Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09083/12
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/13/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INFORMAÇÃO MÉDICA OU CLÍNICA, DOCUMENTO NOMINATIVO, CONSENTIMENTO, INTERESSE DIRETO, PESSOAL E LEGÍTIMO.
Sumário:I. Sobre o pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, rege o artº 268º, nº 2 da CRP, os artºs. 2º nº 3, 3º nº 1, 5º e 6º nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08 (LADA) e os artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01, por estar em causa documentos administrativos nominativos, de acesso restrito, porque abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.
II. Embora não tenha sido prestado consentimento ou autorização escrita da pessoa titular dos dados de saúde à companhia de seguros, em facultar toda e qualquer informação médica de que esta possa necessitar, detida por médicos, hospitais e clínicas, com a garantia de confidencialidade, faltando, por isso, tal consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido no acesso a tal informação clínica, é de reconhecer à requerente, companhia se seguros, a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, decorrente da subscrição do contrato de seguro de vida e de uma declaração de saúde assinada pela de cujus, e do seu objetivo próprio, de atestar a causa e as circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as declarações de saúde prestadas no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. parte final do nº 3 do artº 2º e 2ª parte do nº 5 do artº 6º, ambos da Lei nº 46/2007, de 24/08.
III. Em consequência, deve ser prestada à requerente, companhia se seguros, a informação clínica da sua segurada, limitada ao atestado médico que, de entre o mais, contenha a indicação da doença e a data do diagnóstico da doença, que esteve na origem do óbito
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A...Seguros, Companhia de Seguros de Vida, SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 27/03/2012 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, movido contra o Hospital B..., EPE, julgou improcedente a intimação requerida, absolvendo a entidade requerida do pedido, a facultar à requerente, através do seu médico conselheiro, a consulta do processo clínico de C..., em especial, o atestado médico, devidamente preenchido, acerca da doença que esteve na origem do seu óbito.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. O presente Recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos em 27 de março de 2012, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual decretou improcedente a Intimação requerida pela Autora contra o Hospital B... EPE, já que C... não terá dado o seu consentimento expresso e especifico para que a Seguradora possa aceder à sua informação de saúde, consentimento esse imposto pelo n°2 do art. 7° da Lei de Proteção de Dados Pessoais (LPDP), pelo n° 3 do art. 3° da Lei 12/2005, de 26 de janeiro e pelo n° 5 do art.6° da Lei 46/2007, de 24 de agosto (LADA).

II. Não se conformando com a douta sentença proferida, vem a Recorrente dela recorrer, defendendo que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo apresenta também um erro de julgamento no que se refere à apreciação da matéria de facto e de direito:

DOS FACTOS

III) Com relevância para o presente recurso, há que referir os seguintes factos julgados provados pelo Tribunal a quo:

a) Em 12 de setembro de 2011, a ora Requerente enviou ao Hospital B..., EPE, oficio subscrito pelo Dr. D..., médico conselheiro da ora Requerente, com o seguinte teor: “(…) venho pela presente solicitar a seguinte informação complementar: data de diagnóstico de cirrose hepática etanólica;

b) Na ausência de resposta da Entidade Requerida e na sequência de queixa apresentada pela Requerente, em 22 de novembro de 2011 a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos emitiu o Parecer n°349/2011, no qual se concluí que “deve ser facultado o acesso à informação de saúde requerida’

c) Notificado deste Parecer a Entidade Requerida não forneceu à Requerente a informação solicitada;

d) Na cláusula 3. Das “Condições Gerais” do “Seguro de Vida Individual – Crédito ao Consumo” da A...Seguros pode ler-se “o tomador de seguro ou o segurado obriga-se aquando da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para apreciação do risco...”, sendo que “em caso de incumprimento doloso do dever referido no n°3.1, o contrato é anulável mediante declaração enviada pela Seguradora ao tomador de seguro”,

e) Na cl. 9.1 das “Condições Gerais” do “Seguro do Vida Individual – Crédito ao Consumo” da A...Seguros pode ler-se “o pagamento de qualquer importância relativa a esta apólice só será exigível após solicitação à Seguradora, acompanhada dos documentos justificativos exigidos nas Condições Especiais da modalidade contratada.”;

f) Na cláusula 1.7.2.3. das “Condições Especiais” do “Seguro de Vida Individual – Crédito ao Consumo” da A...Seguros pode ler-se: “o pedido de liquidação do capital seguro deverá ser acompanhado (...) de atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte”.

B) Do erro no julgamento

IV) Face à prova produzida nos autos, não pode a Recorrente conformar-se com a Decisão de absolvição da Ré da instância, já que os herdeiros da Segurada não se opuseram ao acesso aqui em causa, nos termos do n°2 do art7l° do CC, pelo que ficou prejudicada tal questão de alegada ilegitimidade;

V) Na verdade, o acesso solicitado pela Requerida nestes autos deve ser analisado somente à luz da Lei 12/2005, de 26/01 e da Lei 46/2007, de 24/08, já que a LPDP não tem aqui aplicação; pelo que a eventual ilegitimidade da Recorrida para aceder aos dados de saúde de C... apenas poderia ser invocada pelas pessoas indicadas no n°2 do art.71° do CC (herdeiros da segurada) e não pela Recorrente.

Sem prescindir,

VI) Atentos os requisitos impostos pelo n°3 do art.3° da Lei 12/2005, de 26 de janeiro e pelo n°5 do art.6° da LADA (consentimento escrito do titular dos dados e acesso ser realizado através de médico), ter-se-á que concluir que a ora Recorrente tem legitimidade para aceder ao relatório clinico onde conste a data de diagnóstico de cirrose hepática etanólica, já que:

a) A segurada C..., ao ter subscrito um contrato de seguro de vida em cuja condição para liquidação das importâncias seguras passava pelo acesso da Seguradora aos seus dados clínicos (em especial ao atestado médico onde se declarem as causas, inicio e duração da doença ou lesão que causou a morte), terá que se entender qual tal subscrição, efetuada através de documento escrito, incorpora uma autorização de acesso aos seus dados de saúde, mesmo após a sua morte.

b) tal acesso será efetuado através de médico conselheiro da Seguradora.

Caso assim não se entenda,

VII) A ora Recorrente é também titular de um interesse direto, pessoal e legitimo relevante, segundo o princípio da proporcionalidade, que a legitima a aceder aos dados de saúde da segurada, nos termos do n°5 do art.6° da LADA; isto porque, os objetivos de “(...) atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do segurado, assim como se as suas declarações de saúde aquando da celebração do contrato eram verdadeiras (.,) constituem também um interesse direto, pessoal e legitimo, que legitima o acesso à informação.” (vide Ac. TCA Sul, processo n° 8472/12).

VIII) Face ao exposto, impõe-se a revogação da Douta Sentença do Tribunal a quo.”.

Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional.


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O Hospital recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, nos exatos termos em que vem alegado, valendo a doutrina do Acórdão do TCAS de 08/03/2012, recurso nº 08472/12, revogando-se a sentença sob recurso.

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Nenhuma das partes se pronunciou sobre o parecer emitido pelo Ministério Público.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, na apreciação da matéria de facto e de direito, quanto à existência de legitimidade da requerente para aceder à informação requerida e quanto à existência ou não de consentimento válido e eficaz para aceder aos dados de saúde da subscritora do contrato de seguro de vida.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a) Em 12 de setembro de 2011, a ora Requerente enviou ao Hospital B..., E.P.E. ofício subscrito pelo Dr. D..., Médico Conselheiro da ora Requerente, com o seguinte teor:

“Assunto: Seguro Vida Crédito ao Consumo

Apólice 17/263146 – Sinistro 17/3418

Sinistro participado por óbito de: C... Data de Nascimento: 1953.01.23

Contribuinte: 120053020

Estimado colega,

Como é do seu conhecimento, é essencial a uma companhia de seguros, sobretudo do Ramo Vida, o conhecimento de todos os factos do dossier clínico de um cliente, quando existe a possibilidade de um capital consequente do mesmo.

Assim e tendo em atenção os termos do contrato de seguro celebrado entre a A...Seguros e a Sra. C..., e no seguimento da última informação clínica recebida, venho pela presente, solicitar a seguinte informação complementar:

- Data de diagnóstico de Cirrose Hepática Etanólica.

Aproveitamos para enviar em anexo, cópia da proposta de subscrição, onde a Cliente declara que autoriza qualquer médico e/ou Hospitais/Clínicas a facultar à A...Seguros, Companhia de Seguros Vida, S.A, toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade.

Agradecendo desde já e uma vez mais toda a colaboração e sem outro assunto de momento e com a garantia de confidencialidade de todas as informações prestadas, aceite os meus melhores cumprimentos. (…)” – Documento n.° 1 junto ao requerimento inicial;

b) A este ofício a ora Requerente juntou cópia da declaração de saúde assinada por C..., a qual é parte integrante da proposta de seguro de vida – crédito ao consumo subscrita em 12 de novembro de 2009 – Documento n° 2 junto ao requerimento inicial;

c) Na ausência de resposta da Entidade Requerida e na sequência de queixa apresentada pela Requerente, em 22 de novembro de 2011 a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos emitiu o Parecer n.° 349/2011, no qual se conclui que “deve ser facultado o acesso à informação de saúde requerida” – Documentos n°s 3 e 4 juntos ao requerimento inicial;

d) Neste Parecer pode ler-se, designadamente, o seguinte:

“[…]

I – Factos e pedido

1. O A...Seguros, Companhia de Seguros de Vida, SA, (...), solicitou ao Hospital B...E.P.E, através do respetivo médico conselheiro, informação sobre a “[d]ata de diagnóstico de Cirrose Hepática Etanólica” relativa a sua segurada, C..., falecida, para instrução de processo de sinistro.

[...]

II – Apreciação jurídica

1. A entidade requerida está sujeita à Lei n.° 46/2007, de 24 de agosto Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), alínea d) do n.° 1 do art. 4.°).

2. A CADA já se pronunciou exaustivamente quanto à subscrição, pelo segurado, de apólice cujas condições prevejam a obrigação de, por sua morte, serem apresentados à seguradora certos documentos nominativos a ele respeitantes, concluindo em sentido favorável ao acesso.

Assim o fez, designadamente, no Parecer n.° 131/2011, para cuja fundamentação se remete e do qual consta o seguinte:

[…]

3. Ao contrário de referido pelo requerente no pedido dirigido ao hospital, e reafirmado na queixa dirigida CADA, da “Proposta de seguro” não consta autorização, dada pela pessoa segura, para que “qualquer médico e/ou Hospitais/Clínicas” facultem à “A...Seguros, Companhia de Seguros de Vida, S.A., toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo garantia de confidencialidade”.

No entanto, as condições do contrato subscrito pela segurada referem, nomeadamente que “[a] omissão de factos, assim como declarações inexatas, incompletas ou prestadas de má fé, sempre que alterem a apreciação do risco, tornam o contrato nulo” e que a seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento “seja devido a doença ou acidente anterior à data da entrada em vigor desse contrato”.

Mais referem que “a Seguradora reserva-se o direito de solicitar elementos adicionais de informação ou de proceder às averiguações que entenda convenientes para um melhor esclarecimento da natureza e extensão das suas responsabilidades, sem prejuízo do ónus da prova impender sobre os beneficiários das garantias” e que o pedido de liquidação do capital seguro deverá ser acompanhado entre outros documentos de “[a]testado médico onde se declarem causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte”.

4. Considera-se, por isso, que o acesso deve ser facultado, limitado à informação requerida, respeitante à data do diagnóstico da doença referida, necessária para a análise do processo de sinistro.

[...]” – Documento n.° 4 junto ao requerimento inicial;

e) Notificada deste Parecer a Entidade Requerida não forneceu à Requerente a informação solicitada – Admitido por acordo;

f) Na cláusula 3. das “Condições gerais” do “Seguro de Vida individual – Crédito ao consumo”, da A...Seguros pode ler-se “3. Deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado e incontestabilidade 3.1. O tomador do seguro ou o segurado obriga-se aquando da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela Seguradora, independentemente da solicitação em questionário eventualmente fornecido pela seguradora para o efeito. (...) 3.3. Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.° 3.1, o contrato é anulável mediante declaração enviada pela Seguradora ao tomador do seguro.” – Documento n.° 5 junto ao requerimento inicial;

g) Na cláusula 9.1. das “Condições gerais” do “Seguro de Vida individual – Crédito ao consumo”, da A...Seguros pode ler-se “[o] pagamento de qualquer importância relativa a esta Apólice, só será exigível após solicitação à Seguradora, acompanhada dos documentos justificativos exigidos nas Condições Especiais da modalidade contratada” – Documento n.° 5 junto ao requerimento inicial;

h) Na cláusula 1.7.2.3. das “Condições especiais” do “Seguro de Vida individual – Crédito ao consumo”, da A...Seguros pode ler-se “1.7. Liquidação do capital seguro (...) 1.7.2. O pedido de liquidação do capital seguro deverá ser acompanhado dos seguintes documentos: (...) 1.7.2.3. Atestado médico onde se declarem as causas, inicio e duração da doença ou lesão que causou a morte.” – Documento n.° 5 junto ao requerimento inicial;”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento na apreciação dos factos e do Direito

Nos termos da alegação de recurso e das suas respetivas conclusões, a sentença sob recurso erra no julgamento efetuado, na dupla vertente, de facto e de Direito.

Considera a recorrente que o Tribunal a quo errou de facto ao julgar que não fora dado consentimento expresso e específico para que a Seguradora aceda à informação de saúde da segurada e que também errou quanto à respetiva solução de Direito.

Vejamos.

A sentença recorrida, depois de proceder ao enquadramento da intimação nos normativos de Direito aplicáveis, considerou, em face da prova produzida, que a titular dos dados de saúde em questão não prestou consentimento expresso, entendido este como manifestação de vontade, livre, específica e informada do titular, nos termos da qual aceita que os seus dados pessoais sejam objeto de tratamento.

Por outras palavras, segundo a sentença, a titular dos dados de saúde não autorizou qualquer médico e/ou Hospitais/clínicas a facultar à A...Seguros, Companhia de Seguros Vida, SA, toda e qualquer informação que possa necessitar, faltando o consentimento expresso e específico para que a Seguradora possa aceder à sua informação de saúde, que se encontre na posse de qualquer médico, hospital ou clínica.

Isto porque tal consentimento não resulta, quer das cláusulas das “Condições gerais”, quer do clausulado das “Condições especiais” do contrato celebrado, nos termos levados ao probatório.

Analisada a factualidade dada por assente na sentença e a demais que foi produzida nos autos, verifica-se que não foi cometido qualquer erro de facto pelo Tribunal a quo, tendo sido selecionada a factualidade relevante para a decisão a proferir, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, nos termos da prova que foi produzida em juízo.

De resto, em rigor, a recorrente não imputa qualquer erro na seleção da matéria de facto, seja por omissão, seja por excesso ou por obscuridade, mas antes um erro quanto à interpretação dos factos assentes.

Em face dos factos que se dão por provados e que refletem a prova produzida nos autos, se é de recusar existir qualquer erro na seleção da matéria de facto, também é de afastar que a sentença recorrida tenha incorrido em erro na interpretação dos factos.

Os factos são aqueles que o Tribunal revela e a sentença interpretou-os corretamente, já que, efetivamente, nos termos das condições subscritas pela titular do direito à informação (e ao contrário do verificado em outros processos judiciais, onde existia uma cláusula em que o segurado autorizava qualquer médico e hospitais/clínicas a facultar à A..., Companhia de Seguros de Vida, S.A. toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade), não se mostra incluída qualquer cláusula em que se conceda à Seguradora, a autorização ou o consentimento expresso e específico para aceder à informação de saúde, que se encontre na posse de qualquer médico, hospital ou clínica, de que possa necessitar.

Embora invoque a Seguradora, ora recorrente, que a declaração de saúde assinada pela de cujus, integra o Boletim de Adesão ao Contrato de Seguro de Vida, subscrito em 12/11/2009, o que ora se atesta, e que, nos termos da cláusula 9.1 das Condições Gerais do contrato de seguro de vida subscrito pela segurada resulte que “o pagamento de qualquer importância relativa a esta apólice só será exigível após solicitação à Seguradora, acompanhada dos documentos justificativos exigidos nas Condições especiais da modalidade contratada” e que nos termos da cláusula 1.7.2.3. das Condições especiais do contrato subscrito em 12/11/2009, “o pedido de liquidação do capital seguro deverá ser acompanhado (…) de atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte”, daí não se pode retirar que a titular da informação à saúde tenha prestado autorização ou dado o seu consentimento expresso e específico para a Seguradora aceder à sua informação de saúde, que se encontre na posse de qualquer médico, hospital ou clínica.

O que resulta do teor de tais cláusulas é que constitui requisito ou condição do pedido de pagamento de qualquer importância relativa à apólice de seguro em questão que sejam apresentados documentos justificativos dessa pretensão, de entre os quais, atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte.

A condição da apresentação de certo documento para a satisfação ou deferimento de certa pretensão, ainda que esse documento se trate de um atestado médico, não habilita o intérprete a concluir que existe uma declaração do titular dos dados de saúde, enquanto manifestação de vontade, livre, específica e informada, em autorizar a Seguradora a aceder a toda a sua informação clínica, como pretende a ora recorrente.

Por este motivo, não incorre a sentença recorrida no erro quanto à interpretação dos factos, ao concluir que no caso em presença não existe autorização expressa da segurada à ora recorrente para aceder ao seu processo clínico, em especial, ao documento que mencione as causas e circunstâncias do seu falecimento e ao relatório médico sobre a doença que originou o seu óbito, tendo interpretado corretamente os factos dados por assentes.

Em face do exposto, falecem as conclusões: II), no tocante ao erro de julgamento referente à apreciação da matéria de facto e VI), a), do presente recurso.

Questão diferente consiste em saber se não obstante os factos provados, assiste razão à recorrente, quando alega, ainda assim, deter legitimidade para aceder à informação clínica da segurada, designadamente, para saber se são verdadeiros os elementos de saúde fornecidos no momento da celebração do contrato de seguro, constantes da declaração de saúde subscrita pela de cujus.

Por outras palavras, importa apurar se perante a factualidade assente e incontrovertida, errou a sentença quanto à respetiva solução de Direito.

Assim, a questão decidenda que ora se coloca, consiste em saber se perante os factos provados, não tendo sido prestado pela titular dos dados de saúde, autorização ou consentimento expresso, enquanto manifestação de vontade, livre, específica e informada à Seguradora para aceder à sua informação médica/clínica, se ainda assim detém a ora recorrente, companhia se seguros, legitimidade para aceder a tais dados médicos na posse de entidade pública hospitalar, designadamente, aceder à data do diagnóstico da doença que esteve na origem do óbito.

Procedendo ao enquadramento de direito da questão controvertida, respeita o pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, a que se aplica o artº 268º, nº 2 da CRP, o artº 3º, nº 1 da Lei nº 46/2007, de 24/08 e o artº 7º, nº 1 da Lei nº 67/98, de 26/10, por estar em causa documentos administrativos nominativos, de acesso restrito, porque abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.

Tal acesso só é permitido a terceiro que estiver munido de autorização escrita ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, nos termos do artº 6º, nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08 e do artº 7º, nº 2 da Lei nº 67/98, de 26/10.

Em face da factualidade demonstrada, decorre que o direito que a requerente visou exercer com o pedido de acesso à informação é o direito à informação, consagrado nos nºs 1 e 2, do artº 268º da CRP.

No nº 1 consagra-se o direito e garantia dos administrados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, o que constitui a vertente procedimental do direito à informação; no nº 2 consagra-se o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, correspondendo à vertente não procedimental do direito à informação.

Por isso, nos termos do nº 2 do artº 268º da CRP, os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, só podendo haver restrições a esse direito de acesso quando, fundamentadamente, tal se mostrar obstaculizado pela aplicação da lei em matérias relativas, designadamente, à segurança interna e externa, à intimidade das pessoas e aos segredos comerciais e industriais.

Face ao teor do pedido formulado ao recorrente, resulta que a informação a que a requerente pretende ter acesso é uma informação não procedimental, em que se aplica o disposto no artº 65º do CPA, permitindo-se o acesso aos arquivos e registos administrativos nos termos regulados pela lei, não se mostrando aplicáveis, ao presente caso, as disposições dos artºs. 61º a 64º do CPA.

Todos esses artigos do CPA regulam o direito de acesso à informação contida em processos e procedimentos em curso, o que não é o caso presente, visto estar em causa o direito à informação que assiste a todos os cidadãos, de acordo com o sistema de arquivo aberto ou open file, isto é, independentemente de serem ou estarem interessados no procedimento administrativo em causa, a que se refere o artº 65º do CPA.

O artigo 65º do CPA consagra, pois, o chamado princípio da administração aberta, facultando a qualquer pessoa o acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Transpondo o princípio constitucional contido no nº 2 do artº 268º da CRP, dispõe o artº 65º do CPA, ora aplicável:
1 – Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
2 – O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado em diploma próprio.”.

Ressalta do preceito citado a ausência de requisitos de ordem subjetiva.

Porém, importa remeter para o diploma próprio referido no nº 2 do artº 65º do CPA, atualmente, a Lei nº 46/2007, de 24/08, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de novembro (revogando a Lei nº 65/93, de 26/08, com a redação introduzida pelas Lei nºs 8/95, de 29/03, e 94/99, de 16/07), relativa à reutilização de informações do setor público, regulando o exercício do direito de acesso aos documentos da Administração (LADA).

Sobre a questão suscitada de qual o regime jurídico aplicável, importa atender ao disposto no nº 3 do artº 2º da Lei nº 46/2007, de 24/08, segundo o qual “O acesso a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, efetuado pelo titular da informação, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre um interesse direto, pessoal e legítimo rege-se pela presente lei.”, pelo que, sem que suscitem quaisquer dúvidas, tem aplicação ao pedido de acesso à informação formulado pela requerente a disciplina legal aprovada pela Lei nº 46/2007.

A Lei nº 67/98, de 26/10, que aprova a Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), transpondo para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva nº 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, visa regular o tratamento de dados pessoais, tal como resulta das definições feitas no artº 3º daquele diploma (cf. ainda os artºs 2º e 4º).

É, portanto, um regime que logicamente antecede o regime de acesso aos documentos administrativos, regulado pela Lei nº 46/2007, de 24/08, pois regula os termos em que a informação é tratada, antes da existência de qualquer pedido de informação ou de acesso formulado por um particular ou entidade.

Por outro lado, releva ainda a disciplina aprovada pela Lei nº 12/2005, de 26/01, relativa à informação genética pessoal e informação de saúde, definindo, de entre outros, o conceito de informação de saúde e de informação genética, assim como a circulação de informação.

À luz do artº 2º da Lei nº 12/2005, considera-se “informação de saúde”, “todo o tipo de informação direta ou indiretamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar”.

Sobre a “propriedade da informação de saúde”, a qual inclui os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, diz-nos o nº 1 do artº 3º dessa Lei que “é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, a qual não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei.”.

Delimitado o regime legal aplicável, o constante da Lei nº 46/2007, de 24/08 e da Lei nº 12/2005, de 26/01, vejamos o que dele se extrai, com relevo para o caso trazido a juízo.

Estabelece a alínea b), do nº 1 do artº 3º da Lei nº 46/2007, de 24/08, sobre a noção de “Documento nominativo”, como sendo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”.

Tem sido, de resto, entendimento da CADA que são de classificar como documentos nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da reserva da intimidade da vida privada (cfr. Pareceres nº 212/2005, de 31/08, nº 67/2007, de 21/03, 357/2007, de 19/12, nº 224/2009, de 09/09 e 347/2009, de 02/12).

Nos termos do artº 5º da Lei nº 46/2007, “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

Face ao teor da norma em causa, a lei não faz depender o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos da invocação de qualquer interesse, bastando a mera solicitação por escrito, através de requerimento, do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (cfr. artº 13º da LADA).

No caso sub judice, trata-se, contudo, de documentos nominativos e referentes à reserva da intimidade da vida privada ou pessoal.

Importa reafirmar que o direito de acesso à informação deve ser interpretado de acordo com o disposto no artº 268º da CRP, apenas podendo sofrer restrições quando estejam em causa dados a coberto de algum dos motivos de restrição ao direito de acesso, previstos no artº 6º da LADA.

Com relevo, importa relembrar o disposto no nº 5 do artº 6º da LADA, onde se consagra que “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.” e que a LADA tem por objeto, “O acesso a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, efetuado pelo titular da informação, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre um interesse direto, pessoal e legítimo (…)” (sublinhados nossos).

É possível dizer que o pedido formulado pela requerente se enquadra nas citadas disposições da LADA.

Por isso, importa apurar se incorre a sentença recorrida no erro de julgamento de Direito quando, considerando faltar tal consentimento ou autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito, in casu, o subscritor do contrato de seguro, denegou procedência à intimação requerida.

Conforme se disse anteriormente, o direito de acesso à informação, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP, é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, pelo que partilhando desse regime, só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição, não cabendo à Administração criar quaisquer restrições, para além das previstas na lei.

Quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, não é um direito absoluto, pelo que terá de conviver com outros direitos, de entre os quais, o direito de acesso à informação, nos termos e com os limites legais.

No caso trazido a juízo, nos termos da configuração antecedente, está em causa um documento nominativo, que contém dados de saúde, pelo que o acesso a estes dados, quando feito por terceiro, exige o consentimento do titular da informação e que a comunicação seja feita por intermédio de médico, ou por quem demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, nos termos dos artºs 3º, 6º, nº 5 e 7º da Lei nº 46/2007, de 24/08 e artºs. 2º e 3º, nº 3, da Lei nº 12/2005, de 26/01.

Assim, não obstante a factualidade assente, designadamente que, em vida, a interessada, titular da informação de saúde, não prestou o seu consentimento expresso para que a Seguradora, ora recorrente, acedesse à sua informação de saúde, é de conceder que, em virtude da celebração do contrato de seguro de vida e de no seu âmbito, a segurada ter emitido declaração de saúde, resultando das cláusulas subscritas pela segurada que a omissão de factos, assim como declarações inexatas, incompletas ou prestadas de má fé, sempre que alterem a apreciação do risco, “obstam à concretização do contrato de seguro” (cfr. cláusula 18.3 das “Condições gerais”) e que a Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o óbito seja devido a doença ou acidente anterior à data da entrada em vigor desse contrato, é a requerente titular de um interesse direto, pessoal e legítimo.

Além disso, mais referem as condições do contrato de seguro subscrito pela segurada que “a Seguradora reserva-se o direito de solicitar elementos adicionais de informação ou de proceder às averiguações que entenda convenientes para um melhor esclarecimento da natureza e extensão das suas responsabilidades, sem prejuízo do ónus da prova impender sobre os beneficiários das garantias” e, como antes assinalado, que o pedido de liquidação do capital seguro deverá ser acompanhado, entre outros documentos, de “atestado médico onde se declarem causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte” – cfr. cláusulas 9.1. e 9.2. das “Condições gerais” e cláusula 1.7.2.3. das “Cláusulas especiais”.

Como se reconheceu em anteriores acórdãos deste TCAS, datados de 08/03/2012, processo nº 08471/12 e de 12/04/2012, processo nº 08648/12, da mesma relatora, “é de reconhecer à ora requerente a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, o que decorre da subscrição do contrato de seguro de vida e do objetivo próprio da companhia de seguros em causa, de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as suas declarações de saúde no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. 2ª parte do nº 5 do artº 6º da Lei nº 46/2007, de 24/08.”.

Entender de outro modo, como procede o ora recorrido, traduzir-se-ia numa restrição infundada e, como tal, ilegítima e ilegal, ao direito de informação da requerente, porque não justificada pela proteção de outros direitos fundamentais ou de natureza análoga, analisados à luz do princípio da proporcionalidade.

Por último, como se firmou em acórdãos deste TCAS, sob nºs. 8472/12, de 01/03/2012 e 08471/12, de 08/03/2012, “a eventual falta de consentimento só poderia ser invocada pelas pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 71º do CC, não tendo o ora Recorrente legitimidade para se substituir a essas pessoas naquela proteção (cf., a este propósito, José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 95 a 104 e «Direito de Acesso aos Documentos Administrativos», in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 204 e 205, onde o Autor refere criticamente a posição da CADA, nos seus pareceres, e indica que as restrições advogadas por esta Comissão, paradoxalmente, não visarão entidades públicas como a Caixa Geral de Aposentações, e ainda, que o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30.04, nos artigos 28º e 32º, prevê expressamente a comunicação de dados clínicos aos sinistrados e às seguradoras em caso de acidente de trabalho).”.

Em consequência, em face de todo o exposto, deve ser prestada à requerente, companhia se seguros, a informação clínica da sua segurada, limitada ao atestado médico que, de entre o mais, contenha a indicação da doença e a data do diagnóstico da doença, que esteve na origem do óbito.

Nestes termos, procedem as conclusões: II), no que se refere ao erro de julgamento de direito, IV), V), VII) e VIII), da alegação do recurso.


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Pelo exposto, será de julgar procedente o recurso, por provado o erro de julgamento de direito que vinha invocado, revogando-se a sentença sob recurso.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Sobre o pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, rege o artº 268º, nº 2 da CRP, os artºs. 2º nº 3, 3º nº 1, 5º e 6º nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08 (LADA) e os artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01, por estar em causa documentos administrativos nominativos, de acesso restrito, porque abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.

II. Embora não tenha sido prestado consentimento ou autorização escrita da pessoa titular dos dados de saúde à companhia de seguros, em facultar toda e qualquer informação médica de que esta possa necessitar, detida por médicos, hospitais e clínicas, com a garantia de confidencialidade, faltando, por isso, tal consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido no acesso a tal informação clínica, é de reconhecer à requerente, companhia se seguros, a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, decorrente da subscrição do contrato de seguro de vida e de uma declaração de saúde assinada pela de cujus, e do seu objetivo próprio, de atestar a causa e as circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as declarações de saúde prestadas no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. parte final do nº 3 do artº 2º e 2ª parte do nº 5 do artº 6º, ambos da Lei nº 46/2007, de 24/08.

III. Em consequência, deve ser prestada à requerente, companhia se seguros, a informação clínica da sua segurada, limitada ao atestado médico que, de entre o mais, contenha a indicação da doença e a data do diagnóstico da doença, que esteve na origem do óbito.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus respetivos fundamentos, revogando a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a intimação requerida, limitada ao atestado médico que, de entre o mais, contenha a indicação da doença e a data do diagnóstico da doença, que esteve na origem do óbito.

Custas pelo Hospital requerido, em primeira instância – artº nº 1 do artº 446º do CPC.

Sem custas nesta instância de recurso.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)