Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13549/16
Secção:CA
Data do Acordão:08/19/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ASILO; AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:i) Na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/UE que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.
ii) O direito comunitário apenas exige que o requerente de protecção internacional seja ouvido antes de proferida decisão sobre o seu pedido de protecção internacional, o qual encerra tanto o estatuto de refugiado, como a protecção subsidiária, sendo que após a sua audição, inexiste obrigação de notificar aquele para mais uma vez intervir no procedimento.
iii) Dispõe o artigo 24.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, (com as alterações da Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio) sob a epígrafe “apreciação do pedido e decisão”, no seu n.º 2 que “o requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado”.
iv) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.
v) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados – discussões com indivíduos alegadamente instigados por um vizinho que se travou de razões com o requerente por declarações que este proferiu acerca do líder da confraria religiosa da qual aquele é seguidor – permitem concluir, sem margem para dúvida, não existir.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Ministério da Administração Interna – Serviço de estrangeiros e Fronteiras (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial urgente (pedido de asilo) contra si proposta por A…, cidadão nacional do Senegal, anulando a decisão de 18.02.2016 da Directora Nacional daquele Serviço.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

A. Para proferir a Sentença ora recorrida o douto Tribunal "a quo" estabeleceu que,

"A questão que cabe apreciar e decidir é a de saber se deve ser declarada a nulidade, por falta de fundamentação e de notificação da decisão da Directora nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 18 de Fevereiro de 2016 de recusa do pedido de asilo ou de autorização de residência formulado pelo ora autor, em língua que este compreendesse, se tal decisão é anulável por violação do princípio do benefício da dúvida.

Por fim cabe aferir se a entidade demandada deve ser condenada a conceder ao ora autor, nos termos do artigo 3°, nº 2 ou do artigo 7° da Lei nº 2612014, de 5 de Maio, o direito de asilo ou subsidiariamente, autorização de residência por razões humanitárias."

B. Quanto à alegada nulidade por falta de fundamentação e de notificação em língua que o autor compreendesse, julgou o douto tribunal pela improcedência, sustentando que, "Não se vê que nenhum direito do autor tenha ficado comprimido com a notificação que teve lugar, pois que o autor detinha mandatário no procedimento. Foi notificado da decisão e reagiu contenciosamente como é manifesto atentos os presentes autos."

C. Relativamente à questão de aferir se a entidade demandada deve ser condenada a conceder ao ora autor, nos termos do art. 3°, nº 2 ou do artigo 7° da lei nº 26/2014, de 5 de maio, o direito de asilo ou subsidiariamente, autorização de residência por razões humanitárias, não proferiu o douto Tribunal qualquer juízo, presumindo-se que o mesmo terá na sua base o facto de ter sido julgada anulada a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros Fronteiras de 18 de Fevereiro de 2016.

D. Entende assim a entidade demanda que a douta Sentença apenas anulou a decisão proferida pela Directora Nacional do SEF em 18 de Fevereiro de 2016, não a tendo condenado na execução de qualquer acto administrativo, consubstanciado na admissibilidade do pedido de protecção internacional, sob pena de a sentença ser considerada nula, por falta de motivação nos termos do art. 615° nº 1 b) do CPC.

E. Porém, o que motivou a anulação da decisão da entidade demanda não foi nem a «falta de fundamentação», nem a «notificação da mesma em língua que o autor compreendesse», argumentos aduzidos pelo Recorrido, mas antes a questão suscitada por esse douto Tribunal que alega que foi preterida a audiência dos interessados no Processo desencadeado pelo Pedido de Protecção Internacional, referindo o que aqui integralmente se reproduz, mormente que, "...no caso dos autos e atendendo ao teor do auto das declarações que A prestou ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 15 de Fevereiro de 2016 constata-se que apenas ao primeiro daqueles quatro pontos objectivos foi dado cumprimento. Mas não lhe foi dado a conhecer o projecto de decisão de indeferimento, nem os respectivos fundamentos, nem lhe foi dada a possibilidade de efectiva e utilmente no procedimento se pronunciar sobre os mesmos. Ou seja, não se afigura que as declarações prestadas pelo requerente ora autor possam assim ser considerados como audiência prévia do interessado (entendida esta com a exigência e o alcance que o Tribunal de justiça da União Europeia e o direito da União Europeia impõem).

Assim, a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 18 de Fevereiro de 2016 viola o artigo 24°, nº 2 da lei nº 2712006, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 2612014, de 5 de Maio, interpretado em conformidade com o que dispõe designadamente o artigo 41.º, nº 2 alínea a) da carta dos direitos fundamentais da união Europeia, sendo por isso anulável nos termos do artigo 163°, nº 1 do CPA."

F. Não pode o ora Recorrente concordar com a douta Sentença, a qual procedeu num incorrecto enquadramento e interpretação das normas internas constantes da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 26/2014 de 5 de maio, quer das normas constantes na Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 (revogada pela Directiva 2011/95/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011, relativamente aos Estados-Membros por ela vinculados com efeitos a partir de 21 de Dezembro de 2013), da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, da Directiva 2013/32/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de protecção internacional, bem como das normas constitucionais invocadas, bem assim como do invocado Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

G. A Lei nº 26/2014 de 5 de Maio " ...estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerentes de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária..."

H. Transpostas as directivas comunitárias para o ordenamento jurídico nacional, no que tange à matéria em causa estabelece a ai. s) do nº 1 do art.º 2º da Lei 27/2008 de 30 de Junho, alterada pela Lei 26/2014 de 5 de Maio, que para efeitos da presente lei entende-se por «Pedido de protecção internacional», pedido de protecção apresentado por estrangeiro ou apátrida que pretenda beneficiar do estatuto de refugiado ou protecção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de protecção susceptível de ser objecto de um pedido separado.(Sublinhado nosso)

I. Por sua vez o art. 10° da referida lei, sob a epígrafe «Pedido de protecção internacional» estabelece que:

1- Presume-se que qualquer pedido de protecção, ainda que implícito, é um pedido de protecção internacional conforme o disposto na alínea s) do nº 1 do artigo 2°

2- Na apreciação dos pedidos de protecção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para protecção subsidiária. (sublinhado nosso)

J. A definição de «Pedido de protecção Internacional», bem como a recepção e tratamento do mesmo, leva-nos a concluir que quando às autoridades competentes, o requerimento de protecção internacional compreende em simultâneo o pedido de protecção para beneficiar do estatuto de refugiado e o pedido de protecção subsidiária, sendo que ambos são analisados num único procedimento.

K. Aliás este foi o entendimento do legislador comunitário quando procedeu à revogação da Directiva 2004/83/CE do Conselho de 29 de Abril, passando então a vigorar a Directiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011.

L. Na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/UE que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.

M. Refira-se que em Portugal sempre vigorou o sistema de procedimento único, ao contrário do que sucedia noutros Estados da união Europeia.

N. Efectivamente, a Directiva 2011/95/EU do Parlamento de 13 de Novembro veio introduzir um sistema uniforme de Protecção internacional, no qual se considera que a partir do momento em que um cidadão de país terceiro ou apátrida solicita Protecção internacional a um Estado Membro, o mesmo é recebido como Pedido de Protecção Internacional quer para efeitos de estatuto de refugiado, quer para efeitos de protecção subsidiária, sendo que naquele Pedido de Protecção Internacional são analisados em simultâneo os pressupostos quer para o estatuto de refugiado, quer para a protecção subsidiária.

O. O invocado Acórdão do Tribunal de Justiça tem por objecto a questão aí suscitada de sucessão de procedimentos, que ao tempo vigorava na Irlanda, nada tendo que ver com o caso dos autos, e muito menos com o quadro legal que actualmente vigora na União Europeia.

P. Aliás contrariamente ao que vem defendido na Sentença em crise, a legislação comunitária apenas exige que o requerente de protecção internacional seja ouvido antes de proferida decisão sobre o seu pedido de protecção internacional, o qual como já foi dito, encerra tanto o estatuto de refugiado, como a protecção subsidiária, sendo que após a sua audição, inexiste obrigação de notificar para mais uma vez intervir no procedimento.

Q. Com interesse remete-se para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Procº 61/11.YFLSB de 27-09-2011, que é parte integrante das presentes alegações.

R. Ora a invocação por esse douto Tribunal do que entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão de 22 de Novembro de 2012, proferido no processo C-277/11, falece, s.m.o., na equiparação ao caso dos autos, porque se tratou de uma questão suscitada na pendência da Directiva revogada que distinguia o pedido de estatuto de refugiado e o pedido de protecção subsidiária, não estando os Estados obrigados a analisar em simultâneo os dois pedidos, uma vez que à data se tratavam efectivamente de pedidos diferentes.

S. No sistema jurídico actualmente em vigor, o Pedido de Protecção Internacional, tal como foi referido, reúne os dois pedidos num único procedimento, sendo que o requerente é ouvido para prestar declarações de molde a verificar se reúne as condições de admissibilidade do estatuto de refugiado e em caso de não ser admissível, se reúne as condições de enquadramento no mecanismo de protecção subsidiária.

T. Assim, recebido o Pedido de Protecção Internacional, as autoridades portuguesas em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam o procedimento, que é uno, no qual vão aferir das condições de admissibilidade do pedido para beneficiar do Estatuto de refugiado - art.º 3° da Lei -. ou subsidiariamente da Protecção Subsidiária - art.º 7° da Lei-.

U. O tratamento do Pedido de protecção internacional, dependendo do momento e local onde é apresentado , obedece a regras de procedimento diferentes, ou seja, os pedidos apresentados no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF seguem a tramitação estabelecida nos artigos 10º e ss. da Lei nº 26/2014 de 5 de maio; por sua vez os pedidos apresentados nos Postos de Fronteira, seguindo uma tramitação mais acelerada integram o Regime Especial estabelecido no artigo 23º e ss. do mesmo diploma legal.

V. No caso dos Autos, tratando-se de pedido de Protecção Internacional efectuado no Posto de Fronteira, o mesmo é tratado como Regime especial, seguindo os trâmites dos artigos 23º e ss da Lei nº 26/2014 de 5 de maio.

W. Com interesse determina o art. 23º sob a epígrafe «Regime especial»:

1- "A decisão dos pedidos de protecção internacional apresentados nos postos de fronteira por estrangeiros que não preencham os requisitos legais necessários para a entrada em território nacional está sujeita ao regime previsto nos artigos anteriores com as modificações constantes da presente secção

2- Os funcionários que recebam requerentes de protecção internacional nos postos de fronteira possuem formação apropriada e conhecimento adequado das normas pertinentes aplicáveis no domínio do direito da protecção internacional."

X. Por sua vez o art. 24º sob a epígrafe «Apreciação do pedido e decisão»

1- "O SEF comunica a apresentação do pedido de protecção internacional a que se refere o artigo anterior ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não-governamental que actue em seu nome, que podem entrevistar o requerente se o desejarem.

2- O requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dois seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado. (sublinhado nosso)

3- À prestação de declarações referida no número anterior é aplicável o disposto no artigo 16°.

4- O director nacional do SEF profere decisão fundamentada sobre os pedidos no prazo máximo de sete dias.

5- A decisão prevista no número anterior é notificada por escrito, ao requerente com informação dos direitos de impugnação jurisdicional que lhe assistem, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não-governamental que atue em seu nome, desde que o representante tenha dado o seu consentimento. "

Y. No decorrer do referido procedimento o requerente de Protecção internacional é ouvido nos termos do art. 16 da Lei que estabelece o seguinte:

1- Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de protecção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou outro idioma que posa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstancias que fundamentam a respectiva pretensão.

2- A prestação de declarações assume carácter individual, excepto se a presença dos membros da família for considerada necessária para uma adequada da situação.

3- Para os efeitos dos números anteriores, logo que receba o pedido de protecção internacional, o SEF notifica de imediato o requerente para prestar declarações, no prazo de dois a cinco dias.

4- (revogado)

5- A prestação de declarações só pode ser dispensada:

a) Se já existirem condições para decidir favoravelmente sobre o estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis;

b) Se o requerente for considerado inapto ou incapaz para o efeito devido a circunstâncias duradouras , alheias à sua vontade ;

c) (Revogada)

6- Quando não houver lugar à prestação de declarações nos termos do número anterior, o SEF providência para que o requerente ou a pessoa a cargo comuniquem, por qualquer meio, outras informações.

Z. Feito o enquadramento legal, e auscultado o processo administrativo, é indubitável que a autoridade competente, in caso, o ora recorrente não preteriu qualquer formalidade essencial, nem desrespeitou as normas de direito comunitário ou constitucional, aliás, a sentença recorrida também admite como matéria assente que "Está provado que A foi ouvido em 15 de Fevereiro de 2016 pelo Serviço de Estrangeiros Fronteiras tendo sido elaborado o "Auto de Declarações" que acima reproduzimos em F)."

AA. Não entende o ora recorrido em que medida se justifica a anulação da decisão administrativa "por violação do art. 24°, nº 2 da Lei nº 26/2014 de 5 de Maio. interpretado em conformidade com o que dispõe designadamente o art.º 41º, nº 2 alínea a) da Carta dos direitos fundamentais da união europeia, sendo anulável nos termos do artigo 163°., nº 1 do CPA.

BB. 0 art. 41°, nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais Da União Europeia (2000/C 364/01) refere que "Todas as pessoas têm o direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável".

CC. De molde a concretizar o estabelecido no nº 1, o nº 2 do artigo refere que "Este direito compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente."

DD. De acordo com a Lei nº 26/2014 de 5 de Maio, aos pedidos de asilo apresentados nos Postos de Fronteira é aplicado um regime especial, de acordo com o art.º 23º e ss., ou seja, diferente do regime geral aplicável aos pedidos efectuados no Gabinete de Asilo e Refugiados.

EE. Assim, aos pedidos apresentados nos Postos de Fronteira é aplicado um regime de tramitação mais acelerado, o qual apesar de não dispensar a prestação de declarações pelo requerente em conformidade com o art.0 16°, e que no caso foi cumprido, não determina qualquer dever por parte da administração no sentido de notificar o requerente do relatório para que este se possa pronunciar.

FF. No caso concreto, por se tratar de um regime especial, cumprido o determinado no art.0 16°, em conformidade com o que vem estipulado no art.º 24º nº 3, o requerente é notificado da decisão proferida pelo director nacional do SEF, a qual deve ser emitida no prazo máximo de 7 dias após a recepção do pedido, cfr,. art.0 24° nº 4.

GG. Não prevê aquela Lei, em sede do regime especial, que o requerente tenha que ser notificado do relatório referido no nº 1 do art.º 16° para que este se possa pronunciar, e só posteriormente ser notificado da decisão, aliás, o que seria de todo incompatível com o prazo de 7 dias, após a recepção do pedido, para tomada de decisão por parte do Director Nacional do SEF (trata-se de um processo complexo), e que certamente terá sido tido em conta pelo legislador ao não prever expressamente a obrigação de notificação para aquele efeito, mas tão-somente de notificar da decisão.

HH. Acresce assim referir, s.m.o. que não foi desrespeitado o nº 2 do art.º 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que esta expressamente refere que o direito da pessoa que está aqui em causa é o de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afecte, não se podendo daí retirar que antes de se chegar à decisão final a pessoa dever ser notificada para se pronunciar sobre os argumentos que levarão o órgão decisor a decidir em sentido contrário.

li. Ora esse direito foi efectivamente respeitado com a audição do requerente em 15 de Fevereiro de 2016, em cumprimento do disposto no nº 3 do art.º 24º e nº 1 e do art.º 16 da Lei nº 27/2008, de 30 de Julho , alterada pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

JJ. Aliás, em conformidade com o nº 2 do art.º 24° da Lei de Asilo, as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia de interessado, pelo que o mesmo será dizer que nesse âmbito e fazendo o paralelismo com o artigo 121º e ss. do CPA, o ora A. foi ouvido e teve a possibilidade de se pronunciar, antes de ser preferida a decisão final.

KK. Em conclusão, não foram preteridos quaisquer direitos do ora A., tendo sido cumpridas com rigor todas as formalidades legais exigidas para o caso, não existindo assim qualquer motivo para considerar anulável a decisão em crise.

LL. No que tange ao Pedido de protecção Internacional efectuado pelo ora recorrido afigura-se claro a decisão da entidade administrativa encontra-se legalmente fundamentada, sendo disso prova o teor da Informação 277/GAR/16 elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, e que passa a fazer parte integrante das presentes alegações.

MM. Efectivamente, o recorrente durante o procedimento administrativo não logrou provar de forma concreta e inequívoca quais as ameaças graves contra a sua vida e ou integridade física sofridos que pudessem justificar enquadramento da sua situação na norma veiculada pelo art.º 7° nº 2 c) da Lei de Asilo.

NN. Quanto ao pedido de asilo propriamente dito, as alegações do recorrente não merecem acolhimento, na medida em que não foi invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3° da lei nº 27/08, de 30 de Julho.

00. Efectivamente, verifica-se que o pedido é manifestamente infundado, face às disposições reguladoras do direito de asilo, porquanto o recorrente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido alvo, em consequência de actividades atrás descritas.

PP. Tal como ficou amplamente explanado na contestação, subsistem diversas contradições no relato apresentado pelo recorrente e uma manifesta falta de apresentação de elementos probatórios credíveis para sustentar os factos por si alegados .

QQ. O recorrido prestou declarações vagas, desprovidas de pormenor e mesmo contraditórias, não tendo causado no examinador a convicção de que se trata de pessoa verdadeiramente necessitada de protecção, ou seja de pessoa perseguida nos termos da legislação de asilo e bem assim da protecção subsidiária.

RR. Face aos elementos carreados para os autos, o Recorrido logrou provar que a decisão da Administração respeitou integralmente os princípios, normas e trâmites legalmente previstos, facto que levou o Tribunal a quo a decidir em favor do R.

SS. Quanto ao mais, remete para todo o vertido no articulado da sua contestação oportunamente deduzida, bem como para o processo administrativo junto aos autos.

TT. Todo o exposto demonstra que o acto ora impugnado foi correcta e legalmente proferido não padecendo de qualquer vício que o invalide, pelo que não procedem in totu as razões aduzidas pela A..

UU.Pelo acima exposto, conclui-se que a Sentença recorrida deve ser revogada, em virtude de o Réu, ora recorrido, carecer em absoluto de competência para o cumprimento da mesma , considerando ainda que acto administrativo é valido e respeitou todos os trâmites legais.



O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso jurisdicional.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela invalidade da decisão impugnada, com fundamento na preterição da audiência prévia do interessado.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) A nasceu em Dakar, Senegal em 25 de Maio de 1985 e tem nacionalidade do Senegal. Cfr. folhas 1 do processo administrativo.

B) A chegou ao Posto de Fronteira do Aeroporto da Portela em Lisboa, Portugal em 07 de Fevereiro de 2016 pelas 15horas e 42 minutos, proveniente de Casablanca no voo AT980. Cfr. documentos 9 e seguintes do processo Administrativo.

C) A A foi recusada a entrada em território nacional português nos termos do disposto nos artigos 9.º e 32.º, n.º1, alínea a) da Lei n.º23/2007 de 4 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º29/2012 de 9 de Agosto, conjugados com os artigos 5.º, n.º1, alínea a) e 13.º, n.º1 do Código de Fronteiras Schengen (Regulamento (CE) 562/06 de 15 de Março, na sua versão actual)” “por uso de documento de viagem falso ou falsificado”. Cfr. documentos de folhas 9 e seguintes do processo administrativo.

D) A recebeu a visita do Dr. J, que se constitui seu bastante procurador. Cfr. documentos de folhas 13 e 7 do processo administrativo.

E) A requereu em 8 de Fevereiro de 2016 protecção internacional ao Estado Português “em virtude de se sentir perseguido por motivos religiosos conforme pretende explicitar durante a entrevista a que se reportam os artigos 16.º e 49 da” Lei n.º26/2014, de 5 de Maio.. Cfr. documentos de folhas 6 e 13 do processo administrativo.

F) A foi ouvido em 15 de Fevereiro de 2016 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tendo sido elaborado “Auto de Declarações” com o seguinte teor:

“Aos 15 de Fevereiro de 2016 pelas 11 horas e 30 minutos, no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, perante mim, F, inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e na presença do intérprete de língua francesa, M, língua que o requerente compreende e através da qual comunica claramente, compareceu o cidadão que se identificou como A, nascido aos 25.05.1985, em Dakar- Congo, nacional da República do Senegal e melhor identificado nos autos, que respondeu, da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de protecção internacional efectuado:

P. Em que língua pretende prestar declarações? Que línguas fala?

R. Em francês. Também falo um pouco de inglês e de português.

P. Tem algum documento de identificação, que comprove a sua identidade?

R. Tenho o meu passaporte e o meu cartão de identidade do Senegal.

P. Escolaridade?

R. Tenho o 12.º ano de escolaridade.

P. Professa alguma religião?

R. Sou muçulmano.

P. Pertence a alguma etnia?

R. Wolof.

P. Estado civil?

R. Solteiro e sem filhos.

P. Qual era a sua profissão?

R. Era pintor de construção civil em Dakar.

P. Já pediu asilo anteriormente?

R. Não, esta é a primeira vez.

P. Alguma vez residiu fora do Senegal?

R. Não, é a primeira vez que viajo para fora do país.

P. Onde vivia e com quem?

R.Vivi sempre em Dakar, numa casa situada na esquina das “Rue ”. Vivia com os meus pais e os meus três irmãos mais velhos (Abdoulaye de 32 anos, Mamadou de 28 e Issa de 23) e a minha irmã mais nova, Khadidiatou de 15 anos.

P. Tem mais família?

R. No Senegal não, mas aqui em Portugal tenho um primo, P, que mora na Madeira.

P. Qual a situação documental do seu primo?

R. Ele está legal, tal como a mulher. O meu primo é jogador de futebol no .

P. Quando saiu do seu país e por que motivo?

R. Deixei Dakar no Sábado de 06/02/2016, porque era vítima de perseguição religiosa e tinha sofrido ameaças de morte por um grupo de fieis muçulmanos extremistas que formam uma seita denominada “Mouride”.

P. Quando começaram as ameaças?

R. Em 20/12/2015, à noite, eu estava a conversar com dois amigos sobre a situação política do país e estava a defender que o país não melhora por causa dos grupos religiosos. Dei o exemplo do que é um líder religioso que recebe dinheiro dos políticos porque consegue orientar os votos dos seus seguidores, que são cerca de três milhões. Um vizinho meu, M, que é “talib” (fiel) confrontou-me por causa disso e eu disse que só estava a exprimir as minhas ideias políticas e ele não tinha na a ver com isso. Os meus amigos separaram- nos e, então, ele ameaçou-me dizendo:”vais ver o que te vai acontecer; ninguém pode tocar no nosso Cheikh, ninguém pode falar mal dele.”

P. E depois?

R. Então, no dia 25/12/2015, à noite, quando ia na rua com a minha namorada, o meu vizinho mais três amigos atacaram-me e começaram a bater-me até sermos separados por vizinhos e pessoas que passavam na rua.

P. Ficou ferido?

R. Fiquei um pouco ferido no lábio e um pouco dorido mas não precisei de tratamento médico. Quando voltei a casa contei à minha mãe e ela disse que tínhamos de ir falar com o chefe do bairro para arranjar uma solução para o problema. Na segunda-feira seguinte, chefe de bairro fez uma reunião entre mim e o meu vizinho que compareceu com um grupo de fieis. Eu expliquei que apenas estava a falar de política e não queria insultar o Cheikh e pedi desculpas mas o meu vizinho não aceitou e disse que ninguém pode falar mal do nosso Cheikh.

P. Que aconteceu depois?

R.No dia seguinte fui apresentar queixa à “Gendarmerie” mas eles disseram que devia ir à Esquadra de Polícia do 2.º Bairro. Lá eles disseram-me que estavam com muito trabalho para voltar mais tarde.

P. Então apresentou a queixa mais tarde?

R. Não, não voltei à esquadra porque acho que os policias não iam fazer nada e os homens que me ameaçavam disseram que a policia não podia fazer nada por mim e, então, tive medo e não voltei à esquadra.

P. Então nunca apresentou queixa formal da situação?

R. Não.

P. Passou-se mais alguma coisa?

R. Sim, os ataques continuavam sempre. Fui atacado várias vezes, cada vez mais forte e sempre por pessoas diferentes. Uma vez eu ia de mota e eles atiraram-me ao chão e fiquei ferido nos dedos, no ombro e nas costas. Depois deixei de sair de casa com medo e a minha mãe falou com uma vizinha que conseguiu um contacto que me arranjou documentos para viajar para um país mais seguro.

P. Recorreu a tratamento hospitalar alguma vez?

R. Sim, quando caí da mota fui ao hospital e eles receitaram-me “Voltaren” e “Iboprofeno” para as dores. Das outras vezes fiquei só com escoriações e não fui ao hospital.

P. Quando pagou pelos documentos e a passagem de avião?

R. Não sei, foi a minha vizinha que tratou de tudo e emprestou o dinheiro à minha mãe. O homem que me arranjou os documentos foi a minha casa no dia 06/02/2016 e disse que eu ia viajar nesse dia.

P. Qual foi o seu itinerário?

R. Viajei de Dakar para Casablanca e daí para Lisboa. Quando cheguei fiquei surpreendido por ter sido detido porque pensava que tinha um visto bom.

P. E se não fosse detido, que pretendia fazer?

R. Ia telefonar a um tio meu de Dakar, irmão da minha mãe, que me ia enviar alguém para me ajudar aqui em Lisboa.

P. Porque não pediu protecção logo na fronteira?

R. Porque tive medo, era a primeira vez que estava num sitio assim. Pensava que o meu visto era bom e depois de entrar ia procurar um advogado para me ajudar a pedir protecção.

P. Quem contactou o seu advogado?

R. Penso que foi o amigo do meu tio que mora cá em Portugal.

P. Nunca pensou pedir ajuda ao seu primo, da Madeira?

R. Não, porque pensei que a melhor maneira de fazer as coisas era seguir as instruções do meu tio.

P. Já alguma vez foi detido ou acusado de algum crime no seu país, ou em outro?

R. Não.

P. Qual é o objectivo da sua viagem para a Europa? Qual era o seu destino final?

R. O meu destino final era Lisboa para pedir protecção com a ajuda de um advogado.

P. Se tiver de regressar à República do Senegal, como encara a situação?

R. Acho que vou ser torturado, ou mesmo morto pelas mesmas pessoas que referi.

P. Porque acha que o vão matar, se segundo as suas declarações, já o assaltaram diversas vezes e nunca o tentaram?

R. Porque acho que cada vez os ataques são piores e vão acabar por piorar ao ponto de provavelmente me matarem.

P. Tem algum documento que possa apresentar e que sustentem as suas declarações?

R. Não.

P. Autoriza que seja comunicada ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n.º3 do artigo 17.º da Lei n.º27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/14 de 05.05, as suas declarações e decisão quando vier a ser tomada?

R. Sim.

P. Quer acrescentar mais alguma coisa, que não tenha sido perguntado e que ache relevante para análise do pedido?

R. Não, só quero agradecer por ser ouvido e acho que não há nada a acrescentar.

E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lido o presente auto em língua francesa que compreende, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo, pelas 14h00, hora a que findou este acto

Declaro ter sido informado que o meu pedido de protecção vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento CE n.º640/2013 do Conselho de 26.06.13, designarem como responsável.

Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado Membro os motivos invocados no pedido e respectiva decisão, de acordo com o artigo 34.º, do Regulamento acima citado. Afirmo nada mais ter a acrescentar e que todas as declarações aqui prestadas são verdadeiras.

O presente auto foi-me lido na língua francesa, que domino e corresponde ao meu depoimento.”Cfr. documento de folhas 50 a 53 do processo administrativo, que se dá por integralmente reproduzido.

G) Com data de 18 de Fevereiro de 2016 foi no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaborada a Informação n.º/GAR/16 relativa ao “Processo de Protecção Internacional: /16, que se dá por integralmente reproduzida, e na qual se refere designadamente o seguinte:” (…)6. Dos factos

1. O requerente apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa aos 07/02/2016, proveniente de Casablanca, Marrocos, fazendo uso do seu passaporte da República do Senegal com aposição de visto falsificado ().

2. Face ao exposto, foi recusada a entrada em território nacional ao ora requerente (por não ser portador de documento de viagem válido ou documento que o substitua).

3. No dia seguinte, 08/02/2016, constituiu como seu representante legal o Dr. J, o qual efectuou requerimento a solicitar protecção internacional às autoridades portuguesas.

4. Em cumprimento do disposto no n.º3 do artigo 24.º e n.º1, do artigo 16 da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º26/2014 de 5 de Maio, foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção, tendo prestado as declarações constantes nos autos que se transcrevem: (…)

5. O requerente não apresenta qualquer documento de sustentação do mérito do seu pedido de protecção, identificando-se com passaporte e bilhete de identidade de cidadão nacional da República do Senegal.

6. Em cumprimento do n.º1 do artigo 24.º da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º26/2014 de 05 de Maio, foi comunicada ao Conselho Português para os Refugiados a apresentação do actual pedido de protecção internacional.

7. Da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo

Em resumo, o requerente declara ter saído do seu país por recear pela sua segurança na sequência de uma série de confrontos com indivíduos pertencentes à confraria “Mouride”, instigados por um vizinho seu que o ouviu a proferir comentários acerca do líder daquela confraria, e que o atacou e ameaçou por não admitir que falase mal do Cheick.

O requerente declara que aos 20/12/2015 enquanto conversava com amigos acerca da situação política do seu país, foi atacado por um vizinho seu que ouviu comentários seus acerca do Cheikh , líder da confraria Mouride do qual é seguidor. Terminada a altercação o seu vizinho ameaçou-o que se iria vingar, já que não admitia que ele falasse assim do Cheikh.

A partir daí sofreu vários ataques perpetrados pelo seu vizinho com outras pessoas, que lhe provocaram diversas escoriações ligeiras sem necessidade de tratamento hospitalar, à excepção de uma vez que foi derrubado da sua moto e recorreu a tratamento hospitalar tendo sido medicado com “Voltaren” e “Iboprofeno”.

Desde o início tentou apaziguar a situação recorrendo ao chefe do bairro mas o seu vizinho não aceitou as suas razões e pretendeu continuar a ameaça-lo.

Então foi à esquadra apresentar queixa mas os polícias disseram-lhe para voltar mais tarde porque estavam com muito trabalho; não voltou à esquadra por achar que não valia a pena, até porque os atacantes lhe disseram que a polícia nada podia fazer por ele.

Nunca chegou a apresentar queixa formal às autoridades.

A sua mãe conseguiu que uma vizinha contactasse alguém que lhe forneceu os documentos necessários para viajar para um país seguro, desconhecendo o valor que pagou.

Chegando a Lisboa estranhou ser interceptado na fronteira porque pensava que o seu visto era bom.

O seu destino final era Lisboa, onde pretendia encontrar um advogado que o ajudasse a pedir protecção.

Receia regressar ao Senegal porque acha que vai ser torturado ou mesmo morto pelas pessoas que o atacaram, e crê que os ataques vão piorar.

Nenhuma outra razão foi invocada para a sua saída do país de origem.

Analisadas as declarações do requerente, e antes de qualquer outra consideração, salienta-se que os factos invocados para o pedido de protecção se resumem a uma série de altercações levadas a cabo por indivíduos instigados por um seu vizinho que se travou de razões com o requerente por declarações que este proferiu acerca do líder da confraria religiosa da qual aquele é seguidor e que lhe terão desagradado.

Dos alegados ataques nunca o requerente comprova ter sofrido dano grave. Igualmente, nunca apresenta queixa formal ou solicitou protecção às autoridades policiais, justificando-se para o facto com razões pueris, nunca demonstrando firme intento em conseguir ajuda das autoridades oficiais, não se podendo assim aferir de eventual falta de capacidade destas em proteger o requerente.

Pretende o requerente apresentar a saída do seu país como única opção viável, quando na verdade não tentou qualquer outra, sendo a vinda para a Europa na realidade objectivo primeiro. Ademais, registe-se ainda que, conforme consta no registo de antecedentes, o requerente, em 2013, efectuou pedido de visto de turismo que lhe permitisse viajar para a Europa, o qual foi indeferido.

Toda a situação alegada é sempre descrita de modo vago e pouco credível e sem o apoio de qualquer prova que sustente a sua narrativa ou que, pelo menos, suscite dúvida razoável.

A concessão do benefício da dúvida desempenha nos pedidos de protecção internacional um papel relevante nos casos em que não é possível apresentar provas dos factos alegados, no entanto, de acordo com o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR (…) o beneficio da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos (…).

Assim, das suas declarações e demais elementos constantes do processo conclui- se que o requerente não apresenta razões para abandonar o seu país que possam ser legitimamente enquadradas no espírito da protecção internacional.

No presente caso, consideramos que não são alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que o requerente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º27/2008 de 30.06, alterada epla Lei n.º26/2014 de 05.05, pelo que consideramos o pedido de asilo infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.

8. Da admissibilidade da Autorização de Residência por Protecção Subsidiária

O artigo 7.º da Lei n.º27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Assim, face ao exposto no ponto 7. da presente informação, não se afigura que caso regresse ao país de origem o requerente corra o risco de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, nem que o seu regresso implique ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armando internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

A República do Senegal “é considerada uma das mais estáveis democracias de África Ocidental” verificando-se um acesso generalizado dos cidadãos às instituições policiais e judiciais e vivendo-se um ambiente de relativa paz social e tolerância religiosa.

Pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer na alínea c) e e) do n.º1 do artigo 19.º da Lei n.º27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014 de 05.05.

9. Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do n.º1 do artigo 19.º da Lei n.º27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014, de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3.º da Lei citada.

Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de protecção subsidiária, e por isso, infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do n.º1 do artigo 19.º da Lei n.º27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014, de 5 de Maio.

Assim, submete-se à consideração do Exmo. Director Nacional Adjunto do SEF a proposta acima, nos termos das alíneas c) e e) do n.º1 do artigo 19.º, e n.º4 do artigo 24.º, ambos da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014 de 05.05.”

H) Com data de 18 de Fevereiro de 2016 a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu decisão com o seguinte teor:”De acordo com o disposto nas alíneas c) e e) do n.º1 do artigo 19.º, e no n.º4 do artigo 24.º ambos da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º26/2014 de 5 de Maio, com base na informação n.º277/GAR/16 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como sendo A, nacional da República do Senegal, nascido aos 25/05/1985, infundado.

Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pelo cidadão acima identificado, infundado.

Notifique-se o interessado nos termos do n.º5 do artigo 24.º da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º26/2014 de 05 de Maio.”Cfr. documento de folhas 65 do processo administrativo.

I) Com data de 18 de Fevereiro de 2016 A assinou “notificação” com o seguinte teor:”Aos 18 de Fevereiro de 2016, pelas 19 horas no posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, é notificado o cidadão que se identificou como A, nacional da República do Senegal, nascido aos 25/05/1985, da Decisão proferida pela Exma. Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao abrigo do n.º4 do artigo 24.º da Lei n.º27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014 de 5 de Maio, que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado.

Nos termos do n.º3 do artigo 26.º da Lei n.º27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014 de 05.05, a decisão de inadmissibilidade do pedido determina a aplicação do regime jurídico de entrada, permanência saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

Da decisão ora notificada cabe recurso, querendo, para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, fax número 21 3143834, a interpor no prazo de quatro dias, com efeito suspensivo.

Esta decisão é comunicada ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n.º5, do artigo 24.º da Lei n.º27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º26/2014 de 05.05, para o a qual o requerente deu o seu consentimento.

Ao notificado (a) é entregue duplicado da presente notificação, cópia da decisão agora notificada e da informação do SEF n.º/GAR/16.

A notificação foi lida ao requerente na língua francesa que compreende ou que é razoável presumir que compreenda.”Cfr. documento de folhas 68 do processo administrativo..



Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.

II.2. De direito

A decisão sob recurso assentou no seguinte discurso fundamentador, o qual o ora Recorrente não aceita:

A questão que ao Tribunal cabe apreciar e decidir é a de saber se deve ser declarada a nulidade, por falta de fundamentação e de notificação da decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 18 de Fevereiro de 2016 de recusa do pedido de asilo ou de autorização de residência formulado pelo ora autor, em língua que este compreendesse; se tal decisão é anulável por ter sido preterida a audiência prévia e ainda se aquela decisão é anulável por violação do princípio do benefício da dúvida.

(…)

Está provado que em 18 de Fevereiro de 2016 pelas 19 horas A foi notificado da decisão proferida pela Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado. Está provado que a notificação lhe foi entregue por escrito em português em conjunto com a Informação do SEF n.º/GAR/16. E está provado que a notificação foi lida ao ora autor em Francês.

Ora, está provado que A quando foi ouvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 15 de Fevereiro de 2016 referiu que pretendia prestar declarações em francês. Prestou o seu depoimento em francês. As perguntas foram-lhe feitas em português e traduzidas para francês que o ora autor compreendeu.

O ora autor referiu que até viajar para Casablanca de onde voou para Lisboa, sempre viveu no Senegal. É facto notório que a língua oficial do Senegal é o francês. O ora autor declarou que tem como habilitações literárias o 12.º ano. Ou seja, o autor deterá 12 anos de escolaridade em francês.

Pelo que se afigura que o SEF entendeu fundadamente que o autor compreendia a língua francesa. Língua em que se expressou e que entendeu respondendo com razoável entendimento o que lhe era perguntado.

(…)

Está provado que A foi ouvido em 15 de Fevereiro de 2016 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tendo sido elaborado o “Auto de Declarações” que acima reproduzimos em F). Entende o Ministério da Administração Interna que em face do que dispõe o artigo 24.º, n.º2 parte final da Lei n.º27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º26/2014 de 5 de Maio, que aquelas declarações prestadas pelo requerente de protecção internacional, autor nos presentes autos, valem para todos os efeitos como audiência prévia do interessado.

Afigura-se que não é esse o entendimento mais correcto e que esteja de acordo com o direito da União Europeia em matéria de asilo tal como o entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão de 22 de Novembro de 2012 proferido no processo C- 277/11.

Aquele Acórdão foi proferido na sequência de pedido de reenvio prejudicial sobre a interpretação do artigo 4.º, n.º1 da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida.”

O artigo 4.º, n.º1 daquela Directiva tem a seguinte redacção: ”Os Estados- Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de protecção internacional. Incumbe ao Estado-Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes ao pedido.”

A questão prejudicial colocada ao Tribunal de Justiça foi a seguinte:”No caso em que um requerente pede o estatuto de protecção subsidiária na sequência de uma recusa de concessão do estatuto de refugiado e é proposto o indeferimento desse pedido, a exigência de cooperação com o requerente, imposta ao Estado-Membro pelo artigo 4.º, n.º1, [segunda frase] da Directiva 2004/83 […] obriga as autoridades administrativa do Estado-Membro em questão a fornecer a esse requerente os resultados da avaliação antes da decisão final, de modo a permitir-lhe reagir aos aspectos da proposta de decisão [que apontam para uma resposta] negativa? Sublinhamos a parte final da questão por se afigurar que é a que tem pertinência no casos dos presentes autos.

E refere-se naquele Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2012 proferido no processo C-277/11:”(…) importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União (…).

No presente caso, mais concretamente, o direito de ser ouvido em todos os procedimentos, que faz parte integrante do referido princípio fundamental (…) está hoje consagrado não só nos artigos 47.º e 48.º da Carta, que garantem o respeito dos direitos de defesa e o direito a um processo equitativo no âmbito de qualquer processo jurisdicional, como também no seu artigo 41.º, que assegura o direito a uma boa administração.

O n.º2 do referido artigo 41.º prevê que este direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial, bem como a obrigação, por parte da Administração, de fundamentar as suas decisões.

Há que referir que, como resulta da sua própria letra, esta disposição é de aplicação geral.

Por isso, o Tribunal de Justiça sempre afirmou a importância do direito de ser ouvido e o seu alcance muito lato na ordem jurídica da União, ao considerar que este direito deve ser aplicado a qualquer processo que possa ter como resultado um acto lesivo (…).

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do referido direito impõe-se mesmo quando a regulamentação aplicável, não preveja expressamente essa formalidade (…).

O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efectiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adopção de qualquer decisão susceptível de afectar desfavoravelmente os seus interesses. (…)

O referido direito implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada. (…)

Importa acrescentar que, segundo jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça, incumbe aos Estados-Membros não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com o direito da União mas também procurar não se basear numa interpretação susceptível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União ou com os outros princípios gerais do direito da União.”

O Tribunal de Justiça concluiu e decidiu o seguinte:”A exigência de cooperação do Estado-Membro em causa com o requerente de asilo, conforme enunciada no artigo 4.º, n.º1, segunda frase, da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida, não pode ser interpretada no sentido de que, no caso de um estrangeiro solicitar o beneficio do estatuto conferido pela protecção subsidiária, após lhe ter sido recusado o estatuto de refugiado, e de a autoridade nacional competente pretender igualmente indeferir este segundo pedido, a referida autoridade tem, a este título, a obrigação de, antes de adoptar a sua decisão, informar o interessado da resposta negativa que se propõe dar ao seu pedido e de lhe comunicar os argumentos com que pretende fundamentar o indeferimento do mesmo, de maneira a permitir a esse requerente apresentar o seu ponto de vista a este respeito.

Todavia, tratando-se de um sistema como o instituído pela regulamentação nacional em causa no processo principal, caracterizado pela existência de dois procedimentos distintos e sucessivos para efeitos da apreciação, respectivamente, do pedido de obtenção do estatuto de refugiado e do pedido de protecção subsidiária, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar o respeito, no âmbito de cada um desses procedimentos, dos direitos fundamentais do requerente, mais concretamente, do direito de ser ouvido, no sentido de que ele deve poder dar a conhecer utilmente as suas observações, antes da adopção de qualquer decisão que não conceda o beneficio da protecção requerida. Em tal sistema, a circunstância de o interessado já ter sido utilmente ouvido no momento da instrução do seu pedido de concessão do estatuto de refugiado não implica que essa formalidade possa ser dispensada no âmbito do procedimento relativo ao pedido de protecção subsidiária.”

O que está em causa não é pois apenas o direito de o requerente de protecção internacional de ser ouvido. Esta ainda em causa:

- a obrigação da entidade administrativa de, antes de adoptar a decisão de indeferimento informar o interessado da resposta negativa que se propõe dar;

- a obrigação da entidade administrativa de, antes de tomar a decisão de indeferimento, informar o interessado dos argumentos com que pretende informar esse indeferimento;

- a obrigação da entidade administrativa de, antes de tomar a decisão de indeferimento permitir ao requerente apresentar o seu ponto de vista, expor as suas observações sobre o projecto de decisão de indeferimento e respectivos fundamentos.

Assim, afigura-se que o artigo 24.º n.º2 da Lei n.º27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º26/2014, de 5 de Maio quando estatui que “o requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado” deve ser interpretado com aquele entendimento do Tribunal de Justiça e com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União Europeia, designadamente os consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. Isto é, o prestar de declarações pelo requerente de protecção internacional só equivale a audiência prévia do interessado quando se cumpram aqueles quatro objectivos da mesma:

- o requerente seja ouvido sobre os fundamentos do pedido de protecção;

- o requerente seja informado da resposta negativa que a entidade administrativa se propõe dar àquele pedido;

- o requerente seja informado dos argumentos que fundamentam esse indeferimento;

- e que ao requerente seja efectivamente dada a possibilidade de com utilidade para a decisão a tomar, apresentar o seu ponto de vista, expor as suas observações sobre o projecto de decisão de indeferimento e respectivos fundamentos.

Ora, no caso dos autos e atendendo ao teor do auto das declarações que A prestou ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 15 de Fevereiro de 2016 constata-se que apenas ao primeiro daqueles quatro pontos/objectivos foi dado cumprimento. Ele foi ouvido sobre os fundamentos do pedido de protecção que formulou. Mas não lhe foi dado a conhecer o projecto de decisão de indeferimento, nem os respectivos fundamentos, nem lhe foi dada a possibilidade de efectiva e utilmente no procedimento se pronunciar sobre os mesmos. Ou seja, não se afigura que as declarações prestadas pelo requerente ora autor possam assim ser consideradas como audiência prévia do interessado (entendida esta com a exigência e o alcance que o Tribunal de Justiça da União Europeia e o direito da União Europeia impõem).

Assim, a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 18 de Fevereiro de 2016 viola o artigo 24.º, n.º2 da Lei n.º27/2006, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º26/2014, de 5 de Maio, interpretado em conformidade com o que dispõe designadamente o artigo 41.º, n.º2 alínea a) da carta dos direitos fundamentais da União Europeia, sendo por isso anulável nos termos do artigo 163.º, n.º1 do CPA.

Ou seja, entendeu o tribunal a quo que o artigo 24.º n.º2 da Lei n.º27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º26/2014, de 5 de Maio quando estatui que “o requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado” deve ser interpretado com aquele entendimento do Tribunal de Justiça e com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União Europeia, designadamente os consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. E que o prestar de declarações pelo requerente de protecção internacional só equivale a audiência prévia do interessado quando se cumpram aqueles quatro objectivos da mesma: que o requerente seja ouvido sobre os fundamentos do pedido de protecção, que seja informado da resposta negativa proposta; que seja informado dos argumentos que fundamentam esse indeferimento e que seja dada efectiva possibilidade de com utilidade para a decisão a tomar, contraditar o projecto de decisão de indeferimento e respectivos fundamentos.

O Recorrente entende que não é assim, defendendo que na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/UE que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária. Que em Portugal sempre vigorou o sistema de procedimento único, ao contrário do que sucedia noutros Estados da união Europeia. Que a Directiva 2011/95/EU do Parlamento de 13 de Novembro veio introduzir um sistema uniforme de Protecção internacional, no qual se considera que a partir do momento em que um cidadão de país terceiro ou apátrida solicita Protecção internacional a um Estado Membro, o mesmo é recebido como Pedido de Protecção Internacional quer para efeitos de estatuto de refugiado, quer para efeitos de protecção subsidiária, sendo que naquele Pedido de Protecção Internacional são analisados em simultâneo os pressupostos quer para o estatuto de refugiado, quer para a protecção subsidiária. E que o invocado Acórdão do Tribunal de Justiça tem por objecto a questão aí suscitada de sucessão de procedimentos, que ao tempo vigorava na Irlanda, nada tendo que ver com o caso dos autos, e muito menos com o quadro legal que actualmente vigora na União Europeia.

De igual modo sustenta que não foi desrespeitado o nº 2 do art.º 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que esta expressamente refere que o direito da pessoa que está aqui em causa é o de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afecte, não se podendo daí retirar que antes de se chegar à decisão final a pessoa dever ser notificada para se pronunciar sobre os argumentos que levarão o órgão decisor a decidir em sentido contrário. E esse direito foi efectivamente respeitado com a audição do requerente em 15 de Fevereiro de 2016.

Defende ainda o Recorrente que no que tange ao pedido de protecção Internacional efectuado pelo ora Recorrido afigura-se claro a decisão da entidade administrativa encontra-se legalmente fundamentada, sendo disso prova o teor da Informação /GAR/16 elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, sendo que durante o procedimento administrativo aquele não logrou provar de forma concreta e inequívoca quais as ameaças graves contra a sua vida e ou integridade física sofridos que pudessem justificar enquadramento da sua situação na norma veiculada pelo art.º 7° nº 2 c) da Lei de Asilo. E quanto ao pedido de asilo propriamente dito, as alegações do requerente e ora Recorrido não merecem acolhimento, na medida em que não foi invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3° da lei nº 27/08, de 30 de Julho.

Pode já adiantar-se que a razão está do lado do Recorrente.

Com efeito, o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia em que a sentença recorrida se apoiou tem como enquadramento normativo uma realidade completamente distinta da agora vigente, concretamente no tocante ao nosso ordenamento jurídico.

No citado aresto de 22.11.2012, que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela High Court (Irlanda), por decisão de 1 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de junho de 2011, no processo C-277/11, concluiu-se o seguinte:

Todavia, tratando-se de um sistema como o instituído pela regulamentação nacional em causa no processo principal, caracterizado pela existência de dois procedimentos distintos e sucessivos para efeitos da apreciação, respetivamente, do pedido de obtenção do estatuto de refugiado e do pedido de proteção subsidiária, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar o respeito, no âmbito de cada um desses procedimentos, dos direitos fundamentais do requerente, mais concretamente, do direito de ser ouvido, no sentido de que ele deve poder dar a conhecer utilmente as suas observações, antes da adoção de qualquer decisão que não conceda o benefício da proteção requerida. Em tal sistema, a circunstância de o interessado já ter sido utilmente ouvido no momento da instrução do seu pedido de concessão do estatuto de refugiado não implica que essa formalidade possa ser dispensada no âmbito do procedimento relativo ao pedido de proteção subsidiária” [sublinhado e carregado nosso].

Em causa estava a circunstância de quando um Estado-Membro (no caso concreto, a Irlanda) analisa o pedido de protecção subsidiária no quadro de um procedimento distinto, não estar obrigado, em razão do âmbito de aplicação da Directiva 2005/85, a atribuir as garantias processuais previstas para a apreciação de um pedido de asilo. No entanto, certo é continua obrigado, por um lado, a cooperar com o requerente, no quadro previsto no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2004/83 e, por outro, a garantir o direito de ser ouvido, na medida em que tal constitui um princípio geral do direito da União. Por conseguinte, remata o acórdão em causa, quando, na sequência do indeferimento de um pedido de asilo é apresentado um pedido de protecção subsidiária no quadro de um novo procedimento, a autoridade nacional competente terá que permitir ao interessado apresentar todos os argumentos e produzir todos os documentos susceptíveis de demonstrar que satisfaz as condições especiais da protecção subsidiária visada no artigo 15.° da Directiva 2004/83 (neste sentido, v. as Conclusões do Advogado-Geral apresentadas no Processo C-277/11 e que o Tribunal adoptou).

É que na pendência da referida Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto. Ora trata-se de situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/UE que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.

Ou seja, a Directiva 2011/95/EU do Parlamento de 13 de Novembro veio introduzir um sistema uniforme de Protecção Internacional, no qual se considera que a partir do momento em que um cidadão de país terceiro ou apátrida solicita Protecção Internacional a um Estado Membro, o mesmo é recebido como Pedido de Protecção Internacional quer para efeitos de estatuto de refugiado, quer para efeitos de protecção subsidiária, sendo que naquele Pedido de Protecção Internacional são analisados em simultâneo os pressupostos quer para o estatuto de refugiado, quer para a protecção subsidiária. Como na citada Directiva 2011/95/UE se estabelece no art. 1.º, al. h), o pedido de protecção internacional consiste num pedido de protecção apresentado a um Estado-Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que dêem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de protecção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente directiva e susceptível de ser objecto de um pedido separado.

Razão tem, pois, o Recorrente quando afirma que o invocado Acórdão do Tribunal de Justiça tem por objecto a questão aí suscitada de sucessão de procedimentos, que ao tempo vigorava na Irlanda, nada tendo que ver com o caso dos autos, e muito menos com o quadro legal que actualmente vigora na União Europeia.

Para o caso dos autos importa destacar, também, como referido pelo Recorrente, que no sistema jurídico actualmente em vigor, o Pedido de Protecção Internacional, reúne os dois pedidos num único procedimento, sendo que o requerente é ouvido para prestar declarações de molde a verificar se reúne as condições de admissibilidade do estatuto de refugiado e em caso de não ser admissível, se reúne as condições de enquadramento no mecanismo de protecção subsidiária. Recebido o Pedido de Protecção Internacional, as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam o procedimento, que é uno, no qual vão aferir das condições de admissibilidade do pedido para beneficiar do Estatuto de refugiado - art. 3º da Lei - ou subsidiariamente da Protecção Subsidiária - art. 7° da Lei.

Por outro lado, o tratamento do Pedido de Protecção Internacional, dependendo do momento e local onde é apresentado, obedece a regras de procedimento diferentes, ou seja, os pedidos apresentados no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF seguem a tramitação estabelecida nos artigos 10° e ss. da Lei nº 26/2014 de 5 de Maio, e por sua vez os pedidos apresentados nos Postos de Fronteira, seguindo uma tramitação mais acelerada integram o Regime Especial estabelecido no artigo 23° e ss. do mesmo diploma legal.

No caso dos Autos, tratando-se de pedido de Protecção Internacional efectuado no Posto de Fronteira, o mesmo é tratado como Regime Especial, seguindo os trâmites dos artigos 23° e ss da Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

Ora, é inequívoco que o regime legal aplicável é claro ao estabelecer que no âmbito da apreciação do pedido e decisão, o requerente da protecção internacional, dentro do prazo de 48 horas, é informado dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado (art. 24.º, n.º 2).

Sendo que no decorrer do referido procedimento o requerente de Protecção Internacional é ouvido nos termos do art. 16.º da Lei que estabelece o seguinte, ao que aqui importa, que “Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de protecção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou outro idioma que posa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstancias que fundamentam a respectiva pretensão”(n.º 1). O que foi cumprido, aliás como decidido na sentença sob escrutínio.

Assim, estando provado que A…, ora Recorrido, foi ouvido em 15 de Fevereiro de 2016 pelo Serviço de Estrangeiros Fronteiras tendo sido elaborado o "Auto de Declarações" que acima se reproduziu, terá que concluir-se, perante o quadro normativo acabado de traçar, que não se verifica o vício de forma consubstanciado na preterição da audiência prévia.

Acresce que também não se poderá falar de violação do nº 2 do art.º 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, igualmente convocado pela sentença recorrida, na medida em que esta expressamente refere que o direito da pessoa que está aqui em causa é o de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afecte. Direito esse que foi efectivamente respeitado com a audição do requerente em 15 de Fevereiro de 2016, em cumprimento do disposto no nº 3 do art. 24° e nº 1 e do art. 16.º da Lei nº 27/2008, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

Terá que salientar-se, por fim, que estamos perante um procedimento com uma tramitação acelerada que apenas prevê a prestação de declarações do Requerente nos termos do art. 16.º da referida Lei, o que foi cumprido. Aliás, dificilmente se poderia compaginar, tal como referido pelo Ministério Público nesta instância, a necessidade de realização de audiência prévia em momento procedimental posterior com o prazo de sete dias exigido pelo art. 24.º para que o Director Nacional do SEF profira decisão.

Razões que determinam a revogação da sentença recorrida, patenteado que está o erro de julgamento em que a mesma incorreu.

Posto isto, conhecendo em substituição, analisadas as declarações prestadas pelo Recorrido, verifica-se, desde logo, que o mesmo não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

Por outro lado, não se demonstrou o nexo de causalidade entre o receio invocado e qualquer motivo associado com raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões politicas, pressupostos essenciais do direito à concessão de asilo garantido pelo artigo 3° da Lei n.º 27/2008 de 30/06.

A verdade é que o relato do ora Recorrido é muito vago e, como alegado pelo Recorrente, desprovido de qualquer circunstância passível de justificar o pedido de protecção apresentado. Não vem concretizado qualquer facto ou conjunto de factos com um grau de consistência de discurso que tornem credíveis as circunstâncias que alega enquanto fundamento da pretensão de asilo. Pelo que tal facto impede a aplicação do princípio do benefício da dúvida.

Com efeito, o Recorrido não logrou demonstrar, de forma coerente e convincente, ter sido sujeito a ameaças de tal modo graves que tornassem insustentável a sua permanência no Senegal e o tenham obrigado a abandonar o país, ou que corre um risco pessoal e fundado de perseguição, de acordo com a definição de refugiado.

De resto, como vem evidenciado nos autos, a República do Senegal é considerada uma das mais estáveis democracias de África Ocidental verificando-se um acesso generalizado dos cidadãos às instituições policiais e judiciais e vivendo-se um ambiente de relativa paz social e tolerância religiosa (cfr. o provado em D) supra).

Teremos assim que concluir, como o fez o ora Recorrente, quando analisou os fundamentos do pedido formulado pelo ora Recorrido, que: “Analisadas as declarações do requerente, e antes de qualquer outra consideração, salienta-se que os factos invocados para o pedido de protecção se resumem a uma série de altercações levadas a cabo por indivíduos instigados por um seu vizinho que se travou de razões com o requerente por declarações que este proferiu acerca do líder da confraria religiosa da qual aquele é seguidor e que lhe terão desagradado. // Dos alegados ataques nunca o requerente comprova ter sofrido dano grave. Igualmente, nunca apresenta queixa formal ou solicitou protecção às autoridades policiais, justificando-se para o facto com razões pueris, nunca demonstrando firme intento em conseguir ajuda das autoridades oficiais, não se podendo assim aferir de eventual falta de capacidade destas em proteger o requerente.” Bem como quando afirma: “Toda a situação alegada é sempre descrita de modo vago e pouco credível e sem o apoio de qualquer prova que sustente a sua narrativa ou que, pelo menos, suscite dúvida razoável. // A concessão do benefício da dúvida desempenha nos pedidos de protecção internacional um papel relevante nos casos em que não é possível apresentar provas dos factos alegados, no entanto, de acordo com o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR (…) o beneficio da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos (…).// Assim, das suas declarações e demais elementos constantes do processo conclui-se que o requerente não apresenta razões para abandonar o seu país que possam ser legitimamente enquadradas no espírito da protecção internacional.

Tanto basta para concluir pela improcedência do pedido de asilo, o que de igual modo vale para o indeferimento do pedido de protecção subsidiária.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/UE que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.

ii) O direito comunitário apenas exige que o requerente de protecção internacional seja ouvido antes de proferida decisão sobre o seu pedido de protecção internacional, o qual encerra tanto o estatuto de refugiado, como a protecção subsidiária, sendo que após a sua audição, inexiste obrigação de notificar aquele para mais uma vez intervir no procedimento.

iii) Dispõe o artigo 24.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, (com as alterações da Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio) sob a epígrafe “apreciação do pedido e decisão”, no seu n.º 2 que “o requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado”.

iv) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.

v) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados permitem concluir, sem margem para dúvida, não existir.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,

- Julgar a acção improcedente.

Sem custas, por isenção legal (artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º26/2014, de 5 de Maio).

Lisboa, 19 de Agosto de 2016



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Pedro Marchão Marques


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Conceição Silvestre


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Jorge Cortês (com declaração de voto)


Declaração de Voto:

1. Nos presentes autos, o TCAS decidiu conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Ministério da Administração Interna, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção administrativa interposta por A contra a decisão da Directora Nacional do SEF, de 18.02.2016, que indeferiu o pedido de asilo e o pedido de autorização de residência, pelo mesmo formulado.

2. A sentença recorrida havia julgado procedente a acção, esteando-se na interpretação da norma do artigo 24.º/2 (1), da Lei do Asilo (Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, com alterações posteriores) conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia – TJUE, explicitada no Acórdão do TJUE de 22.11.2012, P. C-277/11, com base no entendimento seguinte:

«o artigo 24.º n.º2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio quando estatui que “o requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado” deve ser interpretado com aquele entendimento do Tribunal de Justiça e com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União Europeia, designadamente os consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. Isto é, o prestar de declarações pelo requerente de protecção internacional só equivale a audiência prévia do interessado quando se cumpram aqueles quatro objectivos da mesma:

- o requerente seja ouvido sobre os fundamentos do pedido de protecção;

- o requerente seja informado da resposta negativa que a entidade administrativa se propõe dar àquele pedido;

- o requerente seja informado dos argumentos que fundamentam esse indeferimento;

- e que ao requerente seja efectivamente dada a possibilidade de com utilidade para a decisão a tomar, apresentar o seu ponto de vista, expor as suas observações sobre o projecto de decisão de indeferimento e respectivos fundamentos.

Ora, no caso dos autos e atendendo ao teor do auto das declarações que A prestou ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 15 de Fevereiro de 2016 constata-se que apenas ao primeiro daqueles quatro pontos/objectivos foi dado cumprimento. Ele foi ouvido sobre os fundamentos do pedido de protecção que formulou. Mas não lhe foi dado a conhecer o projecto de decisão de indeferimento, nem os respectivos fundamentos, nem lhe foi dada a possibilidade de efectiva e utilmente no procedimento se pronunciar sobre os mesmos. Ou seja, não se afigura que as declarações prestadas pelo requerente ora autor possam assim ser consideradas como audiência prévia do interessado (entendida esta com a exigência e o alcance que o Tribunal de Justiça da União Europeia e o direito da União Europeia impõem)».

3. Entendo que a questão suscitada pelo tribunal recorrido é pertinente e a orientação preconizada é adequada à correcta interpretação do ordenamento jurídico.

4. No Acórdão de 22.11.2012, P. C-277/11, o TJUE pronunciou-se sobre:

a) A obrigação do órgão jurisdicional, existindo “dois procedimentos distintos e sucessivos para efeitos da apreciação, respetivamente, do pedido de obtenção do estatuto de refugiado e do pedido de proteção subsidiária … assegurar o respeito, no âmbito de cada um desses procedimentos, dos direitos fundamentais do requerente, mais concretamente, do direito de ser ouvido”; e sobre

b) O “alcance do direito de ser ouvido (2) (no caso do Acórdão no âmbito da análise de um pedido de proteção subsidiária).

E sobre o alcance deste direito de ser ouvido, resulta do Acórdão em referência (3) que o direito deve ser interpretado no sentido:

a) do requerente “poder dar a conhecer utilmente as suas observações, antes da adoção de qualquer decisão que não conceda o benefício da proteção requerida”;

b) e que poder dar a “conhecer utilmente as suas observações” implica que o interessado tenha sido informado “da resposta negativa que [a Administração] se propõe dar ao seu pedido e … os argumentos com que pretende fundamentar o indeferimento do mesmo, de maneira a permitir a esse requerente apresentar o seu ponto de vista a este respeito” (na linguagem do mesmo acórdão – n.ºs 74 e 95).

Ou seja, o respeito do direito de ser ouvido não tem apenas uma função instrutória do procedimento de asilo / proteção subsidiária mas envolve também a “garantia da proteção efetiva do interessado (4).
5. Em face do entendimento exposto, teria confirmado a sentença recorrida.

(1)Norma que estabelece que «o requerente de asilo é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e prestar declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado».

(2)Yves BOT, Conclusões apresentadas em 29 de junho de 2016, processo C-429/15, nota 5

(3)Cuja questão prejudicial foi a seguinte: «[No] caso em que um requerente pede o estatuto de proteção subsidiária na sequência de uma recusa de concessão do estatuto de refugiado e é proposto o indeferimento desse pedido, a exigência de cooperação com o requerente, imposta ao Estado-Membro pelo artigo 4.°, n.° 1, [segunda frase,] da Diretiva 2004/83 […], obriga as autoridades administrativas do Estado-Membro em questão a fornecer a esse requerente os resultados da avaliação antes da decisão final, de modo a permitir-lhe reagir aos aspetos da proposta de decisão que [apontam para uma resposta] negativ[a]?» (sublinhado nosso) - considerando 56 do acórdão.

(4)Paolo MENGOZZI, conclusões apresentadas em 3 de maio de 2016, processo C-560/14, n.º 23.