Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07335/11
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2011
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:PROVIDENCIA CAUTELAR CONSERVATÓRIA .
REQUISITOS DO ARTIGO 120º DO CPTA.
Sumário:I – O artigo 120º nº 1 al. a) do CPTA só deve intervir em situações de especial evidência, que seja manifesta a todas as luzes e sem necessidade de grandes indagações.

II – Afastada a verificação da circunstância relativa a uma situação de ostensiva ilegalidade do acto suspendendo, e estando em causa uma providência conservatória, a necessidade de tutela cautelar tem que ser ponderada em função dos critérios estatuídos no artigo 120º nº 1 al. b) e nº 2 do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

A ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL (doravante designada por ERC) , inconformada com a sentença do TAF de Loulé, de 13 de Dezembro de 2010, que deferiu a providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação nº 38/LIC-R/2010, do Conselho Regulador da ERC, de 9 de Junho de 2010, que procedeu à revogação da renovação de licença, com fundamento na sua invalidade, e à não renovação dessa mesma licença para o exercício da actividade de radiodifusão sonora de que é titular a Rádio Restauração CRL, serviço de programas “Rádio …………..”, frequência 102.3 MHZ, para o Concelho de Olhão, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões :

“ A) O entendimento do Tribunal a quo – segundo o qual a data de apresentação do pedido de renovação do alvará é a data da entrada deste na ERC, independentemente de estar ou não devidamente instruído – contraria a natureza participativa da função administrativa da pós-reforma ao invés da natureza impositiva que a caracterizava na pré-reforma;

B) Na verdade, a ser assim, a Entidade Recorrente ter-se-ia visto na posição de ter de rejeitar, de imediato, qualquer pedido que lhe fosse feito – e que não observasse o prazo legal de seis meses, antecedente à data da caducidade da licença – não permitindo que o interessado suprisse a falta de um qualquer elemento necessário à instrução do pedido;

C) Há que tomar em consideração que a Recorrida apresentou o pedido de renovação da licença apenas com um mês de antecedência relativamente ao seu término, o que manifestamente não permitiria nunca uma instrução e análise ponderada do mesmo;

D) Assim sendo, e a entender-se que a apresentação do pedido de renovação é o da sua entrada na ERC, ainda que incompleto, sempre terá de prevalecer a tee de que a caducidade da licença ocorreu em 22/05/2009;

E) Considera a sentença recorrida que existem elementos suficientes que tornam evidente a procedência ou viabilidade da pretensão material da Recorrida, concluindo estar preenchido o requisito previsto na al. a9 do art. 120º do CPTA;

F) Ao efectuar, de seguida, a averiguação dos demais requisitos da al. b) do mesmo artigo – a qual seria totalmente desnecessária, face à verificação do primeiro – o Juiz a quo entra em contradição consigo próprio;

G) A sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre matéria de direito, porquanto entra em contradição no montante da apreciação do requisito plasmado na al. a) do nº 1 do art. 120º do CPTA (fumus boni juris) porque, por um lado, entende-se logo como preenchido, por outro, interpreta-o na sua formulação negativa ( fumus non malus juris);

H) Acontece que, no caso em apreço, encontra-se verificado o requisito fumus non malus júri, o que conduz à rejeição da providência, a menos que se diga que os elementos juntos aos autos se revestem de alguma complexidade técnica, que obriga a uma análise mais aprofundada, própria da discussão na acção principal e não num processo cautelar;

I) A Recorrida não conseguiu apresentar factos objectivos e verosímeis que credibilizem a sua alegação de receio da verificação de eventuais prejuízos e lucros cessantes de valores avultados, ou seja, não concretizou o requisito do periculum in mora;

J) O Tribunal a quo deu por verificados prejuízos resultantes do incumprimento de contratos de publicidade, quando é certo, e resulta dos documentos juntos aos autos, que tais contratos já haviam caducado por decurso do prazo;

K) Acresce que a sentença recorrida faz ainda referencia ao despedimento de quatro trabalhadores, quando só se encontra provada a existência de um contrato de trabalho e de três contratos de prestação de serviços;

L) Quanto ao funcionamento regular da Rádio Restauração, é preciso não esquecer que foi a questão da inexistência de programação própria que originou o cancelamento do alvará em 2001, decisão esta que, por sua vez, conduziu à não renovação do mesmo alvará e serviu de fundamento à Deliberação suspendenda;

M) Não se verifica uma situação de facto consumado já que, em caso de procedência da acção principal, haverá sempre possibilidade de restabelecer a situação anterior, sendo retomadas as emissões da rádio de acordo com os requisitos legais;

N) O Tribunal a quo não fez uma adequada ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, conforme exigido pelo nº 2 do art. 120º do CPTA;

O) No caso sub judice, há dois interesses em jogo: o do titular do direito de renovação do alvará para exercício da actividade de radiodifusão, e o do interesse publico prosseguido pela ERC em ver assegurada a utilização do espectro radioeléctricio em boas condições e com o objectivo de servir as populações locais.

P) O estabelecimento de um prazo de atribuição de licença de utilização tem na sua génese a natureza publica e limitada do espectro radioeléctrico que, por isso mesmo, tem de ser utilizado mediante a observância rigorosa das obrigações legais ou das impostas na licença que foi atribuída aos respectivos operadores.

O) A Recorrente, como pessoa colectiva de direito publico, com natureza de entidade administrativa independente, não tem qualquer interesse próprio que não se confunda com o interesse público, pelo que há que atender ao impacto negativo que uma decisão judicial mal formada pode ter sobre a imagem de rigor e credibilidade da ERC.”

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A Recorrida Rádio ………. CRL, contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a sentença recorrida.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.


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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Loulé, que deferiu a providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação nº 38/LIC-R/2010, do Conselho Regulador da ERC, de 9 de Junho de 2010, que procedeu à revogação da renovação de licença, com fundamento na sua invalidade, e à não renovação dessa mesma licença para o exercício da actividade de radiodifusão sonora de que é titular a Rádio ………… CRL, serviço de programas “Rádio …………”, frequência 102.3 MHZ, para o Concelho de Olhão.

A Mma Juiz a quo decretou a suspensão da eficácia do acto supra enunciado por considerar preenchido o requisito da al. a) nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Entendeu a propósito que a ora Recorrente não poderia ter considerado o pedido de renovação do alvará para exercício da actividade de radiodifusão “definitivamente apresentado” somente após a entrega de todos os documentos necessários à sua instrução.
Discorda deste entendimento a Recorrente ao alegar que o modelo da função administrativa caracteriza-se essencialmente pela sua natureza participativa na medida em que, aos órgãos administrativos e aos particulares, é-lhes concedida a possibilidade de participarem e colaborarem entre si na melhor prossecução dos seus interesses – públicos e privados ( dos particulares).
Ora, a aceitar-se o entendimento da Mma Juiz a quo, a ora Recorrente ter-se-ia visto na posição ( desconfortável) de ter de rejeitar, de imediato, qualquer pedido que lhe fosse feito (desrespeitando a sua natureza participativa), sem dar ao interessado a possibilidade de suprimir um qualquer elemento para correcta instrução do pedido, citando a propósito a recorrente os seus próprios estatutos ( cfr. artigo 24º nº 3 al. c)), e a Lei da Rádio.
Por outro lado, discorda da tese da Mma Juiz a quo segundo a qual a natureza, peremptória ou não, do prazo de apresentação do pedido de renovação da licença é matéria a discutir na acção principal.
Na verdade, no seu entender, a lei estipula um prazo de seis meses para conferir à Administração o tempo necessário para recolher elementos e decidir fundamentadamente, sendo que, no caso, a ora Recorrida formulou o pedido de renovação da licença apenas com um mês de antecedência, o que manifestamente não permitiria nunca uma instrução e análise ponderada desse mesmo pedido.
Assim sendo, sempre será prevalecente o argumento de que a licença havia caducado em 22 de Maio de 2010, como sustenta a Recorrente, em contraposição ao argumento da Recorrida de que terá existido deferimento tácito.
Acresce que, no entender da Recorrente, a Recorrida não conseguiu apresentar factos objectivos e verosímeis que credibilizem a sua alegação de receio da verificação de eventuais prejuízos e lucros cessantes de valores avultados, ou seja, não concretizou o requisito do periculum in mora.
Por ultimo, no entender da Recorrente, a Mma Juiz a quo não fez uma adequada ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, sendo que no caso sub judice há dois interesses em confronto: o do titular do direito de renovação do alvará para exercício da actividade de radiodifusão, e o do interesse publico prosseguido pela ERC em ver assegurada a utilização do espectro radioeléctrico em boas condições e com o objectivo de servir as populações locais.

Analisemos a questão.

Como refere o artigo 112º nº 1 do CPTA, as providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais. Por outras palavras “ as providências cautelares são adoptadas para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças, seja por infrutuosidade, seja por retardamento” – cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO CADILGHA in COMENTÁRIO AO CPTA, 2ª Ed. Revista, 2007, pag. 648.

Considerou, como vimos, a sentença em crise que existem elementos suficientes que tornam evidente a procedência ou viabilidade da pretensão material formulada pela ora Recorrida na acção principal, concluindo dizendo que “ o que deixamos escrito assume-se, pois, como suficiente para concluir que estamos perante o preenchimento do requisito previsto na al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA”.
Há, contudo, que ter em atenção que “ o preceito só deve intervir em situações de especial evidencia, que seja manifesta a todas as luzes e sem necessidade de grandes de indagações”- – cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA in O NOVO REGIME, 4ªEd., pag. 302 e ss.

Em idêntico sentido se pronunciou o Acórdão deste TCAS de 28 de Junho de 2007, in Proc. nº 2225/07, que passamos a transcrever na parte que interessa:
Enfim, o deferimento imediato do meio cautelar, previsto no artigo 120º nº 1 al. a) do CPTA , deve resultar de alguma ilegalidade flagrante, capaz de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante da procedência da acção principal. A qualidade da cognição exigida pelo artigo 120º nº 1 al. a) do CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão “evidente procedência da pretensão formulada” mede-se pelo carácter incontroverso ( que não admite duvida), patente (quase automático, imediato) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstancias de facto e consequente juízo substantivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar (…) é um juízo perfunctório de simplicidade e evidencia”.
Por conseguinte, a situação do nº 1 da al. a) do artigo 120º do CPTA decorre de uma coerência lógica assente na circunstancia de o acto impugnado se apresentar como indiscutivelmente ilegal, e, nessa medida, a providencia cautelar que pretende a sua suspensão dever ser , sem mais, concedida.
Nada disto se verifica porém no caso em apreço.
Da análise perfunctória dos elementos carreados para os autos – outros não existem com relevância actual – surge de forma inapelável a conclusão de que a pretensão formulada no processo principal ganha contornos de séria e legitima controvérsia no plano dos factos e do direito. Basta, para tanto, atentar nos elementos carreados para os autos pelas partes e posições antagónicas aqui evidenciadas.
Atente-se, desde logo, a questão atinente à nova decisão da ERC que retoma e assume nos mesmos e precisos termos a decisão anteriormente assumida pela AACS (entidade que lhe antecedeu) de 5 de Dezembro de 2001.
Ora, a natureza sumária da providencia cautelar não permite aprofundar e dilucidar a questão da natureza deste ultimo acto ( acto confirmativo que não contem virtualidade externa lesiva de direitos ?) , mas é, em nosso entender, no mínimo controversa.
Acresce que a ora Recorrida solicitou a renovação da licença que havia sido cancelada e fê-la em desconsideração do prazo de seis meses para efectuar o pedido. Ou seja: pode uma licença cancelada ser renovada, seguindo-se os procedimentos próprios, ou deveria ser requerida nova licença?. De todo o modo, mesmo admitindo como correcto o procedimento, resulta da factualidade dada como assente que a ora Recorrida não respeitou o mencionado prazo de seis meses e, todavia, pretende retirar da não decisão da ERC – em três meses – um deferimento tácito. O mesmo é dizer que para a ora Recorrida o prazo é iníquo, mas para a ERC é imperativo. Tal questão é manifestamente dúbia ou controversa.
Sobre tal matéria atinente ao prazo para apresentar o pedido de renovação de licença, embora dirigido à difusão de sinal áudio e vídeo, mas aplicável na integra à problemática em discussão e a cuja argumentação aderimos, passamos a citar o Sumário do Acórdão deste TCAS, de 18 de Março de 2010, in Proc. nº 1896/06:
1. Prescreve o artº 4º nºs. 3 e 4 DL237/98 que a renovação da licença de actividade de televisão de âmbito nacional, concedida pelo prazo de 15 anos e renovável por iguais períodos, depende de requerimento a apresentar pelo interessado “com a antecedência mínima de um ano em relação ao termo do respectivo prazo de vigência”.

2. O pedido de renovação da licença configura a prática do acto de direito substantivo que dá origem ao procedimento, donde, a disciplina legal deste direito a pedir a renovação da licença apenas abrange dois aspectos: (i) o período de tempo dentro do qual o particular pode apresentar o requerimento com efeitos propulsivos procedimentais, no caso, “antecedência mínima de um ano”, (ii) a designação do dies ad quem com efeitos extensivos do direito de pedir a renovação, no caso, o “termo do respectivo prazo de vigência” da licença cuja renovação é pedida (15 anos) – artº 4º nºs 1 e 3 DL237/98.

3. Na circunstância do artº 4º nºs. 3 e 4 DL 237/98, uma vez formulado o pedido de renovação da licença, o esgotamento do prazo legal sem emissão de decisão expressa da entidade administrativa competente, ou seja, o seu silêncio, significa iuris et de iuri o deferimento do pedido, presunção legal especificadamente estatuída para o exercício da renovação do licenciamento da actividade de televisão.

4. Apenas são juridicamente relevantes as diligencias instrutórias que assumam natureza probatória conexa com a previsão das disposições legais substantivas e de procedimento, aplicáveis à concreta pretensão deduzida, nas palavras da lei, as “convenientes para a justa e rápida decisão do procedimento” – artºs. 56º, 86º nº 1 e 87º nºs. 1 e 3, todos do CPA.

5. A lei condiciona o acto de indeferimento do pedido de renovação da licença a um juízo de conhecimento vinculado por “manifesto e injustificado incumprimento” dos pressupostos fixados no artº 4º nº 2 ex vi 7º nº 1 DL 237/98, relativos à qualidade técnica e viabilidade económica do projecto aquando da concretização do licenciamento.

6. O ultimo dia do prazo de 90 dias para a tomada da decisão administrativa – convolação dos 3 meses atenta a estatuição de contagem em dias úteis -, configura a conclusão do procedimento de renovação do licenciamento e, concomitantemente a formação de acto tácito de deferimento por força do disposto na lei especifica, o DL 237/98, artº 4º nºs. 3 e 4, nos termos gerais do artº 108º nº 1 CPA.”

Como resulta do ponto 2. do presente sumário o prazo mínimo conta-se com referencia ao ultimo dia de vigência, como parece óbvio, sendo que o desrespeito de tal prazo extingue o direito de formular a renovação.
Não é, pois, evidente que a pretensão a formular na acção principal venha a ter vencimento e, deste modo, não pode deixar de sucumbir o requisito da al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

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Partindo desta ilação ( da não verificação do requisito da al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA) , teremos forçosamente de nos reconduzir aos pressupostos atinentes às providencias cautelares de natureza conservatórias, pois é evidente que no caso sub judice nos deparamos com uma providência dessa natureza.

Em conformidade, estando em causa uma providência cautelar conservatória, a necessidade de tutela cautelar tem que ser ponderada em função dos critérios estatuídos no artigo 120º nº 1 al. b) e nº 2 do CPTA.
Desde logo, no âmbito deste tipo de providências conservatórias em que o interesse do requerente seja de mera conservação do status quo, no tocante à aparência do bom direito, ou fumus boni iuris, a intensidade exigida basta-se com que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão no processo principal ou a existência de causa obstativa do conhecimento do mérito – uma espécie de fumus negativo ou fumus non malus .
A propósito deste requisito na sua vertente negativa valem aqui as considerações que tecemos supra a respeito do critério da al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA e nesta medida impõe-se a conclusão de que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pela requerente, pelo que ocorre o requisito inerente ao fumus boni iuris consagrado na al. b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

Em segundo lugar importa que se verifique fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Por conseguinte a providência deverá ser concedida se se verificar o periculum in mora, ou seja, desde que os factos concretamente provados inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada se torne depois impossível salvaguardar o efeito útil de uma sentença que venha a ser considerada procedente. Na verdade, para o decretamento da tutela cautelar, tem o Tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal.
Esse juízo judicial terá que ser baseado na análise de factos concretos que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não de mera conjectura.
ANA GOUVEIA MARTINS alerta para o facto de o perigo ou prejuízo ser inerente a este tipo de processos e um elemento constitutivo da própria noção de tutela cautelar. Por isso, há toda a justificação para o legislador prever uma assinalável margem de livre conformação na definição do tipo e grau de periculum in mora exigível.
Nesta esteira pode ler-se no Sumário do Acórdão deste TCAS de 15 de Abril de 2010 in Proc. nº 5968/10 , o seguinte:
“ (…)
IV – Os danos que justificam o juízo de verosimilhança do periculum in mora devem ser perspectivados ex ante segundo um critério de probabilidade, apoiada em regras da experiência ou de ciência, não bastando a mera possibilidade da sua eclusão.
V- Os prejuízos hipotéticos não preenchem o conceito de periculum in mora.”

Ora, como decorre da factualidade dada como assente, a Recorrida não indica, concretiza ou quantifica quaisquer prejuízos que a vigência da norma lhe pudesse provocar. Limita-se, apenas, e genericamente a indicar 14 contratos de publicidade ( 13 já caducados) e declarações de Juntas de Freguesia dando noticia que, em certas ocasiões, lançam mão dos seus serviços para divulgação de conselhos úteis aos cidadãos.
Não se mostram, pois, concretizados prejuízos efectivos.

Por outro lado, sempre se dirá que os prejuízos alegados serão sempre ressarcíveis em termos pecuniários, pelo que será, inevitavelmente, de afastar a verificação de facto consumado ou prejuízo irreparável.

Por ultimo, importa que na ponderação de interesses públicos e privados em presença, os danos que resultarem da concessão da pretendida suspensão de eficácia não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.
Porém, quanto a este ultimo pressuposto saliente-se que não há lugar à ponderação dos interesses em presença por se ter concluído pela não verificação de facto consumado ou de receio de produção de prejuízos de dificil reparação, requisitos sem os quais nunca poderia ser decretada a providência.

Em conformidade com o exposto procedem as conclusões da alegação da Recorrente, sendo de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida com as legais consequências.

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Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida .

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Custas pela ora Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 14 de Abril de 2011
António Vasconcelos
Paulo Gouveia
Cristina dos Santos