Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1105/14.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:TSAM
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:A Taxa de Segurança Alimentar Mais é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A…, S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 20.06.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativa ao ano de 2013 (2.ª prestação).

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“A. Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida.

B. Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei – constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado – e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres).

C. Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até “mais” no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio – a taxa do SIRCA.

D. Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona – desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar –, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada.

E. Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis.

F. Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível).

G. Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013).

H. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade – artigo 13º da Constituição).

I. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar.

J. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar – e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão – forem enquadrados nessa obrigação de participação.

K. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um super-mercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.

L. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.

M. No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público.

N. Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos.
O. Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação directa ao lucro real das empresas, mas sim mediante uma aproximação indirecta ou presumida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento não significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) – conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva.

P. Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potencia também, em benefício do Estado, um efeito de “fraude” à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma.

Q. Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presuntiva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida”.

A Fazenda Pública (doravante FP ou Recorrida) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I. No presente recurso vem a Recorrente alegar factos novos baseados em documentos que afirma ter obtido já depois da prolação da sentença recorrida;

II. Ora, além de se limitar a uma alusão vaga ao momento de que teria tido conhecimento dos mesmos, omitindo a data, em concreto, desse mesmo conhecimento, o que não prova a superveniência que invoca, a verdade é que tudo indicia, tendo em consideração as circunstâncias que refere sobre a origem e conhecimento dos mesmos e atenta a experiência comum e a importância de que eles, segundo, diz, se revestem, que os tenha recebido em data anterior à da sentença, provavelmente em janeiro ou fevereiro de 2016.;

III. Que mais não seja porque esses documentos, como afirma, lhe foram entregues pela associação que a representa e tem assento no conselho consultivo do «Fundo» onde os debateu e recebeu em finais de 2015 princípios de 2016;

IV. Documentos que as suas coassociadas na Associação de Distribuidores de que faz parte e que tem assento no Conselho Consultivo do Fundo, receberam em finais de 2015 ou princípios de 2016, como, certamente, a ora recorrente, ou seja, muito antes do encerramento da discussão em 1.ª instância;

V. Tanto mais quanto os factos que se destinam a provar eram, eles próprios, do conhecimento da ora Recorrente (desde aquela última data) pelo menos do conhecimento dos mandatários da Recorrente, por serem mandatários noutros processos, onde os apresentaram em 2016 e 2017;

VI. Tratando-se de factos novos – não supervenientes – não podem os mesmos ser sujeitos a exame deste Tribunal dado que o recurso tem em vista aquilatar o mérito de uma decisão que os não teve em conta por não terem sido trazidos aos autos pelas partes;

VII. Não podem os mesmos nem os documentos supostamente destinadas a fazer prova dos mesmos, por isso, ser admitidos (cfr. os art.º 651.º, n.º1 e 425.º e 423.º do CPC);

VIII. Por outro lado também não se entrevê que a junção dos citados documentos se torne necessária “.. em virtude do julgamento proferido pelo tribunal recorrido”, quer porque o tribunal não decidiu de forma inovatória questão que possa, pela simples apresentação dos mencionados documentos, assumir diferente configuração, quer porque a invocação de que a Impugnante em nada beneficiava da taxa já existia e se fundava em copiosa argumentação (cfr. 108.º a 135.º da p.i. e pareceres juntos) o que significa, afinal, que estes não são – porque coocorrem com outros ou outra argumentação - de per si , aptos à inversão do juízo;

IX. Trata-se, em suma, na sua esmagadora maioria, de factos novos, assentes em documentos inadmissíveis, que não deverão ser submetidos à apreciação deste Tribunal;

X. Factos que que nunca foram debatidos nos autos, cuja superveniência não existe e que agora fundamentam argumentação e conclusões, aliás erradas, quanto à natureza da Taxa impugnada.

XI. Observe-se, de todo o modo, que as receitas e as despesas do «Fundo» ao longo dos anos de registo relevantes (2013 a 2015) não apoiam a «tese» abstrusa da Recorrente de que a TSAM se «destina» a financiar as operações do SIRCA;

XII. Pelo contrário, aqueles registos apontam no sentido de uma grande variabilidade de receitas e de despesas para as mais diversas ações, desde as referentes à «língua azul», Planos de Vacinação (OPP), planos de Vigilâncias, SIRCA, etc. e as mais variadas fontes de financiamento;

XIII. Razão pela qual se impõe concluir, ao invés do que defende a Recorrente, que a TSAM é uma contribuição financeira e não um imposto;

XIV. O facto da TSAM se «somar» a outros tributos pagos por outros agentes económicos para, num todo, contribuir para a segurança alimentar é, precisamente, o que faz dela uma contribuição financeira, pois que, todo esse conjunto de prestações do Estado (vacinações, OPP, SIRCA, etc, etc.) aproveitam aos sujeitos passivos da TSAM. Sem elas, a Impugnante e os demais contribuintes da «Taxa» não poderiam colocar à disposição do público nos seus estabelecimentos, com segurança, os produtos alimentares que aí vendem.

XV. Qualificação essa que foi realizada pelo Tribunal Constitucional em recurso que se debruçou sobre situação fáctica e jurídica idêntica à dos autos e que foi repetida em inúmeras outras decisões;
XVI. O SIRCA pode e sempre foi financiado por outras receitas para além das resultantes da cobrança da respetiva taxa;

XVII. Não é pelo facto de realizarem ações HACCP destinadas à garantia da higiene e segurança dos produtos que manuseiam e vendem (integridade da cadeia de frio, controlo de pragas nos estabelecimentos, etc.), que os contribuintes ficam dispensados de acorrerem ao financiamento do «Fundo» que se destina a acorrer a necessidades completamente diversas;

XVIII. A impugnante, como os demais sujeitos passivos, aproveitam, pois, as ações desenvolvidas pelo «Fundo» com vista à segurança alimentar.

XIX. De facto, como refere o Tribunal Constitucional no Acórdão já citado, “Apesar dos principais beneficiários das atividades que incumbe ao Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais financiar, serem os consumidores em geral, não deixa também de aproveitar aos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, uma vez que tais atividades contribuem para o cumprimento do dever que sobre eles incide de garantir que os géneros alimentícios que comercializam preencham os requisitos legais, acabando por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo”;

XX. Acresce que a destinação e origem das receitas do «Fundo» apresenta ao longo dos anos uma grande variabilidade e no que toca especificamente à despesa, sustenta um largo conjunto de acções («língua azul», Planos de Vacinação (OPP), planos de Vigilâncias, erradicação de pragas, SIRCA, etc.);

XXI. É, por isso errónea a conclusão que a TSAM se destina a financiar o SIRCA; XXII. O facto de o poder fazer, quando as receitas que se lhe destinam não o conseguem financiar na totalidade, não descaracteriza a TSAM como contribuição financeira;

XXIII. Aliás, as receitas cobradas pelo «Fundo» têm como destino, precisamente, financiar as ações por este promovidas, quer sejam as da «língua azul», quer as dos planos de vacinação ou de vigilância, quer, as de erradicação de pragas, quer, também, as do SIRCA, quando indispensável;

XXIV. Ponto é que as receitas cobradas sejam afetas à cobertura das necessidades financeiras relativas às atividades que se compreendam nas atribuições do «Fundo» e se destinem à segurança e qualidade de toda a cadeia alimentar;

XXV. A TSAM é, assim, uma verdadeira contribuição financeira;

XXVI. As conclusões da Recorrente no que toca à constitucionalidade da TSAM assentam e derivam da qualificação desta como imposto e são, por isso erradas.

XXVII. A TSAM, como bem decidiu a sentença recorrida não padece de inconstitucionalidade orgânica ou material;

XXVIII. No caso das contribuições financeiras, o princípio da legalidade no que concerne à criação destes tributos apenas exige que o parlamento legisle sobre as suas bases gerais não demandando uma intervenção da Assembleia da República na criação de cada contribuição;

XXIX. A TSAM não é, pois, inconstitucional como, de resto, tem vindo a ser afirmado por inúmeras decisões do Tribunal Constitucional;

XXX. Como igualmente se afirma nas decisões deste Venerando tribunal, inexiste também violação dos princípios da igualdade /da capacidade contributiva;

XXXI. De facto não se apura que exista qualquer discriminação em função da qualidade do contribuinte dada a amplitude de tributos que onerem os sujeitos económicos do sector e não afetam os retalhistas como a Impugnante;

XXXII. Estes últimos beneficiam, presuntivamente, como os demais, da miríade de operações e ações de segurança alimentar desenvolvidas pela Administração;
XXXIII. Nem o facto de a Taxa incidir sobre os estabelecimentos de maior dimensão, excluindo as microempresas e os estabelecimentos com área inferior a 2000m2, constitui uma diferenciação manifestamente arbitrária, já que numa ponderação de custo benefício, estas são as que menos beneficiam das ações levadas a cabo ou promovidas pelo Fundo de Segurança Alimentar;

XXXIV. Os contribuintes sujeitos à TSAM, como a Impugnante, estão-no, porque se presume serem os principais benificiários dos custos públicos associados à «taxa», não sendo, pois, “a sua capacidade contributiva que determina a sujeição a esta contribuição mas sim o maior grau de benefício que podem usufruir”;

XXXV. Não tem, pois, aqui aplicação, atento o caso concreto, a doutrina expendida nos doutos arestos do STA citados pela recorrente

XXXVI. Não é, atento tudo o exposto, passível de qualquer censura a douta sentença recorrida”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:a) A decisão recorrida padece de erro de julgamento, dado que a TSAM é um imposto orgânica e materialmente inconstitucional?

II. DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade da junção de documentos na presente instância.Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente juntou os seguintes documentos:

a) Adenda a contrato atinente a aquisição de serviços de recolha de animais mortos na exploração, no transporte para matadouro e na abegoaria, bem como o respetivo processamento e eliminação, no âmbito do SIRCA, datada de 23.07.2013;

b) Contrato atinente a aquisição de serviços de recolha de animais mortos na exploração, no transporte para matadouro e na abegoaria, bem como o respetivo processamento e eliminação, no âmbito do SIRCA, datado de 23.04.2013;

c) Atas de reuniões da comissão consultiva do fundo sanitário e de segurança alimentar mais (FSSAM), de 29.09.2014, de 14.04.2015, de 18.05.2015 e de 11.01.2016;

d) Plano de atividades do FSSAM, para 2016;

e) Orientações estratégicas do FSSAM para 2016;

f) Notícia da revista Visão, de data não concretamente apurada, mas com data aposta na respetiva impressão 05.04.2016;

g) Notícia, de data não concretamente apurada, mas com data aposta na respetiva impressão 05.04.2016;

h) Notícias da CAP, de 2012.

Vejamos.

Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT:

“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Assim, de acordo com esta disposição legal, é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” (1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 242., não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova (2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786..Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2015 (Processo: 0570/14), onde se refere:

“[N]os termos do art. 651.º (anterior art. 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º (anterior art. 524.º, n.ºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Ou seja, (…) são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (…).

(…) [A] possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.).

Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.)”.

Ora, no caso dos autos, os documentos e os factos neles atestados (os últimos de 2016) datam de momento no qual ainda estava a decorrer a instrução do processo (como resulta dos diversos despachos e respostas subsequentes dirigidos à Impugnante, justamente relativos a junção de documentos, sendo que a notificação para efeitos de apresentação de alegações ao abrigo do art.º 120.º do CPPT ocorreu em 2018). Aliás, a Recorrente limita-se, quanto a parte dos documentos, a referir que apenas teve conhecimento deles “mais tarde” do que 2015, mas nada concretiza a esse propósito.

Logo, nada nos permite concluir que a sua apresentação não pudesse ter sido feita em momento anterior.

Por outro lado, respeitam a situação que já estava a ser discutida nos autos, de maneira que não se pode considerar que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.Como tal, não se admite a junção dos documentos, devendo os mesmos ser desentranhados e devolvidos à sua apresentante, com a consequente condenação em custas da Recorrente pelo presente incidente, o que será feito a final.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) A impugnante é uma empresa do sector da distribuição, que detém e gere estabelecimentos sob as insígnias “J…”, “P…, “J…” e P…., nos quais exerce o comércio de produtos alimentares a retalho;

2) A Impugnante informou a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária do Ministério da Agricultura e do Mar, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, do nome dos estabelecimentos, morada e respectivas áreas (cfr. ponto 8 da p.i. e fls. 17 e 18 a 21 do processo administrativo apenso);

3) Através do ofício n.º 031910, de 26/12/2013, do Ministério da Agricultura e do Mar, a Impugnante foi notificada da liquidação da taxa de segurança alimentar mais, relativa ao ano de 2013, 2,ª prestação, no valor total de € 412.120,28, calculada sobre 117.748,65 m2, correspondente à área de venda total de todos os estabelecimentos, após aplicação do coeficiente de ponderação previsto no artigo 1.º da portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio (cfr. Doc. n.º 1 da p.i. e processo administrativo apenso);

4) Com a notificação da liquidação referida no ponto anterior foi remetida a factura n.º 565/F, data de 12/12/2013 (cfr. Doc. n.º 1 da p.i. e processo administrativo apenso);

5) A Impugnante foi notificada da liquidação e factura a que se referem os pontos 3 e 4 em 30/12/2013 (cfr. processo administrativo apenso);

6) O montante constante da factura referida nos pontos 3 e 4 foi pago em 10/03/2014 (cfr. Doc. n.º 2 da p.i.) 7) Em 20/05/2014 foi deduzida a presente impugnação (cfr. fls. 2)”.

III.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os factos provados assentam na apreciação conjugada e crítica dos documentos constantes dos autos e nos processos apensos, que não foram impugnados, indicados relativamente a cada um dos factos e na matéria aceite por acordo pelas partes, atenta a posição vertida nos respectivos articulados.

A não consideração dos factos não provados resulta de ausência de prova ou são inócuos à decisão da causa”.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

IV.A. Do erro de julgamento, em virtude da inconstitucionalidade orgânica e material da TSAM

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que a TSAM é um verdadeiro imposto, e não uma contribuição financeira, organicamente inconstitucional, dado não ter sido aprovada por lei parlamentar ou decreto-lei autorizado. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também, na sua perspetiva, por via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva.

Vejamos então.
A TSAM foi criada pelo DL n.º 119/2012, de 15 de junho, diploma que criou igualmente o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais. Este, por sua vez, tem como objetivos, entre outros, o financiamento de custos referentes à execução de controlos oficiais, no âmbito da segurança alimentar, da proteção e sanidade animal, da proteção vegetal e fitossanidade e apoiar a prevenção e erradicação das doenças dos animais e plantas. De entre as receitas do mencionado fundo, encontra-se a TSAM.

Este tributo está previsto no art.º 9.º do referido diploma e está configurado como “contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar”, sendo sujeitos passivos do mesmo os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados.

A questão que se coloca, em primeiro lugar, prende-se com a configuração da TSAM, enquanto tributo, tributo este que a Recorrente considera tratar-se de um imposto.

Cumpre, assim e antes de mais, atentar na tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português.

Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas.

Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo.

Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), os tributos têm uma natureza tripartida:

a) Impostos;

b) Taxas; e

c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias.

Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico.

No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico.

A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas.

Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015:

“[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…).

Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos).

Como referido por Sérgio Vasques (3) Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 223.:

“O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”.Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras.

Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.

Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance.

Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais.

Feito este introito cumpre, antes de mais, atentar na natureza do tributo em causa.

No caso dos autos, não há dúvidas de que o mesmo não é uma taxa, não obstante o seu nomen.

A este respeito já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no sentido de não se estar perante uma taxa. Com efeito, atenta a sua configuração e finalidade, à mesma não corresponde uma prestação concreta de um serviço público ou a remoção de um obstáculo jurídico, nem por parte do sujeito passivo a utilização de um bem do domínio público.

Neste sentido refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário, de 20.10.2015 (4) V. ainda os Acórdãos do mesmo Tribunal, n.ºs 544/2015, de 28.10.2015, 564/15, de 28.10.2015, 565/15, de 28.10.2015, 566/15, de 28.10.2015, 568/15, de 28.10.2015, 602/15, de 26.11.2015, 232/16, de 03.05.2016, 596/19, de 21.10.2019, 608/19, de 22.10.2019, 199/20, de 11.03.2020, 519/20, de 20.10.2020, 667/2020, de 25.11.2020, 681/2022, de 20.10.2022, 353/2023, de 06.06.2023 e 450/2023, de 06.07.2023.:“[A] “taxa de segurança alimentar mais” não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a atividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar”.

No mesmo acórdão afastou-se a sua qualificação como imposto, na medida em que este tributo não visa a satisfação de determinadas necessidades genéricas, mas sim a contribuição para a realização de uma atividade concreta.

Portanto, entendeu o Tribunal Constitucional que estaríamos perante um tributo enquadrável no tertium gens, consubstanciado nas chamadas contribuições financeiras, com base no seguinte discurso fundamentador:

“[C]omo resulta do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a “taxa” de segurança alimentar mais” é precisamente uma contribuição para o financiamento da atividade de garantia de segurança e qualidade alimentar. É uma comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado.
Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida “taxa” não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira.

(…) Trata-se (…) de contribuições que se destinam a retribuir serviços prestados por uma entidade pública e que não se inserem no objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se dirige antes à obtenção de receitas para cobrir despesas gerais do Estado e de outras pessoas coletivas territoriais (regiões autónomas e autarquias locais).

Desse ponto de vista o que interessa considerar é o grau de autonomia da entidade que presta o serviço público e à qual se encontra consignada a receita resultante da contribuição financeira, de modo a poder afirmar-se que a receita não será canalizada para a administração geral do Estado ou de outras pessoas coletivas territoriais (dando relevo a este aspeto como um critério decisivo de aferição da independência da entidade administrativa, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/2008). Ora, o Fundo, ainda que não disponha de personalidade jurídica e se encontre, como tal, inserido na orgânica da Administração Central do Estado, é tido como um «património autónomo», dotado de «autonomia administrativa e financeira» (artigo 2.º), e com atribuições específicas na área da segurança alimentar e da saúde dos consumidores (artigo 3.º), e cujas despesas são as «resultantes dos encargos e responsabilidades decorrentes da prossecução das suas atividades» (artigo 5.º). A competência do diretor-geral de Alimentação e Veterinária, enquanto seu responsável máximo, é a de «gerir as receitas do Fundo, aplicando-as aos respetivos encargos» (artigo 6.º, n.º 3, alínea a)).

É assim claro que o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, enquanto receita do Fundo, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respetivas atribuições e não poderá ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Por outro lado, o Fundo é caracterizadamente uma entidade pública infraestadual, na medida em que é definido como um património autónomo que dispõe de autonomia administrativa e financeira, o que significa que, não só pode praticar atos administrativos em matéria de administração financeira, como possui competência para utilizar formas próprias de execução e controlo de perceção das receitas e realização de despesas, o que leva a concluir que tem uma administração financeira própria e distinta da administração financeira do Estado (sobre todos estes aspetos, Sousa Franco, “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, vol. I, pág. 152 e seg., 4ª edição, Almedina).

É quanto basta para considerar que a “taxa de segurança alimentar mais”, sendo uma contribuição especial não subsumível ao conceito de imposto ou taxa é também uma contribuição que reverte a favor de entidade pública e se enquadra na categoria de contribuição financeira a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição”.

Colocou-se, num segundo momento, a questão em torno da reserva de lei formal em casos como estes, face à ausência do mencionado regime geral.

A resposta do Tribunal Constitucional foi no sentido de que apenas o regime geral está sujeito a reserva de lei, pelo que, na sua ausência, a criação de uma contribuição como a em causa através de decreto-lei do Governo, não precedido de qualquer lei da Assembleia da República, não padece de inconstitucionalidade orgânica.

No mesmo sentido também já se pronunciou este TCAS, designadamente nos Acórdãos de 21.05.2020 (Processo: 923/16.5BELRS), de 27.05.2021 (Processo: 1283/18.5BESNT), de 24.06.2021 (Processo: 1641/17.2BESNT), de 14.10.2021 (Processo: 3180/16.0BELRS), de 28.10.2021 (Processo: 552/16.3BESNT), de 11.11.2021 (Processos: 1171/13.1BEALM, 954/16.5BELRS e 1640/17.4BESNT), de 13.01.2022 (Processo: 1351/17.0BESNT, de 27.01.2022 (Processo: 1193/14.5BELRS), de 10.02.2022 (Processo: 2154/18.0BELRS), de 15.09.2022 (Processos: 567/13.3 BESNT, 1350/17.2 BESNT e 99/20.3BESNT), de 13.10.2022 (Processos: 930/18.BESNT, 1497/18.8 BELRS e 84/21.8 BESNT), de 27.10.2022 (Processo: 81/21.3 BESNT), de 20.12.2022 (Processos: 1302/14.4BELRS, 955/16.3BELRS e 210/20.4BELRS), de 11.01.2023 (Processo: 3179/16.6BELRS), de 19.01.2023 (Processo: 713/20.0BESNT), de 02.02.2023 (Processo: 613/13.0BESNT), de 30.03.2023 (Processo: 769/13.2BELRS), de 01.06.2023 (Processo: 211/20.2BELRS) e de 22.06.2023 (Processos: 199/20.0BELRS e 81/20.0BEALM).

Quanto à alegada inconstitucionalidade material da TSAM, por força da violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto concretização do princípio da igualdade, considera a Recorrente que a mesma se verifica, dado que:

a) Não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar;

b) Apenas se aplica a algumas empresas de comércio alimentar a retalho;

c) A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos, mediante uma aproximação indireta ou presumida que conduz a resultados arbitrários;

d) Representa a consagração sistemática da dupla tributação jurídica.

Vejamos.

A CRP determina, desde logo, no art.º 13.º, que:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Como referido por Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Vol. I, 14.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 336 e 337):“O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social (art . 2°) . Na sua dimensão liberal, o princípio da igualdade consubstancia a ideia de igual posição de todas as pessoas, independentemente do seu nascimento e do seu status, perante a lei, geral e abstracta, considerada subjectivamente universal em virtude da sua impessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicação. A dimensão democrática exige a explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (…) seja na relevância dele (…), bem como no acesso a cargos públicos (…). A dimensão social acentua a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das desigualdades fácticas (…). Com estas três dimensões, o princípio da igualdade é estruturante do Estado de direito democrático e social, dado que: (a) impõe a igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjectivas (igualdade de Estado de direito liberal); (b) garante a igualdade de participação na vida política da colectividade e de acesso aos cargos públicos e funções políticas (igualdade de Estado de direito democrático); (c) exige a eliminação das desigualdades de facto para se assegurar uma igualdade material no plano económico, social e cultural (igualdade de Estado de direito social)”.

A igualdade na aplicação do direito vai para além da igualdade formal, implicando sim igualdade material, que tem subjacente a ideia de tratamento igual do que é igual e tratamento diferente do que seja diferente.

Especificamente ao nível dos impostos, dispõe o art.º 104.º da CRP, que:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. 3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”.

O princípio da igualdade, evidenciado nos n.ºs 1 a 3 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Neste último sentido, fala-se em igualdade horizontal e igualdade vertical, sendo a primeira aquela que determina que os titulares das mesmas formas de riqueza sejam tributados de forma igual e a segunda a que determina que o sacrifício fiscal seja repartido em função dos rendimentos de cada um.

Ora, como resulta deste introito, o princípio da igualdade, subjacente aos art.ºs 103.º e 104.º da CRP, está desenhado para uma figura tributária específica, ou seja, para os impostos, sendo que, como já referido, se entende que o tributo em análise não é um imposto, mas uma contribuição financeira.

Como referido por Sérgio Vasques (Manual…, cit., p. 250):
“A concretização do princípio da igualdade tributária passa assim (…) pela adequação de taxas, contribuições e impostos a estes critérios fundamentais [capacidade contributiva e equivalência] (…). E passa, além disso, pelo controlo rigoroso das derrogações que o legislador introduza a estes critérios materiais de repartição com vista à prossecução de objectivos de natureza extrafiscal. É verdade que o princípio da igualdade tributária não possui valor absoluto e que por isso deve articular-se sempre com outros princípios constitucionais, razão pela qual há que reconhecer pontualmente o seu sacrifício ao fomento económico, à redistribuição da riqueza, à defesa da saúde pública ou ordenamento do território, entre outros valores tutelados pela Constituição (…).

[A] extrafiscalidade e os critérios distintivos extra-sistemáticos que ela encerra hão-de ser sempre sujeitos a um controlo de proporcionalidade (…). [É] necessário que esse interesse extrafiscal revela tal intensidade que torne proporcionada a derrogação da igualdade. Como o diz Klaus Tipke, é indispensável que o ganho de bem-estar trazido pelo sacrifício da igualdade tributária seja maio do que o bem-estar que resultaria da sua preservação”.

Logo, a eventual violação do princípio da igualdade neste âmbito tem de ser analisada sob a perspetiva do respeito pelo princípio da equivalência, subjacente às contribuições financeiras, e não sob a perspetiva da capacidade contributiva, subjacente aos impostos.

Assim, carece de relevância o alegado pela Recorrente quanto à violação do princípio da igualdade, na perspetiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (motivo pelo qual resulta prejudicada a apreciação do alegado, em termos de inconstitucionalidade, exclusivamente respeitante à TSAM na perspetiva de ser um imposto e, bem assim, em termos de alegada dupla tributação e sobreposição ao IRC).

Mesmo sob o ponto de vista do respeito pelo princípio da equivalência, também o Tribunal Constitucional já deu resposta a esta questão, no citado Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015, onde se refere:

“Em primeiro lugar, há que reconhecer que, estando em causa um tributo que visa compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo, por força da pertença a um grupo (titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados), é presumível beneficiário - assumindo, por isso, natureza comutativa -, é constitucionalmente pertinente avaliar a sua legitimidade material à luz do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), concretizado no invocado princípio da equivalência.

Este princípio aplicado às contribuições financeiras diz-nos que estas devem ter uma relação de equivalência com o valor do benefício obtido ou o custo provocado pelos sujeitos passivos dessas contribuições, devendo ter-se em conta que essa equivalência não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes.

Nessa perspetiva, que assenta numa ideia central de equilíbrio ou justiça material, cumpre especificamente verificar, à luz da particular configuração teleológica do tributo em causa, se os critérios de igualação ou diferenciação eleitos pelo legislador, na delimitação da sua incidência subjetiva e, bem assim, na determinação do critério de cálculo do valor da contribuição em causa, se apresentam como materialmente infundados, o que será motivo da sua inconstitucionalidade.

A Recorrida começa por questionar a constitucionalidade material do critério de incidência subjetiva, na medida em que o tributo atinge apenas os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar a retalho e não todos os restantes operadores da cadeia alimentar, e também porque se aplica apenas a algumas das empresas de comércio alimentar por efeito da isenção que é estabelecida, ainda que sob determinadas condições, para as microempresas e para os estabelecimentos de comércio alimentar com áreas de venda ao público inferiores a 2.000 m2.

O n.º 1, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho diz que “como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré -embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura”, esclarecendo o n.º 3 do mesmo artigo que se entende por «estabelecimento de comércio alimentar» “o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro”, ou seja aqueles “no qual se exercem, em simultâneo, atividades de comércio alimentar e não alimentar”, não assumindo este último ramo uma percentagem igual ou superior a 90% no volume total das vendas realizadas. São, pois, os proprietários destes estabelecimentos os devedores da “taxa de segurança alimentar mais”.

No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam.

E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a criação da “taxa de segurança alimentar mais” pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos.

Na verdade, note-se que além da “taxa de segurança alimentais mais” são também receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais:

- O produto da taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, aprovada pelos Decretos-Leis n.º 244/2003, de 7 de outubro, 122/2006, de 27 de julho, 19/2011, de 7 de fevereiro, e 38/2012, de 16 de fevereiro, e que incide sobre os estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos (artigo 4.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- 10% do produto de outras taxas cobradas pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (artigo 4.º, n.º 1, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas a cobrar às atividades de produção, preparação e transformação de produtos de origem animal e alimentos para animais, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 178/2008, de 26 de agosto, e disciplinadas pelas Portarias n.ºs 1073/2008, de 22 de setembro, e 1450/2009, de 28 de dezembro, e que incidem sobre os respetivos agentes económicos (artigo 4.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela classificação subjetiva das carcaças de suínos, realizada pelos classificadores que prestam serviço na DGAV, previstas pelo Decreto-Lei n.º 168/98, de 25 de junho, e aprovadas pela Portaria n.º 1419/2008, de 9 de dezembro, e que incidem sobre os proprietários ou responsáveis dos estabelecimentos (artigo 4.º, n.º 2, b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pelos atos relativos aos procedimentos e aos exames laboratoriais e demais atos e serviços prestados pela DGAV, previstas pelo Decreto -Lei n.º 148/2008, de 29 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 314/2009, de 28 de outubro, e aprovadas pela Portaria n.º 27/2011, de 10 de janeiro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela concessão das autorizações de fabrico e distribuição de alimentos medicamentosos, bem como pelas suas alterações e renovações, e pela autorização de ensaios experimentais, previstas pelo Decreto-Lei n.º 151/2005, de 30 de agosto, e aprovadas pela Portaria n.º 1273/2005, de 12 de dezembro, e que incidem sobre os requerentes e outros agentes económicos envolvidos (artigo 4.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela realização dos pedidos de autorização, alteração, renovação ou reavaliação dos produtos de uso veterinário, bem como pela declaração e emissão de cópias ou certidões, aprovadas pela Portaria n.º 496/2010, de 14 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, e), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pelos atos que sejam prestados pela DGAV no âmbito dos procedimentos de declaração prévia, de autorização prévia e respetivas alterações, previstos nos artigos 23.º, 25.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto, para os centros de atendimentos médico-veterinário, aprovadas pela Portaria n.º 1246/2009, de 13 de outubro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, f), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas de autorização prévia ou declaração prévia dos estabelecimentos industriais, previstas pelo Decreto-Lei n.º 209/2008, de 29 de outubro, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, g), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas do sistema em vigor relativo à recolha, ao transporte e abate sanitário, previstas na Portaria n.º 205/2000, de 5 de abril, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, h), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela execução das intervenções sanitárias do Programa Nacional de Saúde Animal, aprovadas pela Portaria n.º 178/2007, de 9 de fevereiro, e que incidem sobre os criadores (artigo 4.º, n.º 2, i), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela autorização de colocação no mercado de produtos biocidas, previstas pelo Decreto-Lei n.º 121/2002, de 3 de maio, e aprovadas pela Portaria n.º 702/2006, de 13 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, j), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);- Os emolumentos devidos pelos exames realizados por peritos veterinários aos produtos alimentares de origem animal submetidos a despacho aduaneiro, previstos no Decreto -Lei n.º 433/89, de 16 de dezembro, e que incidem sobre os agentes importadores (artigo 4.º, n.º 2, k), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela emissão, alteração, renovação e atualização de licença ambiental, aprovadas pela Portaria n.º 1057/2006, de 25 de setembro, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, l), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho).

Somando-se as receitas da contribuição financeira em causa às receitas de tributos que incidem sobre outros grupos de operadores económicos no ramo alimentar diversos daquele que integra os sujeitos passivos desta contribuição como meio de financiamento indireto dos custos dos programas e ações oficiais que beneficiam todos estes grupos de sujeitos, não faz sentido dizer-se que a seleção dos operadores da distribuição retalhista constitui uma discriminação inexplicada, relativamente aos restantes intervenientes económicos do ramo alimentar, uma vez que a sua seleção visou precisamente faze-los participar no financiamento de atividades onde os outros já participam através do pagamento de diferentes tributos.

Não parece, nesta perspetiva, que a incidência do tributo sobre um grupo delimitado de pessoas, com especiais responsabilidades na concretização do objetivo da qualidade e segurança alimentar e que partilham com outros operadores sobre os quais recaem outros tributos, o aproveitamento presumível do benefício resultante das atividades estaduais no domínio em causa, na base de uma responsabilidade de grupo, ponha em causa o princípio da equivalência, enquanto reflexo de uma ideia de igualdade.

E se poderão ainda existir grupos de operadores económicos neste ramo que não estão abrangidos por qualquer tributo que integre as receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tal circunstância não conduz à conclusão que a contribuição sob análise seja geradora de desigualdades injustificadas, atenta a existência de uma pluralidade de diversificadas fontes tributárias financiadoras das atividades de que todos beneficiam direta ou indiretamente.

Por outro lado, o invocado estreitamento da base de incidência subjetiva por efeito da implementação do sistema de isenções, que implica que o tributo apenas recaia sobre os proprietários de estabelecimentos de maior dimensão, não demonstra só por si que se pretenda tributar apenas em função da especial capacidade contributiva de determinados operadores do setor da distribuição.

Na verdade, nos termos do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho “estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que:

a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.”

E, nos termos do artigo 3.º, n.º 4 e 5, da Portaria n.º 205/2012, de 17 de junho:

- relativamente às situações previstas na alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera-se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:

a) De uma participação maioritária no capital;

b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;

c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;

d) Do poder de gerir os respetivos negócios.- e no que respeita às situações previstas da alínea b), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera–se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro.

Ora, as microempresas que se dedicam ao comércio alimentar (as que empregam menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros, segundo o artigo 2.º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro) e, bem assim, as empresas com estabelecimentos de comércio alimentar cuja área de venda seja inferior a 2.000 m2 (desde que não tenham uma área acumulada de implantação nacional igual ou superior a 6000m2), são aquelas que, pela sua dimensão, menos beneficiam dos financiamentos do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, não sendo equiparáveis, na perspetiva do impacto global que a sua intervenção pode ter no domínio da segurança alimentar e saúde do consumidor final, às empresas que detêm grandes superfícies comerciais e nelas se dedicam à distribuição massificada de produtos alimentares, em grande número e diversidade. Daí que, tendo em atenção a finalidade compensatória da “taxa de segurança alimentar mais”, não é contrária à ideia constitucional de igualdade a opção de restringir a sua base de incidência subjetiva, sujeitando ao seu pagamento apenas aqueles que se presume serem os principais beneficiários dos custos públicos suportados com a atividade administrativa destinada a garantir a segurança alimentar. Não é a sua capacidade contributiva que determina a sujeição a esta contribuição, mas sim o maior grau do benefício que podem usufruir.

Daí que não se possa afirmar que a exclusão destes operadores do âmbito de incidência subjetiva da “taxa de segurança alimentar mais” se traduza numa diferenciação manifestamente arbitrária.

No que respeita ao método de cálculo para a determinação do montante da taxa, o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, estipula que o seu valor será fixado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da agricultura entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda do estabelecimento, ou seja, segundo o disposto no artigo 2.º, b), da Portaria n.º 215/2012 de 17 de julho, toda a área destinada à venda, onde os compradores têm acesso ou os produtos se encontram expostos ou são preparados para entrega imediata, tendo o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, vindo clarificar a aplicação deste critério do seguinte modo:

“1- Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, entende-se por «área de venda do estabelecimento» toda a área de comércio alimentar apurada de acordo com os seguintes coeficientes de ponderação:

i) A área de venda do estabelecimento inferior a 1750 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 90%;

ii) A área de venda do estabelecimento igual ou superior a 1750 m2 e inferior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 75%;

iii) A área de venda igual ou superior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 60%.

2 - Para efeitos de aplicação da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, é considerado «estabelecimento autónomo» o estabelecimento alojado ou compreendido no interior de um outro estabelecimento de comércio, independentemente de ambos usarem a mesma insígnia ou nome de estabelecimento ou serem explorados pelo mesmo titular, ou de terem sido objeto de licenciamento específico, no qual se prestam serviços ou vendem produtos distintos dos que são transacionados no estabelecimento de comércio que o aloja, dotado de caixas de saída próprias ou de barreiras físicas análogas destinadas a delimitar a área de venda, e em que as transações nele efetuadas são exclusivamente registadas e pagas no seu interior ou nas respetivas caixas de saída próprias, onde não podem ser registadas ou pagas transações efetuadas no estabelecimento de comércio que os aloja.

3- A área de venda dos estabelecimentos autónomos só releva se estes forem estabelecimentos de comércio alimentar ou misto, caso em que o respetivo volume total de vendas e a sua área não têm qualquer repercussão nos estabelecimentos que os alojam, para os efeitos da presente portaria”

Deste quadro normativo resulta que a “taxa de segurança alimentar mais” é uma compensação financeira anual que incide sobre a área de venda do estabelecimento, entendendo-se como tal «toda a área de comércio alimentar», apurada de acordo com determinados coeficientes de ponderação, e o seu valor é fixado, por portaria, entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda alimentar do estabelecimento, o que revela ter sido opção do legislador graduar a tributação em função do maior ou menor volume de produtos alimentares comercializados, indiciado pela dimensão da área do estabelecimento destinada a essa finalidade, uma vez que o valor do benefício resultante da adoção das diversas ações públicas visando garantir a qualidade e segurança alimentar para os operadores da distribuição retalhista variará em função do volume dos produtos comercializados no estabelecimento em causa.

Assim, no que respeita ao método de cálculo para a determinação da incidência objetiva da contribuição financeira e da sua base tributável, é possível descortinar que o critério adotado tem uma relação objetiva com a finalidade compensatória que está presente na estruturação do tributo em causa. O grau do benefício obtido com as atividades financiadas pela entidade da qual constitui uma das receitas a contribuição sub iudicio, está relacionado com o volume de produtos alimentares comercializados, constituindo um indício aproximado suficientemente credível deste a área dos estabelecimentos afeta à sua comercialização.

Não se ignora que era possível definir outros critérios cuja aplicação tivesse como resultado uma maior aproximação ao real benefício obtido pelos sujeitos passivos desta contribuição, mas ao Tribunal Constitucional apenas compete verificar se o critério escolhido não respeita os parâmetros constitucionais no domínio das contribuições financeiras.

Ora, conforme acima se explicou, o critério adotado pelo legislador para definir a base objetiva de incidência da “taxa de segurança alimentar mais”, cumpre a exigência de que os tributos comutativos sejam diferenciados em função dos benefícios a compensar, de modo a que não se encontrem sujeitos ao mesmo encargo tributário contribuintes que, por virtude da sua maior ou menor intervenção no mercado, aproveitam benefícios manifestamente diferentes”.

No mesmo sentido, vejam-se os já citados Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 544/2015, 564/2015, 565/2015, 566/2015 e 568/2015, todos de 28.10.2015, 602/2015, de 26.11.2015, 232/2016, de 03.05.2016, 596/2019, de 21.10.2019, 608/2019, de 22.10.2019, 199/2020, de 11.03.2020, 519/2020, de 20.10.2020, 667/2020, de 25.11.2020 681/2022, de 20.10.2022, 353/2023, de 06.06.2023 e 450/2023, de 06.07.2023. (e, bem assim, a jurisprudência deste TCAS referida supra).

Assim, carece de razão a Recorrente.

Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, tendo em conta a circunstância de as questões em apreciação já terem sido objeto de apreciação quer pelo Tribunal Constitucional quer pelo Supremo Tribunal Administrativo quer por este TCAS e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

V. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Não se admitir os documentos juntos pela Recorrente, determinando-se o respetivo desentranhamento e devolução à apresentante;

b) Custas do incidente pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC;

c) Negar provimento ao recurso;

d) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

e) Registe e notifique.



Lisboa, 24 de janeiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)