Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01931/07
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/17/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
RETENÇÃO NA FONTE.
DIREITO COMUNITÁRIO.
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS.
Sumário:1. A Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio regular a retenção na fonte dos lucros distribuídos entre uma sociedade afiliada e a sociedade-mãe, com domicílio fiscal em um dos diversos países membros da União Europeia, tendo em vista criar condições análogas às de um mercado interno e facilitar os agrupamentos de sociedades à escala comunitária;
2. Tal directiva veio impor aos Estados-membros que a distribuição de lucros não se encontra sujeita à retenção na fonte, salvo se necessário para prevenir fraudes e abusos, e autorizou a derrogação desta não retenção a três países, entre os quais a Portugal, em que permitiu tal retenção por razões orçamentais, por oito anos, com a taxa máxima de 15% nos primeiros cinco e de 10% nos restantes três anos;
3. A legislação nacional ao transpor para a ordem interna tal Directiva, tem de respeitar o seu texto e o seu espírito, não lhe podendo ser contrária, sob pena da sua violação e não poder ser aplicada, tendo em conta a primazia na ordem constitucional do direito comunitário sobre o direito interno;
4. A verificação do pressuposto substantivo de que a beneficiária dos lucros distribuídos tem domicílio fiscal em um outro Estado-membro, tal como dos demais requisitos, não foi directamente regulado no texto da Directiva, tendo o legislador nacional, em complemento da texto da mesma, vindo regular tais requisitos, os quais assim instituiu como elementos constitutivos do direito à redução da taxa de retenção para 10%, no caso, que assim não pode ser feita a posteriori, pelo que o certificado entregue à posteriori não retroage nos seus efeitos à data da ocorrência do facto tributário gerado pelo pagamento desses lucros;
5. O reconhecimento e funcionamento do regime fiscal decorrente de benefícios, maxime de natureza fiscal tem, em geral, carácter meramente declarativo, salvo se o legislador lhe atribuir o efeito constitutivo - art.° 4.° n.°2 do EBF de então.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.a Secção)do Tribunal Central Administrativo Sul:
A. O Relatório.
1. ..................... Portuguesa - Sociedade Unipessoal, Lda, actualmente ........................ Portugal Unipessoal, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa II, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por acórdão de 9.5.2007, transitado em julgado, se declarou incompetente em razão da hierarquia para do mesmo conhecer, por a competência para o efeito se radicar neste Tribunal, para onde os autos vieram a ser remetidos, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na integra se reproduzem:
A) O fundamento para a prolação do acto tributário sindicado prende-se com o incumprimento, por parte da ora Recorrente e da .............. SA, do preceituado no n.º 8 do artigo 75° do CIRC que faz depender a aplicação da taxa de retenção na fonte de 10% do requisito prévio da posse de declaração autenticada por parte das autoridades fiscais de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, in casu, a ..................SA;
B) Como resulta da leitura da sentença ora recorrida, o Meritíssimo Tribunal a quo defende o entendimento em conforme a declaração prevista nos n.° 7 e 8 do artigo 75. º do CIRC reveste natureza constitutiva do direito à aplicação do benefício fiscal conferido pela Directiva n.° 90/435/CEE, de 23 de Julho de 1990;
C) Na óptica da Administração Tributária e do Meritíssimo Tribunal a quo, a declaração prevista no artigo 75° do CIRC reveste natureza constitutiva do direito, pelo que a sua entrega fora de prazo preclude o acesso aos benefícios da Directiva;
D) A questão decidenda que se coloca a este Venerando Tribunal é determinar se a legislação interna portuguesa, mormente os n° 7 e 8 do artigo 75° do CIRC (na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos tributários) - ao fazer depender a aplicação da Directiva, da prévia apresentação da declaração emitida por parte das autoridades fiscais do outro Estado Membro, negando a aplicabilidade da Directiva em todos os casos em que a referida declaração for posterior ao pagamento dos rendimentos - se mostra conforme com o direito comunitário;
E) O reconhecimento dos benefícios fiscais terá efeito meramente declarativo, retroagindo os seus efeitos à data do preenchimento dos pressupostos materiais de acesso aos benefícios fiscais;
F) Parece claro, em termos teóricos, que a emissão de um certificado de residência fiscal apenas poderá revestir natureza meramente declarativa, retroagindo os seus efeitos para o passado, ou seja à data em que foi efectuado o pagamento dos rendimentos sujeitos a retenção, desde que este seja identificado no referido certificado e efectuado no ano nele referido;
G) A apresentação tardia da prova da não residência não pode precludir de forma definitiva e irreparável o direito à aplicação das taxas da retenção previstas na Directiva, uma vez que o acto administrativo de passagem da certidão é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos da Directiva, posto que emitido através de um procedimento especial, como admite o art. 4°, n.° 2, do EBF;
H) O regime previsto no artigo 69° do CIRC decorre de um regime excepcional e de uma derrogação provisória concedida ao Estado Português, sendo certo que constitui Jurisprudência assente do TJCE que as medidas de natureza excepcional deverão ser interpretadas de forma restritiva (cfr. Acórdão Denkavit, de 17.10.96, Processo n.° C-283/94 e Processos apensos n. ° C-291/94 e C-292/94);
I) A Directiva cria ao Estado Português uma "obrigação de resultado", que se traduz em este não poder exigir a retenção na fonte a maior percentagem de imposto do que os 10% referidos no artigo 5 n.° 4, sendo certo que a "obrigação de resultado" em causa não está subordinada a qualquer reserva ou condição e não carece, pela sua própria natureza, da adopção de quaisquer medidas destinadas a completá-la e a possibilitar a sua aplicação pelos tribunais portugueses;
J) A Directiva não autoriza os Estados Membros a Introduzirem outros requisitos para além dos casos especiais de normas anti-abuso;
K) A interpretação que o Douto Tribunal recorrido faz ias normas constantes do n.° 7 e 8 do artigo 75.° do CIRC, vai no sentido de considerar adequado e justificado que a aplicação dos benefícios previstos na Directiva dependam, integralmente, da entrega do impresso oficial autenticado pelo Estado da residência do titular dos rendimentos, mesmo que materialmente, se mostrem preenchidos todos os requisitos previstos na referida Directiva;
L) A legislação portuguesa, ao fazer depender a aplicação da Directiva de um requisito de natureza formal, sem qualquer possibilidade de prova posterior ou mesmo qualquer mecanismo de reembolso, verificados que estejam os demais pressupostos da Directiva, viola este diploma comunitário, quer na sua letra quer no seu espírito;
M) A Recorrente e a Casa Mãe preenchem todos os requisitos materiais para a aplicação da Directiva, tendo sido efectuada a devida prova pela Recorrente em sede própria;
N) A jurisprudência do TJCE foi-se igualmente consolidando no sentido de que, observadas determinadas condições, também a directiva comunitária poderá produzir efeitos imediatos - - susceptíveis de tutela jurisdicional -- na esfera jurídica dos particulares (cfr. Acórdão Van Duyn, de 04.12.1974, Processo n.° 41/74 e Acórdão Ratti, de 12.07.1979, Processo n.° 148/78);
O) Na óptica do Tribunal a quo, os normativos ora controvertidos encontram-se legitimados pelo n. ° 2 do artigo 1.° da Directiva;
P) Entende a Recorrente que as normas do CIRC constituem uma restrição ilícita à aplicação da Directiva e, consequentemente, à própria liberdade de circulação de capitais e pagamentos prevista no artigo 56.° do TCE;
Q) A distribuição de dividendos efectuada pela ora Recorrente à sua sociedade-mãe é passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção da própria Directiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988;
R) O TJCE tem entendido que será de aceitar a aplicabilidade de normas de direito interno que Introduzam medidas restritivas à aplicação do direito comunitário (mormente sobre as quatro liberdades fundamentais) contanto que as mesmas sirvam um interesse público legítimo e sejam proporcionais ao objectivo prosseguido (a denominada "rule of reason");
S) Será necessário, em tal hipótese, que a referida norma seja adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e não ultrapassasse o que é necessário para atingir esse objectivo (ver designadamente acórdãos de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, -C-250/95, Colect., p. 1-2471. n. ° 26, e de 6 de Junho -de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. l- 4071,,n.° 43);
T) Ainda que os Estados Membros gozem de alguma discricionariedade no estabelecimento de normas internas anti-abuso, as mesmas deverão ser passíveis de passar o crivo jurisdicional da adequação e proporcionalidade;
U) Podemos concluir pela análise das decisões anteriores do TJCE sobre a admissibilidade de aplicação de medidas restritivas à aplicação do Direito Comunitário, que a aplicação de uma norma nacional que tenha o intuito de prevenir a fraude fiscal e o abuso, nunca poderá ter um aplicação "cega", tendo obrigatoriamente de considerar o caso concreto, pois apenas assim se verificará a sua adequação ao objectivo que pretende atingir (vide o Acórdão Kefalas, de 12 de Maio de 1998, processo C-367/96);
V) O TJCE entende que, no âmbito da Directiva, a aplicação de cláusulas anti-abuso, por parte dos Estados Membros, que consubstanciem restrições à aplicação do direito comunitário substantivo, devem ser aceites apenas de uma forma restritiva;
W) Na óptica da Recorrente, e atenta a Jurisprudência consolidada do TJCE, as normas do CIRC consubstanciam uma restrição ilegal à aplicação dos benefícios previstos na Directiva, constituindo um entrave ilegítimo à livre circulação de capitais prevista no artigo 56.°doTCE:
X) Inexiste nos presentes autos, nem tal circunstância foi alguma vez invocada pelas autoridades fiscais portuguesas, qualquer indício de utilização abusiva ou fraudulenta por parte da Recorrente e da sua sociedade-mãe da Directiva;
Y) Ao não permitir a prova posterior da qualidade de residente do beneficiário dos pagamentos, sempre se há-de admitir que o artigo 75° do CIRC é materialmente desconforme com a Directiva e com o Direito comunitário, violando de forma ostensiva a Directiva, o princípio da proporcionalidade e do primado do direito internacional face ao direito interno;
Z) A norma prevista no antigo artigo 75° do CIRC estabelece um mecanismo "cego" e automático, insusceptível de introduzir no procedimento tributário qualquer critério de avaliação ou ponderação dos riscos de elisão fiscal que precisamente se pretende combater;
AA) Ainda que existisse um mecanismo destinado a garantir o reembolso do imposto indevidamente suportado, sempre se dirá que a entidade beneficiária dos rendimentos ver-se-ia constrangida a suportar a perda financeira decorrente da privação do imposto que lhe foi retido na fonte em Portugal, o que de par si também se afigura de duvidosa conformidade com a Directiva;
BB) Tudo ponderado, sempre se há-de entender, que, no caso sub judice o preceito do CIRC melhor identificado neste articulado n.° 7 e 8 do antigo artigo 75° -, viola a Directiva a Constituição, constituindo ainda uma restrição ilegal ao artigo 56. ° do TCE, uma vez que o legislador português condiciona em termos efectivos a isenção de retenção na fonte aplicável à distribuição de dividendos no espaço comunitário ao cumprimento de obrigações acessórias claramente desproporcionadas, com a sua função probatória e de prevenção da evasão fiscal, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de declaração da desconformidade dos referidos preceitos legais com o Direito Comunitário e consequente anulação do acto tributário objecto dos presentes autos de Recurso.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os Venerandos Conselheiros deste mui douto Tribunal assim o julgarem no seu douto juízo, deve o recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a Douta Sentença recorrida, tem como o acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, referente a IRC do exercício de 1998.

Para o efeito, e tendo em conta que se trata de matéria atinente à validade de actos perante a legislação Comunitária e o Tratado da UE, requer-se, desde já, ao abrigo do artigo 234.° do TCE, o reenvio prejudicial dos presentes autos para o Tribunal da Justiça das Comunidades Europeias, tudo com as demais consequências legais.

Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 340 a 342, pronunciando-se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso ou, se restarem dúvidas quanto à aplicação da referida Directiva, é de parecer que deve proceder-se ao reenvio prejudicial ao TJCE.

Foram colhidos os vistos dos Exmos Juizes Adjuitos.

B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a taxa de retenção na fonte dos lucros distribuídos à casa-mãe, pela ora recorrente, é a de 10% ou antes deve ser a de 25%.

3. A matéria de facto.

Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1 - No ano de 1998 a impugnante, "………. Portuguesa -Sociedade Unipessoal, Lda.", com o n.i.p.c. ……….., era sujeito passivo de I.R.C. no regime geral de tributação, devido ao exercício da actividade de comércio por grosso de pneus e câmaras de ar, CAE 50300, estando colectado no 4° Serviço de Finanças de …… (cfr. documentos juntos a f Is. 88 a 96 dos presentes autos e a fls. 41 do apenso de reclamação);
2 - Desde 19/12/1997 e durante todo o ano de 1998, o capital social da sociedade impugnante era detido na totalidade pela empresa "………, S.A.", a qual tinha residência fiscal no Luxemburgo (cfr. documentos juntos a fls. 13 a 20 e 30 do apenso de reclamação) ;
3 - Através de deliberação datada de 21/9/1998, a sociedade impugnante aprovou o pagamento de lucros no montante de € 929.172,65 à empresa "…………, S.A.", única detentora do seu capital social (cfr. documento junto a fls. 20 dos autos);
4 - Em 19/10/1998, cumprindo a deliberação identificada no n°. 3, a impugnante procedeu ao pagamento de dividendos à empresa "……….., S.A.", no montante de € 929.172,65, tendo retido na fonte I.R.C. na quantia de € 92.917,27, calculado à taxa de 10%, do qual fez entrega nos cofres do Estado em 20/10/1998, através da guia de pagamento modelo 42 (cfr. documentos juntos a fls. 19 dos presentes autos e 33 do apenso de reclamação);
5 - Em 28/10/1998, a impugnante procedeu à entrega da declaração modelo 130 junto da A. Fiscal, na qual identifica a operação de pagamento de dividendos mencionada no n°.4, tal como a retenção na fonte de imposto calculado à taxa de 10% (cfr. documento junto a fls. 18 dos autos);
6 - Juntamente com o modelo 130 a que alude o n°. 5. a impugnante não enviou à A. Fiscal o certificado de residência fiscal da entidade beneficiária dos rendimentos (cfr. termo de declarações de representante da impugnante junto a fls. 23 do apenso de reclamação);
7 - Em 28/5/1999, a impugnante entregou junto dos serviços da A. Fiscal a sua declaração m/22, respeitante a I.R.C. do exercício de 1998, tendo apurado imposto a pagar no montante de € 183.204,79 (cfr. documentos juntos a fls. 88 a 96 dos presentes autos);
8 - Em 26/11/2002, com base em análise interna à declaração modelo 130 identificada no n°. 5, a A. Fiscal efectuou a liquidação de I.R.C. n°. ………, a qual deriva da aplicação indevida da taxa de 10% prevista no art°. 69, n°. 2, al. c), do C.I.R.C, sem que fosse apresentado o certificado de residência da entidade beneficiária dos rendimentos previsto no art°. 75, n°s, 7 e 8, do mesmo diploma, assim sendo de aplicar a taxa de 25% a tal operação de pagamento de dividendos, pelo que são devidos €139.375,89 de imposto, acrescidos de €53.688,36 de juros compensatórios, a pagar pela sociedade impugnante até 8/1/2003 (cfr. documentos juntos a fls. 22 e 25 do apenso de reclamação; informação exarada a fls. 35 a 40 do apenso de reclamação);
9 - Em 4/12/2002, a sociedade impugnante foi notificada da liquidação de I.R.C identificada no n.º8 (cfr. documento junto a fls. 24 do apenso de reclamação; informação exarada a fls. 31 do apenso de reclamação);
10 - Em 27/12/2002, ao abrigo do regime previsto no Dec. Lei 248-A/2002, de 14/11, a impugnante efectuou o pagamento em singelo da liquidação identificada no n.8 (cfr. documentos juntos a fls. 26 a 28 do apenso reclamação; informação exarada a fls. 31 do apenso de reclamação);
11 - Em 1/4/2003, o impugnante apresentou reclamação graciosa, dirigida ao Director Distrital de Finanças de Lisboa, na qual pede a anulação da liquidação identificada no n°.8 (cfr. data aposta a fls. 2 do apenso de reclamação graciosa);
12 - Em 10/2/2004, a reclamação referida no n.º11 foi, indeferida totalmente através de despacho, no qual se concorda a informação e pareceres prévios ( cfr. documentos juntos a fls. 44 a 51 do apenso de reclamação graciosa);
13 - Em 17/2/2004, a impugnante foi notificada do despacho de indeferimento identificado no n.º12 ( cfr. documentos juntos a fls. 52 e 51 do apenso de reclamação graciosa);
14 - Em 2/3/2004, deu entrada neste Tribunal a impugnação apresentada por "G................Portuguesa – Sociedade Unipessoal Lda.", tendo por objecto a liquidação identificada no n° 8 (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 2 dos autos) ;
15- O certificado de residência da entidade beneficiária dos rendimentos que se refere o n°. 6 a relativo à sociedade "............ S. A.", foi emitido pelas autoridades fiscais luxemburguesas em 12/12/2002 (cfr. documento junto a fls. 30 do apenso de reclamação);
16 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo do documento junto a fls. 29 do apenso de reclamação .
X
Factos não provados
X
Dos factos constantes da presente impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da decisão de facto.
X
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apensos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida, considerou o M. Juiz do Tribunal "a quo", em síntese, que a Directiva 90/435/CEE, de 23.7.1990, transposta Dará o direito interno português pelo Dec-Lei n.° 123/92, de 2 de Julho, regulam o regime comum aplicável aos lucros distribuídos por sociedades afiliadas a sociedades-mãe de Estados comunitários diferentes e que prevêm que a sociedade afiliada só pode reter na fonte a taxa de 10% sobre o lucro em causa se a beneficiária fazer a prova de que se encontra em condições de beneficiar da mesma (apresentando, entre outros documentos, o certificado de residência fiscal) ; caso contrário, não tendo tal prova sido feita, como no caso não foi, então não lhe pode ser aplicável tal taxa, mas sim a do art.° 69.° n.°2 do CIRC, de 25%, revestindo tal requisito natureza constitutiva desse direito (retenção na fonte de 10%) , secundando a posição que a AF também aplicou na liquidação em causa e impugnada na presente impugnação judicial.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, os n.°s 7 e 8 do art.° 75.° do CIRC, na redacção em vigor à data do facto tributário, ao fazer depender a aplicação da Directiva à apresentação de declaração emitida por parte das autoridades fiscais do outro Estado membro não e mostra conforme com esse mesmo direito comunitário, antes e devendo reconhecer carácter meramente declarativo a tal certificado de residência, que sempre pode ser apresentado, retroagindo os seus efeitos para o passado, sendo que no caso tal certificado pode vir a ser apresentado posteriormente sara conferir o direito a tal retenção de 10%, como foi, sendo que, entendimento contrário, é violador do regime de livre circulação de capitais.
Por outro lado, a Directiva cria para o Estado Português uma "obrigação de resultado", que se traduz em este não poder exigir uma retenção na fonte a taxa superior à de 10%, previsto no seu art.° 5.° n.°4, não sendo necessário qualquer outro acto para que a mesma seja aplicada pelos tribunais portugueses, sem quaisquer reservas ou condições.

Vejamos então.

Como se pode ler do preâmbulo da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes, a mesmo teve como pressupostos:
Considerando que os agrupamentos de sociedades de Estados -membros diferentes podem ser necessários para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e para garantir assim o estabelecimento e o bom funcionamento do mercado comum; que essas operações não devem ser dificultadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais decorrentes das disposições fiscais dos Estados-membros; que importa por conseguinte instaurar, para esses agrupamentos, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional;
Considerando que os agrupamentos em questão podem levar à criação de sociedades-mães e afiliadas;
Considerando que as disposições fiscais que regem actualmente as relações entre sociedades-mães e afiliadas de Estados-membros diferentes variam sensivelmente de uns Estados-membros para outros e são, em geral, menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades-mães e afiliadas de um mesmo Estado-membro; que, por esse facto, a cooperação entre sociedades de Estados-membros diferentes è penalizada em comparação com a cooperação entre sociedades de um mesmo Estado-membro; que se torna necessário eliminar essa penalização através da instituição de um regime comum e facilitar assim os agrupamentos de sociedades à escala comunitária;
Considerando que, quando uma socidade-mãe recebe, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos, o Estado da sociedade-mãe deve:
- ou abster-se de tributar esses lucros,
- ou tributá-los, autorizando simultaneamente esta sociedade a deduzir do montante do seu imposto a fracção do imposto da sociedade afiliada correspondente a estes lucros;
Considerando que, além disso, para garantir a neutralidade fiscal se torna necessário isentar de retenção na fonte, excepto em alguns casos especiais, os lucros que uma sociedade afiliada distribui à sua casa-mãe; que, todavia, se impõe autorizar a República Federal da Alemanha e a República Helénica, devido à especificidade dos seus sistemas de imposto sobre as sociedades, e a República Portuguesa, por razões orçamentais, a continuar a cobrar temporariamente uma retenção na fonte...

E o seu art.°1.°:
1 - Os Estados-membros aplicarão a presente directiva:
- à distribuição dos lucros obtidos por sociedades desse Estado e provenientes das suas afiliadas de outros Estados-membros,
- à distribuição dos lucros efectuada por sociedades desse Estado a sociedades de outros Estados-membros, de que aquelas sejam afiliadas.
2 - A presente directiva não impede a aplicação das disposições nacionais para evitar fraudes e abusos.
E o seu art.°5.°:
1. Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25% no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte.

4. Em derrogação do disposto no n.°l, a República Portuguesa pode cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas suas sociedades afiliadas a sociedades-mães de outros Estados-membros até uma data que não poderá ser posterior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em aplicação da presente directiva.
Sem prejuízo das disposições das convenções bilaterais existentes, celebradas entre Portugal e um Estado-membro, a taxa dessa retenção não pode exceder 15% durante os cinco primeiro anos do período referido no parágrafo anterior e 10% durante os três últimos anos.
….
Pela leitura e interpretação, quer do conteúdo do preâmbulo da citada directiva, quer pelos seus artigos acima citados, deles se pode colher, com segurança, que o propósito da mesma directiva foi, no âmbito da criação para as sociedades, de um regime análogo ao de um mercado interno, e assim facilitar a criação de agrupamentos de sociedades à escala comunitária, tendo como corolário garantir a neutralidade fiscal, não permitir a retenção na fonte na distribuição de lucros, entre a sociedade afiliada e a sociedade-mãe, com domicílio fiscal em um outro Estado-membro, bem como o inverso, nessa mesma distribuição de lucros entre a sociedade-mãe e a sua afiliada, igualmente com domicilio fiscal em um outro Estado-membro.

Veio contudo, na citada norma do seu art.° 5.°, excepcionar deste regime de retenção zero, três Estados-membros, entre eles Portugal, este por razões orçamentais, que podia continuar a efectuar tal retenção, sem contudo ter deixado de balizar, ela própria, os limites dessa retenção, quer no tempo - oito anos a contar da aplicação da directiva - quer a taxa máxima - de 15% até ao quinto ano e de 10% nos restantes três anos.

Tal directiva foi transposta para o ordem jurídica interna portuguesa pelo Dec-Lei n.° 123/92, de 2 de Julho, orno desde logo se pode ler do seu preâmbulo, para entrar em vigor em l de Janeiro de 1992, desta forma tendo vindo complementar o texto da citada directiva nos aspectos por esta não regulados, como seja a forma da prova quanto à residência fiscal da empresa não domiciliada em território português, bem como o tempo em que esta devia ter lugar, introduzindo pelo seu art.° 1.°, no art.° 45.° do CIRC nova redacção em, entre outros normativos, no seu n.°6, com a seguinte redacção:
a) A definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação;
E no art.° 69.° n.°2, alínea c), sob a epígrafe Taxas, com a seguinte redacção:
Lucros que uma entidade residente em território
português, na condições estabelecidas no artigo 2.° da Directiva n.º 905435/CEE, de 23 de Julho de 1990, -coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período, em que a taxa do IRC é de 15% até 31 de Dezembro de 1996, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor, e de 10% desde l de Janeiro de 1997 até 31 de Dezembro de 1999;
E no seu art.º 75.°, nos seus n.°s 7 e 8, o qual tem por epígrafe, Retenções na fonte, com a seguinte redacção o seu n.°7:
Quando seja aplicável o disposto na alínea c) de n.°2 do artigo 69.°, deverá ser feita a prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação, à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a aplicação da taxa aí estabelecida;
E o seu n.°8:
A prova a que se refere o número anterior é feita através de declaração, em duplicado, confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro das Comunidades Europeias de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, devendo o duplicado, acompanhado da relação modelo n.° 130 a que se refere a Portaria 376/90, de 15 de Maio, ser remetido à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

Como resulta dos transcritos artigos, toda a prova atinente à subsunção da entidade beneficiária dos rendimentos ao texto da citada Convenção tem de ser efectuada, perante a entidade que vai colocar tais rendimentos à sua disposição e previamente a tal colocação por força do citado art.° 75.° n.°7 do CIRC, todos esses requisitos, que não à posteriori, constituindo assim, uma feição constitutiva para a entidade beneficiária poder obter no caso, a taxa de retenção de imposto na fonte de apenas 10%, entre os quais se inclui pois, o certificado de residência no outro Estado membro passado pelas entidades competentes que, não o tendo feito, como não se encontra em causa, a sua situação não se encontra subsumível ao regime da citada Convenção, não beneficiando pois do respectivo regime nela contido, pelo que a retenção na fonte teria de ser efectuado pelo regime geral, como foi, que assim não enferma da ilegalidade apontada.

É certo que a norma do art.° 4.° n.°2 do EBF, na redacção então vigente, correspondente à do art.° 5.° n.°2 na republicação introduzida pelo Dec-Lei n.° 108/2008, de 26 de Junho, atribuem como regra, ao reconhecimento dos benefícios fiscais, o efeito de meramente declarativo (salvo quando a lei dispuser o contrário), pelo que, ela própria, consagra ampla margem de liberdade ao legislador para ao contrário dispor, como dispôs, que assim a não afronta, antes com ela se compagina, pelo que no caso, uma vez não entregue previamente à colocação de tais rendimentos à disposição da entidade beneficiária, o citado certificado de domicílio fiscal passado pelas autoridades fiscais do Estado-membro da sociedade-mãe (cfr. pontos 6. e 15. da matéria de facto provada), não lhe pode aproveitar o apenas emitido em 12.12.2002, que assim não pode retroagir nos seus efeitos à data da distribuição dos mesmos lucros à referida sociedade, orno também se entendeu na sentença recorrida, desta forma não se encontrando efectuada a aludida prova de domicílio fiscal da referida sociedade-mãe em um outro Estado-membro antes da data de tal entrega, pelo que a taxa de retenção é a de 25%, como foi aplicada, que não de 10%, como pretende a recorrente, que assim se não mostra ilegal.

É certo que as directivas, em certas condições, são de aplicação directa nos Estados-membros e podem ser invocadas pelos particulares sujeitos das relações jurídicas reguladas pelo direito comunitário, cuja primazia lhes advém do disposto no art.° 8.° n.°4 da Constituição da República Portuguesa (redacção da Lei Constitucional n.° 1/2004, de 24 de Julho) , como constitui jurisprudência fixada, quer deste Tribunal, quer do Tribunal de Justiça das Comunidades, como se pode ver, quer dos acórdãos citados pela recorrente, quer dos enumerados no acórdão deste Tribunal de 22.5.2007, recurso n.° 1685/07 (de que o ora Relator foi 1.° Adjunto), no seguimento da teoria do acto claro, em que o TJCE então se pronunciou no seu acórdão de 6.10.1982, tirado no caso CILFIT, em que quando a norma comunitária aplicável se apresente perfeitamente clara, não suscitando qualquer dificuldade de interpretação, em honra ao velho princípio jurídico segundo o qual in claris nonfit interpretado, logra aplicação directa na ordem jurídica do Estado membro, em detrimento de eventual lei nacional que em contrário disponha.

Mas não é isto que acontece no caso dos autos.
A Directiva em causa, ela própria, não regula todos os aspectos para que veio contemplar a não retenção na fonte, ou retenção inferior, dos rendimentos distribuídos entre sociedades afiliadas e sociedades-mãe, desta forma não podendo ser directamente aplicável no Estado-membro sem uma intervenção legislativa do legislador do Estado-membro para colmatar as faltas e insuficiências da Directiva, como seja a propósito do que entende por domicilio fiscal e o momento em que este e outros requisitos necessários à aplicação da Directiva, devem ser apresentados.

E foram estes e outros aspectos que o legislador nacional veio regular pelo citado Dec-Lei 123/92, de 2 de Julho, como acima se transcreveu, que assim complementam o texto da Directiva, surgindo como requisitos necessários à respectiva aplicação, não podendo, contudo, este texto complementar do legislador nacional revogar ou limitar o âmbito e conteúdo do próprio texto da directiva, sob pena de lhe ser desconforme e nessa medida não poder ser aplicado pela ordem jurídica nacional como acima se disse, antes cabendo ao legislador nacional desenvolver uma regulamentação complementar que seja harmoniosa com o sentido e alcance do texto da mesma directiva, como no caso entendemos que aconteceu, pelo que a mesma não pode deixar de ser aplicada por este Tribunal.

Também não se vê que o legislador nacional, ao assim ter legislado na transcrição e requisitos para que o regime da citada Directiva pudesse se aplicado na ordem jurídica interna portuguesa possa constituir restrição ilícita à liberdade de circulação de capitais e ao próprio art. ° 56.° do TCE, violando o princípio da proporcionalidade, como invoca a recorrente, quando o que se tratou foi de complementar o texto da mesma Directiva ou, em outros casos, preencher conceitos em branco que a mesma continha, sem ultrapassar os limites impostos pelo mesmo texto, quer na sua letra, quer também, no seu espírito, crê-se, antes a própria ora recorrente só de si própria se poderá queixar, ao não ter apresentado em tempo o citado certificado de residência fiscal para assim poder beneficiar da retenção do imposto à taxa de apenas 10% nos lucros a si distribuídos pela sua afiliada com estabelecimento em Portugal.

Improcedem assim todas as alegações do recurso da recorrente, pelos fundamentos supra, sendo de negar provimento ao recurso e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, não sendo também de proceder ao reenvio a título prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades, para conhecimento das citadas questões, por não se nos afigurarem carecidas de qualquer interpretação do mesmo Tribunal.

C. DECISÃO.

Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em oito UCs.
Lisboa,17 de Fevereiro de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
ASCENSÃO LOPES (Votei a decisão, sem prejuízo de melhor estudo quanto à questão de a legislação Nacional poder introduzir exigência de requisitos a que a Directiva não faz referência)
JOSÉ CORREIA