Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2279/20.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/03/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:CONTRATO DE ARRENDAMENTO APOIADO;
COMPETÊNCIA MATERIAL JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM;
JUÍZO DE CONTRATOS PÚBLICOS
Sumário:I. O contrato de arrendamento apoiado, com o regime atualmente definido na Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, integra-se na categoria de contratos expressamente excluídos do âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos, nos termos do respetivo artigo 4.º, n.º 2, al. c).

II. Pelo que, à luz do disposto nos artigos 9.º, n.os 4 e 5, e 44.º-A, n.º 1, do ETAF (na versão conferida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro), a competência material para conhecer das matérias relativas a tais contratos cabe ao Juízo Administrativo Comum e não ao Juízo de Contratos Públicos.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

O Município de Sintra interpôs recurso da decisão do Juiz do Juízo de Contratos Públicos do TAC de Lisboa que se declarou materialmente incompetente para o conhecimento da causa e ordenou a remessa dos autos para o Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1ª- No caso dos autos, em que foi proferida sentença no âmbito de uma ação administrativa em que o tribunal a quo se julgou incompetente para conhecimento do objeto da ação, não se aplica o disposto no artigo 638.º, n.º 1 do CPC previsto para as apelações autónomas em processo civil, porquanto existe norma própria que fixa o prazo para interpor recurso no CPTA, que no caso é de trinta dias, de acordo com o previsto no artigo 144.º, n.º 1 do CPTA.
2ª- A execução da sentença que julga o tribunal incompetente, antes do respetivo trânsito em julgado, constitui uma nulidade processual, para além de se traduzir numa violação do direito de recurso, suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, devendo por isso ser conhecida e declarada e em consequência, ser declarada a nulidade de todos os atos praticados em momento posterior à referida remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC.
3ª- A alegada incompetência do tribunal a quo para a presente ação é uma incompetência especifica que resulta da criação e desdobramento de juízos de competência especializada em matéria administrativa, dentro da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, resultante das alterações introduzidas aos artigos 9.º, n.º 4, 5 e 6 e artigo 44.º-A, do ETAF, pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, pelo que, em bom rigor, não estamos perante previsão de incompetência absoluta do tribunal – em razão da matéria ou da hierarquia - do artigo 644.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
4ª- o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na interpretação que fez do disposto no artigo 44.º- A, n.º 1, alínea c) segundo a qual a competência para o juízo especializado de Contratos Públicos é apenas para as ações referentes à validade e execução de contratos administrativos (ou outros) submetidos às regras do Código dos Contratos Públicos (legislação sobre contratação pública).
5ª- Com efeito, no âmbito da competência do juízo especializado de contratos públicos prevista pelo artigo 44.º-A, n.º 1, alínea c) do ETAF, o que é evidenciado pela utilização de conjunção alternativa “ou” cabem igualmente as ações referentes a outros contratos que sejam qualificados juridicamente como contratos administrativos, ainda que não regidos pelo Código dos Contratos Públicos.
6ª- O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que o contrato de arrendamento apoiado a que se aplica a Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, aqui em causa não é um contrato administrativo, pois é o próprio artigo 17.º, n.º 2 da referida lei, que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do Código Civil e das normas do NRAU, estabelece que o contrato de arrendamento apoiado tem natureza de contrato administrativo.
7ª- O tribunal a quo na interpretação e aplicação do direito ao caso concreto violou as disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 5 e 44.º, n.º 1, alínea c) do ETAF bem como a disposição constante do artigo 17.º, n.º 2 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, ao concluir que não tem competência para a ação referente à execução de um contrato de arrendamento apoiado.
8ª- Em face do exposto, é competente para conhecer da presente ação em que o Autor peticiona a condenação da Ré no pagamento de rendas vencidas e não pagas, acrescido dos juros de mora, num montante total de € 7.935,91, decorrente do incumprimento de um contrato de arrendamento apoiado a que se aplica a Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, o Juízo dos Contratos Públicos instalado junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa”.
Não foram apresentadas contra-alegações.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento quanto à declaração de incompetência para conhecimento da presente ação do Juízo Especializado de Contratos Públicos.
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Por decisão de 29/12/2020, a Juíza do Juízo de Contratos Públicos do TAC de Lisboa julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação administrativa e ordenou a remessa dos autos para o Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Para tanto, apresentou a seguinte fundamentação:
O arrendamento celebrado entre o Município de Sintra e F..... é um contrato de arrendamento apoiado que é definido e agora regido pela Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, alterada por último pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto.
Os contratos de arrendamento apoiados, além de se regerem pelo referido regime da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, regem-se igualmente pelos regulamentos aí previstos e, supletivamente, pelo Código Civil, nos termos do artigo 17.º n.º 1.
Na celebração de um contrato de arrendamento apoiado, como o que aqui esta em causa, uma das obrigações primordiais é o pagamento atempado da renda, sendo que, salvo disposição em contrário, a primeira renda vence-se no primeiro dia útil do mês a que respeita, vencendo-se cada uma das restantes no primeiro dia útil de cada mês subsequente, de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1.
Nos termos do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 81/2014, por remissão para o n.º 2 do artigo 1084.º, n.º 3 e n.º 3 do artigo 1083.º do CC, determina-se “ser inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário.”.
Foi este múltiplo incumprimento da R. quanto a várias das obrigações contratuais a que estava vinculada que levou o A. a deliberar definitivamente pela cessação do contrato de arrendamento e, mais tarde, pela execução das rendas em dívida através da presente acção administrativa, uma vez que não foram, no prazo concedido para o efeito, nem até ao momento, pagas pela R.. .
A competência dos tribunais administrativos é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cfr. artº 13º, do CPTA).
Na sequência das alterações introduzidas ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pela Lei nº 114/2019, de 12/09 [cfr. artº 9º, nº 4, 5 e 6 e 44º-A, do ETAF], foram criados juízos de competência especializada administrativa, nos termos do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa integra um juízo de contratos públicos, com jurisdição alargada sobre o conjunto das áreas de jurisdição atribuídas aos Tribunais Administrativos de Círculo de Almada, Lisboa e Sintra (cfr. artº 2º, nº 2). O artº 1º, al. a), da Portaria n.º 121/2020, de 22 de Maio fixou o dia 1 de setembro de 2020 para a entrada em funcionamento dos juízos especializados dos tribunais administrativos e fiscais. A presente ação foi intentada em 18 de dezembro de 2020, ou seja, em data posterior à entrada em funcionamento dos juízos de competência especializada administrativa. Importa, por isso, considerar a competência dos juízos administrativos especializados, nos termos definidos no artº 44º-A, do ETAF.
Dispõe o artº 44º-A, do ETAF, aditado pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, sob a epígrafe “Competência dos juízos administrativos especializados” que, “1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete: a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo; b) Ao juízo administrativo social, (…); c) Ao juízo de contratos públicos, conhecer de todos os processos relativos à validade de actos pré-contratuais e interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, e à sua formação, incluindo a efectivação de responsabilidade civil pré-contratual e contratual, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;” [destaque nosso].
Conforme se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, que procede à criação de juízos de competência especializada, na sequência da revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, “Neste âmbito, é de realçar a criação dos juízos de competência especializada administrativa de contratos públicos nos tribunais administrativos de círculo de Lisboa e do Porto, com jurisdição alargada sobre as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais limítrofes, que visa adicionalmente assegurar a confiança necessária no domínio da economia e das finanças públicas, providenciando uma tramitação mais célere e especializada dos litígios associados à contratação pública, nas zonas geográficas e económicas onde esta assume maior expressividade.” [destaque nosso].
A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido (causa de pedir), tal como a configura o autor – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 89.
Portanto, a competência em razão da matéria afere-se pelo quid disputatum tal como é apresentado pelo A. na p.i., isto é, no confronto entre o respetivo pedido e a causa de pedir. Tal como se entende, não cabe a este Juízo de Contratos Públicos conhecer do litígio sub judice. Com a presente ação pretende o A. obter o pagamento do montante correspondente às rendas vencidas e não pagas pela R. no âmbito do contrato de arrendamento apoiado celebrado entre o A. e a R., que é definido e regido pela Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro. O artigo 17.º do mencionado diploma legal consagra o seguinte: Artigo 17º Regime do contrato 1 - O contrato de arrendamento apoiado rege-se pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo Código Civil e pelo NRAU. 2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo, estando sujeito, no que seja aplicável, ao respetivo regime jurídico.
3 - Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.
Conforme se constata, não está aqui em causa um litígio emergente de um contrato de procura pública com interesse concorrencial, isto é, um contrato “cuja execução corresponde à satisfação de um interesse próprio e de uma necessidade da entidade adjudicante;” e “que suscita a competição entre os vários interessados na obtenção das vantagens que dele decorrem;” – cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 3ª edição, vol. 1, Almedina, p. 202, 207-208.
Na verdade, tal contrato não corresponde a nenhuma das categorias de contratos submetidos à parte II do CCP, nem está sujeito ao regime substantivo dos contratos administrativos da sua parte III (artº 280º, do CCP).
Antes se integra numa categoria de contratos expressamente excluídos do âmbito de aplicação do CCP (artº 4º, nº 2, al. c), do CCP).
Pode, pois, dizer-se que estamos na presença de um contrato administrativo de direito administrativo geral não especialmente regulado no CCP [utilizando a expressão de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, em Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, p. 62]. Assim, visto que ao Juízo de Contratos Públicos apenas cabe conhecer de processos relativos a contratos administrativos [ou outros] submetidos às regras do CCP (legislação sobre contratação pública), tem de concluir-se que a competência material para apreciar a relação em conflito não cabe ao Juízo de Contratos Públicos deste Tribunal, mas no âmbito de conhecimento do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos termos do disposto nos artº 9º e 44º-A, nº 1, al. a), do ETAF, artº 9º, al. a), do Decreto-Lei nº 174/2019, de 13/12 e artº 1º, al. h), da Portaria nº 121/2020, de 22/05, conjugado com o artº 19º, do CPTA. .
- Decisão:
Pelo exposto, julgo este Juízo de Contratos Públicos incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação administrativa e ordeno a remessa dos autos para o Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.”
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Cumpre saber se é competente para a presente ação o Juízo de Contratos Públicos do TAC de Lisboa, ou o Juízo Administrativo Comum do TAF de Sintra.
Na sequência da alteração ao artigo 9.º e aditamento dos artigos 9.º-A e 44.º-A ao ETAF, através da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, o Decreto-Lei n.º 174/2019 de 13 de dezembro, procedeu à criação de juízos de competência especializada no TAC de Lisboa, designadamente um juízo de contratos públicos, com jurisdição alargada sobre o conjunto das áreas de jurisdição atribuídas aos TAC de Almada, Lisboa e Sintra.
Constam do referido artigo 44.º-A os critérios que determinam a habilitação funcional do tribunal:
“1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9º, compete:
a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo;
b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;
c) Ao juízo de contratos públicos, conhecer de todos os processos relativos à validade de atos pré-contratuais e interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, e à sua formação, incluindo a efetivação de responsabilidade civil pré-contratual e contratual, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;
d) Ao juízo de urbanismo, ambiente e ordenamento do território, conhecer de todos os processos relativos a litígios em matéria de urbanismo, ambiente e ordenamento do território sujeitos à competência dos tribunais administrativos, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei.
2 – Quando se cumulem pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou subsidiariedade, deve a ação ser proposta no juízo competente para a apreciação do pedido principal”.
O juízo administrativo comum tem, pois, uma competência material residual, o que vale por dizer que terá competência nas matérias não incluídas no âmbito dos juízos especializados.
A propósito da presente questão formou-se recentemente orientação consensual dos Juízes Presidentes deste Tribunal Central Administrativo Sul e do Tribunal Central Administrativo Norte, da qual não se antevê qualquer razão para divergir.
Veja-se, por mais recente, a fundamentação que consta da decisão proferida pelo Juiz Presidente deste TCAS no âmbito no processo n.º 404/21.5 BELSB, proferida em 18/02/2022:
“A questão que nos é trazida a juízo é em tudo igual àquela por nós resolvida na decisão sumária recentemente proferida no processo n.º 150/21.0BESNT. Assim, nos termos permitidos pela lei processual civil, limitar-nos-emos a transcrever essa decisão, na sua parte relevante:
A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a ação é proposta, isto é, pelos pedidos e causas de pedir.
É entendimento generalizado da Jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Doutrina que a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)” (…) A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 91 e, por todos, o acórdão do Tribunal de Conflitos de 4.07.2006, proc. n.º 11/2006.
Em suma, a competência afere-se pela substância do pedido formulado e pela relação jurídica subjacente ou factos concretizadores da causa de pedir. E em conformidade com o disposto no artigo 13.º do CPTA, o seu conhecimento é oficioso e precede o conhecimento das demais questões.
Recorde-se que na presente ação a A., C ……………. – G ……………….., E.M., S.A., apresentou requerimento para execução de despejo contra A………….e pediu a condenação deste na entrega do locado totalmente livre e devoluto de pessoas e bens [aqui, a C……………….– G………………., E.M., S.A., intentou a ação contra P………….e I ………………………].
A causa de pedir, por alegada ausência de ocupação efetiva do locado objeto dos presentes autos, relaciona-se com o regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, revogado pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, regendo-se ainda pelas disposições constantes do Código Civil, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto. Ou seja, estamos no âmbito do regime do arrendamento apoiado.
E se é certo que o complexo normativo que regula a cedência dos fogos municipais configura um regime jurídico de regras específicas que não podem deixar de ser qualificadas como de direito público, uma vez que têm em vista os contratos celebrados por entidades que gerem recursos públicos para a satisfação de necessidades coletivas (vide ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.05.2011 - Processo nº 8272/09.9TBCSC.L1-2), certo é também que o contrato de arrendamento em causa nos autos não corresponde a nenhuma das categorias de contratos submetidos à parte II do CCP, nem está sujeito ao regime substantivo dos contratos públicos inscrito na sua parte III (artigo 280º do CPC.). Antes se integra numa categoria de contratos expressamente excluídos do âmbito de aplicação do CCP (art. 4.º, n.º 2, al. c), do CCP).
Pode, pois, dizer-se, aliás em consonância com o decidido neste Tribunal Superior (vide, por todas, a decisão proferida no processo n.º 378/19.2 BELRS e nas demais decisões referidas pela Sra. Juíza do juízo de contratos públicos) que estamos na presença de um “contrato administrativo de direito administrativo geral não especialmente regulado no CCP” , para usar a expressão empregue por Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos (cfr. Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, p. 62).
O que vale por dizer que o objeto dos presentes autos não se reporta a um litigio emergente de contrato de procura pública com interesse concorrencial, mas antes de uma relação jurídica estabelecida sob a égide do regime de arrendamento de habitação de interesse social, sendo, por conseguinte, incompetente para conhecer da causa o juízo de contratos públicos por a competência caber ao juízo administrativo comum.
Efetivamente, para que se considere que um determinado contrato está sujeito às normas da contratação pública, é necessário que haja procura pública, no sentido de corresponder esta à satisfação de um interesse próprio e de uma necessidade da entidade adjudicante (cfr., a este propósito, Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 4.ª ed., 2020, p. 312 e s.). O que não é seguramente o caso dos presentes autos, como acima já se deixou dito.
Como se disse na recente decisão sumária por nós proferida no processo n.º 1077/14BELSB, em que estava em causa situação análoga:
«O contrato em questão seguiu as regras da contratação pública? Não. Foi celebrado ao abrigo de acordos-quadro? Não. Os aspetos da execução do contrato estão sujeitos à disciplina do CCP? Não. A sanção por incumprimento encontra-se prevista nos artigos 325.º e s. do CCP? Não. Donde, não estarmos perante uma situação-tipo suscetível de ser inscrita no catálogo dos litígios emergentes da formação e execução de contratos (administrativos) sujeitos ao regime da contratação pública. É que, como se afirmou na decisão de 18.01.2021 da Exma. Presidente do TCAN, proc. n.º 2063/06.6BEPRT, “o juízo de contratos públicos é, a final, o juízo da contratação pública e não o juízo residual de todo e qualquer contrato (administrativo ou de direito privado) celebrado por entidades ou sujeitos na órbita da Administração Pública»”.
Como se adiantou, não se antevê qualquer fundamento para divergir do entendimento explanado.
Nos presentes autos está em causa um contrato de arrendamento apoiado, com o respetivo regime atualmente definido na Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, incumprido pela ré e cessado pelo autor, que na presente ação administrativa visa a execução das rendas em dívida.
Consta do artigo 17.º, n.º 3, do referido diploma legal que “[c]ompete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”
Tal contrato integra-se na categoria de contratos expressamente excluídos do âmbito de aplicação do CCP, nos termos do respetivo artigo 4.º, n.º 2, al. c), do CCP.
Porque assim é, à luz do disposto nos artigos 9.º, n.os 4 e 5, 44.º-A, n.º 1, al. a) do ETAF (na versão conferida pela Lei nº 114/2019, de 12 de setembro), 2.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro, e 1.º, al. h), da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio, a competência material para conhecer da presente ação cabe ao Juízo Administrativo Comum do TAF de Sintra.

Em suma, será de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
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Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 3 de março de 2022
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)