Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2216/19.7BELRS-A
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONI IURIS
DEFICIT INSTRUTÓRIO
CRITÉRIOS FIXAÇÃO VALOR
Sumário:I-Mostrando-se o preceito legal 147.º, nº 6 do CPPT, claramente insuficiente para dar cumprimento ao princípio da tutela jurisdicional efetiva em matéria cautelar que é devida aos contribuintes, enquanto administrados (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), deve aplicar-se, subsidiariamente, o regime cautelar previsto no CPTA, como forma de dar cumprimento àquele imperativo constitucional. Aliás, em sintonia com a remissão global que, atualmente, é realizada pelo artigo 97.º, nº 3 do CPPT, na redação conferida pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro.
II-No âmbito dos processos cautelares, a realização de diligências probatórias está na inteira disponibilidade do Tribunal, razão pela qual a mesma só terá lugar quando o julgador a repute como indispensável para a descoberta da verdade material (118.º do CPTA).
III-O juiz a quem é submetido um litígio regulado pelo direito comunitário deve estar em condições de decretar medidas provisórias para garantir a plena eficácia da decisão jurisdicional a proferir sobre a existência dos direitos invocados com base no direito comunitário.
IV-Se o Requerente alega factualidade passível de produção de prova testemunhal então, não pode o Tribunal a quo prescindir da prova testemunhal e julgar não verificado o requisito do periculum in mora com base no facto de o mesmo resultar não provado.
V-Os critérios de fixação do valor aduaneiro de uma mercadoria são sequenciais, com um nexo de subsidiariedade, daí que o valor aduaneiro não possa ser fixado com base numa disposição sem que a precedente tenha sido excluída por impossibilidade de o determinar, sendo de sublinhar, que esta impossibilidade tem de ser absoluta e não meramente relativa.
VI-Logo, se o Tribunal a quo, ainda que numa análise sumária e perfuntória, não procede ao afastamento da, alegada, impossibilidade de recurso a métodos alternativos, mormente, da existência de mercadorias similares, e se o Recorrente colaborou prestando os esclarecimentos e concedendo a informação atinente para o efeito, então, ter-se-á de considerar verificado o requisito do fumus boni iuris.
Nº do Volume:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

J….., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho de indeferimento de produção de prova testemunhal proferido em 07 de fevereiro de 2020 no âmbito do processo cautelar interposto contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, como apenso ao processo principal, de impugnação judicial, que deduziu contra o indeferimento tácito de reclamações graciosas apresentadas, identificando vários atos tributários de autoliquidação, constantes de declarações aduaneiras (DAU), que foram objeto de correção do valor aduaneiro e de notificação para cobrança, bem como da sentença, exarada na mesma data, e que o julgou improcedente.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1ª O douto Tribunal a quo não deveria ter indeferido a produção de prova testemunhal;

2ª Até porque considerou indiciariamente não provado «que o Requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise, ou por efeito da prestação de garantia autónoma para a suspensão da respetiva execução», com base «na falta de prova nesse sentido».

3ª Independentemente de resultar suficientemente (indiciariamente) dos elementos dos autos que o Requerente ficará numa situação de facto consumado, verificando-se prejuízos de difícil reparação, e o perigo que invoca, de comprometimento da possibilidade de (…) poder continuar a exercer a sua actividade, o requerente dispunha-se e iria fazer melhor prova deles através de prova testemunhal.

4ª Regra geral, o valor probatório da prova testemunhal e da prova por documentos, que não os autênticos, é igual.

5ª Como in casu¸ os factos que integram o facto jurídico que funda o periculum in mora não carecem de ser provados através de prova documental e nada existe na lei que impeça a respectiva prova através de testemunhas;

6ª Pelo que, tendo o douto Tribunal a quo indeferido a prova testemunhal, não poderia julgar não provado o periculum in mora;

7ª Para além disso, não o poderia ter feito porque constam dos autos, na acção principal, elementos mais do que suficientes por si sós para concluir que se mostra suficientemente indiciado o periculum in mora, que deveria e deve ser reconhecido; o que pede.

8ª O douto tribunal a quo confundiu os requisitos para o reconhecimento do periculum in mora para efeitos da suspensão da cobrança durante a pendência da acção principal, que deveria ter reconhecido, i.e., considerado provado, com os requisitos para a dispensa de constituição de garantia, nos termos do n. 3 in fine do art. 45º do CAU, que aqui não estava em causa, até porque tal garantia estava prestada – cfr. doc. 6 e 6A, nos autos principais;

9ª Para esta dispensa da prestação de garantia, a lei realmente exige uma avaliação documentada. Mas avaliação documentada não é exactamente prova documental.

10ª Para reconhecer o periculum in mora, a lei, em linha com as características e escopo do próprio instituto das Providências Cautelares, não exige, nem poderia exigir, prova documental, nem, sequer, é claro, avaliação documentada, basta-se com prova indiciária, qualquer que ela seja.

11ª Neste caso, o receio fundado de que a cobrança imediata produz um prejuízo irreparável para o Requerente, de insolvência, está objectivamente demonstrado e é verificável pela simples consideração dos valores em causa, o valor da acção, de €800.801,33, que ascende a bem mais de metade da sua facturação da mesa de despacho do requerente, de €1.465.285,56;

12ª Facturação que suporta todos os custos do respectivo funcionamento, incluindo, evidentemente, os custos com as garantias, com o pagamento de prémios de seguro, taxas, impostos, salários, prestações sociais, etc..

13ª O facto de «o requerente admitir que não quer nem precisa de dispensa de garantia» - frase que, na sentença, foi desenquadrada do seu contexto e sentido, muito longe de permitir concluir pela inexistência do periculum in mora, reforça mais ainda a ideia de que não estava sub juditio um pedido de dispensa de garantia, como se referiu já prestada, mas a suspensão da cobrança, de modo a evitar que o requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise.

14ª Como se alegou no R.I. e resulta dos autos, é este o receio que se pretende evitar com a Providência Cautelar requerida, e que constitui a ratio do periculum in mora e não, ao contrário do que o douto Tribunal a quo aventou, cometendo um lapso que poderá ter inquinado a sua decisão, «os custos advenientes da prestação de garantia para a suspensão da execução».

15ª Estes são elevados e suportados com sacrifício, sim, mas o que se pretende evitar são os custos insuportáveis com a própria execução, i.e., a cobrança, como resulta do pedido.

16ª Como neste ponto muito bem e doutamente a própria sentença reconhece, quanto ao periculum in mora exigia-se apenas «um receio objectivamente fundado» de «prejuízos de difícil reparação»; sendo a insolvência e a perda de postos de trabalho, alegados e objectivamente constatáveis à luz dos valores considerados na decisão recorrida, não pode deixar de se reconhecer o receio de um prejuízo de impossível reparação, que constitui o requisito do periculum in mora, que deve ser considerado preenchido, o que requer.

17ª O Código Aduaneiro da União, em conformidade com o GATT – art. VII - e o Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994 «estabelece, como critério prioritário para a fixação do valor da mercadoria importada, o do seu valor transacional»; isto é, o preço pago e acordado entre o vendedor e o comprador da mercadoria - «o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias».

18ª O Acordo sobre a aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio consagra o primado do valor transacional e proíbe práticas diferentes ou discriminatórias, discricionárias ou subjetivas das autoridades aduaneiras, e impõe a determinação de um valor aduaneiro, justo, correto e neutral.

19ª «Quando não for possível determinar o valor transacional o valor aduaneiro das mercadorias importadas deverá ser efetuado com base em métodos substitutivos, segundo a sequência estabelecida nas alíneas a) a d) do n.º 2 art.º (74º) do Código Aduaneiro e pela respetiva ordem.»

20ª Os métodos secundários de cálculo do valor aduaneiro previstos na Lei – no GATT, no seu Protocolo Regulador do art. VII e no CAU - pretendem evitar ao máximo, a discricionariedade – tanto no correcto, como no mau sentido desta palavra -, a imprevisibilidade e, mais ainda, todas as perversões que os poderes não sindicáveis permitem.

21ª No caso do GATT e do Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994, tais métodos, secundários, estão previstos nos arts. 2º a 6º, que se dão aqui por reproduzidos.

22ª Se nenhum destes métodos for possível, será apurado nos termos do art. 7º n. 1 Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994, com as limitações do respectivo n. 2, que também se dá aqui por reproduzido, o qual impede a fixação do Acórdão Shenale, de Vossas Excelências, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/96626ae2e48812b0802582b1003f016f Idem, com ligeira actualização quanto ao número do artigo , dado o acórdão referir-se, ainda, ao CAC e hoje estar em vigor o CAU, com teor igual nesta matéria valor aduaneiro, designadamente, com recurso a f) (…)valores aduaneiros mínimos; ou g) (…) valores arbitrários ou fictícios. Como ocorreu in casu.

23ª Aquele mesmo critério do GATT foi naturalmente acolhido pelo Código Aduaneiro Comunitário e, depois, transposto para o actual Código Aduaneiro da União (CAU), em vigor, o mesmo sucedendo com os procedimentos correctivos do valor;

Mantendo-se, evidentemente, o espírito do sistema, a ratio das normas e as limitações – à discricionariedade, à arbitrariedade e a desequilíbrios no comércio internacional - que elas visam impor.

24ª Segundo jurisprudência constante do TJUE, a regulamentação da União Europeia relativa à avaliação aduaneira tem por objetivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios – cfr. Ac. de 15//7/2010, Gaston Schul, C354/09.

25ª «A regulamentação da União relativa à avaliação aduaneira tem por objetivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclui a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios.»

26ª O CAU subordina-se ao GATT e à respectiva legislação convencional conexa.

27ª Embora as autoridades gozem do poder discricionário de colocarem em causa o valor aduaneiro, não estando vinculadas a priori a aceitar o valor declarado, estão vinculadas, se o fizerem, a seguir os métodos secundários estabelecidos na lei para a determinação do valor, não podendo inv(ent)ocar justificações espúrias ou atabalhoadas, como in casu, para se eximirem ao recurso a estes métodos.

28ª De notar que, se há e deve existir verdadeira discricionariedade no poder de realizar os controlos aduaneiros e de pedir provas que demonstrem o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, como inicialmente aconteceu in casu, já não existe essa discricionariedade no que respeita à decisão sobre tais provas, se elas tiverem sido apresentadas, mas, antes, o respeito pelas regras gerais de actuação da Administração Pública, incluindo da Autoridade Tributária e Aduaneira, em particular as que se prendem com o dever de fundamentação e, até, com o valor das Acórdão Shenale, de Vossas Excelências, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/96626ae2e48812b0802582b1003f016f, provas e as regras aplicáveis à sua apreciação, mesmo no âmbito do Princípio da livre apreciação das provas.

29ª Na motivação exige-se que o decisor «justifique a sua decisão, expondo as razões em forma de argumentações racionalmente válidas, lógicas, racionais e críticas, sem nota de qualquer arbitrariedade, traduzindo uma cabal e completa justificação do conjunto de razões que subjazem à decisão (…), de tal modo que esta possa ser examinável e cognoscível pelos seus destinatários diretos (…), de tal modo que essa motivação possa ser encarada como fator de legitimação da própria decisão.»

30ª Veja-se, de resto, a este propósito e não só, aqui no mesmo sentido da lei geral nacional, o que dispõe especificamente, ainda no âmbito do GATT, a Decisão relativa à prevenção da evasão, que se dá aqui por integralmente reproduzida, da qual resulta que se a administração aduaneira continuar a ter dúvidas razoáveis quanto à veracidade ou à exactidão do valor declarado, antes de tomar uma decisão definitiva, comunicará ao importador, por escrito se tal lhe for solicitado, as razões que a levam a duvidar da veracidade ou da exactidão das informações ou documentos fornecidos, concedendo ao importador uma oportunidade razoável para responder. E quando tomar uma decisão definitiva, a administração aduaneira comunicará essa decisão por escrito ao importador, bem como as razões que a motivaram.

31ª No mesmo sentido – de serem exigidas «dúvidas fundadas» e de informarem «por escrito dos motivos sobre os quais essas dúvidas são fundadas e darem-lhe uma oportunidade razoável para responder» - dispõe o Regulamento de Aplicação do CAU; E o confirma, também, a constante jurisprudência do TJUE.

32ª Nada disto aconteceu no caso sub juditio, bastando essa constatação para dever ficar reconhecido o boni fumus iuris.

Sem conceder:

33ª A Administração Aduaneira não comunicou ao importador, em nenhuma das importações, nem sequer ao Tribunal, as razões que a levaram a duvidar da veracidade ou da exactidão das informações ou documentos fornecidos, acabando por prejudicar os interesses comerciais legítimos dos operadores, pelas medidas que arbitrariamente tomou. Que o douto Tribunal a quo não deveria ter aceite.

34ª A Administração Aduaneira não pode, como in casu, alegar continuar a ter dúvidas sem qualquer fundamento e sem qualquer fundamentação, depois de lhe serem apresentados documentos como, os contratos de vendas (sales contracts), as facturas (invoices), as provas das transferências bancárias dos pagamentos, as declarações aduaneiras processadas na exportação (China), as packing lists, que, na sua maioria, evidentemente, não são documentos facilmente adulteráveis ou falsificáveis.

35ª Até porque, a própria «livre apreciação da prova não significa livre arbítrio, mas prudente fixação dos factos». E se assim é para os Tribunais, mais ainda tem que ser para a Administração Pública.

36ª Sob pena de não poder legitimamente passar para os critérios de determinação de valor seguintes, os «métodos secundários de determinação do valor aduaneiro», que estão previstos no art. 74º do CAU;

37ª Só tendo a Autoridade Aduaneira dúvidas insuperáveis, fundadas, fundamentadas e comunicadas por escrito, i.e., inteligíveis e escrutináveis, se pode concluir que em determinado caso o valor aduaneiro não pode ser determinado nos termos do artigo 70º, podendo/devendo então, recorrer-se aos «métodos secundários de determinação do valor aduaneiro», que estão previstos no art. 74º do CAU

38ª Porém, foi aquela conclusão, sem pressupostos ou fundamentos e sem os trâmites devidos minimamente observados, que a Requerida pretendeu retirar e que o douto Tribunal a quo acolheu acriticamente, sem uma censura e sem fazer aplicar a lei.

Sem conceder;

39ª De acordo com a lei, existindo fundadas dúvidas sobre a idoneidade do valor declarado, depois de não terem realmente conseguido determinar o valor transacional, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, nos termos dos arts. 70º e 74º n. 1 (primeira parte) do CAU, as autoridades podem e Acórdão Shenale, de Vossas Excelências, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/96626ae2e48812b0802582b1003f016f, devem, então, e só então (o que não era o caso), nos termos deste art. 74º n. 1 in fine e do respectivo n. 2, recorrer aos métodos secundários;

40ª Começando, necessariamente, por procurar, no território aduaneiro, a existência de mercadorias idênticas vendidas para exportação para o território aduaneiro da União e exportadas no mesmo momento que as mercadorias a avaliar ou em momento muito próximo;

41ª «Os critérios legais de fixação do valor aduaneiro de uma mercadoria são sequenciais, apresentando entre si um nexo de subsidiariedade, não podendo o valor aduaneiro ser fixado com base numa disposição sem que a precedente tenha sido excluída por impossibilidade de o determinar. Essa impossibilidade tem de ser absoluta e não meramente relativa, não bastando uma mera dificuldade encontrada na aplicação de um critério para justificar o abandono do mesmo e a passagem para o seguinte e assim sucessivamente.»

42ª Se o douto Tribunal a quo não tivesse prescindido da prova testemunhal teria sido provado que foi apresentada às autoridades aduaneiras prova da existência de mercadorias idênticas nas condições requeridas; facto, aliás, compatível com a experiência de vida e o mínimo conhecimento da realidade, tratando-se, como se tratavam, de artigos de calçado e de vestuário, de baixa qualidade e preço, largamente importados da China por Portugal e pelos demais países da União.

43ª Teria sido explicitado – se necessário fosse - que as Packing lists solicitadas e entregues continham a relação e a descrição dos produtos e teria, até, sido provado que várias Packing lists tinham fotografias dos produtos; Teria sido explicitado – se necessário fosse - que o facto de os contentores terem estado (longamente) retidos desde logo permitia a respetiva inspecção e teria até sido provado que os contentores foram realmente inspecionados; Teria sido provado, também, que a DAS colheu amostras da maior parte das mercadorias declaradas pelo recorrente, facto que dolosamente foi silenciado;

44ª Meio de prova perfeitamente admissível; que foi requerida, mas que foi indevidamente indeferida.

45ª Mesmo assim, o douto Tribunal a quo acolheu, sem se deter, sem uma reserva, sem uma veemente censura, o argumento falso, e insuficiente, usado pela Recorrida para, contra legem, tentar justificar a ultrapassagem do recurso aos métodos secundários previsto no art. 74º ns. 1 e 2 do CAU em precipitada direcção ao denominado método de último recurso;

46ª «É ilícita a conduta de uma autoridade aduaneira que utilize o método do último recurso sem conseguir justificar cabalmente o abandono dos métodos precedentes.»

47ª A Autoridade Recorrida, in casu não só não conseguiu justificar cabalmente o abandono dos métodos precedentes, como, pior ainda, alegou, falsamente, e a sentença citou-a, que: «não é exequível a aplicação dos métodos referidos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo anterior, uma vez que não existe a possibilidade de aceder às características das mercadorias importadas, o que permitiria obter o valor de mercadorias idênticas ou similares. Por outro lado, constata-se que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica o que impede uma caraterização objetiva.»

48ª Para além desta não ser uma justificação cabal, não é verdadeira. A simples constatação da retenção dos contentores (com as mercadorias) e da existência da documentação que, a instâncias da Recorrida, instruiu os processos, impõe a conclusão de que esta atabalhoada «justificação» não tem nenhuma adesão à realidade. E que, no mínimo, apresentada em juízo, carecia de ser aprofundada; e, nesta sede, escrutinada.

49ª Uma Autoridade, como a Recorrida, não pode contornar todo um procedimento legal criteriosa e estritamente previsto pelo legislador internacional e comunitário, didaticamente reforçado e explicitado por jurisprudência comunitária e nacional, neste caso em dupla conforme, pelo menos já em dois processos diferentes, à custa de uma justificação mal amanhada e, sobretudo, ostensivamente não verdadeira! Muito menos o Tribunal que a sindica pode deixar de se deter criticamente sobre ela.

50ª Mas, o douto tribunal a quo, não só deixou neste caso de cumprir o seu dever, como chegou ao ponto de se basear nessa afirmação literalmente incrível para afirmar que não se lhe afigura que a situação fáctica sub judice seja idêntica à que foi julgada no âmbito do processo 2199/13.7BELRS, por acórdão do TCAS de 07-06-2018 o acórdão Shenale, de V. Exas., que temos vindo a citar - , assim abrindo, de novo, a possibilidade dessa Autoridade, a Entidade Requerida aqui Recorrida, continuar a manter práticas que anteriormente foram judicialmente reprovadas, desde logo naquele processo, nas duas instâncias.

51ª É este o cerne da questão. E é, sobretudo aqui, nesta atitude que, com todo o respeito, reputamos complacente, acrítica, tolerante e até incentivadora de arbitrariedades e de atitudes prepotentes, contrárias à letra e ao espírito da lei aduaneira, internacional e comunitária, que reside o perigo que a douta sentença recorrida traz para o equilíbrio do Sistema, para a boa aplicação do Direito, para a Segurança Jurídica, e para a Justiça!

52ª De notar que não releva tanto a similitude ou dissemelhança dos contornos fácticos em ambos os casos, mas a identidade do facto jurídico, que é o mesmo em ambos os processos – o de se terem ultrapassado em ambos os casos todos os passos previstos na lei para o apuramento do valor aduaneiro, para se recorrer ao último de todos, residual, ainda assim desrespeitando-o.

53ª Mas, sobretudo, porque se aplicam ao caso sub juditio, sem reparos, as conclusões e ensinamentos daquele acórdão, como temos vindo a defender, citando-o.

54ª Se a situação fáctica sub judice é algo distinta da que se pode perceber no acórdão Shenale, por ela citado é-o pela menor abundância de elementos a que as Autoridades Aduaneiras poderiam recorrer naquele caso, no âmbito de uma acção inspectiva (por isso a posteriori), em relação ao presente caso, para fazerem uso do método previsto no art. 70º do CAU e, depois, se necessário, no art. 74, ns. 1 e 2 do mesmo código, sucessivamente… Aqui por maioria de razão tinham que observar estas regras.

55ª Sub juditio encontra-se um elevado número de despachos, com datas diferentes, respeitantes a contentores diferentes – isto basta para infirmar a pretensão da Recorrida, que não deveria ter sido acolhida pelo douto Tribunal a quo.

56ª Dos autos resulta, ainda, que somam as dezenas os importadores, de calçado e de têxteis chineses, espanhóis da zona de Madrid e portugueses, concorrentes entre si, a quem as autoridades aduaneiras de Sines/Setúbal retiveram os contentores, no último trimestre de 2018.

57ª As importações de roupa e de calçado de Inverno ou de meia estação, efectuadas a partir de meados de Setembro, até meados de Dezembro, destinam-se à campanha de Natal, época do ano em que autoridades, que estejam de boa-fé, podem encontrar mercadorias idênticas ou similares.

58ª Naturalmente, se a prova testemunhal não tivesse sido liminarmente indeferida, tudo isto seria melhor esclarecido e o que necessário mais fosse provado, nestes autos, com a descrição de situações práticas passadas em Sines.

59ª Mas imaginemos – por mera hipótese académica, não crível - que, num ápice, os cerca de 1.500 contentores tinham sido desalfandegados e que as mercadorias neles contidas tinham sido vendidas e que era realmente impossível a localização no território aduaneiro, que compreende toda a UE, de mercadorias idênticas vendidas para exportação no mesmo momento que as mercadorias a avaliar ou em momento muito próximo…. A verificar-se uma tal hipótese, absurda, as autoridades aduaneiras estavam vinculadas a descobrir mercadorias similares.

60ª É relativamente curta a diferença entre o primeiro método secundário (idênticas) e o segundo (similares), mas o âmbito de possibilidades de obtenção de elementos fica, com ela, extraordinariamente alargado;

61ª Ambos são métodos comparativos e ambos se baseiam em exportações para o território aduaneiro da UE, no mesmo horizonte temporal e em quantidades idênticas;

62ª A diferença etimológica das palavras idêntica e similar indicia que o grau de semelhança (ou identidade) é maior nas mercadorias idênticas, havendo a ponderar a existência de mercadorias provenientes de outras origens - o que, no caso, levaria à constatação de mercadorias importadas com origem no Bangla Desh, Índia, Myanmar, etc. com valores significativamente inferiores aos das mercadorias com origem na China...

63ª «O procedimento de revisão das declarações aduaneiras comporta atos materiais de controlo e de averiguação de preços de mercadorias idênticas ou similares introduzidas no mercado em regime de livre prática.», que nem sequer foram ensaiados no caso sub juditio.

64ª Esgotados estes métodos, há ainda um terceiro, mais complexo, mas objectivo e justo, que nem vale a pena abordar porque as autoridades aduaneiras in casu também não quiseram recorrer a ele pois que o seu objectivo pré-concebido foi o de recorrer directamente ao denominado método do último recurso, saltando, ilicitamente, todos os anteriores, o que, no caso, indicia desvio de poder;

65ª Os próprios critérios adoptados neste aqui ilícito método do último recurso não respeitaram as estritas disposições legais aplicáveis, incluindo as já restrições do art. 7º n. 2 do Acordo relativo à Aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, para as quais também remete o art. 73º n. 4 a) do CAU.

66ª O acórdão do TJUE citado pela douta sentença recorrida, refere ser legítima a correcção do valor por comparação com mercadorias similares… s.m.o. não releva no caso dos autos, já que a questão sub juditio não é a de que as autoridades tenham recorrido ao critério hoje previsto no art. 73º n. 2, b) do CAU, mas o de terem recorrido indevidamente ao critério previsto no n. 3 desse artigo, sem mesmo o terem respeitado.

67ª A discricionariedade das autoridades aduaneiras foi exercida contra os parâmetros estabelecidos pelo artigo 74º do CAU para fazer impor um erro, sugerido pelo OLAF, uma agência diretamente dependente do Presidente da Comissão Europeia.

68ª Esta agência europeia de cunho policial/financeiro, cuja função é zelar pelos interesses financeiros da União, na dependência directa da Presidência da Comissão, não tem qualquer vocação nem sinais de habilitação técnica mínima em matéria aduaneira. Na orgânica da Comissão, os assuntos aduaneiros e fiscais são da competência da TAXUD – Taxation and Customs Union -, uma Direcção de serviços especializada em matéria aduaneira e em impostos. A TAXUD tem sido mantida à margem dos problemas arbitrariamente suscitados pelo OLAF.

69ª Com intervenção da denominada Troika em Portugal, na Grécia e em Chipre e, em menor grau em Espanha, o OLAF passou a intervir, também, nesses Estados Membros da U.E., levando as suas autoridades aduaneiras a corrigirem os valores aduaneiros de mercadorias de certas proveniências, em ordem a obter maiores recursos próprios para o orçamento da U.E. à custa destes Estados Membros mais débeis e menos organizados, com recurso a métodos que não respeitam o GATT, o CAC (anteriormente em vigor) e o actual CAU, nem a jurisprudência já disponível.

70ª Essa intervenção materializou-se no fornecimento às autoridades aduaneiras de listas de preços mínimos por código pautal dos têxteis e do calçado, nunca publicitados ou sujeitos a qualquer controlo orgânico, a partir de certa altura referidos como o «valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares», mais recentemente referido como um algoritmo elaborado pelo OLAF em que o «valor estatístico medio é disponibilizado às autoridades aduaneiras através da ferramenta de monitorização automática (AMT), implementada numa parceria entre o OLAF e o Joint Research Centre (JRC).» que, alegadamente, «é uma ferramenta de tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões relevantes de fraude aduaneira.»

71ª . No fundo, este alegado algoritmo serve para forçar a atribuição de valor aduaneiro a uma mercadoria de baixa qualidade idêntico ao de uma mercadoria de alta qualidade, criando, portanto, um mecanismo, frontalmente proibido, desde logo pelo art. 7º n. 2 do Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994, de estabelecimento de f) (…)valores aduaneiros mínimos; g) (…) valores arbitrários ou fictícios.

72ª «Os dados estatísticos fornecidos pela A........... M........... T......., do OLAF, não podem ser utilizados na determinação do valor aduaneiro.»

73ª «A A........... M........... T....... é uma ferramenta de tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões relevantes de fraude aduaneira, produzindo dados estatísticos indutivos, probabilísticos, e não dados estatísticos descritivos.»

74ª Não existe um regulamento no JOL a regular e publicitar um tal procedimento, o que se compreende, tal como Vossas Excelências decidiram, é um método manifestamente legal face à legislação internacional e da União.

75ª No mesmo sentido de Vossas Excelências naquele acórdão, a esmagadora maioria dos E.M.s pronunciou-se recentemente pela ilegalidade da correcção do valor com base no tal valor estatístico médio apurado pelo OLAF junto do TJUE no processo intentado em 7 de Março de 2019 — Comissão Europeia/Reino Unido da Grã- Bretanha e da Irlanda do Norte - Processo C-213/19 (2019/C 164/40).

76ª O douto Tribunal a quo deveria ter decretado liminarmente a ilegalidade do apelo ao método do último recurso, por ser ostensiva a evidência da sua ilegalidade, também por violação das restrições impostas pelas al. a) e b) do art. 74 n. 3 do CAU e demais legislação para a qual elas remetem.

77ª Para além de ser uma ilegalidade, corrigir o valor com base em valor por código pautal, seja ele apurado pelo peso, por um algoritmo ou por uma alegada fórmula matemática, é abrir as portas à fraude, designadamente na importação de têxteis e calçado de luxo.

78ª Do ponto de vista comercial, é irrelevante a classificação pautal da mercadoria. O que importa são o design, a qualidade, o aspecto, a imagem de marca e os canais de distribuição, porque são estes os fatores que o comprador vai considerar na aquisição final. Se aplicarmos um preço médio por código pautal, a mercadoria cara pode descer tranquilamente o preço até à mediana, que ninguém suscitará dúvidas neste método; já a de feira ou de loja do chinês verá o seu preço ser agravado.

79ª Com a sua conduta, as Autoridades Aduaneiras recorridas desprezaram a Lei e, ostensivamente, a jurisprudência de Vossas Excelências, que receberam com muito desagrado. Para espanto do Recorrente, a sentença deu-lhes cobertura judicial. Por isso, é urgente a respectiva revogação.

80ª A garantia está prestada, assim o reconheceu a Autoridade Requerida ora Recorrida – cfr. doc. 6 e 6A junto nos autos principais.

81ª Na verdade, a caução nº ….. tipo 3 de 2016 que o recorrente utilizou até Abril de 2019 como caução global para desalfandegamento, foi afecta à garantia das imposições em litígio por imputação da Delegação Aduaneira de Sines. E foi a ela quem manteve a garantia para além do mês seguinte, sem dar ao recorrente outra alternativa que não fosse pagar os maiores direitos, apesar da discordância deste; e ainda hoje essa exigência se mantém.

82ª Tal afetação não foi efetuada a pedido, mas por imposição - refira-se que sem resistência do recorrente, sempre interessado em colaborar com as autoridades aduaneiras para um desfecho do litígio pela via consensual.

83ª Nunca as autoridades aduaneiras questionaram a bondade da garantia prestada.

84ª Se foram as autoridades aduaneiras que estabeleceram este procedimento, se estas nunca tomaram a iniciativa de cancelar a garantia, permitindo outras formas de garantia, não pode o Tribunal substituir-se às partes nesta matéria e decretar oficiosamente que é inválida aquela que foi prestada.

85ª A garantia prestada deve manter-se até que seja dirimido o presente litígio, nos termos do art. 45º ns. 2 e 3 do CAU, terminando-se, neste ponto, como no final do pedido no R.I.

86ª As autoridades aduaneiras de Sines não procederam ao registo de liquidação das diferentes dívidas aduaneiras em litígio; de facto, só se devem registar dívidas sobre cuja constituição não haja dúvidas, pelo que a omissão que revela a consciência da ilegalidade da actuação, com efeitos na aplicação do art. 45º n. 2, primeira parte do CAU.

87ª Certo é que a exigibilidade de uma dívida aduaneira pressupõe o respetivo registo de liquidação, como o dispõe a lei, e a jurisprudência do TJUE e do colendo STA têm ensinado, pelo que as alegadas dívidas aduaneiras nem sequer podem ser cobradas.

88ª A ordem jurídica e a Justiça carecem, com urgência, da revogação material da sentença recorrida e o decretamento da providência requerida.

O que se pede a Vossas Excelências, confiando que farão a habitual Justiça.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações tendo concluído como segue:

“a) A matéria dada como assente no douto aresto recorrido não deve ser modificada, antes devendo manter-se intacta, por estar de acordo com os factos;

b) A sentença em crise fez correta aplicação do direito aos factos;

c) Deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional sub judice e, em consequência, devem ser confirmados, quer o despacho de dispensa de produção de prova testemunhal, quer a douta sentença recorrida.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de improcedência do presente procedimento cautelar.

***

Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

“O Requerente arrola, no seu requerimento inicial, 5 testemunhas.

Porém, estão em causa decisões de cobrança de direitos aduaneiros, invocando o Requerente ter prestado garantia suficiente e que a cobrança o coloca em risco de insolvência. Dada a natureza das matérias controvertidas, respeitantes apenas a questões de direito ou, quando de facto, de teor patrimonial e/ou contabilístico, a prova testemunhal é insuficiente por si só, sendo adequada a documental, havendo as partes juntado já aos autos toda a documentação invocada nos articulados.

Nestes termos, mostra-se irrelevante para a decisão da causa a produção da requerida prova testemunhal, pelo que vai indeferida.”


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A sentença recorrida considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

A) O Requerente exerce atividade como despachante oficial, nomeadamente na Delegação Aduaneira de Sines da Alfândega de Setúbal – facto não controvertido;

B) No exercício da sua atividade e para desalfandegamento de mercadorias, o Requerente entregou, entre outras, as declarações aduaneiras nº ….., de 2018-10-05; 2….., de 2018-10-26, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-10-29, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-05, ….., de 2018-11-09, ….., de 2018-11-09, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, e ….., de 2018-11-12 – cfr. docs. 1 e 6, juntos aos autos com o requerimento inicial, que se dão por reproduzidos;

C) Relativamente às declarações identificadas na alínea B), as autoridades aduaneiras solicitaram, “nos termos do art. 70º do CAU conjugado com o nº 1 do art. 140º do AE-CAU (…) informação adicional relativa ao valor aduaneiro declarado (…) documentação suplementar, tais como (…):
Ø contratos;
Ø packing list separado por adição;
Ø cópia da declaração de exportação presentada no país terceiro;
Ø recibos relativos às despesas de transporte e seguro;
Ø ordens de encomenda;
Ø registos contabilísticos;
Ø correspondência;
Ø recibos de pagamento;
Ø preço de revenda;
Ø quaisquer outros documentos úteis para a correcta determinação do valor aduaneiro” – cfr. docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10,11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, juntos aos autos com a petição inicial do processo principal, que se dão por reproduzidos;

D) Os serviços aduaneiros informaram o Requerente de que “nos termos do do art.º 195º do CAU, caso se pretenda a concessão de autorização de saída das mercadorias, deve ser prestada uma garantia suficiente para cobrir a diferença entre o montante resultante dos elementos da declaração e aquele a que as mercadorias poderão, em definitivo, ficar sujeitas” - cfr. docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10,11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, juntos aos autos com a petição inicial do processo principal, que se dão por reproduzidos;

E) Após análise da documentação apresentada pelo Requerente, “a mesma foi considerada insuficiente para a determinação do correto valor aduaneiro (…) de acordo com o estabelecido no nº 2 do art. 74º do CAU (…) possibilidade de se recorrer, sucessivamente, a métodos secundários (…) no prazo (…) se informe esta Delegação Aduaneira do método que, justificadamente, se pretende aplicar, fundamentando a sua escolha (…) na ausência da conclusão referida no parágrafo anterior, a Administração Aduaneira aplicará o método a que se refere o nº 3 do art. 74º do CAU, procedendo-se à liquidação definitiva da dívida aduaneira e respetiva cobrança. “ - cfr. docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10,11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, juntos aos autos com a petição inicial do processo principal, que se dão por reproduzidos;

F) Para exercício do “direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia prevista no artigo 22º nº 6 do CAU e no artigo 8º nº 1 do AD-CAU” os serviços aduaneiros informaram o Requerente de que a documentação que este enviara “não foi considerada esclarecedora para a determinação do correto valor aduaneiro da mercadoria (…) dado que os elementos apresentados não justificam o facto do valor faturado das mercadorias se encontra excecionalmente baixo, em comparação com os valores médios da mesma classificação pautal importadas em território nacional nos últimos 6 meses (…) Na impossibilidade da aplicação dos métodos previstos no artigo 70º e nos números 1 e 2 do artigo 74º do CAU, o valor aduaneiro deverá ser calculado através do método previsto no nº 3 do artigo 74º (…) No caso concreto (…) não é exequível a aplicação dos métodos referidos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo anterior, uma vez que não existe a possibilidade de aceder às características das mercadorias importadas, o que permitiria obter o valor de mercadorias idênticas ou similares. Por outro lado, constata-se que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica o que impede uma caracterização objetiva.

No que respeita ao método da alínea d), o mesmo não é passível de ser utilizado, porque não existe a possibilidade de apurar os custos das matérias primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas (…) informa-se que é intenção desta Estância Aduaneira proceder à liquidação do montante garantido, apurado com base no valor médio nacional para idênticas mercadorias importadas nos últimos 6 meses, retirado o valor declarado, a multiplicar pela taxa aplicável (…)” – cfr. docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10,11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, juntos aos autos com a petição inicial do processo principal;

G) Para a saída das mercadorias até fixação de um valor aduaneiro definitivo, o Requerente prestou garantia através da caução global para desalfandegamento nº ….. – acordo e doc. 2 junto aos autos com o requerimento inicial;

H) Em 04-12-2018, o Requerente apresentou uma exposição dirigida à Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, respeitante à atuação Delegação Aduaneira de Sines, imputando-lhe práticas discriminatórias no desalfandegamento de mercadorias provenientes da China - cfr. doc. 3, junto aos autos com o requerimento inicial, que se dá por reproduzido;

I) Em 21-03-2019, o Requerente apresentou uma exposição, que designou de “reclamação graciosa necessária, nos termos do artigo 77.º-A do CPPT” – cfr. doc. 1 juntos aos autos com a petição inicial dos autos principais que se dá por reproduzido;

J) Em 10-04-2019, e com efeitos desde 01-04-2019 até revogação, o Requerente celebrou contrato de seguro-caução, na qualidade de tomador, sendo segurado a Autoridade Tributária e Aduaneira, Alfândega de Alverca, e valor seguro € 1.500.00,00, mediante o pagamento do prémio de € 15.000,00– cfr. doc. 5 junto aos autos com o requerimento inicial que se dá por reproduzido;

K) A exposição mencionada na alínea H) foi considerada como uma participação e apreciada pelos serviços, nessa qualidade, com decisão de arquivamento, na vertente disciplinar, e de encaminhamento para duas subdiretoras gerais da AT - cfr. doc. 3, junto aos autos com o requerimento inicial, que se dá por reproduzido;

L) A Alfândega de Setúbal notificou o Requerente da aplicação do “método de último recurso previsto no nº 3 do art. 74º do CAC”, relativamente aos valores constantes das declarações aduaneiras nº ….., de 2018-10-05, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, e ….., de 2018-11-12 e de que iria proceder à cobrança das diferenças – cfr. docs. 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31, juntos aos autos com a petição inicial do processo principal;

M) Em 05-09-2019, o Requerente apresentou neste Tribunal Tributário de Lisboa, a petição inicial de impugnação judicial de fls. 1 e ss. do processo principal, que se dá por reproduzida;

N) Em 02-10-2019, o Requerente apresentou na Alfândega de Setúbal um requerimento solicitando a suspensão da cobrança das dívidas aduaneiras respeitantes às DAU ….., de 2018-10-05, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-10-29, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-05, ….., de 2018-11-09, ….., de 2018-11-09, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02 e ….. , de 2018-11-12, até decisão transitada em julgado sobre a impugnação judicial ou, em substituição, o envio dos títulos de cobrança para o Serviço de Finanças, acompanhado de informação de que as dívidas se encontram garantidas – cfr. doc. 1 junto aos autos com o requerimento inicial;

O) O requerimento identificado no número anterior foi indeferido, com os fundamentos constantes da informação prestada em 28-10-2019, da qual consta, designadamente:

“estabelece o artigo 250.º do Ato Delegado – Código Aduaneiro da União, Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, que as autorizações concedidas com base no Regulamento (CEE) n.º 2913/92 ou no Regulamento (CEE) n.º 2454/93 válidas em 1 de maio de 2016 e que não tenham um período de validade limitado devem ser reavaliadas. (…) considerando que a garantia ao abrigo da qual foram apresentadas as DAU em crise (garantia …..) foi prestada ainda ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 289/88, a mesma teria de ser reavaliada por imposição legal. (…) esta obrigação não adveio de poderes discricionários das Autoridades Aduaneiras, mas sim de uma imposição legal. (…)

No que respeita à suspensão da cobrança, cumpre indicar que estabelece o artigo 45.º do CAU que a interposição de recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão impugnada.

Poderão, no entanto, as autoridades aduaneiras suspender, total ou parcialmente, a execução da sua decisão caso tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a conformidade da decisão impugnada com a legislação aduaneira ou que seja de recear um prejuízo irreparável para a pessoa em causa.

No caso sub judice não se verifica a existência de quaisquer dúvidas quanto à conformidade da decisão em causa.

Ademais, não foi (com)provado pelo requerente qualquer situação de prejuízo irreparável.

Concludentemente, não se verifica a existência de qualquer razão que afaste a norma geral do nº 1 do artigo 45º do CAU (…)

Será, ainda, de salientar que a figura da garantia prevista no nº 3 do artigo 45º do CAU não se poderá confundir com a garantia prestada nas liquidações ora em crise (que se encontram garantidas pela garantia global de desalfandegamento nº …..), uma vez que a figura de garantia prevista no nº 3 do artigo 45º do CAU implica a prestação de uma garantia autónoma, garantia que não foi prestada no caso em análise. (…)” – cfr. doc. 2, junto aos autos com o requerimento inicial, que se dá por reproduzido;

P) A Alfândega de Setúbal notificou o Requerente da “aplicação do método de último recurso previsto no nº 3 do art. 74º do CAU”, relativamente aos valores constantes das declarações aduaneiras nº ….., ….., para, “nos termos artigo nº 108º do CAU, procederem, junto à Tesouraria desta Estância Aduaneira, no prazo de dez dias (…) ao pagamento do montante (…) decorrido o prazo de pagamento acima referido, a dívida fica constituída em mora (…) sem obviar à extração de certidão de dívida, a qual servirá de base à instauração do processo de execução fiscal (…) do presente ato de liquidação poderá apresentar reclamação graciosa […] recorrer contenciosamente – cfr. docs. 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 juntos aos autos com o requerimento inicial e que se dão por reproduzidos;

Q) Em 22-10-2019, o Requerente apresentou pedido de certidão de que as DAU 2….., de 2018-10-05, ……, de 2018-10-26, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-10-29, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-05, ….., de 2018-11-09, ….., de 2018-11-09, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-10-26, ….., de 2018-11-02, ….., de 2018-11-02 e ….. , de 2018-11-12, “estão garantidas” – cfr. doc. 6, junto aos autos com o requerimento inicial;

R) Em resposta ao pedido identificado no número anterior, foi emitida certidão mencionando que os mesmos “se encontram garantidos por liquidação provisória, ao abrigo do art. 195º do CAU conjugado com os arts. 89º e seguintes” – cfr. doc. 6-A, junto aos autos com o requerimento inicial;

S) Em 12.11.2019, deu entrada neste Tribunal Tributário de Lisboa o requerimento inicial do processo cautelar, a tramitar como apenso da impugnação judicial nº 2216/19.7BELRS – cfr. fls. 1 e ss. dos autos de processo cautelar.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Com relevância para a decisão a proferir, segundo as plausíveis soluções de Direito, não se provou que o Requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise, ou por efeito da prestação de garantia autónoma para a suspensão da respetiva execução.

Não se provam os demais factos alegados pelas partes com relevância para a decisão do processo que não foram inscritos na matéria de facto indiciariamente provada.”


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A motivação da decisão sobre a matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão do Tribunal relativa à prova indiciária da matéria de facto supra elencada baseou-se no exame crítico dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, bem como na posição assumidas pelas partes nos seus articulados, conforme referido em cada alínea do probatório.

Quanto ao facto não indiciariamente provado, a convicção do Tribunal funda-se na falta de prova nesse sentido, sendo relevante que o Requerente não junta qualquer prova documental a respeito dessa alegação.

Relevado ainda foi o facto de o Requerente admitir que não quer nem precisa de dispensa de garantia (cfr. nº 77 do requerimento inicial) e mencionar que tem uma faturação anual média de € 1.465.285,56 (cfr. nº 65 do requerimento inicial), afigurando-se, com razoável probabilidade, ser este valor de facturação suficiente para suportar os custos advenientes da prestação de garantia para a suspensão da execução.”


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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com o despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal e bem assim com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a presente providência cautelar por entender que o pedido do Recorrente se revela infundado quanto a todos os critérios de decisão previstos no artigo 120.º do CPTA.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir a produção de prova testemunhal visto que a mesma se afigurava essencial para a descoberta da verdade material para efeitos de prova do periculum in mora e do fumus boni juris, e em caso negativo se incorreu em erro de julgamento de direito por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Cumpre, pois, apreciar e decidir ambos os recursos, sendo essencial que se comece pela apreciação do recurso do despacho de dispensa de produção de prova testemunhal, na medida em que o seu provimento pode implicar a anulação do processado ulterior[1].

Apreciando.

O Recorrente começa por colocar em causa o despacho de dispensa de produção de prova testemunhal, porquanto o Tribunal a quo considerou indiciariamente não provado “que o Requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise, ou por efeito da prestação de garantia autónoma para a suspensão da respetiva execução”, com base “na falta de prova nesse sentido” pelo que, a mesma jamais poderia ter sido dispensada.

Sublinha, para o efeito, que independentemente de resultar suficientemente (indiciariamente) dos elementos dos autos que o Recorrente ficará numa situação de facto consumado, verificando-se prejuízos de difícil reparação, e o perigo que invoca, de comprometimento da possibilidade de poder continuar a exercer a sua atividade, o requerente dispunha-se a fazer melhor prova deles através de prova testemunhal.

Logo, tendo o douto Tribunal a quo indeferido a prova testemunhal, não poderia julgar não provado o periculum in mora;

Ademais, o Tribunal a quo confundiu os requisitos para o reconhecimento do periculum in mora para efeitos da suspensão da cobrança durante a pendência da ação principal, com os requisitos para a dispensa de constituição de garantia, nos termos do nº 3 in fine do artigo 45.º do CAU, o que não foi colocada em causa nesta sede visto que tal garantia se encontrava prestada.

Sufragou, neste âmbito, que o receio fundado de que a cobrança imediata produz um prejuízo irreparável para o Recorrente de insolvência se encontra objetivamente demonstrado e é verificável pela simples consideração dos valores em causa, o valor da ação, de €800.801,33, que ascende a bem mais de metade da sua faturação da mesa de despacho do requerente, de €1.465.285,56, a qual, necessariamente, suporta todos os custos do respetivo funcionamento, incluindo, evidentemente, os custos com as garantias, com o pagamento de prémios de seguro, taxas, impostos, salários, prestações sociais, entre outros.

Acresce, outrossim, que o facto de “o requerente admitir que não quer nem precisa de dispensa de garantia” - não permite, de todo, concluir pela inexistência do periculum in mora, reforça mais ainda a ideia de que não estava sub judice um pedido de dispensa de garantia-aliás já prestada- mas a suspensão da cobrança, de modo a evitar que o requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise.

Quanto ao periculum in mora exigia-se apenas “um receio objectivamente fundado” de “prejuízos de difícil reparação”; sendo a insolvência e a perda de postos de trabalho, alegados e objetivamente constatáveis à luz dos valores considerados na decisão recorrida, não pode deixar de se reconhecer o receio de um prejuízo de impossível reparação, que constitui o requisito do periculum in mora, que deve ser considerado preenchido, o que requer.

Mais sustentando, neste particular mas no âmbito do outro requisito do procedimento cautelar, concretamente, do fumus boni juris que, se o Tribunal a quo não tivesse prescindido da prova testemunhal teria resultado provado que foi apresentada às autoridades aduaneiras prova da existência de mercadorias idênticas nas condições requeridas; facto, aliás, compatível com a experiência de vida e o mínimo conhecimento da realidade, tratando-se, como se tratavam, de artigos de calçado e de vestuário, de baixa qualidade e preço, largamente importados da China por Portugal e pelos demais países da União.

Aduzindo, igualmente, que teria sido explicitado – se necessário fosse - que as Packing lists solicitadas e entregues continham a relação e a descrição dos produtos e bem assim que as mesmas tinham fotografias dos produtos.

Mais teria sido explicitado – se necessário fosse - que o facto de os contentores terem estado (longamente) retidos permitia a respetiva inspeção e teria até sido provado que os contentores foram realmente inspecionados;

E bem assim que a DAS colheu amostras da maior parte das mercadorias declaradas pelo Recorrente, facto que dolosamente foi silenciado.

Porém, o Tribunal a quo, errada e ilegalmente, indeferiu a produção de prova testemunhal e aderiu, sem mais, à argumentação da Recorrida, contra legem, para tentar justificar a ultrapassagem do recurso aos métodos secundários previsto no artigo 74.º ns. 1 e 2 do CAU em precipitada direção ao denominado método de último recurso, e que é o cerne da questão no processo principal.

Com efeito, sublinha e enfatiza, que é essa a prova que se pretende fazer no processo principal, ou seja, de que é ilícita a conduta de uma autoridade aduaneira que utilize o método do último recurso sem conseguir justificar cabalmente o abandono dos métodos precedentes.

Dissente a Recorrida, alegando que não resulta da lei, mormente no que aos processos cautelares diz respeito, a obrigação da realização de quaisquer diligências instrutórias em concreto, tendo, in casu, o tribunal de forma sucinta, mas adequada e suficiente, fundamentado o indeferimento da requerida prova testemunhal.

Mais sustentando que, nos processos cautelares a realização de diligências cautelares, a realização de diligências probatórias está na inteira disponibilidade do tribunal, ou seja, apenas terá lugar quando este a considere necessária, conforme dispõe o artigo 118.º, nºs 1 a 3 do CPTA, e ainda o artigo 367.º, nº1 do CPC.

O Tribunal a quo entendeu indeferir a produção de prova testemunhal convocando a seguinte fundamentação:

“O Requerente arrola, no seu requerimento inicial, 5 testemunhas.

Porém, estão em causa decisões de cobrança de direitos aduaneiros, invocando o Requerente ter prestado garantia suficiente e que a cobrança o coloca em risco de insolvência. Dada a natureza das matérias controvertidas, respeitantes apenas a questões de direito ou, quando de facto, de teor patrimonial e/ou contabilístico, a prova testemunhal é insuficiente por si só, sendo adequada a documental, havendo as partes juntado já aos autos toda a documentação invocada nos articulados.

Nestes termos, mostra-se irrelevante para a decisão da causa a produção da requerida prova testemunhal, pelo que vai indeferida.”

Vejamos, então.

Importa, desde já, atentar nos artigos 97.º e 147.º, do CPPT, com a redação à data da interposição da presente providência cautelar, em ordem ao consignado no artigo 136.º do CPC.

Como expendido no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0384/11, de 06 de julho de 2011:

“Como se sabe, em matéria de aplicação de lei processual no tempo rege o princípio de que, salvo disposição especial, a lei processual ou adjectiva é de aplicação imediata mas não retroactiva, princípio que embora não estabelecido no Código de Processo Civil, se extrai do critério geral de que a lei só dispõe para o futuro, contido no artigo 12.º Código Civil. E, nesse seguimento, também o artigo 12.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária estabelece que «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

O que significa que, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva.”

Preceituava, assim, o artigo 97.º, alínea i), do CPPT, que: “1 - O processo judicial tributário compreende: “i) As providências cautelares de natureza judicial”.

Sendo que, as medidas cautelares a favor do contribuinte, encontravam-se genericamente reguladas no artigo 147.º, n.º 6 no CPPT, podendo: “… o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela atuação da administração tributária e a providência requerida”.

É, no entanto, entendimento doutrinal e jurisprudencial maioritário, que este preceito legal mostra-se claramente insuficiente para dar cumprimento ao princípio da tutela jurisdicional efetiva em matéria cautelar que é devida aos contribuintes, enquanto administrados, conforme impõe o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), entendendo-se, por isso, ser de aplicar subsidiariamente o regime cautelar previsto CPTA, como forma de dar cumprimento àquele imperativo constitucional. Aliás, em sintonia com a remissão global que, atualmente, é realizada pelo artigo 97.º, nº 3 do CPPT, na redação conferida pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro.

Neste particular, vide, designadamente, o doutrinado no Acórdão proferido no processo nº 04261/10, de 30 de novembro de 2010:

“No restrito campo do contencioso tributário, a tutela cautelar (…), a favor do contribuinte (ou outros obrigados tributários), encontra expressão na previsão do art. 147.º n.º 6 CPPT. Além de aspectos de cariz processual, do conteúdo deste normativo, retira-se, unicamente, a ideia central de que o requerente, da providência que identifica pretender, tem de invocar e demonstrar o “fundado receio de uma lesão irreparável”, que possa ser causada pela actuação da administração tributária/AT. Não podendo este aspecto ser descurado, afigura-se-nos, contudo, evidente estarmos diante de um quadro legal incompleto, repleto de lacunas e, por isso, necessitado de, sem perda de identidade e especificidade, ser complementado pelo recurso, devidamente adaptado, a cenários legislativos similares e próximos, como os do contencioso administrativo e do direito processual civil (…).

No primeiro caso, presentemente, o CPTA integra uma alargada e detalhada normação referente aos “processos cautelares”, com início no seu art. 112.º, o qual, com eco na situação julganda, por exemplo, prevê que uma das providências cautelares susceptíveis de adopção pode consistir na suspensão da eficácia de um acto administrativo – cfr. al. a) do n.º 2. Neste complexo normativo, surge, com preponderância, o art. 120.º, como repositório dos critérios gerais de decisão das providências em apreço”.

De convocar, outrossim, o doutrinado no Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 02297/17.8, de 18 de outubro de 2018:

“O CPTA integra uma alargada e detalhada normação referente aos “processos cautelares”, com início no seu art. 112.º, o qual, com eco na situação julganda, por exemplo, prevê que uma das providências cautelares susceptíveis de adopção pode consistir na suspensão da eficácia de um acto administrativo, sendo que o decretamento de tal providência está sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120º do CPTA, resultando deste um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni juris (“aparência do bom direito”) - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.”

Face ao exposto, importa, então, atentar no que dispõe o CPTA nesta matéria, sendo que, como visto, a questão preliminar que cumpre, ora, analisar prende-se com as diligências probatórias, concretamente, com a produção de prova testemunhal.

Para o efeito, importa, desde já, chamar à colação o disposto no artigo 118.º, nºs 1 a 5 do CPTA (com a redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro), o qual sob a epígrafe de produção de prova dispõe:

“1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.

2 - Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.

3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.

4 - O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando-se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição.

5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”

Atentando no aludido normativo, resulta que no âmbito dos processos cautelares, a realização de diligências probatórias está na inteira disponibilidade do tribunal, razão pela qual a mesma só terá lugar quando o julgador a repute como indispensável para a descoberta da verdade material.

Tal normativo traduz o princípio da inquisitoriedade na averiguação da verdade material. Como esclarece Mário Aroso de Almeida:“Na redação anterior à revisão de 2015, o presente artigo, no que diz respeito aos poderes do juiz em matéria instrutória, limitava-se a estabelecer que o juiz “pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias”. A nova redação resultante da revisão de 2015 vai mais longe na explicitação dos poderes que para o juiz cautelar decorrem da consagração, neste domínio, do princípio de inquisitório na averiguação da verdade material (…). Com efeito, estabelece o nº1 que, no processo cautelar, pode haver lugar a produção de prova, quando o juiz considere necessária. E o disposto nos nºs 3 e 5 são decorrências desta primeira afirmação, nas duas dimensões em que ela se concretiza. O nº3, na dimensão de que o juiz não tem de satisfazer-se com as provas carreadas pelas partes, podendo ordenar oficiosamente a produção de meios de outros meios de prova (cfr. artigo 367.º, nº1 do CPC) e promover diligências que não lhe tenham sido requeridas[2].”

Pelo que, será em função de uma análise casuística, atentando nas especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o julgador deve aferir da necessidade de diligências instrutórias e ponderar sobre a concreta admissibilidade dos meios de prova requeridos, por forma a obter o cabal esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito.

Com efeito, “a prova destina-se a demonstrar os factos que permitam dar como verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência (fumus boni júris e periculum in mora) e aferir o grau de prevalência dos prejuízos que possam resultar para os interesses envolvidos da adoção da providência ou da sua recusa, para efeito de aplicação do critério de ponderação de interesses ou da possibilidade de adotar uma contraprovidência.[3]”.

Razão pela qual, urge convocar o artigo 120.º do CPTA, o qual estabelece os critérios de decisão nos processos cautelares e dispõe como segue:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

3 - As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.

4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.

5 - Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.

6 - Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adotadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º 1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.”

O ato objeto do pedido cautelar é, conforme delimitou o Tribunal a quo e não controvertido, o ato que determinou a cobrança de direitos aduaneiros, peticionando o Recorrente que “a Exma Senhora Directora da AT e o Senhor Director da Alfândega de Setúbal intimados a abster-se de procederem à cobrança das dívidas aduaneiras, conexas com os DAUs relacionados nos autos principais (incluindo no articulado superveniente),sem prejuízo do processo de cobrança ser enviado ao Serviço de Finanças da residência fiscal da requerente, para efeitos de acertos na garantia”, com fundamento de que já prestou garantia e que essa cobrança o coloca em risco de insolvência.

No âmbito das providências cautelares no domínio específico do direito aduaneiro, mormente, para abstenção de cobrança de direitos aduaneiros, importa convocar o Acórdão do Pleno do STA, proferido no processo nº 0302/10, de 17 de outubro de 2012 o qual doutrina, de forma clara, que:

“[a] nível do direito comunitário, não há obstáculo a que, para além da possibilidade de obterem a suspensão de eficácia de acto administrativo ou tributário em matéria aduaneira prevista neste art. 244.º, os interessados utilizem os meios cautelares previstos no direito nacional, no âmbito de processos de impugnação contenciosa e (os tribunais) terão mesmo o dever de suspender a eficácia de actos, se tal for necessário para garantir a observância do direito comunitário.

Sendo assim, apesar de, no direito nacional, a aplicabilidade do regime do CAC e o afastamento do regime do direito interno em matéria de suspensão de eficácia estarem expressamente reconhecidos, relativamente aos actos de liquidação de quantias respeitantes a receitas tributárias aduaneiras, no n° 6 do art. 169° do CPPT, em que se estabelece que o regime de suspensão da execução fiscal aí previsto não se aplica às dívidas de recursos próprios comunitários, ficará em aberto a possibilidade de no processo judicial serem aplicadas outras providências cautelares que forem consideradas adequadas, inclusivamente a suspensão de eficácia nos termos gerais previstos no CPTA, pois aquele n° 6, se fosse entendido como uma proibição absoluta de os tribunais suspenderem a eficácia de actos daquele tipo, enfermaria de inconstitucionalidade indirecta, por violar o direito comunitário, hierarquicamente superior, por força do disposto no art. 8°, n° 4, da CRP.”

De convocar, outrossim, o Acórdão do TJUE C-226/99, de 11 de janeiro de 2001 segundo o qual:

“O artigo 244.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o código aduaneiro comunitário, deve ser interpretado no sentido de que apenas atribui às autoridades aduaneiras a faculdade de suspender a execução de uma decisão impugnada. Todavia, esta disposição não limita o poder de que as autoridades judiciais a quem é submetido um recurso dispõem, nos termos do artigo 243.° do mesmo código, para ordenar essa suspensão a fim de cumprirem a sua obrigação de garantir a plena eficácia do direito comunitário.”

Com efeito, importa ter presente que o juiz a quem é submetido um litígio regulado pelo direito comunitário deve estar em condições de decretar medidas provisórias para garantir a plena eficácia da decisão jurisdicional a proferir sobre a existência dos direitos invocados com base no direito comunitário, conforme enuncia claramente o Acórdão Factortame C-213/89, de 19 de junho de 1990.

Assim, face à lei adjetiva aplicável, para ver deferida a sua pretensão cautelar, o Recorrente teria de articular e provar, embora de forma sumária, o preenchimento de três requisitos (artigo 120º do CPTA):

- Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ele visa assegurar no processo principal periculum in mora;

- Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular, nesse processo principal, venha a ser julgada procedente fumus boni iuris;

- Mesmo que verificados estes dois requisitos, a adoção da providência cautelar é recusada se, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

Mais importa ter presente que estes três requisitos -dois positivos e um negativo-, assumem natureza cumulativa sendo, portanto, indispensáveis para a concessão da providência cautelar requerida. Significa, isto, que a não verificação de um dos requisitos positivos impõe, desde logo, o indeferimento da providência, e que a abordagem do requisito negativo apenas se exige no caso de se verificarem os outros dois – o periculum in mora e o fumus boni iuris.

Aqui chegados, revertendo tais considerações para o caso vertente, verifica-se que o ora Recorrente no final do requerimento cautelar arrolou cinco testemunhas, pretendendo com isso proceder à demonstração dos factos alegados.

Mais se constata que, em momento imediatamente anterior ao da sentença, foi proferido despacho, que dispensou a prova testemunhal por si requerida, o qual exprime o juízo feito sobre a necessidade e a adequação da prova requerida, no sentido de a mesma não ser necessária, porquanto, por um lado, dada a natureza das matérias controvertidas, respeitantes apenas a questões de direito ou, quando de facto, de teor patrimonial e ou contabilístico, a prova testemunhal é insuficiente por si só, sendo adequada a documental. Por outro lado, porque as partes já procederam à junção de toda a documentação invocada nos articulados.

Porém, não acompanhamos este juízo de entendimento, mediante confronto entre, por um lado, aquela que é a alegação do Requerente, ora Recorrente, e, por outro, face à fundamentação de direito constante na decisão recorrida.

Senão vejamos.

Comecemos pelo periculum in mora.

O Requerente no seu requerimento inicial alega que:

“Cairá na insolvência se não for suspensa a cobrança das imposições, que estão garantidas;”

“ E que ascendem, no total, neste momento, a 638.409,00.”

“ A dimensão, média, da atividade do requerente, cuja mesa de despacho conta com 18 empregados e tem uma faturação anual de 1.465.285,56€, manifestamente não lhe permitirá, ainda que temporariamente, suportar o pagamento a breve trecho das imposições em processo de cobrança objeto dos presentes autos”

“Facto que se alega nesta instância judicial, apesar de notório e que, naturalmente, é bem conhecido das autoridades aduaneiras”.

“Um médio despachante aduaneiro (…) se ver compelido a requerer a insolvência, pondo termo à sua carreira e lançando para o desemprego mais de uma dezena de empregados.”

A Requerida, opõe-se ao decretamento da providência cautelar por entender que inexiste fundamento legal para o decretamento da providência cautelar requerida, contestando, expressamente, a existência de prejuízo irreparável porquanto “não juntou um único elemento de prova que consubstancie o eventual prejuízo invocado, que deveria colocar em causa a subsistência ou viabilidade da atividade profissional do requerente”.

Mais densificando que “determina o artigo 342.º do CC conjugado com o artigo 114.º, nº3, alínea g), do CPTA, que o Requerente deverá oferecer prova sumária da existência dos fundamentos do pedido, onde o prejuízo irreparável terá que ser real, nomeadamente demonstração concreta da incapacidade para pagar a fornecedores, trabalhadores, etc”.

Ora, atentando nas alegações do Requerente e contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, tal alegação é de molde ao preenchimento dos requisitos de adoção da providência cautelar, pelo que dever-se-ia permitir que sobre os factos alegados pudessem recair meios de prova, destinados à comprovação do alegado.

Com efeito, se o Requerente, ora Recorrente, alega tal factualidade e a mesma é passível de produção de prova testemunhal, não é possível concluir pela dispensabilidade ou pela desnecessidade da produção da prova testemunhal requerida.

É certo que se concede que muitos desses factos possam ser provados por prova documental, mormente, elementos contabilísticos-sendo certo que o Tribunal a quo não estava impedido, bem pelo contrário, de requerer a junção de elementos contabilísticos que pudessem asseverar tal factualidade- mas a verdade é que não está o Requerente impedido de, querendo, proceder à sua demonstração através de prova testemunhal.

Com efeito, não pode o Tribunal a quo prescindir da prova testemunhal e julgar não verificado o requisito do periculum in mora com base no facto de o mesmo resultar não provado.

Na verdade, atentando na factualidade provada consta expressamente que a decisão recorrida entendeu que “não se provou que o Requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise, ou por efeito de prestação de garantia autónoma para a suspensão da respetiva execução.”

É certo que na motivação da matéria de facto faz alusão que o aludido facto “não indiciariamente provado, a convicção do Tribunal funda-se na falta de prova nesse sentido, sendo relevante que o Requerente não junta qualquer prova documental a respeito dessa alegação.”

Mais enfatizando que foi, igualmente, “relevado ainda foi o facto de o Requerente admitir que não quer nem precisa de dispensa de garantia (cfr. nº 77 do requerimento inicial) e mencionar que tem uma faturação anual média de € 1.465.285,56 (cfr. nº 65 do requerimento inicial), afigurando-se, com razoável probabilidade, ser este valor de facturação suficiente para suportar os custos advenientes da prestação de garantia para a suspensão da execução.”

Porém, não cremos que o Tribunal a quo, tenha interpretado da melhor forma essa questão, visto que, por um lado, a questão da dispensa de prestação de garantia não é, de todo, o cerne da questão, como por outro lado, a alegação constante no citado artigo 72.º[4] tem de ser, devidamente, contextualizada.

Senão vejamos.

Efetivamente, no artigo 72.º do requerimento inicial, o Recorrente alega que “o requerente não quer nem precisa, por ora, de ser dispensado da garantia.”. Mas, ato contínuo, esclarece, claramente, que “Porém, o estado em que foi colocado pelas autoridades aduaneiras impede-o de prestar uma garantia que com a dívida de capital com o acrescido soma cerca de 900.000,00”. Pelo que, não cremos que tal alegação permita fixar como factualidade não provada a indiciariamente fixada e supra evidenciada.

O mesmo se diga quanto à extrapolação que realiza quanto à faturação anual, e isto porque, no sentido preconizado pelo Recorrente, o prejuízo irreparável não deve ser aferido por reporte a, eventuais, custos com a fixação da garantia, a qual não é, de todo, requerida-até porque a alegação do Recorrente é no sentido que a mesma já se encontra prestada-mas sim com a cobrança do valor aduaneiro liquidado, no caso, e como expressamente reconhece o Tribunal a quo, no valor de €800.801,33. Ademais, faturação não pode, de todo, ser entendida como lucro e quantia disponível, nessa medida, sem mais elementos, não é possível inferir no sentido propugnado pelo Tribunal a quo.

Por este motivo, assiste razão ao Recorrente quanto a esta questão, pois tendo alegado factos suficientemente concretizadores da verificação do requisito do periculum in mora, não pode o Tribunal concluir pela sua não verificação, sem antes permitir a sua demonstração pelo Recorrente, não se aquiescendo que sejam factos notórios e, face à sua expressa oposição, possam, per se, ser entendidos como factualidade assente.

Assim, face ao exposto, existindo essa alegação, não pode recusar-se a produção de prova e depois concluir-se pela falta de demonstração dos requisitos do pedido cautelar.

Ora, o supra aludido acarreta a violação do disposto no nº 3, do artigo 118.º do CPTA, porquanto, no caso concreto, a mesma, como visto, revestir-se-ia, de essencial e necessária a aferir dos requisitos de decretamento do pedido cautelar, maxime, do periculum in mora, e em consequência, deveria acarretar a sua revogação e a baixa dos autos para que fosse produzida prova sobre os factos controvertidos alegados e que sejam essenciais para a decisão a proferir.

Porém, como evidenciado anteriormente, a reforma de 2015, introduziu alterações estruturais na concessão das providências cautelares, passando os requisitos a ser cumulativos, pelo que só justifica a aludida baixa dos autos caso se conclua pela necessidade de produção de prova testemunhal para densificação e apreciação do fumus boni iuris, ou pela sua verificação.

Sendo certo que, a ponderação a fazer sobre a probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes perfunctórios, materializados num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita que o Tribunal assente na probabilidade do êxito da pretensão principal.

Vejamos, então.

O Recorrente entende que a prova testemunhal seria relevante para efeitos de comprovação dos vícios sindicados na ação principal, mormente, a ilegalidade cometida pela Recorrida em sede de adoção dos métodos secundários de cálculo do valor aduaneiro, permitindo, desde logo, fazer prova que era possível recorrer-se, contrariamente ao defendido pela Recorrida, aos métodos elencados no artigo 74.º, nºs 1 e 2 do CAU.

Densificando, neste particular, que a mesma contribuiria para esclarecer que:
Ø Foi apresentada às autoridades aduaneiras prova da existência de mercadorias idênticas nas condições requeridas; facto, aliás, compatível com a experiência de vida e o mínimo conhecimento da realidade, tratando-se, como se tratavam, de artigos de calçado e de vestuário, de baixa qualidade e preço, largamente importados da China por Portugal e pelos demais países da União;
Ø As Packing lists solicitadas e entregues continham a relação e a descrição dos produtos e bem assim que as mesmas tinham fotografias dos produtos.
Ø O facto de os contentores terem estado (longamente) retidos permitia a respetiva inspeção;
Ø Que os contentores foram realmente inspecionados;
Ø Que a DAS colheu amostras da maior parte das mercadorias declaradas pelo Recorrente, facto que dolosamente foi silenciado.

Com efeito, entende que não é possível aderir, sem mais, a uma realidade que é controvertida, ou seja, não pode concluir, per se, “não é exequível a aplicação dos métodos referidos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo anterior, uma vez que não existe a possibilidade de aceder às características das mercadorias importadas, o que permitiria obter o valor das mercadorias idênticas ou similares. Por outro lado, constata-se que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérico o que impede uma caracterização objectiva”.

A Recorrida dissente remetendo, em bloco, para a fundamentação constante na decisão recorrida.

O Tribunal a quo, em termos de fumus boni iuris fundamentou a sua inexistência da seguinte forma:

“Preliminarmente, há que averiguar sumariamente se se evidencia a falta de algum pressuposto processual da acção principal, pois não pode ser conferida tutela provisória – a qual reveste natureza instrumental em relação a uma tutela definitiva - a quem não aparente ser titular do direito de que se arroga.

Ainda que não deduzindo defesa por excepção, a Entidade Requerida menciona, na resposta oferecida, que a reclamação graciosa objecto da impugnação judicial não tem objeto, argumento já esgrimido na contestação apresentada nos autos principais.

Quanto a este ponto, cumpre fazer a ressalva de que, efectivamente, os meios de reação adequados para questionar a legalidade de um acto de liquidação de direitos aduaneiros dependem do respetivo fundamento e, se o fundamento de reação for uma divergência em relação à classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias, a impugnação judicial de actos de liquidação depende de prévia reclamação graciosa (cfr. arts. 77º-A e 77º-B do CPPT, sublinhado nosso), sendo a reclamação graciosa, nesses casos, uma condição de impugnabilidade do acto – cfr. art. 133.º-A do CPPT.

Porém, dada a natureza sumária da averiguação a fazer nesta sede, imposta pela natureza urgente da tutela cautelar, a decisão sobre a suscitada questão basta-se com a constatação de que foram juntos aos autos de impugnação judicial a reclamação graciosa, invocando o disposto no art. 77º-A do CPPT e várias notificações da fixação dos valores aduaneiros corrigidos – cfr. alíneas I) e M) da matéria de facto indiciariamente provada. Por outro lado, ainda que, quanto ao valor aduaneiro, a impugnação judicial não possa ser apreciada por falta do pressuposto processual, dado que são invocados também vícios formais, não se evidencia a falta de fumus boni iuris com este fundamento.

Averiguando, então, se é provável a procedência do vício de violação de lei, in casu, por violação do disposto no CAU e por violação do princípio da igualdade ou imparcialidade, veja-se que aquele diploma comunitário estabelece que o valor aduaneiro das mercadorias é determinado nos termos dos artigos 70.º e 74.º (cfr. art. 69º), prevendo o nº 1 do art. 70.º que a base principal do valor aduaneiro das mercadorias é o valor transacional, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da União, ajustado, se necessário.

O art. 74.º prevê métodos secundários de determinação do valor aduaneiro, estipulando que, caso o valor aduaneiro das mercadorias não possa ser determinado nos termos do artigo 70.º, deve ser determinado pela aplicação sucessiva do n.º 2, alíneas a) a d), até à primeira destas alíneas que permita determinar esse valor. E estabelece o nº 3 do art. 74º que, se o valor aduaneiro não puder ser determinado nos termos do n.º 1, deve ser determinado, com base nos dados disponíveis no território aduaneiro da União, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e disposições gerais: a) do Acordo relativo à Aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio; b) do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio; c) do presente capítulo.

Do CAU resulta, pois, a primazia do valor transacional efetivo, mas também a possibilidade da sua correção, pela aplicação sucessiva dos métodos constantes das várias alíneas do nº 2 ou, caso estes não permitam a fixação do valor aduaneiro, pelo método previsto no nº 3 do art. 74º.

Aplicando aos factos em análise, verifica-se que os valores transacionais declarados pelo Requerente foram objeto de averiguação, solicitação de elementos adicionais e, em última análise, de correção, invocando-se a verificação de desproporções superiores a 1/10 entre o valor declarado e o valor corrigido – cfr., designadamente, o doc. 14, junto aos autos principais, de impugnação judicial, relativa à declaração nº …...

A solicitação de elementos adicionais é feita ao abrigo do disposto nos arts. 70º do CAU e 140º do AE-CAU, não se demonstrando a actuação da estância aduaneira, pelo menos prima facie, como é próprio em sede cautelar, irrazoável, injustificada ou arbitrária.

Por outro lado, a aplicabilidade dos métodos secundários foi excluída nos casos em apreciação nos autos, justificando as autoridades aduaneiras a razão da inaplicabilidade - cfr., por exemplo, o doc. 18, junto aos autos com a petição inicial da impugnação judicial - com base em razões que, numa averiguação sumária, não se evidenciam contrárias à lei: “não é exequível a aplicação dos métodos referidos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo anterior, uma vez que não existe a possibilidade de aceder às características das mercadorias importadas, o que permitiria obter o valor de mercadorias idênticas ou similares. Por outro lado, constata-se que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica o que impede uma caracterização objetiva.

No que respeita ao método da alínea d), o mesmo não é passível de ser utilizado, porque não existe a possibilidade de apurar os custos das matérias primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas.”

Não se afigura, portanto, que a situação fáctica sub judice, seja idêntica à que foi julgada no âmbito do processo 2199/13.7BELRS, por acórdão do TCAS de 07-06-2018, junto aos autos de impugnação judicial como doc. 3, também disponível em www.dgsi.pt.

Por outro lado, dado que se trata de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE vincula os tribunais nacionais (cfr. arts. 267º e ss. do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sendo de relevar, na matéria, o acórdão proferido em 16-06-2016, no proc. C-291/15 (disponível em http://curia.europa.eu ), no âmbito do qual se decidiu que o direito da União não se opõe à prática das autoridades aduaneiras, como a que estava em causa no processo principal, em que o valor aduaneiro das mercadorias importadas é determinado de acordo com o valor transacional de mercadorias similares, quando o valor transacional declarado, comparado com a média estatística dos preços de compra na importação de mercadorias similares, for considerado desproporcionadamente baixo, sem que o importador tenha fornecido, em resposta a um pedido nesse sentido da autoridade aduaneira, elementos de prova ou informações adicionais para demonstrar a exatidão do valor transacional das mercadorias, apesar de as autoridades aduaneiras não contestarem nem porem em causa por qualquer outra forma a autenticidade da factura ou do certificado de transferência apresentados para justificar o preço efectivamente pago pelas mercadorias importadas.

Atento tudo o exposto, falta o juízo de probabilidade de procedência do invocado vício de violação de lei por incumprimento do CAU.”

Porém, entendemos que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, e convocando, desde logo, a Jurisprudência deste Tribunal é provável que a pretensão formulada no processo principal pelo Requerente seja julgada procedente.

Senão vejamos.

Importa, desde já, relevar que anuímos com a inexistência, pelo menos numa análise perfuntória, da falta de objeto. De resto é entendimento unânime da Jurisprudência que é possível ampliar o objeto da lide, ou permitir a modificação objetiva da instância a atos conexos e que, entretanto, e nessa sequência, sejam emitidos em fase ulterior à dedução da impugnação judicial, como, in casu.

O CPTA regulamenta formas específicas de modificação objetiva da instância, as quais têm em vista assegurar a extensão do objeto do processo impugnatório a outros atos administrativos ou contratos que tenham sido praticados na pendência do processo e que se encontrem envolvidos na mesma relação jurídica administrativa ou de alguma forma se conexionem com o ato impugnado[5] (artigo 63.º do CPTA), e bem assim a permitir que o autor prossiga o processo contra o novo ato, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova sempre tenha sido proferido ato revogatório com efeitos retroativos do ato impugnado acompanhado de nova regulação da situação (artigo 64.º, nº1 do CPTA).

Ademais, no caso vertente, dimana inequívoco que o Requerente, in limite, equaciona e convoca, caso se entenda pertinente para o efeito, uma eventual convolação processual, a qual, de resto e como é consabido, deve ser entendida como um poder-dever do juiz.

Prosseguindo.

O Recorrente no seu requerimento inicial, tendente a fazer a prova do fumus boni iuris alegou, resumidamente, o seguinte:
“[p]ara justificar a retenção, os funcionários punham em causa o valor (de transacção, cfr. art. 70º do CAU) e pediam o DAU de exportação da China, os comprovativos das transferências bancárias, o contrato de compra e venda (sale contract), a «packing list» do contentor. E até aqui muito bem, agiram zelosamente e de acordo com a lei;
16- Estes documentos são um seguro filtro de detecção de viciação do valor das mercadorias.
Do fumus boni iuris
17- Porém, recebidos estes documentos, a Delegação Aduaneira de Sines (DAS) continuou a declarar-se com «fundadas dúvidas» sobre o valor, que nunca esclareceu ou dizendo singelamente que «o valor é demasiado baixo». Sempre sem qualquer fundamentação ou explicação. Fê-lo, ao longo de meses.
18- Trata-se de uma postura violadora do disposto no já referido art. 70º do Código Aduaneiro da União (CAU) e, até, do que prevê e estatui o art. 74º do mesmo código - que reproduz o que já dispunha o artigo 30º e seguintes do anterior Código Aduaneiro, CAC -, revelando uma vontade de não respeitar os precisos termos da lei neste aspecto, e de não acolher os ensinamentos emergentes da claríssima e didática jurisprudência do TJUE e do TCA Sul.
19- Esta postura não é compreensível, até porque boa parte das mercadorias vinham já etiquetadas com o preço final da venda a retalho; como era o caso das mercadorias destinadas à S….. e de, várias, dos importadores clientes/constituintes do Requerente.
20- Nestas circunstâncias, e depois de facultados os elementos descritos supra, só por notório desprezo da lei e de falta de bom senso se podem sustentar e «alimentar» dúvidas sobre o valor aduaneiro das mercadorias em causa.
21- O mais elementar senso comum indicia que a S….. e demais operadores económicos, ao vender mercadorias etiquetadas na origem com o preço final de venda ao consumidor, jamais iria viciar o valor aduaneiro contra os seus interesses, o mesmo podendo dizer-se em relação a outros importadores, portugueses ou espanhóis.
22- A vintena ou trintena de importadores lesados com a retenção dos contentores com calçado ou têxteis, é constituída por empresas concorrentes entre si, com interesses antagónicos e fornecedores de diferentes partes da China. Se as autoridades aduaneiras em questão quisessem cumprir a lei, se não nutrissem desprezo pela jurisprudência do Venerando TCAS e do Tribunal de Justiça da UE, mesmo que tivessem dúvidas – e não era caso para tal - teriam aplicado os sucessivos métodos de correcção do valor aduaneiro previstos no art 74º do CAU;
(…)
24- De facto, a lei resolve o problema da impossibilidade de determinação do valor transaccional (prevista no art. 70º do CAU) – se essa impossibilidade realmente se verificar, o que nem era o caso, pois, como referido supra, foi junta toda a documentação idónea para demonstrar/provar o valor transaccional –, através dos sucessivos «Métodos secundários de determinação do valor aduaneiro», previstos no referido art. 74º do CAU, que se dá aqui por reproduzido.
25- De nada valeram as reclamações para o Senhor Director da Alfândega de Setúbal e para a Exma. Senhora Directora-Geral, para que fossem seguidas as disposições legais sobre a correcção do valor aduaneiro previstas no Código Aduaneiro Comunitário, v.g. o art. 74º.
(…)
 A simples existência das etiquetas com o preço final nalgumas mercadorias (v.g. as da S….., entre outras) permitiam, desde logo, com toda a segurança e certeza, a solução prevista no respectivo n. 2. a) em relação às demais aduaneiras tinham acesso, ficando a decisão do diferendo para uma data posterior, libertando, finalmente, as mercadorias.
28- Por fim, já durante o Verão transacto (2019), alegando ainda ter «fundadas dúvidas», que mais uma vez não explicou nem fundamentou, a DAS, seguindo orientações do Senhor Director da Alfândega de Setúbal, avançou para a cobrança, bem sabendo que estavam a correr reclamações hierárquicas. E manteve a mesma posição já depois de ter conhecimento de que havia sido apresentada a impugnação no processo principal.
29- Apesar de correrem os meios de reclamação ou de impugnação contenciosa, com prestação de garantia, a DAS continuou a exigir a cobrança face às alegadas «fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro» (sic), como se não existisse a obrigação de esclarecer as putativas dúvidas nos exactos termos do art 74º do CAU.
30- Ora, é grosseiramente ilegal liquidar impostos com base em «dúvidas», seja sobre o valor, seja sobre qualquer um dos elementos de tributação.
31- Por isso a impugnação nos autos principais. Que é um «recurso» das decisões impugnadas para os efeitos dos arts. 44º e seguintes do CAU.
32- Embora o art. 45º n. 1 do CAU estabeleça que, à partida, a interposição de recurso não tem efeito suspensivo, o n. 2 da mesma norma estatui, pelo contrário, que «… as autoridades aduaneiras devem suspender, total ou parcialmente, a execução dessa decisão caso tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a conformidade da decisão impugnada com a legislação aduaneira ou que seja de recear um prejuízo irreparável para a pessoa em causa.»; (…)
De resto, não consta que a Exma. Senhora Sub-Directora Geral, com o pelouro do desalfandegamento das mercadorias, a quem reporta a Alfândega de Setúbal, ou qualquer outra entidade, tenha promovido junto do Comité do Valor ou do Governo Português (através da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus) a possibilidade de se introduzirem direitos anti-dumping contra o calçado e os têxteis de baixo valor e má qualidade importados da China.
42- Portanto, a via legal para travar a entrada de têxteis e de calçado de baixo preço (e de menor qualidade) passa pela introdução de direitos anti-dumping; Sobre esta matéria, não se ouviu nem uma palavra.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, atento o supra expendido não poderia o Tribunal a quo, de forma conclusiva -limitando-se a transcrever o juízo de entendimento da Recorrida- a dar como adquirido e a aderir ao entendimento propugnado pela Entidade Recorrida, o qual, como é consabido, é controvertido e constitui o cerne da questão a dilucidar na ação principal.

Com efeito, importaria que o Tribunal a quo, ainda que numa análise sumária e perfuntória, afastasse a, alegada, possibilidade de recurso a métodos alternativos, mormente, de mercadorias similares.

Ademais, como o Recorrente sustenta os artigos em causa são calçado e têxteis de baixo valor, pelo que -desde logo, face às regras da experiência- não se afigura plausível que não seja possível o confronto com bens similares. Note-se que, relativamente a esta realidade fática e específica dos materiais e bens em contenda, a Recorrida, na sua oposição, nada refutou.

Acresce que, no caso o Recorrente foi notificado para apresentar os contratos, packing list separado por adição; cópia da declaração de exportação presentada no país terceiro, recibos relativos às despesas de transporte e seguro, ordens de encomenda, registos contabilísticos, correspondência, recibos de pagamento, preço de revenda, e o mesmo, de forma a colaborar inteiramente com a determinação do valor e demonstrar a sua conformidade com o valor declarado, cumpriu com essa instrução.

Mais importa ter presente que as mercadorias foram objeto de retenção por um período significativo de tempo-conforme resulta do probatório, não sendo, de resto, controvertido- donde, inferir-se-á que era viável e exequível a inspeção das mercadorias.

De resto, conforme é entendimento deste Tribunal, os critérios de fixação do valor aduaneiro de uma mercadoria são sequenciais, com um nexo de subsidiariedade, daí que o valor aduaneiro não possa ser fixado com base numa disposição sem que a precedente tenha sido excluída por impossibilidade de o determinar, sendo de sublinhar, que esta impossibilidade tem de ser absoluta e não meramente relativa.

Neste âmbito, importa convocar o Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 02297/17.8, de 18 de outubro de 2018, o qual se entende transponível para o caso dos autos, ainda que o mesmo se reporte ao CAC e nos presentes autos seja aplicável o CAU, visto que as redações em causa são idênticas, sendo a ratio legis subjacente, necessariamente, a mesma, transcrevendo-se, nessa medida, os excertos que se reputam relevantes para o caso em apreço:

“Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os mecanismos aduaneiros da União visam o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutral, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios e que permita que seja refletido no valor aduaneiro definitivamente fixado o valor real da mercadoria importada, tendo em conta todos os elementos dessa mercadoria que representem um valor económico.

O critério prioritário para a fixação do valor da mercadoria importada deverá ser o do seu valor transacional, entendido como o valor efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando as mesmas são exportadas com destino ao território da União Europeia. Dito de modo mais simples, o valor transacional mais não é do que o preço real do contrato de compra e venda da mercadoria no país exportador, celebrado entre o importador (comprador) e o exportador (vendedor), sem embargo desse valor transacional poder ser ajustado nos termos do artigo 32.º do CAC .

Mas quando não for possível determinar 0 valor transacional – por não ser possível apurá-lo ou por ter sido rejeitado- e, consequentemente, o valor aduaneiro nos termos do art.º 29.º do CAC, com eventuais ajustamentos nos termos dos artigos 32.º e 33.º do CAC, o valor aduaneiro das mercadorias importadas deverá ser efetuado com base em métodos substitutivos, segundo a sequência estabelecida nas alíneas a) a d) do n.º 2 art.º 30.º do CAC.

O primeiro método a aplicar será então o método comparativo, que comporta dois critérios, ambos relacionados com o valor transacional, o relativo a mercadorias idênticas (primeiro critério) e o que respeita às mercadorias similares (segundo critério).

Segue-se o método dedutivo, previsto no art.º 30.º n.º 2 alínea c) do CAC e desenvolvido no artigo 152.º das DADAC.

Não sendo possível apurar o valor aduaneiro da mercadoria por recurso a este método, há que convocar o método seguinte, o método do valor calculado.

O método do valor calculado está consagrado no art.º 30.º, n.º 2, alínea d) do CAC e no artigo 153.º das DADAC. Neste caso o valor aduaneiro é determinado a partir dos elementos constitutivos do preço, comunicados pelo fabricante da mercadoria.

Se, ainda assim, não for possível fixar o valor aduaneiro este será então estabelecido através de um método residual, de última instância ou método de último recurso, previsto no art.º 31.º do CAC.

Resulta deste regime que os critérios de fixação do valor aduaneiro de uma mercadoria são sequenciais, apresentando entre si um nexo de subsidiariedade, não podendo o valor aduaneiro ser fixado com base numa disposição sem que a precedente tenha sido excluída por impossibilidade de o determinar.

Entendemos que esta impossibilidade tem de ser absoluta e não meramente relativa. Com efeito, não basta uma mera dificuldade, muito menos abstrata, encontrada na aplicação de um critério para justificar o abandono do mesmo e a passagem para o seguinte e assim sucessivamente. Tal procedimento não pode deixar de ser entendido como violador das disposições do CAC que regulam a fixação do valor aduaneiro, visto que a interpretação dessas normas à luz dos demais dispositivos com os quais devem ser concatenadas, quer do próprio CAC, quer das DACAC e anexos, não deixa margem para quaisquer dúvidas.

A aplicação do método do último recurso previsto no art.º 31.º do CAC, sem que esteja cabalmente esgotada a possibilidade de aplicação de algum dos métodos anteriores não pode, pois, deixar de reputar-se violadora do disposto no artigos 29.º e 30.º do CAC e do princípio do valor aduaneiro dever ser equivalente ao valor transacional.

Retenha-se que, atualmente, na esteira da doutrina de Dworkin, é dominante o entendimento de que os princípios são proposições jurídicas, são standards equivalentes às normas, que apenas diferem destas quanto ao modo da sua aplicação.

Consequentemente, a conduta de uma autoridade aduaneira que não respeite, justificadamente, o mecanismo previsto nos dispositivos do CAC acima referidos, nem os princípios que dominam o ordenamento jurídico-aduaneiro da União, e que avance sem delongas, optando pelo atalho ou caminho mais fácil do método do último recurso, não pode deixar de ser considerada, indubitavelmente, como ilícita.

No caso vertente a recorrente argumenta que aplicou paulatinamente os métodos previsto no art.º 30.º, n.º 2, do CAC, e depois de os analisar rejeitou-os por falta de aplicabilidade ao caso vertente [conclusão f)]. É um argumento que, salvo o devido respeito, não convence e que por isso não pode merecer a nossa concordância.

Se bem percebemos o argumento, basta a mera impossibilidade abstrata para justificar a aplicação sequencial das alíneas a) a d) do n.º 2 do art.º 30.º para de imediato se lançar mão do mecanismo do art.º 31.º do CAC. Mas não é assim como já se acentuou.

A impossibilidade de utilização sequencial dos critérios plasmados no art.º 30.º, n.º 2, tem de ser concreta, isto é, só perante uma impossibilidade casuisticamente demonstrada de utilizar o primeiro critério é que se poderá avançar para o segundo e assim sucessivamente, até se esgotarem todas as hipóteses concedidas pelo normativo.

E só perante o esgotamento de todas essas hipóteses é que a autoridade aduaneira poderá convocar o disposto no art.º 31.º, n.º 1, tendo sempre presente que a determinação do valor aduaneiro das mercadorias não pode infringir o disposto no n.º 2 do mesmo artigo.

É que, como já se referiu, o princípio basilar, a trave mestra deste regime é de o valor aduaneiro dever ser tendencialmente equivalente ao valor transacional das mercadorias importadas, o que implica a sua determinação concreta por métodos consistentes que tenham em consideração as circunstâncias particulares de cada caso. E só quando se constate que estes não permitem chegar a uma conclusão segura é que poderão ser convocados os referenciais previstos no artigo 31.º, n.º 1, do CAC.

(…) Como decorre linearmente do n.º 2, o procedimento de revisão comporta atos materiais de controlo, que podem ser efetuados junto do declarante, de qualquer pessoa direta ou indiretamente interessada profissionalmente nas citadas operações ou de qualquer outra pessoa que, pela sua qualidade profissional, esteja na posse dos pertinentes elementos.

Tem por isso razão a sentença quando afirma que a AT poderia indagar junto das feiras do preço de venda do calçado da recorrente introduzido em livre prática ou de calçado idêntico ou similar.

De facto, é comummente sabido que o tipo de calçado em causa é vendido ao público a preços irrisórios em feiras e mercados; por isso, neste tipo de mercadorias e considerando a sua proveniência (China), o problema não está, tanto, no valor pago pelo importador pela mercadoria no país exportador mas acima de tudo nas práticas de dumping e de subvenção estatal, que baixam artificialmente o preço das mercadorias e cujo combate se faz em várias frentes, não só pela via aduaneira.

O dumping é um termo usado no contexto do comércio internacional (mas não só), significando a comercialização no mercado importador de produtos estrangeiros a preços abaixo do custo de produção no mercado exportador. Como envolve, em regra, volumes substanciais de exportação de uma mercadoria, pode colocar em risco a viabilidade económica dos produtores dessa mercadoria no mercado importador. Tem, por isso, um alcance mais vasto e mais duradouro do que o mero benefício económico imediato. (…)

Na situação sub juditio, não se tratando de um caso de dumping– pelo menos não foi suscitada essa hipótese -, então não colhe o argumento do baixo preço do calçado para justificar a aplicação do art.º 31.º do CAC. Bem vistas as coisas, a vantagem financeira obtida com uma menor tributação aduaneira seria sacrificada com o aumento da carga tributária sobre o lucro, que necessariamente teria uma margem maior, para compensar a diferença entre o preço real de importação e o preço fictício (inferior) declarado.

Por outro lado, os argumentos aduzidos no relatório, sobre a impossibilidade de avaliar o valor transacional de mercadorias idênticas ou similares ou o valor representativo dos custos de fabrico, lucro e despesas gerais, também não colhem visto que esses argumentos partem de uma premissa que já se considerou ser inaceitável, isto é, partem de um raciocínio abstrato de impossibilidade de apuramento do valor transacional e não de uma constatação concreta que requereria, como de resto o art.º 78.º impunha, operações materiais de averiguação de preços de mercadorias idênticas ou similares introduzidas no mercado em regime de livre prática.

Aliás, como sublinha a sentença, a inspeção nem sequer solicitou amostras das mercadorias em causa à recorrente e, acrescentamos nós, outros elementos que pudessem contribuir para a determinação do valor transacional, como de resto impõe o art.º 78.º do CAC e as normas aduaneiras do GATT, que infra, e com mais detalhe, se referirão.

Não tem, portanto, qualquer fundamento a afirmação de ser impossível avaliar o valor transacional de mercadorias idênticas ou similares, desde logo pela singela razão da inspeção “desconhecer” fisicamente a mercadoria a comparar.

Concluiu-se, assim, que a passagem per saltum ao método do último recurso foi ilegal, como de resto já se tinha salientado.” (destaques e sublinhados nossos).

Nesta medida, e contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, mostra-se possível concluir, perfunctoriamente, pela aparência do direito, sem necessidade de produção de prova testemunhal nesse e para esse efeito. Noutra formulação, entende-se provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.

De relevar, in fine, que o Acórdão do TJUE C-291/15, de 16 de junho de 2016, citado pelo Tribunal a quo, tem na sua génese uma situação de falta de colaboração com a Entidade Aduaneira[6], demitindo-se a Requerente do seu dever de colaboração, o que, atenta a matéria indiciariamente provada, não sucedeu no caso vertente.

Sem embargo do exposto, importa, ainda, ter presente que atentando na factualidade indiciariamente provada as razões invocadas pela Entidade Aduaneira para a insusceptibilidade de recurso aos métodos consignados no artigo 74.º do CAU, representam juízos conclusivos, sem a devida explicitação de quais os fundamentos que determinaram a assunção de tal conclusão, o que, perfuntoriamente, também levaria a equacionar a procedência do vício formal de falta de fundamentação.

Aqui chegados, encontramo-nos, assim, perante a existência de deficit instrutório relativamente ao periculum in mora e perante a verificação do fumus boni iuris na vertente positiva da aparência do direito. No concernente à ponderação subsequente de interesses públicos e privados, a sua apreciação, enquanto requisito negativo, está dependente da verificação, a montante, dos outros dois requisitos positivos (periculum in mora e o fumus boni iuris[7]), estando, por conseguinte e face a todo o exposto, inviabilizada a sua apreciação. E por assim ser, não pode manter-se o ajuizado, nesta sede, pelo Tribunal a quo. De resto, in casu, a sua análise e fundamentação encontrava-se alicerçada numa realidade que ficou, inteiramente, por provar “falta de demonstração do relevante comprometimento da atividade profissional do Requerente”.

Face a todo o expendido, resulta inequívoco que é a falta de verificação do pressuposto do periculum in mora que compromete irremediavelmente o pedido cautelar deduzido, pelo que, a dilucidação dos factos relativos a esse requisito apresenta-se essencial para aferir da correta decisão de Direito a proferir.

O mesmo é dizer que sem antes se esclarecer a factualidade relevante quanto a esse pressuposto, não poderá recair a solução de Direito.

Em consequência, em face de todo o exposto assiste razão ao Recorrente quanto dirige censura à sentença, e bem assim ao despacho recorrido quanto à dispensa da prova testemunhal, em violação do disposto no nº 3 do artigo 118.º do CPTA, o que acarreta a revogação da sentença e a baixa dos autos para que seja produzida prova relativamente ao periculum in mora, sobre os factos controvertidos alegados nos respetivos articulados, que sejam essenciais para a decisão a proferir.

Uma nota final e ex oficio, relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Neste particular, importa convocar o Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, segundo o qual : “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns – encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, ex oficio a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO e em revogar a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos para a produção de prova testemunhal relativamente ao periculum in mora.

Custas pela Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de junho de 2020

 (Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


____________________________
[1] Conforme claramente enuncia o recente Acórdão do STA, proferido no processo nº 0503/14, de 06.02.2019.
[2] Mário Aroso de Almeida Comentário ao CPTA, 2017, p.961 e 962.
[3] In Ob. Cit, p.958.
[4] E não artigo 77.º, como por lapso se evidenciou.
[5] Vide Mário Aroso de Almeida Ob. Cit. p. 427.
[6] Vide, designadamente, ponto 14.
[7] Como doutrina Mário Aroso de Almeida, in ob. Cit. p. 975 “[o] nº 2 vem acrescentar uma cláusula de salvaguarda neste domínio, permitindo que, no interesse dos demais envolvidos, a providência ainda seja recusada quando, pese embora o preenchimento, em favor do requerente, dos requisitos no nº1, seja de entender que a sua adoção provocaria danos (ao interesse público e/ou de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles que se pretenderia evitar que fossem causados (à esfera jurídica do requerente).