Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 947/07.3BEALM-A |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 07/02/2020 |
Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA; OPERAÇÃO URBANISTICA; ENCARGOS; TAXAS |
Sumário: | i) Dado que a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, consistiria na aprovação da operação urbanística de loteamento e na liquidação dos correspondentes encargos urbanísticos a que a referida operação estaria sujeita, a notificação feita pela Executada para a Exequente proceder ao pagamento das taxas devidas, não viola o caso julgado da sentença anulatória. ii) O conhecimento das ilegalidades assacadas à cobrança de encargos urbanísticos ao abrigo do artigo 90.º do Regulamento das Taxas, Tarifas e Preços do Município Executado, escapa ao âmbito do processo de execução de sentença, devendo ocorrer, antes, em processo de impugnação judicial, de acordo com o disposto nos artigos 99.º e seguintes do CPPT e cuja competência está atribuída ao Tribunal Tributário (artigo 49.º do ETAF). |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. F..., LDA. (ora Recorrente), reclama para a conferência da decisão sumária do relator que, no âmbito da acção por si instaurada contra o MUNICÍPIO DE ALMADA, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida que havia julgado a execução parcialmente procedente e condenado o Município Executado, ora Recorrido, no pagamento das custas de parte no montante de EUR 3.202,10, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos desde 5.02.2015. No mais, a acção foi julgada improcedente, por não provada. 1.1. A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635º, n.º 4, do CPC CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636º, n.º 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária. Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida. 1.2. Recapitulando as conclusões apresentadas no recurso interposto para este TCAS pela RECORRENTE: 1ª. A deliberação da CMA, de 1996.10.02, condicionou o licenciamento da operação de loteamento da ora recorrente à realização de cedências ilegais e foi objecto de apreciação e decisão, além do mais, nos seguintes arestos, todos já transitados em julgado: a) Sentença do TAFL, de 2003.04.12, que anulou a referida deliberação, com o fundamento de que “do referido acto não consta a motivação das condições impostas ao licenciamento em análise (...), não (sendo) possível ao destinatário comum apreender, designadamente, as razões de facto e de direito que impõe(m) a cedência de superfícies, a determinação das respectivas áreas e seus fins e a execução de obras de infra-estruturas em valor estabelecido pela CMA”; b) Acórdão do STA, de 2005.04.07, no qual se decidiu que, “ao estabelecer (no respectivo ponto n.º 3) que «às áreas cedidas pode ser dado qualquer outro fim», a deliberação impugnada (da CMA, de 1996.10.02) contraria também o disposto no n.º 2 do referido art. 16º (do DL 448/91), nos termos do qual as áreas em causa «não podem ser afectas a fim distinto do previsto» no alvará de loteamento”; e c) Sentença do TAFL, de 2006.09.23, que “fix(ou) a execução da sentença anulatória (sentença do TAFL, de 2003.04.12, e Ac. do STA de 2005.04.07) na prolação de novo acto administrativo devidamente fundamentado nos moldes supra escalpelizados, a proferir no prazo de 30 dias” – cfr. texto nºs. 1 e 2; 2ª. A douta sentença exequenda do TAF Almada, de 2010.03.24, já transitada em julgado, anulou a deliberação da CMA, de 2007.06.06, que indeferiu novamente o pedido de loteamento da ora recorrente, considerando que, face às referidas decisões transitadas em julgado, “a parte a renovar do acto controvertido (deliberação da CMA de 1996.10.02) se prende exclusivamente com as contrapartidas exigidas à Autora” – cfr. texto nº. 3; 3ª. A referida sentença, de 2010.03.24, condenou ainda o Município de Almada “a licenciar o loteamento e a construção aprovada pela deliberação camarária de 1996.10.02, emitindo o respectivo Alvará, condicionado à satisfação das contrapartidas que venham a ser definidas, em cumprimento dos normativos e limites legalmente estabelecidos” (v. Proc. 947/07.3 BEALM, da Unidade Orgânica 1 do TAF Almada) – cfr. texto n.º 3; 4ª. Na presente execução de sentença não podem ser reapreciadas as questões já decididas, com trânsito em julgado, nas referidas decisões judiciais (v. arts. 613º e 619º e segs. do NCPC), concluindo-se agora que, afinal, foi dado cumprimento aos julgados anulatórios pela deliberação da CMA, de 2015.09.23, que condicionou inovatoriamente o licenciamento do loteamento e a emissão do correspondente alvará a novos trabalhos, obrigações, condicionamentos e exigências de valores elevadíssimos e injustificados, e ao pagamento de novos encargos urbanísticos, sem alterar o n.º 3 da deliberação da CMA, de 1996.10.02, que, como se decidiu no douto Ac. STA de 2005.04.07, “contraria (…) o disposto no n.º 2 do (…) art. 16º” do DL 448/91, de 29 de Novembro – cfr. texto nºs. 4 e 5; 5ª. No cumprimento e execução dos julgados proferidos no caso sub judice, incumbia ao Município de Almada reconstituir a situação em que a ora recorrente se encontraria caso os actos anulados nunca tivessem sido praticados, repondo a legalidade e removendo da ordem jurídica as consequências lesivas de tais actos, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado (v. arts. 205º e 268º/4 da CRP, art. 619º e segs. do NCPC e arts. 173º e 176º/5 do CPTA) – cfr. texto nºs. 4 e 5; 6ª. A sentença exequenda e os doutos arestos de 2003.04.12, de 2005.04.07 e de 2006.09.23, fixaram o âmbito da presente execução de julgados, que tem de ser cumprido pelo executado e ora recorrido, não podendo o Tribunal a quo “considera(r), que o Município de Almada (…) executou a sentença proferida nos arestos principais (em 2010.03.24) através do acto administrativo”, de 2015.09.23, ao condicionar o licenciamento do loteamento e a emissão do correspondente alvará para o prédio da ora recorrente, a novos trabalhos, obrigações, condicionamentos e exigência de valores elevadíssimos e injustificados e ao pagamento de inovatórios encargos urbanísticos – cfr. texto n.ºs 5 e 6; 7ª. A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo sido frontalmente violado o decidido, com trânsito em julgado, na sentença exequenda e nos doutos arestos de 2003.04.12, de 2005.04.07 e de 2006.09.23, bem como o sposto nos art.s 203 e segs. Da CRP, 619º e segs. Do NCPC e 173 e segs. Do CPTA – cfr. texto nºs 1 a 6. 1.3. O Recorrido apresentou contra-alegações, defendendo que: “consistindo agora a execução da sentença na reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal, isto é, se o pedido de loteamento não tivesse sido indeferido a sua aprovação/licenciamento, importaria a liquidação e o pagamento das referidas taxas de urbanização. // A reconstituição da situação que existiria consistirá assim no licenciamento da operação urbanística de loteamento, ficando o proprietário do prédio a lotear obrigado a ceder ao domínio público municipal as áreas necessária à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos, a executar as necessárias infraestruturas e a emissão do alvará de loteamento terá que ser precedida da liquidação e pagamento das taxas devidas. // Pelo que, contrariamente ao alega a recorrente, não estamos perante a imposição de uma qualquer condição, mas perante a adoção de todos os atos e diligências necessárias e inerentes à execução daquela sentença”. • 2. Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso. • 3. Constitui objecto do recurso apreciar se o tribunal a quo errou ao ter julgado que o Município cumpriu com o dever de executar, pretendendo a Recorrente que deve este antes ser condenado a executar o “licenciamento pela CMA do loteamento e da construção aprovada pela deliberação camarária de 1996.10.02, emitindo o respetivo alvará, condicionado à satisfação das contrapartidas que venham a ser definidas, em cumprimento dos normativos e limites legalmente estabelecidos, como se decidiu, com trânsito em julgado, na sentença deste douto Tribunal, de 2010.03.24”. • 4. Com dispensa de vistos, conhecendo do recurso, vem o processo agora à conferência para apreciação da reclamação deduzida. • 5. A matéria de facto pertinente, a qual não é sujeita a impugnação, é a constante da sentença recorrida e que se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC ex vi do art. 1.º do CPTA. • 6. Apreciando, temos que a ora Reclamante vem reclamar da decisão sumária do relator de 8.04.2020 que negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida do TAF de Almada que havia julgado a execução parcialmente procedente e condenado o Município Executado, ora Recorrido, no pagamento das custas de parte no montante de EUR 3.202,10, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos desde 5.02.2015, tendo absolvido o Executado quanto ao mais.
A decisão em causa do relator foi proferida nos termos previstos nos artigos 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3, do CPTA. Esta, na sua parte relevante, é do seguinte teor: “(…) Aderindo à fundamentação constante da pronúncia do Ministério Público nesta instância, a qual responde à questão que vem colocada no recurso, transcrever-se-á o mesmo, na sua parte relevante. Assim: «(…) Como expressamente resulta, essencialmente, da própria da estrutura jurídica atinente ao regime legal de urbanização e edificação e bem ao Regime Geral das Edificações Urbanas e como também expressamente referido na sentença exequenda, a emissão pela Recorrida do (novo) alvará de loteamento é, necessariamente, condicionada à satisfação das contrapartidas a definir em conformidade com a lei; 7. Conformidade essa que, como bem decorre dos princípios gerais atinentes a este ramo do Direito, se rege, necessariamente, pelo princípio tempus regit actum, sob pena da verificação de distorções de cariz jurídico em manifesta desconformidade com o quadro legal vigente; 8. Conformidade essa que se aferirá em função, nomeadamente, dos instrumentos de gestão territorial actuais, como sejam o Plano Director Municipal e respectivo Regulamento; 9. Questão diferente, é a que resulta dos eventuais prejuízos sofridos pela A. e Recorrente, derivados da aplicação de um quadro jurídico diferenciado do vigente à data considerada razoável para a emissão de alvará e cuja apreciação está, manifestamente, fora do âmbito de apreciação do presente Processo; (…)» Tenha-se presente que na sentença exequenda foi decidido: «a) Anular a deliberação da CMA de 06.06.2007 que indeferiu a proposta de operação de loteamento da aqui autora; b) Condenar a entidade demandada em prazo não superior a 60 dias, a licenciar o loteamento e a construção aprovada pela deliberação camararia de 1996.10.02, emitindo o respetivo alvará, condicionado às contrapartidas que venham a ser definidas em cumprimento dos normativos e limites legalmente estabelecidos.» Donde, a execução daquela sentença tem necessariamente que consistir na prática de um novo acto, que licencie a operação urbanística de loteamento. Foi o que aconteceu no caso vertente, limitando-se a Executada a praticar os actos e as operações materiais necessárias, em face da lei, por forma a dar cumprimento ao julgado. Também é certo que a lei determina que com o deferimento do pedido de licenciamento se proceda à liquidação das taxas devidas em conformidade com o regulamento municipal. E neste sentido, como contra-alegado, a CMA determinou que até à emissão do alvará de loteamento a exequente, ora Recorrente, procedesse ao pagamento da quantia referente à aplicação do artigo 90º do RTTTLP em vigor em 1996, com a atualização prevista na portaria 281/2014 de 30 de dezembro. Contrariamente ao entendimento da Recorrente não se trata de uma nova condição, mas apenas de fazer cumprir a lei ao caso aplicável, nos termos da qual a liquidação e a cobrança de taxas terá que preceder a emissão dos títulos. Em consequência, a forma como a Executada promoveu a execução da sentença anulatória, notificando a Exequente para proceder ao pagamento das taxas devidas, não viola o caso julgado, porque a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, consistiria na aprovação da operação urbanística de loteamento, e na liquidação dos encargos urbanísticos a que a referida operação estaria sujeita. Por outro lado, como salientado na sentença recorrida: “[n]o concernente às ilegalidades assacadas à cobrança de encargos urbanísticos ao abrigo do artigo 90.º do Regulamento das Taxas, Tarifas e Preços, como bem sublinhou o Município Executado, as mesmas não devem ser conhecidas em sede de processo de execução de sentença a correr termos no Tribunal Administrativo, mas, antes, em processo de impugnação judicial, ao abrigo dos artigos 99.º e seguintes do CPPT a correr termos no Tribunal Tributário (artigo 49.º do ETAF). // Ademais, a sentença exequenda apenas impôs que as contrapartidas – que aqui devem ser entendidas como se reportando às cedências determinadas pelo Município atento o contexto em que o ato foi proferido e os acórdãos que o precederam (alíneas A) a K) do probatório) - fossem delimitadas com respeito pelo regime jurídico aplicável, nada determinando a propósito da cobrança da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas e, crê-se, nem teria que o fazer, posto que se reporta a matéria que não foi objeto daquela decisão, nem das que a precederam”. Assim sendo, não se estando perante a imposição de novas condições, mas perante a adopção de actos derivados da sentença exequenda e necessários para a sua execução material, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão recorrida”. A decisão proferida pelo relator sobre o mérito da causa é de manter integralmente. Com efeito, como analisado na decisão reclamada, a execução da sentença anulatória, em que a Exequente é notificada para proceder ao pagamento das taxas devidas, não viola o caso julgado, porque a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, consistiria na aprovação da operação urbanística de loteamento e na liquidação dos encargos urbanísticos a que a referida operação estaria sujeita. Neste particular, a discussão sobre as ilegalidades assacadas à cobrança de encargos urbanísticos ao abrigo do artigo 90.º do Regulamento das Taxas, Tarifas e Preços, como sublinhou o Município Executado, não ocorrer em sede de processo de execução de sentença, mas, antes, noutra sede: em processo de impugnação judicial, de acordo com o disposto nos artigos 99.º e seguintes do CPPT e cuja competência está atribuída ao Tribunal Tributário (artigo 49.º do ETAF). Por outro lado, como se disse, “a sentença exequenda apenas impôs que as contrapartidas – que aqui devem ser entendidas como se reportando às cedências determinadas pelo Município atento o contexto em que o ato foi proferido e os acórdãos que o precederam (alíneas A) a K) do probatório) - fossem delimitadas com respeito pelo regime jurídico aplicável, nada determinando a propósito da cobrança da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas.” Ou seja, os actos em actos não constituem novas condições susceptíveis de violar o caso julgado, mas antes se inscrevem no procedimento complementar que precisamente visa a sua execução material. Pelo que, nada mais importando apreciar, na improcedência da presente reclamação, terá que manter-se a decisão do relator. • 7. Em conclusão: i) Dado que a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, consistiria na aprovação da operação urbanística de loteamento e na liquidação dos correspondentes encargos urbanísticos a que a referida operação estaria sujeita, a notificação feita pela Executada para a Exequente proceder ao pagamento das taxas devidas, não viola o caso julgado da sentença anulatória. ii) O conhecimento das ilegalidades assacadas à cobrança de encargos urbanísticos ao abrigo do artigo 90.º do Regulamento das Taxas, Tarifas e Preços do Município Executado, escapa ao âmbito do processo de execução de sentença, devendo ocorrer, antes, em processo de impugnação judicial, de acordo com o disposto nos artigos 99.º e seguintes do CPPT e cuja competência está atribuída ao Tribunal Tributário (artigo 49.º do ETAF). • 8. Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão sumária do relator. Custas pela Recorrente. Lisboa, 2 de Julho de 2020 Pedro Marchão Marques Alda Nunes Lina Costa |