Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5930/12.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
PRORROGAÇÃO DE PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES DE RECURSO
NULIDADE SECUNDÁRIA
JUROS COMPENSATÓRIOS
IRC / INDISPENSABILIDADE DOS CUSTOS
Sumário:I - As alegações de recurso, não se integram no conceito de articulado nos quais, a lei admite a prorrogação de prazo, nas situações em que haja impossibilidade, ou anormal dificuldade, de organização da defesa, o que, sem esforço, se entende, já que aqui se está na fase inicial do processo onde vigora o princípio da preclusão, cfr. artigo 489º do CPC na redação coeva.
II - A falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios, constitui nulidade secundária prevista, à data, no n.º 1 do artigo 201.º do CPC, coevo, (atualmente no 195.º do mesmo diploma legal) já que se trata de uma irregularidade capaz de influir no exame e decisão da causa, obstando à possibilidade de impugnar em sede de recurso da sentença, o julgamento da matéria de facto, com fundamento na prova gravada.
Este tipo de nulidade tem que ser arguida pela parte através de reclamação.
III - Nos termos do artigo 23º do CIRC, na redação ao tempo, um custo é fiscalmente dedutível se estiver comprovado e for indispensável para a realização dos proveitos.
IV - A indispensabilidade dos custos assenta numa conexão objetiva da empresa, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse desta, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros, face ao respetivo objeto societário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A....., LDA., [sucessora, por fusão, da H....., Lda.], deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), de 1996, no montante global de € 1.706.596,48.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de maio 08 de junho de 2011, julgou parcialmente procedente a impugnação e, em consequência, determinou a anulação do ato de liquidação impugnado na parte referente aos artigos para ofertas e, na totalidade, os juros compensatórios.

Desta decisão foi interposto recurso por ambas as partes nos termos previstos nos artigos 280.º a 282.º do CPPT (1)


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A FAZENDA PÚBLICA apresentou alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

1. «Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória da I. procedência parcial da impugnação deduzida relativamente à liquidação adicional de IRC n° 2001 83….., referente a imposto e juros compensatórios do exercício de 1996, no montante de 342.141.876$00 (€1 706 596,48).

II. A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação em referência, relativamente às correcções meramente aritméticas que alteraram o lucro tributável do exercício de 1996, na parte relativa a artigos para oferta e juros compensatórios, fazendo errada aplicação das leis.

III. O juiz “a quo”, no que respeita aos vícios alegados pela impugnante na liquidação, nomeadamente o prazo para audiência prévia ser insuficiente para o exercício de defesa e à ilegalidade das correcções meramente aritméticas relativas Deslocações e Estadas e Publicidade e Propaganda, decidiu pela inexistência de tais vícios tendo a impugnação improcedido nesta parte.

IV. No entanto, no que respeita às despesas de aquisição de “Artigos para oferta”, no montante de 122 834 407$00, que os Serviços de Inspecção Tributária não aceitaram como custo fiscal de acordo com o art. 23° do CIRC, entendeu a douta sentença recorrida que:

“Atendendo ao depoimento das testemunhas e ao teor dos documentos, juntos aos autos a fls. 71 a 91, não impugnados, que demonstram a aquisição pela Impugnante de artigos destinados a oferta e que estão relacionados com a actividade da Impugnante (por exemplo: assinatura anual de revistas cientificas, livros médicos, estetoscópio, otoscópio, etc.), e nalguns identificam o destinatário (cf. fls. 73) entendo dever-se aceitar fiscalmente como custo, nos termos do artigo 23°, n° 1 do CIRC, as ofertas indicadas no documento n° 5, no montante de 10 109 352$00, por a Impugnante ter provado a indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos”

V. Com o devido respeito e salvo melhor opinião não concordamos com tal decisão, pelo que contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação:

VI. A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se os encargos relativos a Artigos para Oferta foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva e como tal devem ser considerados custo fiscal.

VII. Nos termos do artigo 23° do CIRC. só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

VIII. O artigo 17° n° 1 do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).

IX. E para definir o grupo dos elementos negativos que o artigo 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

X. A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre ser a causa é ou não empresarial.

XI. A lei exige que a empresa prove, não só que adquiriu os bens que contabilizou como "ofertas", mas que os ofereceu e que essas ofertas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da força produtora e tal I. só é possível se a empresa provar quem foram os beneficiários de tais bens e a relação dessas ofertas e a actividade desta.

XII. Um custo, para ser relevante fiscalmente tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

XIII. Neste sentido já existe jurisprudência, mormente o Acórdão do TCA de 21-04-1998, no Recurso n° 80/97 onde se afirma: “a lei exige que a empresa prove, não só que adquiriu os bens que contabilizou como “ofertas ”, mas que os ofereceu e que essas ofertas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da força produtora (não havendo qualquer indispensabilidade “ex lege ”, isto ainda que se considerem tais custos enquadráveis na alínea b) do n° 1 do art.23° do CIRC, já que a enumeração exemplificativa dos encargos referidos nas diversas alíneas do art.26° do CCI, não dispensa a prova da indispensabilidade desses encargos, exigida no corpo dos citados preceitos legais), e, (...), tal só é possível, se a empresa provar quem foram os beneficiários de tais bens e a relação dessas ofertas e a actividade desta, e nenhuma prova foi feita nesse sentido. A ser assim, estaria aberta a porta para empresários, com menos escrúpulos em seu próprio proveito ou de terceiros, bens de elevado valor, como ofertas e deduzindo-os como custos, sem qualquer interesse para a empresa e em prejuízo da Fazenda Pública, sem qualquer controle pela Administração Fiscal”

XIV. E continua o referido aresto: “E não se diga, que para a empresa seria impossível (penso que se queria dizer inconveniente, já que destinando-se ofertas, como refere, a clientes e fornecedores, não se vê que impossibilidade haveria), identificar os beneficiários de tais ofertas, por alegadas razões de decoro social ou discrição, pois tal explicação surge incompreensível, podendo até levantar suspeitas e eventualmente passíveis de censura penal. Na verdade, não há razão para esconder aquilo que a lei permite, e a lei permite ofertas a clientes, fornecedores e trabalhadores, quando comprovada a sua indispensabilidade para realização dos proveitos e manutenção da força produtora, a não ser que sejam outros os objectivos... ”

XV. Concluindo: “Não tendo provado a indispensabilidade dos custos em causa, nos termos referidos, como lhe competia, e não podendo, na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efectivo, ser tido em conta um encargo não devidamente comprovado como indispensável, como decorre do n° 1 do art.23° e da alínea h) do n° 1 do art.4l° do CIRC, não podia o mesmo ser aceite pela Administração fiscal ”

XVI. No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, a AT questionar essa indispensabilidade.

XVII. E que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cf. Acórdão do TCA, de 26/06/2001, Recurso n° 4736/01).

XVIII. No mesmo sentido afirma Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado, 2a edição): “o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74° n° 1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário... ”.

XIX. Aplicando tal doutrina ao caso dos autos a verba no montante de 122 834 407$00 que a impugnante considerou como custo a título de ofertas, foram desconsideradas pela AT dado que não foram identificados os seus destinatários, não sendo possível aferir da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos.

XX. O facto de a impugnante desenvolver a actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos, só por si não justifica que a “oferta” de material relacionado com a actividade médica indicada no documento 5, no montante de 10.109.352$00 (por exemplo: assinatura anual de revistas cientificas, livros médicos, estetoscópio, ortoscópio, etc.) prove a indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos.

XXI. Nem tão pouco comprova o tipo de relações existentes entre a Impugnante e os destinatários daquelas ofertas.

XXII. Acresce ainda dizer que o art. 10º do Decreto - Lei 100/94, de 19-04-1994 do Ministério da Saúde dispõe: “ 1 -È proibido ao responsável pela promoção de medicamentos dar ou prometer, directa ou indirectamente ofertas, benefícios pecuniários ou em espécie, com excepção de objecto de valor intrínseco insignificante, e que não estejam relacionados com a prática da medicina ou da actividade farmacêutica”

XXIII. No que respeita aos juros compensatórios incluídos na liquidação adicional, a Impugnante alega não serem os mesmos devidos porquanto esta, não teve por base a omissão de qualquer valor ou a violação de qualquer norma legal por parte da impugnante. mas sim, uma mera diferença de critérios quanto à qualificação de determinadas despesas.”

XXIV. A douta sentença ora recorrida entendeu que:

“O direito a juros compensatórios depende da conjugação de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto, e de outro subjectivo, a culpa do contribuinte. Não basta, pois, o retardamento ligar-se à conduta do sujeito passivo, sendo indispensável um juízo de censura, por dolo ou diligência”

XXV. Entendeu ainda que:

“No caso dos autos, verifico que há uma diferente qualificação de determinadas despesas, se são ou não despesas de representação e consequentemente aceites como custo fiscal na totalidade ou deduzidas de 20%. Está em causa o exercício de 1996, época em que a fronteira entre a aceitação como custo fiscal ou despesa de representação não tinha os contornos actuais. Pelo que, entendo que há uma diferença de critérios de qualificação de determinadas despesas, não existindo um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da Impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios.”

XXVI. O juiz “a quo” considerou ainda que:

“Acresce referir, que é Jurisprudência unânime, que acompanho, que «O acto de liquidação de juros também se encontra sujeito a um mínimo de fundamentação formal, como seja a indicação do período a que respeitam, a taxa de juros aplicável e o montante sobre que incidem» (cf. título de exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n° 04410/10, de 25-01-2011.

“No caso dos autos, na liquidação adicional de IRC, do exercício de 1996, foram liquidados juros compensatórios no montante total de 112 148 534$00com a fundamentação de (art.80° CIRC). Nada mais nos autos consta sobre juros compensatórios. Não foi indicada, o momento do retardamento da liquidação, a taxa de juros aplicada, o período porque incidem.”

XXVII. E conclui: “não há um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da Impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios e há falta de fundamentação nessa liquidação, nos termos supra expostos. Pelo que, entendo não serem devidos juros compensatórios. ”

XXVIII. Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, entendemos que se está perante uma situação de excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 125° do CPPT e 660° e 668, n° 1 alínea d) do C.P.C., bem como de vício de erro de julgamento, senão vejamos:

XXIX. A Impugnante alega não serem devidos juros compensatórios porque a liquidação adicional, não teve por base a omissão de qualquer valor ou a violação de qualquer norma legal por parte da impugnante, mas sim, uma mera diferença de critérios quanto à qualificação de determinadas despesas.

XXX. Ora, a douta sentença considera não serem devidos juros compensatórios atendendo a que não há um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da Impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios e há falta de fundamentação nessa liquidação.

XXXI. Estabelece o artigo 125°, n° 1 do CPPT que: “constituem causas de nulidade da sentença ...a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer ”

XXXII. O vício de falta de fundamentação na liquidação dos juros compensatórios e a falta de culpa na conduta da Impugnante não foram alegados na petição inicial.

XXXIII. “O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de ”ultra petita ”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido) ” (cf. Acórdão do TC A Sul, Processo n° 04506/11, de 7-04-2011).

XXXIV. A causa de pedir pode definir-se como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não bastando a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão para que se verifique o preenchimento de tal exigência legal (cf. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2a edição, Coimbra Editora).

XXXV. O tribunal “a quo” excede manifestamente a análise da causa de pedir formulada pela impugnante dado que não nos encontramos perante matérias de conhecimento oficioso (a falta de fundamentação e a falta de culpa do impugnante)

XXXVI. A douta sentença considera que “há uma diferença de critérios de qualificação de determinadas despesas, não existindo um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios”.

XXXVII. Houve de facto uma diferença de critérios de qualificação de despesas, diferença essa que leva por um lado a Impugnante a considerar certas despesas como custo e por outro a AT a entender que tais custos não reuniam os pressupostos para serem aceites fiscalmente.

XXXVIII. No entanto essa diferença resultou em prejuízo para o Estado, que se traduziu numa liquidação adicional no valor de 342.141.876S00 (€ 1.706.596,48).

XXXIX. Estabelece o n° 8 do art. 35° da LGT que “ os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados

XL. Ora integrando-se os juros compensatórios na dívida do imposto passam a ser uma das suas componentes.

XLI. Os juros compensatórios são devidos quando haja atraso na liquidação por facto imputável ao contribuinte, conforme resulta do disposto nos artigos 102°, n° 1 do CIRC e art.35° da LGT.

XLII. Significa isto que só há lugar a juros compensatórios quando seja devido imposto, sendo, aliás, sobre o montante deste que aqueles são calculados. È assim porque os juros compensatórios se destinam a compensar o Estado pelo atraso na liquidação do imposto devido, constituindo um agravamento ou sobretaxa que acresce a esse imposto.

XLIII. No caso dos autos foi liquidado imposto adicional no montante de 342.141.876$00 (€1.706.596,48) sendo 112.148.534$00 (€ 5.593,95) de juros compensatórios.

XLIV. Assim, a actuação da AT foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos actos tributários, sendo que estes por serem legais, deverão manter-se.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente na totalidade a presente impugnação, assim se fazendo a habitual Justiça.»

No decurso do prazo a que se reporta o n.º 3 do artigo 282.º do CPPT (em 18/07/2011) a impugnante, A....., Lda., vem aos autos requerer “a gravação de cópia do registo áudio (cassete) onde se encontram os depoimentos prestados nas últimas sessões de julgamento dos presentes autos”.

Pedido esse, que foi deferido e as cassetes (duas) remetidas à requerente em 20/07/2011.

Em 08/09/2011 a Impugnante vem, de novo, aos autos dizer que as cassetes se encontram inaudíveis e requerer que lhe seja concedida prorrogação de prazo para apresentação das alegações, nunca inferior 15 dias.

O pedido foi deferido e o prazo concedido por despacho da Mma. Juíza a quo, proferido em 20/09/2011.


»«

Inconformada com esta decisão, a Fazenda Pulica, vem recorrer, em 06/10/2011, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:

« I - Em 20/09/2011 profere a Meritíssima Juiz o seguinte despacho objecto do presente: “Atendendo ao teor de jls. 241 e 242, concedo o prazo de quinze dias contados da presente notificação (negrito nosso) para apresentação de alegações, com envio de novas cassettes com cópia da inquirição de testemunhas (art°. 685.° n.° 7 do Código do Processo Civil ex vi artigo art.° 2.° alínea e) do Código do Procedimento e Processo Tributário).

II - A Meritíssima juiz a quo ao proferir o despacho ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errónea interpretação e aplicação do n°. 7 do art°. 685°. do CPC ex vi al. e) do art.° 2 do CPPT.

III - O Despacho, ora recorrido, encontra-se ferido de “morte” por várias ordens de razão.

IV - Em primeiro lugar a redacção do actual art°. 685°. do CPC aplicável pela Meritíssima Juiz a quo, no referido despacho, resulta das alterações introduzidas pelo D.L. 303/2007 de 24/08 ao Código do Processo Civil.

V - Refere o art°. 11°. do referido Decreto Lei que as disposições do presente decreto-lei não se aplicam a processos pendentes à data da sua entrada em vigor.”, negrito nosso.

VI - Ora os presentes autos, instaurados em 2002, encontravam-se pendentes no momento cm que entrou em vigor a nova (actual) redacção do Código de Processo Civil.

VII - Termos em que a Meritíssima juiz a quo nunca poderia apoiar legalmente o seu despacho numa norma inaplicável aos presentes autos, encontrando-se o mesmo ferido de ilegalidade.

VIII - Em segundo lugar tendo a sociedade impugnante sido notificada da admissão de recurso no dia 19 de Julho de 2011 o prazo de início para apresentação das alegações de recurso iniciou-se no dia 1 de Setembro de 2011 e terminou no dia 15 de Setembro de 2011.

IX - O prazo para apresentação de alegações de recurso é um prazo contínuo atendendo ao n°. 2 do art.° 20.° do CPPT e ao n°. 1 do art°. 144°. do C PC. Trata-se de um prazo peremptório em que o seu decurso extingue o direito do seu autor praticar o acto. 4

X - Como decorre dos art°.s 145 n°. 3 e 147 n°. 1 do CPC aplicável por força da al. e) do art°. 2º. do CPPT o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto e o mesmo só pode ser prorrogado nos casos expressamente previstos na lei.

XI - Na falta de alegações o recurso será considerado deserto nos termos do n°. 4 do art°. 282°. do CPC.

XII - Mas mesmo nas situações previstas no CPC de prorrogação de prazo este soma-se ao prazo inicial, sendo tal prazo dilatado contínuo nos termos do n°. 1 do art°. 144°. do CPC, vide art.° 486.° n°. 5 e 6º. do CPC.

XIII - Assim se admitíssemos que aos presentes autos se poderia aplicar o n°. 7 do art°. 685.° do CPC, na sua actual redacção, ex vi al. e) do art.° 2.° do CPPT ao prazo de 15 dias que terminou no dia 15 de Setembro poderíamos acrescentar no máximo 10 dias, tal como está previsto na referida norma, terminando o prazo para apresentação das alegações no dia 25 de Setembro de 2011.

XIV - Contudo atendendo ao teor do douto despacho ora recorrido verifíca-se que não se trata de uma prorrogação de prazo em virtude ser expressamente referido que é concedido “prazo de quinze dias, contados da presente notificação para apresentação de alegações ”.

XV - Pelo que salvo o devido respeito, e que é muito, mal andou a Meritíssima Juiz a quo quando no dia 20 de Setembro atendendo ao requerimento de fls. 241 e 242 decidiu atribuir novo prazo de quinze dias contados a partir da notificação, daquele despacho, para apresentação de alegações procurando amparo legal no n°. 7 do art°. 685°. do C.P.C.

XVI - Sendo o prazo continuo como resulta do disposto no art°. 144°. do CPC não há que considerar o prazo interrompido por efeito de um requerimento a pedir a entrega das cópias dos depoimentos gravados, existindo a possibilidade legal de ampliação do prazo, por 10 dias no máximo, para a alegação do recurso sempre que este tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, tal como está previsto no actual art. 685.° n.° 7 do CPC.

Termos em que, se requer que seja concedido provimento ao recurso, devendo o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue o recurso deserto por impossibilidade legal do prazo, para apresentar alegações, ser prorrogado.

Porém V.Ex. decidindo farão a costumada justiça.»

Face ao que, a Mma. Juíza a quo, por despacho de 09/12/2011, dando razão à Fazenda Pública, julgou deserto o recurso da impugnante, A....., Lda., nos termos em que, a seguir, parcialmente, se transcrevem:

“DESPACHO

Em 08/06/2011 foi proferida sentença de procedência parcial, nos presentes autos (cfr. fls. 185 a 211).

Por ofícios enviados em 14/07/2011, Impugnante e Representante da Fazenda Publica, foram notificados do despacho de admissão dos recursos apresentados por ambas as partes, proferido em 13/07/2011 (cfr. fls. 220)

Em 18/07/2011, a impugnante solicita que seja autorizada “a gravação de cópia do registo áudio (cassete) onde se encontram gravados os depoimentos prestados nas diversas sessões de julgamento dos presentes autos. A recorrente envia, por via postal, duas cassetes para o efeito” (cfr, fls. 224):

Por mail entrado em 06/09/2011, a Impugnante vem, a fls. 241 e 242 requerer que lhe seja concedida prorrogação de prazo para apresentação das alegações, por as cassetes encontrarem-se inaudíveis.

(…)

Por ofício de 22/09/2011. A Impugnante foi notificada do despacho proferido em 20/09/2011, no qual foi concedido prazo de quinze dias contados da notificação para apresentar alegações com o envio de novas cassetes com cópia da inquirição das testemunhas (cfr. fls. 248 e 254)

Em 06/10/2011, a Impugnante vem requerer a anulação da inquirição de testemunhas nos termos e para os efeitos do artigo 201.º n.º 1 do Código de Processo Civil, por aplicação do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (cfr. fls. 268 e 269)

(…)

Ambas as partes apresentaram requerimento de interposição de recurso da sentença de procedência parcial, proferida em 08/06/2011.

Notificadas do despacho de admissão do recurso, a Representante da Fazenda Publica apresentou as alegações tempestivamente.

A Impugnante, até à data não apresentou as alegações de recurso.

Excecionalmente e de legalidade duvidosa proferi despacho em 20/09/2011, a conceder à impugnante o prazo de quinze dias para apresentação de alegações de recurso, atendendo ao teor dos requerimentos apresentados.

Enviada notificação em 22/09/2011, de concessão de novo prazo (cfr. fls. 254), não foram apresentadas alegações até à presente data.

Consequentemente mostra-se esgotado o prazo para o efeito, previsto no artigo 282.º n.º 3 do CPPT, julgo deserto o recurso apresentado pela impugnante nos termos do n.º 4 daquele preceito.

(…)» - cfr. fls. 301 a 303 dos autos.


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Inconformada com o assim decidido, vem a impugnante, A....., Lda., recorrer para este tribunal, em 23/12/2011, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1) O n.° 1 do art. 20.° da Constituição da República Portuguesa [CRP] consagra, como princípio estruturante do estado de direito, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o qual é entendido como um direito de protecção do particular através dos tribunais, mas também o direito à protecção judicial efectiva perante as próprias decisões dos tribunais.

2) O Despacho em crise exigiu o preenchimento de pressupostos processuais específicos do recurso, desnecessários, não adequados, ou desproporcionados, comprometendo o direito à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente garantido.

3) Donde se conclui, que o Despacho violou o direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

4) O Despacho em crise viola o Douto postulado “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”;

5) O regime a aplicar quando ocorre uma falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios tem, “compulsando a jurisprudência”, os seguintes pontos consensuais:

i) A omissão ou deficiente gravação dos depoimentos são exclusivamente imputáveis aos serviços judiciários (artigo 161.°, n.° 6);

ii) Em termos técnicos tais omissões ou deficiências consubstanciam nulidades;

iii) Se se omitir integralmente a execução material da gravação, tal omissão é perceptível pelo mandatário presente no acto, correndo o prazo para a arguição da nulidade precisamente a partir dessa intervenção na audiência e julgamento;

iv) Se a gravação tiver sido accionada, a solução não poderá ser a mesma, porquanto não se pode pedir a um mandatário normal que indague da correcção dessa mesma gravação no acto.

6) A falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios é uma nulidade secundária, a que se aplicam os artigos 201.°, n.° 1,205.°, n.° 1 e 153.°, n.° 1.

7) Por outro lado, a falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios não é qualquer nulidade da sentença (artigo 668.° CPC) que possa ser atacada por via de recurso ordinário.

8) Assim sendo, o prazo para a arguição só pode ser o prazo de 10 dias previsto nos artigos 153.° e 205.° n.° 1.

9) Tal prazo não se conta a partir do momento da prática do acto, justamente porque a omissão da gravação não foi então perceptível pelo mandatário;

10) Por outro lado, será excessivo entender que a parte pode aproveitar todo o prazo de interposição de recurso do artigo 685.°, n. 1 e 7, para suscitar a nulidade.

11) Segundo um padrão de diligência média, é de aceitar que a parte interessada, que dispõe de um prazo acrescido de 10 dias, para interpor o recurso que tenha por objecto a reapreciação da prova, se possa aperceber, dentro desse prazo, da deficiência da gravação, pelo que é mais razoável que o prazo da arguição se conte a partir da entrega ao mandatário da cópia da cassete ou cassetes.

12) O artigo 9.° do Decreto Lei n.° 39/95, de 15 de Fevereiro, tem, portanto, como baliza o prazo de 10 dias, contados conforme referido, sendo que o disposto no artigo 161.°, n.° 6, não preclude, naturalmente, o ónus de o interessado reclamar tempestivamente eventualmente cometida.

13) Como refere Lopes do Rego, “a não arguição da nulidade, porventura cometida pela secretaria, torna o prejuízo dela decorrente imputável também ao interessado que negligentemente não curou de a reclamar tempestivamente no processo.

14) A impugnante teve uma actuação processual que lhe permite ver atendida a sua reclamação, estando-lhe vedada o recurso que se revele inidóneo para impugnar a omissão registada.”

15) Por requerimento apresentado dia 22.06.2011, com registo dc entrada a 24.06.2011, a requerente declarou, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art. 282.° do CPPT, a sua intenção de recorrer da sentença.

16) Por notificação de 14.07.2011, recebida a 15.07.2011, a impugnante foi notificada da recepção do seu pedido;

17) Por requerimento de 15.07.2011, registado a 18.07.2011, a impugnante, requereu que se dignasse autorizar a gravação de cópia do registo áudio (cassete) onde se encontram os depoimentos prestados nas diversas sessões de julgamento dos presentes autos.

18) Por notificação de 20.07.2011, recebida a 21.07.2011, em plenas férias judiciais, a impugnante foi notificada do envio das cassetes:

19) Em 06.09.2011, no 6.° dia após fim das férias judiciais, por requerimento enviado por mail, a impugnante expos e requereu que as aludidas cassetes encontravam- se inaudíveis, mesmo após diversas tentativas em diferentes aparelhagens de som, requerendo que lhe seja concedida prorrogação de prazo para a apresentação das mesmas, nunca inferir a 15 dias.

20) Concluindo-se que a impugnante, tempestivamente, dá a conhecer ao Tribunal a quo da eventualidade de estarmos perante uma nulidade;

21) Por a juíza titular se encontrar de férias, a Juíza em substituição proferiu despacho no sentido de os autos serem presentes à Juiz titular, no dia do seu regresso de férias.

22) Por ofício de 22/09/2011, a impugnante foi notificada do Despacho proferido em 20/09/2011, no qual não só foi concedido o prazo de quinze dias contados da notificação para apresentar alegações, como também foram enviadas novas cassetes, conforme se descreve supra.

23) Ora, este Despacho admite que:

24) Em primeiro lugar, tem conhecimento da deficiência da audição das cassetes áudio.

25) Em segundo lugar, ao tomar conhecimento desta deficiência de audição, poderia (e devia) o Tribunal ter tomado a iniciativa de fazer a audição das mesmas, suscitando a eventual presença de uma nulidade secundária, a que se aplicam os artigos 201.°, n.° 1, 205.°, n.° 1 e 153.°, n.° 1;

26) Em terceiro lugar, concede o prazo de 15 dias face ao teor dos argumentos apresentados pela impugnante, então recorrente, que justamente tinha alertado tempestivamente para a eventual nulidade.

27) O Tribunal a quo, já ciente tempestivamente da eventual nulidade estribada, informa a impugnante que o prazo de 15 dias era para apresentação de alegações, sem informar que caso se pretendesse arguir a eventual nulidade, o prazo seria de 10 dias, contados a partir da recepção das novas cassetes, nos termos do disposto no artigo 9.° do Decreto Lei n.° 39/95, de 15 de Fevereiro.

28) Nesse sentido, o Despacho do Tribunal a quo aqui referido, no mínimo induz em erro.

29) Entendeu a impugnante que não faria sentido o esclarecimento de tal dúvida por força de dois argumentos óbvios: por um lado, o Tribunal a quo já tinha conhecimento de tal eventual nulidade, por outro lado, o prazo é demasiado curto para obter resposta em tempo útil sobre tal esclarecimento.

30) Em 06/10/2011, dentro do prazo dos 15 dias concedido pelo tribunal a quo, foi apresentado o requerimento da impugnante no qual se reclama da impossibilidade de reapreciação da prova gravada para demonstrar o depoimento das testemunhas sobre tais factos, requerendo-se que seja anulada a inquirição de testemunhas, decorrente da irregular, ou falta, de gravação em condições audíveis dos depoimentos das testemunhas, nos termos e para os efeitos do art. 201.°, n.°1 do Código Processo Civil, por aplicação da alínea e) do art.2.° do CPPT.

31) A actuação da impugnante foi pois, irrepreensível, tempestiva, dentro da boa fé processual e com um máximo de aproveitamento da economia processual.

32) Por estas razões esteve mal a decisão do Despacho ora em crise.

33) Porém, o Despacho ora em crise, não considerou o pedido de anulação da inquirição apresentado pela impugnante intempestivo, por força do não cumprimento do prazo de 10 dias referido pelo disposto no artigo 9.° do Decreto Lei n.° 39/95, de 15 de Fevereiro.

34) O Despacho ora em crise considerou o pedido de anulação da inquirição, apresentado pela impugnante, intempestivo, porquanto considera que o mesmo pedido deveria ser formulado em sede de alegações de recurso no prazo para alegar, pois já foi proferida sentença.

35) Assim, o Despacho considera esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa.

36) O Despacho ora em crise confunde nulidade secundária com o vício especifico da sentença.

37) No caso, estamos perante uma nulidade secundária que deve ser arguida perante o Tribunal em que a nulidade foi cometida, sendo que o facto da sentença haver já sido proferida não tem relevância para o efeito.

38) O disposto n o art. 666.°, n.° 1 do CPC, quando dispõe que, proferida sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria em causa, quer dizer que o dispositivo e os fundamentos em que aquele se apoia são intocáveis, ainda que o Juiz se arrependa logo depois de ter proferido a sentença. No entanto, quanto ao mais, no que concerne à matéria excluída do fundo da causa e sobre a qual não recaiu a decisão, continua o Juiz a poder exercer o seu poder jurisdicional. Continua, por exemplo, o juiz a prever todos os actos relativos à interposição e expedição do recurso, a poder conhecer das nulidades processuais arguidas pelas partes, bem como das nulidades da própria sentença, quando a causa não admita recurso ordinário.

Nada obsta, pois, a que o juiz conheça ... da arguição, conhecimento que em nada contende com as questões decididas na sentença.

39) Já se tem argumentado que, mesmo a prevalecer este ponto de vista, nada se ganha de útil, porque a sentença já não pode ser anulada, em virtude de se não ter interposto recurso dela. Este argumento não colhe. Na verdade, quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.

40) Deferida a arguição, porquanto não poderá in casu deixar-se de se concluir que a irregularidade cometida pode influir no exame da decisão da causa, anular-se-ão as decisões que se encontrem naquelas circunstâncias, o que abrangerá a própria decisão final.

41) Nem maior força tem a invocação da estabilidade da decisão não recorrida contida no art. 484. °, n. ° 4, que apenas respeita às hipóteses de a sentença conter uma pluralidade de capítulos e só haver recurso de alguns deles.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá julgar-se procedente o presente recurso e consequentemente, anular a inquirição de testemunhas, decorrente da irregular, ou falta, de gravação em condições audíveis, dos depoimentos das testemunhas, nos termos e para efeitos do art. 201.º n.º1 do Código de Processo Civil, por aplicação da alínea e) do art.º 2.º do CPPT, com todas as consequências legais daí decorrentes, fazendo-se assim, como sempre, inteira JUSTIÇA»


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, ofereceu parecer no sentido de ser de conceder provimento ao recurso da Fazenda Publica e de ser julgado deserto o recurso da A..... Lda.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.


II – OBJECTO DO RECURSO
Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639 n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas de pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida á apreciação do Tribunal a quo.

Cumpre, assim, em primeiro lugar, apreciar e decidir, se a decisão que julga deserto o recurso interposto pela impugnante incorreu em erro de violação de lei ao decidir pela falta de fundamento legal para a dita prorrogação, face à dificuldade de audição da gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios.

No que respeita ao recurso da sentença, as questões a apreciar consistem em saber se o texto decisório padece de excesso de pronúncia, bem como erro de julgamento quanto à anulação dos juros compensatórios e bem assim se os encargos relativos a “Artigos para Oferta” foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva e como tal devem ser considerados custo fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« A) A Impugnante - A....., LDA, resulta de processos de fusão e sucedeu à empresa inspeccionada - H....., Lda - cfr. relatório de inspecção, a fls. 6 do processo administrativo tributário apenso;

B) A Impugnante desenvolve a actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos — cfr. relatório de inspecção, a fls. 6 do processo administrativo tributário apenso;

C) Em 30/05/1997, a Impugnante entregou Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 1996 - cfr. fls. 40 a 47;

D) Na sequência de uma acção de inspecção externa efectuada à Impugnante, em sede de IRC, relativa ao exercício de 1996, foram efectuadas as seguintes correcções de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, correcções à matéria colectável de IRC no montante de 319 787 661 $00; prejuízos de 261 808 546$00 e imposto em falta (despesas confidenciais) de 987 500S00 - cfr. relatório de inspecção, a fls. 1 a 17 do processo administrativo tributário apenso;

E) A Inspecção Tributária não aceitou como custo fiscal o montante de 122 834 407$00 relativo a ARTIGOS PARA OFERTA {“Encontram-se registados nesta rubrica valores relativos a ofertas de Telemóveis, Electrodomésticos, Mobiliário, Computadores, Faxes, Programas informáticos, Impressoras, Fotocopiadoras, Cristais, Loiças de Porcelana, Atoalhados, Pneus, Acessórios para Automóveis, Aparelhos de Ar Condicionado, Viagens e Estadas, Equipamento Médico, etc.) por não estarem “identificados os beneficiários das referidas ofertas, ou seja, os documentos de suporte não contêm a identificação dos destinatários de modo a comprovar a indispensabilidade de tais custos para a formação dos proveitos, de acordo com o art. 23.° do CIRC...

Acresce também o facto de não estar comprovado o tipo de relações existentes entre a H..... e os destinatários daquelas ofertas e em que medida o respectivo custo contribuiu para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto. ” - cfr. ponto 1.2 do relatório de inspecção de fls. 1 a 17, especialmente a fls. 8 e 13 do processo administrativo tributário apenso;

F) A Inspecção Tributária não aceitou fiscalmente, o montante de 7 200 000$00 do montante de 36 000 000$00, registado na subconta 622…., relativo a DESLOCAÇÕES E ESTADAS, referente a viagem de incentivo à Florida - Estados Unidos da América - de 8 a 14 de Julho, porque a Impugnante “...não apresentou nenhuns elementos comprovativos da informação prestada, nem do objectivo da viagem, o que nos leva a concluir tratar-se de um evento de carácter recreativo e social, tratando-se portanto de um encargo que deve ser considerado, como despesas de representação enquadráveis no n.° 3 do art. 41.° do CIRC, pelo que não é aceite fiscalmente, nos termos da alínea g) do n.° 1 do art. 41 ° do CIRC, 20% do valor em causa, ou seja, 7 200 OOOSOO (0,20 x 36 000 OOOSOO)” - cfr. ponto 1.4.2 do relatório de inspecção de tis. 1 a 17, especialmente a fls. 10 e fls. 71 a 73, todas do processo administrativo tributário apenso;

G) A Inspecção Tributária apurou quanto à rubrica PUBLICIDADE E PROPAGANDA que “Encontram-se registadas nas subcontas 62…. - Congressos/Simpósios Científicos e 62…. - Reuniões Médicas, verbas relativas a deslocações e estadas de médicos, relacionadas com congressos, comparticipações em deslocações e congressos, cheques viagem, subsídios para viagens, créditos nas agências de viagens, despesas com alojamento, passeios, cruzeiros, etc.

(…)

1.5.1- ...verifica-se que em diversos congressos os médicos convidados, foram acompanhados de representantes da empresa (os encargos suportados com estes encontram-se registados na rubrica de deslocações e estadas) pelo que, embora o objectivo principal do congresso seja a valorização profissional dos médicos, estará sempre subjacente a representação da H....., levada a cabo pelo seu representante. ...estas deslocações têm regra geral um programa social associado cuja componente recreativa é bastante significativa. Assim sendo, entendemos que os valores dos documentos referentes a 25 congressos, referenciados com os números 1 a 25, nos extractos de contas correntes que se juntam a folhas 98 a 119, devem ser considerados como despesas de representação enquadráveis no n.° 3 do art. 41.° do CIRC. Tais congressos encontram-se identificados no documento que se junta a folhas 74. Os seus valores totalizam 148 309 376$00, pelo que não é aceite custo fiscal, nos termos da alínea g) do n.° 1 do art. 41.° do CIRC, 20% do referido valor, ou seja 29 661 875S00” - cfr. ponto 1.5.1 do relatório de inspecção de fls. 1 a 17 especialmente a fls. 10 e 11 e fls. 74 e 98 a 119, todas do processo administrativo tributário apenso;

H) A Inspecção Tributária apurou quanto à rubrica PUBLICIDADE E PROPAGANDA, em relação aos documentos com descrição NAF (não aceite fiscalmente), no total de 76 307 446$00 (cfr. documentos de folhas 98 a 126): “...tais encargos não podem ser considerados como despesas de representação, porque, se por um lado não existem provas do acompanhamento por parte de um representante da empresa, por outro lado não existem comprovativos das razões da realização de tais eventos e quais os objectivos.

Também não podem ser considerados como custos de publicidade, uma vez que de acordo com o n.° 2 do art. 9 o do Decreto-Lei n.° 100/94, de 19/04, o médico não poderá ser influenciado, por via do comportamento de uma indústria farmacêutica, na escolha do receituário, não estando portanto subjacente o incremento das vendas.

Assim sendo e, ainda que tais encargos tenham como objectivo custear a valorização profissional dos médicos e/ou proporcionar-lhe deslocações e estadas de carácter recreativo e social, em nada contribuem para a realização dos proveitos ou ganhos da empresa, não tendo por isso enquadramento no n.° 1 do art. 23.° do C1RC” - cfr. ponto 1.5.2 do relatório de inspecção de íls. 1 a 17, especialmente a lis. 11 e fls. 127 a 154, todas do processo administrativo tributário apenso;

I) A Inspecção tributária apurou que não existem documentos de suporte para os registos na rubrica PUBLICIDADE E PROPAGANDA efectuados no montante de 42 334 424$00, não sendo tal valor aceite como custo fiscal nos termos do art. 23.° do CIRC, por não estar comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos da empresa - cfr. ponto 1.5.3 do relatório de inspecção de fls. 1 a 17, especialmente a fls. 11 e 12 e documentos de fls. 99, 101, 106, 111, 114, 119 e 123 do processo administrativo tributário apenso;

J) A Impugnante foi notificada do projecto de correcções para exercer o direito de audiência prévia, no prazo de dez dias — cfr. fls. 173 do processo administrativo tributário apenso;

K) Em 15/10/2001, a Impugnante exerceu o seu direito de audiência prévia -cfr. fls. 175 a 178 do processo administrativo tributário apenso;

L) Após o direito de audição, referido em K, a Inspecção Tributária elaborou o relatório de inspecção, do qual destaco a seguinte fundamentação:

“2.1 - Artigos para oferta

(...) Depois de analisados os argumentos do sujeito passivo, refere-se:

“1-0 sujeito passivo não apresenta quaisquer elementos novos, continuando sem identificar a quem ofereceu os artigos e ou serviços em causa, desconhecendo-se portanto o tipo de relações existentes entre a H..... e os destinatários das ofertas;

...as fotocópias das facturas enviadas (folhas 179 a 200) revelam que o sujeito passivo adquiriu os bens em causa, mas não comprovam que tais encargos sejam indispensáveis para a formação de proveitos fiscais; (...) Consequentemente mantemos a nossa posição de entendermos que o montante das ofertas em causa não deve ser aceite custo fiscal nos termos do art. 23. ° do C1RC.

(...)

2.3 - Publicidade e Propaganda

(...) Depois de analisados os argumentos do sujeito passivo, refere-se:

1- Tal como consta do ponto 1.5 deste relatório os valores registados nesta rubrica foram analisados segundo duas vertentes:

a) Uma, referente aos custos suportados com congressos e simpósios, os quais têm como objectivo o argumentado pelo sujeito passivo, mas que, se por um lado está subjacente a representação da H....., por outro lado tais deslocações também têm programas sociais associados com componentes recreativas bastante significativas. Assim sendo e, atento o disposto no n.° 3 do art. 41.° do CIRC, mantemos a nossa posição de que devem tais custos ser considerados como despesas de representação.

b) A outra vertente refere-se a encargos suportados nomeadamente com, comparticipações em deslocações a congressos, cheques viagem, subsídios para viagens, créditos nas agências de viagens, etc. donde resulta poderem os médicos utilizarem tais valores para efectuarem deslocações onde quando, e como bem entenderem, sem que tais benefícios concedidos aos médicos tenham qualquer relação com a formação de proveitos e ganhos da empresa, atento o disposto no n.° 2 do art. 9.° do Decreto-Lei n.° 100/94 de 19/04. Como acréscimo refere-se que nestes casos, nem sequer há elementos comprovativos da realização dos congressos ou simpósios. Assim sendo, mantemos a nossa posição de entendermos que os montantes em causa não devem ser aceites custos fiscais nos termos do art. 23° do CIRC.” - cfr. relatório de inspecção de fls. 1 a 17, especialmente a fls. 15 a 17 do processo de administração tributária apenso;

M) A Impugnante foi notificada da liquidação oficiosa de IRC n.° 831…., relativa ao exercício de 1996, com data de pagamento voluntário: 16/01/2002, no valor a pagar de 342 141 876$00 (€ 1 706 596,48), sendo 112 148 534$00 de juros compensatórios (art. 80.° CIRC) - cfr. fls. 39;

N) A Impugnante efectuou no ano de 1996 as “ofertas de material relacionado com a actividade médica” - revistas científicas, identificadas no documento n.° 5, a fls. 71, no montante total de 10 109 352$00 - cfr. fls. 71 a 91 e depoimento das duas primeiras Testemunhas;

O) No ano de 1996, trabalhadores da Impugnante deslocaram-se aos Estados Unidos da América, por causa de reunião de trabalho da empresa a nível mundial, sendo as manhãs ocupadas com reuniões e as tardes com actividade lúdica - cfr. depoimento da primeira Testemunha;

P) É nos congressos/simpósios que se reúnem os técnicos de uma determinada actividade científica, e aí se discutem e se divulgam os avanços científico/tecnológicos - cfr. depoimento das Testemunhas;

Q) A Impugnante patrocinou a ida de vários médicos acompanhados de seus representantes, a congressos científicos que se realizaram durante o ano de 1996 - cfr. depoimento das Testemunhas;

R) Em qualquer um desses congressos ou simpósios realizados foram divulgados e promovidos novos fármacos produzidos e comercializados pela Impugnante - cfr. depoimento das Testemunhas;

S) É nos congressos/simpósios que os produtos produzidos/comercializados pela Impugnante são dados a conhecer aos técnicos que as prescrevem, os médicos, e onde se descriminam e se discutem os benefícios que cada novo fármaco pode conferir ao combate das doenças a que eles se destinam - cfr. depoimento das Testemunhas;

T) Os congressos têm um programa social associado - cfr. depoimento das Testemunhas;

Factos não provados

U) Os destinatários/beneficiários de artigos para ofertas oferecidos pela impugnante no ano de 1996:

V) Data e programas dos congressos / simpósios, realizados no ano de 1996 e aos quais a impugnante participou pagando ingressos;

W) Identificação dos participantes e representantes da Impugnante nos congressos / simpósios pagos pela Impugnante.


*

Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.

*


Considero como provados/não provados os factos atendendo, essencialmente, ao teor dos documentos juntos aos autos. O depoimento das três Testemunhas, funcionários da Impugnante) mostrou-se credível e esclarecedora, em termos genéricos e vagos, quanto há importância, necessidade e indispensabilidade de ofertas e do pagamento de ingressos, comparticipação em viagens a médicos e demais operadores de saúde, para o exercício da sua actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos. Porém, em concreto nada foi concretizado, nem quantificado. Não foram identificados os beneficiários das ofertas da Impugnante. Não são conhecidos os programas nem os participantes nos congressos/simpósios com ingressos pagos, viagens pagas pela Impugnante, no ano de 1996. Identificam os congressos aos quais participou mas não identifica o programa, não permitindo apurar a duração da formação e dos tempos lúdicos associados, nem os participantes. Não identificam quais os representantes da Impugnante que se deslocaram à reunião de trabalho nos EUA.

»«

De direito

Em sede de aplicação do direito a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação, e, em consequência, determinou a anulação do ato de liquidação impugnado na parte referente aos artigos para ofertas e, na totalidade, os juros compensatórios.

Inconformadas, as partes, vem ambas recorrer do assim, decidido.

A impugnante, A....., Lda., requereu a prorrogação de prazo para apresentação das suas alegações, no âmbito do recurso por si, interposto, por falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas respetivas cassetes áudios, o que inicialmente lhe foi deferido.


Desta decisão, veio a Fazenda Publica recorrer para este tribunal, requerendo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que julgue o recurso deserto por impossibilidade legal do prazo, para apresentar alegações, ser prorrogado, para além do previsto no artigo 685.º n.º 7 do CPC na redação anterior à que lhe foi dada pela lei 41/2013 de 26/06.


Acolhendo os argumentos esgrimidos, o TAF de Sintra, veio a considerar esgotado o prazo previsto no artigo 282.º n.º 3 do CPPT, para a Impugnante apresentar alegações o julgou deserto o recurso por ela apresentado, nos termos enunciados no n.º 4 do mesmo preceito legal (282.º do CPPT).

Inconformada a A....., Lda., vem recorrer deste despacho, também para este TCA Sul.

Na apreciação dos pedidos que nos vem dirigidos encetamos pela análise dos recursos que recaíram sobre os despachos subsequentes à sentença e dentro destes ao deduzido em último lugar, ou seja por aquele que incidiu sobre o despacho que julga deserto o recurso da sentença interposto pela Impugnante, por versar questões que devem ser apreciadas antes do julgamento do objeto do recurso e, cuja decisão pode influir na apreciação dos recursos da sentença (artigo 657.º n.º 1 do CPC).

Vejamos então:

1. Do recurso apresentado pela A....., Lda., ao despacho proferido no TAF de Sintra que declara deserto o recurso interposto pela aqui recorrente à sentença sob escrutínio.

Alega a recorrente que o despacho recorrido violou o direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e ao postulado “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”, considera que “[A]a falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios é uma nulidade secundária, a que se aplicam os artigos 201.°, n.° 1, 205.°, n.° 1 e 153.°, n.° 1, não podendo ser atacada por via de recurso ordinário”.

Refere ainda ter dado, tempestivamente, conhecimento ao tribunal da eventualidade de estarmos perante esta uma nulidade.

Por fim vem dizer que o despacho ora em crise errou ao considerar que o pedido de anulação da inquirição apresentado deveria ser formulado em sede de alegações de recurso no prazo para alegar, por já ter sido proferida sentença, o que, em seu entender não tem qualquer relevância por estarmos perante uma nulidade secundária e esta, acrescenta, deve ser arguida perante o Tribunal em que a referida nulidade foi cometida.

Vejamos o que, sobre esta questão, se nos apraz dizer.

Tal como deixamos expresso na delimitação do objeto do recurso, a questão que aqui se coloca é a de saber se há ou não fundamento legal para a prorrogação do prazo de apresentação das alegações de recurso, face à aludida dificuldade de audição da gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios.

Antes de mais, importa esclarecer que as alegações de recurso, não se integram no conceito de articulado nos quais, a lei admite a prorrogação de prazo, nas situações em que haja impossibilidade, ou anormal dificuldade, de organização da defesa, o que, sem esforço, se entende, já que aqui se está na fase inicial do processo onde vigora o princípio da preclusão, cfr. artigo 489º do CPC coevo.

Conforme decorre do n.º 2 e 3 do artigo 282.º do CPPT, na redação em vigor à data dos factos que o prazo para apresentação de alegações de recurso é 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação da admissão de recurso e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente, podendo acrescer 10 dias a esse prazo (de interposição e de resposta), se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, conforme ressaltava do artigo 685 n.º 7 do CPC, aqui aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT também, na redação à data dos factos.

No caso em apreço, a recorrente pediu a entrega de cassetes contendo o registo da prova, o que leva a concluir que pretenderia, no objeto do recurso, discutir o julgamento da matéria de facto, termos em que, o prazo aplicável seria o de 25 dias.

Assim, e tendo a notificação do despacho de admissão do recurso ocorrido em 14/07/2011, o prazo apenas se iniciou em 01/09/2011, por força do período de férias judiciais (2)., o que remete o seu marco temporal final para 25/09/2011.

Porém, considerando ainda, o prazo, que, bem ou mal, lhe foi concedido por despacho da Mma Juíza a quo, proferido em 20/09/2011, e bem assim os tês dias subsequentes termo do prazo, mas em que o ato poderia ainda ser praticado nos termos do n.º 5 do artigo 145.º do CPC, o certo é que, à data em que foi proferido o despacho de deserção (09/12/2011) há muito que o mesmo se encontrava extinto.

Tratando-se de um prazo indiscutivelmente perentório, o seu decurso extingue o direito de praticar o ato (artigo 145º, nº 3, do CPC).

Poderia ainda apenas ressalvar-se a prorrogabilidade desse prazo, caso a mesma fosse permitida por lei (artigo 147º, nº 1, do CPC).

Resta, no entanto, considerar a possibilidade de uma prática do ato fora de prazo, no único contexto legal (alternativo) concebível que se reporta à verificação de justo impedimento, (artigo 145º, nº 4, e 146º do CPC), o que, in casu, não foi invocado.

Contudo, tem obviamente razão a recorrente quando afirma que, a falha na gravação dos depoimentos de testemunhas nas cassetes áudios, constitui nulidade, já que se trata de uma irregularidade capaz de influir no exame e decisão da causa, obstando à possibilidade de impugnar em sede de recurso da sentença, o julgamento da matéria de facto, com fundamento na prova gravada.

Trata-se, pois, de uma nulidade secundária prevista, à data, no n.º 1 do artigo 201.º do CPC, que enumerava as regras gerais sobre a nulidade dos atos, dispondo que: “[F]fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Na situação que aqui nos ocupa, o prazo para arguição da nulidade conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. artigo, 205º, n.º 1, do CPC).

Daqui decorre, desde logo, que este tipo de nulidade tem que ser arguida pela parte através de reclamação (cfr., parte final do artigo 202º do CPC) e, neste sentido, tem, também aqui razão a recorrente quanto à pertinência e atualidade do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”, acontece porém que na situação em apreço, a recorrente não reclamou.

A este respeito, e em jeito de complemento, com a devida vénia, acolhemos, o que se deixou dito no acórdão do STJ proferido em 08/09/2021 no processo n.º 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1 a propósito da arguição da nulidade a que nos vimos referindo e que é o seguinte: (3) “[Q]quanto ao prazo de arguição da aludida nulidade, não havia no regime anteriormente vigente unanimidade na jurisprudência, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 14/01/2010 (proc. n.º 4323/05.4TBVIS.C1.S1), e, mais recentemente, o Acórdão da Relação do Porto de 10/03/2015 (proc. n.º 1277/12.4TBFLG.P1), disponíveis, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt.

Assim, uns defendiam que o prazo de arguição da dita nulidade era de dez dias (cf. artigo 153.º n.º 1 do anterior Código de Processo Civil), contados imediatamente após o termo da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal (cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 22/2/2001, 24/5/2001, 6/7/2006, 18/11/2008, 12/2/2009 e de 14/5/2009, proferidos nos processos n.ºs 3678/00-7.ª, 1362/01-7.ª, 1899/06-7.ª, 3328/08-6.ª, 47/09-6.ª e 40/09.4YFLSB-6.ª).

Outros, ainda, proclamavam que esse prazo de dez dias começava a contar da data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação, nos termos do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro (v.g. acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 8/7/2003, na revista n.º 2212/03 e de 16/9/2008, na revista n.º 2261/08, ambas da 7.ª Secção).

Finalmente, outros entendiam que a aludida nulidade podia ser arguida dentro do prazo da alegação de recurso, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo, podendo tal arguição ter lugar nessa própria alegação, por não ser exigível à parte (ou ao seu mandatário) que proceda à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso (relativo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto), sendo que é no decurso deste prazo que surge a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação de recurso entretanto interposto (v.g. acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 9/7/2002, na CJ - Acs. STJ - Ano X, tomo II, págs. 153 a 155, de 15/5/2008, de 1/7/2008, de 23/10/2008 e de 13/1/2009, estes proferidos nos processos 08B1099, 08A1806, 08B2698 e 08A3741, para além do já citado acórdão de 14/1/2010, no processo n.º 4323/05.4TBVIS.C1.S1, e da Relação do Porto de 27/03/2006, de 27/11/2008 e de 16/12/2009, proferidos nos processos n.ºs 0651069, 0836973 e 217/05.1TJVNF.P1).” – fim de citação

Dito isto, e não obstante a posição que possamos eleger, a verdade é que, na situação em apreço, à data da prolação do despacho recorrido, todos estes prazos foram ultrapassados, sem que a aqui recorrente tivesse logrado lançar mão do meio de que dispunha, para arguir a nulidade através de reclamação.

Termos em que o vício em causa se verifica sanado pelo decurso do prazo, improcedendo, assim, sem mais as alegações da recorrente.
Nestes termos, confirma-se a decisão recorrida que julgou deserto o recurso.

Aqui chegados julgamos prejudicada a apreciação de recurso apresentado pela Fazenda Publica que pede que seja revogado o despacho recorrido e a sua substituição por outro que julgue o recurso deserto por impossibilidade legal do prazo, para apresentar alegações, ser prorrogado, por inutilidade superveniente da lide, já que os efeitos pretendidos se encontram produzidos.

2. Recurso apresentado pela Fazenda Pública contra a sentença proferida nos autos.

Conforme resulta dos autos, a sociedade impugnante, aqui recorrida, foi objeto de uma ação inspetiva externa, por parte da Inspeção Tributária, no âmbito da qual foram efetuadas correções em sede de IRC no exercício de 1996.

Defendeu-se, a Impugnante, face a algumas das correções que lhe foram efetuadas por as considerar ilegais, por falta de fundamentação ou erro nos pressupostos de direito.

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente, e, em consequência, determinou a anulação dos atos de liquidação adicional na parte referente aos artigos para ofertas e na totalidade dos juros compensatórios.

A Fazenda Pública discorda do assim decidido e argui à sentença excesso de pronuncia e erro de julgamento quanto à anulação de juros compensatórios (concl. XXIII. a final) e bem assim quanto à apreciação da prova referente às despesas de aquisição dos artigos para oferta ao considerar provada a indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos (concl. IV. a XXII.).

Vejamos, encetando pela apreciação da questão de saber se na sentença recorrida incorreu em excesso de pronuncia, o que, a verificar-se constitui nulidade, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.

A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem lhe terem sido colocadas pelas partes e/ou, não serem de conhecimento oficioso, é o que decorre da segunda parte do nº 2 do artigo 608.º e, bem assim, do n.º 1 do artigo 609.º do CPC.

Infere-se, em suma, que, o excesso de pronúncia ocorre, nas situações em que o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso, porém, como bem tem sido assumido pela doutrina e pela jurisprudência do nossos tribunais, por questões submetidas à apreciação do Tribunal devem entender-se as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo estas, com argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, ou acolhidas pelo juiz no âmbito da apreciação ou valoração das que lhe foram formuladas.

Convocamos, a este propósito as palavras de Alberto dos Reis (4), e à distinção que faz entre “argumentos” e “questões” que o tribunal deva conhecer, arcando que são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

As nulidades da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. (acórdão da relação de Évora proferido em 22/10/2020, no processo n.º 2037/18.4T8PTM-A.A1)

Donde se infere que eventual enquadramento jurídico diverso do pugnado pela parte não integra a nulidade por excesso de pronúncia, consubstanciando, outro sim, o procedimento próprio da ação de julgar inserido no princípio da oficiosidade do jugador a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º do CPC.

Dito isto e regressando ao caso vertente, como bem se colhe dos autos, a impugnante, aqui recorrida deduziu impugnação judicial contra a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 1996, pedindo a sua anulação e, bem assim, a anulação dos juros compensatórios apurados na liquidação impugnada.

Como fundamento desta pretensão anulatória, alegou, além do mais, que “[N]não são devidos juros compensatórios incluídos na liquidação adicional ora impugnada, porquanto, esta, não teve por base a omissão de qualquer valor ou violação de qualquer norma legal por parte da impugnante, mas sim uma mera diferença de critérios quanto à qualificação de determinadas despesas.

A questão assim suscitada mereceu, por parte da sentença recorrida as seguintes considerações e conclusão de que:
«(…)

Não basta, pois, o retardamento ligar-se à conduta do sujeito passivo, sendo indispensável um juízo de censura, por dolo ou negligência.

"A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte" (ch. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.° 0325/08, de 19/11/2008, disponível na Internet, em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, verifico que há uma diferente qualificação de determinadas despesas, se são ou não despesas de representação e consequentemente aceites como custo fiscal na totalidade ou deduzidas de 20%. Está em causa o exercício de 1996, época em que a fronteira entre a aceitação como custo fiscal ou despesa de representação não tinha os contornos actuais. Pelo que, entendo que há uma diferença de critérios de qualificação de determinadas despesas, não existindo um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da Impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios.

Acresce referir, que é Jurisprudência unânime, que acompanho, que "O acto de liquidação de juros também se encontra sujeito a um mínimo de fundamentação formal, como seja a indicação do período a que respeitam, a taxa de juros aplicável e o montante sobre que incidem" (cfr. a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.° 04410/10, de 25/01/2011, disponível na internet, no endereço: www.dgsi.pt.

No caso dos autos, na liquidação adicional de IRC, do exercício de 1996, foram liquidados juros compensatórios no montante total de 112 148 534$00, com a fundamentação de (art. 80.° CIRC). Nada mais nos autos consta sobre juros compensatórios. Não foi indicada, o momento do retardamento da liquidação, a taxa de juros aplicada, o período porque incidem.

Pelo que, concluo que não há um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da Impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios e há falta de fundamentação nessa liquidação, nos termos supra expostos. Pelo que, entendo não serem devidos juros compensatórios.» - fim de citação.

Ora, como é bom de ver, para anular a liquidação de juros compensatórios, a sentença fez uso de fundamentos distintos daqueles que haviam sido invocados pela impugnante, na petição inicial, já que o pedido formulado pela Impugnante, apenas se consubstancia na questão substancial de que a liquidação ora impugnada não teve por base a omissão de qualquer valor ou violação de qualquer norma legal por parte da impugnante, mas sim uma mera diferença de critérios quanto à qualificação de determinadas despesas, o que no entender do TAF de Sintra legitima o afastamento do juízo de censura, na conduta da Impugnante que justifique a liquidação de juros compensatórios.

Sendo que a decisão vai mais longe e pronuncia-se, também, pela questão da fundamentação formal da liquidação dos referidos juros compensatórios.

Ora, tal como tem vindo a ser assumido quer na doutrina quer na jurisprudência dos nossos tribunais, o dever de fundamentação pode ser apreciado à luz da chamada fundamentação formal e/ou da fundamentação substancial, com exigências distintas, é o que se retira do acórdão deste TCAS proferido em 27/01/2022 no processo n.º 627/04.1BESNT, que acrescenta:

As características exigidas quanto à fundamentação formal e quanto à fundamentação substancial do ato tributário são distintas: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico) - Ac. STA, 2ª Seção, de 2019.11.21, Proc nº 0404/13.9BEVIS. No mesmo sentido citamos o Ac. TCAS de 2020.11.05, processo nº 1592/04.0BELSB, ambos disponíveis www.dgsi.pt.” – fim de citação.

Dito isto torna-se, para nós óbvio concluir que tem razão a Fazenda Publica, aqui recorrente porquanto na sentença, não se conteve no conhecimento da questão substancial suscitada e que se restringe à apreciação da conduta da impugnante e da sua falta culpa no atraso da liquidação por divergência do critério de qualificação despesa, e pronuncia-se pela falta de fundamentação formal do ato, questão que não foi suscitada e que não é, como sabemos, de conhecimento oficioso.

Termos em que consideramos que a sentença incorreu em excesso de pronúncia por conhecer da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, vício não alegado pela Impugnante.

Assim, e na medida em que a sentença recorrida emitiu pronúncia sobre questões que não devia conhecer procedem as conclusões das alegações de recurso, sendo de julgar, nesta parte, procedente o recurso, e, também nesta parte, declarar nula a sentença.

Quanto à liquidação de juros compensatórios vem ainda alegado erro de julgamento.

Dissente a Fazenda Publica por considerar que “[H]houve de facto uma diferença de critérios de qualificação de despesas, diferença essa que leva por um lado a Impugnante a considerar certas despesas como custo e por outro a AT a entender que tais custos não reuniam os pressupostos para serem aceites fiscalmente.”

Porém acrescenta que “… essa diferença resultou em prejuízo para o Estado, que se traduziu numa liquidação adicional no valor de 342.141.876S00 (€ 1.706.596,48).”

Invoca o n° 8 do art.35° da LGT que nos diz que os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados, passando a ser uma das suas componentes.

Há lugar a juros compensatórios quando seja devido imposto, sendo, aliás, sobre o montante deste que aqueles são calculados, dado que os juros compensatórios se destinam a compensar o Estado pelo atraso na liquidação do imposto devido, constituindo um agravamento ou sobretaxa que acresce a esse imposto.

Na situação em apreço foi liquidado imposto adicional no montante de 342.141.876S00 (€1.706.596,48) sendo 112.148.534S00 (€ 5.593,95) de juros compensatórios, o que é conforme à lei, sendo que estes por serem legais, deverão manter-se.

E tem razão.

Como temos vindo a assumir (5), no âmbito do direito tributário o regime de liquidação de juros compensatório encontra-se regulado no artigo 35.º da LGT, nos termos do qual (n.º 1) os mesmos são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

A liquidação deste tipo de juros depende da relação entre o comportamento culposo do sujeito passivo da relação jurídica tributária e a falta de recebimento pontual de prestação por parte da AT, comportamento esse, que se prevê censurável.

A liquidação de juros compensatórios tem assim, na sua base, uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formulação de um juízo de censura à sua atuação.

Como bem refere a recorrente, do n.º 8 do citado artigo 35.º escoa que os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

Convocamos aqui o que se disse no acórdão proferido neste tribunal em 19/11/2015 no processo n.º 08976/15 diremos que: ”[A]a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que apareça uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
1-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
2-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
3-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
4-Reembolso superior ao devido;
5-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
6-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa

Dito isto e regressando ao caso que nos ocupa damos conta que do mesmo não se retira a inexistência do referido nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, pelo contrário observa-se dos fundamentos das correções e da prova produzida uma conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo que conduziu ao atraso na liquidação de parte do imposto devido, o que se verifica, desde logo, pelas próprias conclusões a que chegou o texto decisório, nomeadamente face à incapacidade de provar o ónus que sobre si impedia de provar a indispensabilidade dos gastos referentes a despesas contabilizadas como «Deslocações e Estadas» e em «Publicidade e Propaganda» e, bem assim a relação causal entre tais custos e os proveitos da empresa, o que implica, desde logo, a sua responsabilização no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido.

Aqui chegado resta-nos julgar procedente as conclusões recursivas e, nesta parte revogar a sentença recorrida por padecer de erro de julgamento que lhe vem invocado.

Por fim importa aferir se a sentença recorrida incorreu, também, em erro de julgamento quanto à consideração como custo fiscal dos encargos relativos a “Artigos para Oferta” por se verificar a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva.

Nesta parte a sentença assentou na seguinte fundamentação:

“(…)

A Inspecção Tributária apurou que, a Impugnante na rubrica ARTIGOS PARA OFERTA registou valores relativos a "...ofertas de Telemóveis, Electrodomésticos, Mobiliário, Computadores, Faxes, Programas informáticos, Impressoras, Fotocopiadoras, Cristais, Loiças de Porcelana, Atoalhados, Pneus, Acessórios para Automóveis, Aparelhos de Ar Condicionado, Viagens e Estadas, Equipamento Médico, etc." Não aceitou como custo fiscal o montante de 122 834 407$00, relativo a ARTIGOS PARA OFERTA, por não estarem "identificados os beneficiários das referidas ofertas, ou seja, os documentos d suporte não contêm a identificação dos destinatários de modo a comprovar la indispensabilidade de tais custos para a formação dos proveitos, de acordo com o art. 23.° do CIRC.

Acresce também o facto de não estar comprovado o tipo de relações existentes entre a H..... e os destinatários daquelas ofertas e em que medida o respectivo custo contribuiu para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto".

A Impugnante que desenvolve a actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos, não aceita a correcção, quanto à oferta de material relacionado com a actividade médica, designadamente revistas científicas, identificados na listagem do documento n.° 5 e suportados pelas facturas juntas aos autos de fls. 72 a 91, no montante total de 10 109 352$00 (cfr. facto N).

Atendendo ao depoimento das Testemunhas produzido em Tribunal e ao teor dos documentos, juntos aos autos a fls. 71 a 91, não impugnados, que demonstram a aquisição pela Impugnante de artigos destinados a oferta e que estão relacionados com a actividade da Impugnante (por exemplo: assinatura anual de revistas científicas, livros médicos, estetoscópio, otoscopio, etc), e nalguns identificam o destinatário (cfr. fls. 73), entendo dever-se aceitar fiscalmente como custo, nos termos do artigo 23.°, n.° 1 do CIRC, as ofertas indicadas no documento n.° 5, no montante total de 10 109 352$00, por a Impugnante ter provado a indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos.” – fim de citação

Inconformada a Fazenda Publica vem dizer que a lei exige que a empresa prove, não só que adquiriu os bens que contabilizou como "ofertas", mas também, que os ofereceu e que essas ofertas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da força produtora e tal só é possível se a empresa provar quem foram os beneficiários de tais bens e a relação dessas ofertas com a sua atividade.

Refere ainda que um custo, para ser relevante fiscalmente tem que assentar na relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa.

E que, quanto à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora.
Considera que a verba no montante de 122 834 407$00 que a impugnante considerou como custo a título de ofertas, foram desconsideradas pela AT por não ter sido possível identificar os seus destinatários, não sendo, também, possível aferir da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos.

E acrescenta que, o facto de a impugnante desenvolver a atividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos, só por si não justifica que a “oferta” de material relacionado com a atividade médica indicada no documento 5, no montante de 10.109.352$00 (por exemplo: assinatura anual de revistas cientificas, livros médicos, estetoscópio, ortoscópio, etc.) prove a indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos, nem comprova o tipo de relações existentes entre a Impugnante e os destinatários daquelas ofertas.

Na apreciação da questão que aqui nos vem colocada, acolhemos por facilidade e concordância o que quanto a esta matéria se disse no acórdão proferido por este TCA em 24/06/2021, no processo n.º 2716/04.3BELSB, que por versar sobre matéria de idêntica natureza (IRC de 1997), passamos a acompanhar. Diz-se ali que: “… o conceito fiscal de custo a que alude o art. 23º do CIRC na redacção ao tempo, segundo o qual “1. Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes (…)”, seguindo-se, na previsão da norma, uma enumeração exemplificativa dos custos, designadamente “b) encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transporte, publicidade e colocação de mercadorias”.

A noção de custos ou perdas engloba desta forma todas as despesas efetuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, procedendo aquela norma a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo.

A definição fiscal de custo assenta numa visão ampla de atividade e de necessidade da empresa, distinguindo entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável, e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa e a ausência de qualquer destes requisitos implica a sua não consideração como custos.

Assim, para que o custo seja aceite fiscalmente necessita por um lado de estar comprovado/documentado e por outro de ser indispensável para a realização dos proveitos.

Quanto à comprovação da existência do custo ela será efetuada na maior parte dos casos através da fatura respetiva, presumindo-se a veracidade do custo que documenta, no entanto, esse custo pode ser comprovado por outro documento, que, se insuficiente poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente outra prova documental e testemunhal.

Neste contexto há ainda de ter em consideração o disposto no então art.º 41.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados.

O outro requisito é o da indispensabilidade do custo, sendo certo que o juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando concretamente cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade.

Como se afirma no Acórdão deste TCA de 14/02/2019 – proc. 74/01.7BTLRS

“O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário”.

Ora na interpretação do artigo 23º do CIRC a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o requisito da indispensabilidade não se refere à necessidade nem à conveniência, sob pena de intromissão da administração tributária na autonomia e na liberdade de gestão da empresa exigindo-se apenas uma relação de causalidade económica no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa visando direta ou indiretamente a obtenção de proveitos.

Como se menciona no Ac. do TCA Sul já citado “a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;

b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;

c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.”.

Se o custo não for considerado indispensável, não integrando a previsão do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, pode ser desconsiderado pela administração tributária, cabendo-lhe o ónus da prova de pôr em causa a indispensabilidade desse custo, passando então o contribuinte a ter o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a administração tributária fundamentou a sua posição.” – fim de citação

Fixado que está o quadro legal vejamos o que nos apraz dizer quanto ao enquadramento da questão que nos vem colocada.

Recordemos que a sentença levou ao ponto E) do probatório que: “[A]a Inspecção Tributária não aceitou como custo fiscal o montante de 122 834 407$00 relativo a ARTIGOS PARA OFERTA {“Encontram-se registados nesta rubrica valores relativos a ofertas de Telemóveis, Electrodomésticos, Mobiliário, Computadores, Faxes, Programas informáticos, Impressoras, Fotocopiadoras, Cristais, Loiças de Porcelana, Atoalhados, Pneus, Acessórios para Automóveis, Aparelhos de Ar Condicionado, Viagens e Estadas, Equipamento Médico, etc.) por não estarem “identificados os beneficiários das referidas ofertas, ou seja, os documentos de suporte não contêm a identificação dos destinatários de modo a comprovar a indispensabilidade de tais custos para a formação dos proveitos, de acordo com o art. 23.° do CIRC...

Acresce também o facto de não estar comprovado o tipo de relações existentes entre a H..... e os destinatários daquelas ofertas e em que medida o respectivo custo contribuiu para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto. ”

Como se diz no aresto que vimos seguindo o artigo 23º do CIRC deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 41º CIRC, com a redação coeva, com a epígrafe encargos não dedutíveis para efeitos fiscais.

Realçamos, como ali também se faz, que a sociedade impugnante constitui uma empresa com contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal e, como tal, permite a sua fiscalização pelas respetivas entidades fiscalizadoras.

Damos conta, também, que a ação inspetiva que deu origem à liquidação adicional aqui em conflito, não pôs em causa a veracidade das operações, nem tão pouco a veracidade dos documentos suporte das mesmas quedando-se apenas na arguição da falta de identificação dos beneficiários das referidas ofertas.

Ou seja, não restam dúvidas de que as despesas em causa se relacionam com a promoção dos produtos que a Impugnante fabrica e comercializa e que os gastos suportados se relacionam com o objeto social da Impugnante, constituindo custos fiscalmente dedutíveis e por conseguinte trata-se de despesas que visam a assegurar o normal desenrolar do objeto social da impugnante, dentro do circulo económico em que este naturalmente se manifesta, o mesmo é dizer que que se trata de custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade impugnante, de acordo com a definição legal dos mesmos enquanto despesas de promoção dos medicamentos que fabrica e comercializa e publicidade.

Termos em que, sem mais, julgamos improcedente as conclusões recursivas que vimos de analisar.

IV - DECISÂO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) Negar provimento ao recurso do despacho de 09/12/2011 e confirmar a deserção do recurso interposto pela Impugnante:

b) Julgar prejudicada a apreciação de recurso apresentado pela Fazenda Publica por impossibilidade superveniente da lide, já que os efeitos pretendidos se encontram produzidos.

c) Conceder parcial provimento ao recurso da sentença deduzido pela Fazenda Publica, na parte que respeita ao excesso de pronuncia e erro de julgamento e, em consequência revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação quanto a juros compensatórios, e

d) Confirmar a decisão recorrida, quanto aos custos referentes aos artigos para ofertas, e em consequência, determinar a anulação dos juros compensatórios correspondentes.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento

Registe e Notifique

Lisboa em 28 de abril de 2022


Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta
(Assinado digitalmente)


____________________________

(1)Na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019 de 17/09, quer as normas citadas quer que o vierem a ser relativamente á tramitação processual, atenta a data da prática dos respetivos atos.
(2)Que decorreram de 16/07 a 31/08 - cfr. artigo 12.º da Lei 3/99 de 13/01 - Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), em vigor à data dos factos, revogada pela Lei n.º 62/13 de 26/8 - Lei Orgânica do Sistema Judiciário - , que mantém, no seu artigo 28.º a mesma redação.
(3) As normas referidas no aresto transcrito correspondem à numeração e sistematização anterior à que foi dada ao CPC, pela Lei n.º 41/2013 de 26/06, tendo sido essa a enumeração que, como dissemos, ab initio, adotamos por ser a que se encontrava em vigor á data em que ocorreu o processado em análise.
(4)In Código de Processo Civil, Anotado, Vol. V, pág. 143
(5)Vide acórdão deste TCAS proferido em 14/01/2020 no processo n.º 1050/8.1BELRS