrente vivia, bem como onde vive a sua mãe e os seus filhos- Breman-Asikuma e Acra, respetivamente-, não subsiste qualquer conflito armado, não se observando, portanto, os critérios desenhados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Diakité (processo C-285/12, 30/01/2014), para efeitos de determinação da ocorrência de um “conflito armado”, nem no Acórdão Elgafaji (processo C-465/07, 17/02/2009) para efeitos de preenchimento do que deve entender-se por “violência indiscriminada ou generalizada” e respetivo grau de gravidade. Ora, os considerandos vindos de enunciar, a que se adita os ensinamentos colhidos na jurisprudência urdida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão proferido em 28/06/2011, Sufi e Elmi vs The United Kingdom (Queixas n.º 8319/07 e 11449/07), permitem afastar, no caso versado, a verificação do requisito atinente à existência de violência indiscriminada e/ou à subsistência de condições humanitárias que tornem impossível o regresso da Recorrente ao país de origem, na aceção do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

E é o que no presente processo também ocorre.

Donde, não procedendo o apontado erro de julgamento, tem que improceder o presente recurso jurisdicional na totalidade, mantendo-se a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.

ii) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados permitem concluir não existir, desde logo pela incoerência da narração e falta de credibilidade dos motivos que são apresentados como justificativos da medida de protecção.

iii) Não está demonstrado nos autos que a ora Recorrente tivesse sido alvo de tratamento que colocasse em causa a sua vida ou integridade física, por parte das autoridades da República do Gana.

iv) É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.

v) Desse artigo 7.º da Lei do Asilo decorre que a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária não se basta unicamente com a conclusão de que no país da nacionalidade ou da residência habitual do requerente de asilo, existe uma sistemática violação dos direitos humanos – o que não ficou demonstrado -, sendo também necessário que o mesmo esteja impedido ou se sinta impossibilitado de regressar e permanecer nesse país atendendo a essa sistemática violação dos direitos humanos.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, por isenção legal (artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio).

Notifique.

Lisboa, 6 de Maio de 2021

Pedro Marchão Marques (relator).

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento: Alda Nunes e Lina Costa.