Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:77/17.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:- SUCUMBÊNCIA
- ISENÇÃO
- CUSTAS - FAZENDA PÚBLICA
Sumário:i. Se o impugnante na P.I. formula pedido de juros indemnizatórios em complemento do pedido anulatório da liquidação, mas não faz reflectir no valor do processo a quantificação do pedido de juros (ainda que só os vencidos), em caso de procedência total do pedido anulatório e improcedência do pedido de juros indemnizatórios, para efeitos de condenação em custas (e só), tudo se passa como se o impugnante nenhuma sucumbência tivesse tido visto que não fez reflectir no valor do processo, o dos juros pedidos.

ii. No regime de custas anterior à vigência do DL nº 324/2003, de 27/12 (diploma que introduziu alterações substanciais ao CCJ aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26/11), a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária.

iii. A isenção de custas não abarca as custas de parte (nº 7 do art. 4º do RCP).

iv. Sendo aplicável o disposto no n° 7 do art. 4° do RCP (na redacção actual), a isenção de custas de que goza a Fazenda Pública não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, tendo sido notificada do acórdão deste TCAS proferido nos autos 16 de Setembro de 2021 – que concedeu parcial provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por J… no seguimento do indeferimento do recurso hierárquico interposto de anterior acto de indeferimento da reclamação graciosa visando as liquidações oficiosas de IRS dos anos de 1993 e 1994 nos montantes respectivos de 41.261,79 euros e 25.661,43 euros – vem requerer a sua reforma quanto a custas, alegando para tanto o seguinte:
«
I. Quanto ao decaimento
1.
Nos presentes autos de recurso, a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela Fazenda Pública, determinando, em consequência, que as custas seriam na proporção do decaimento.
2.
Todavia, não obstante haver sido dado parcial provimento ao recurso, e assim igualmente sendo alterada a decisão de 1ª instância, e verificando-se ainda que as partes foram condenadas em custas na proporção do decaimento, verifica-se que não foi fixada a proporção do decaimento para cada uma das partes, e deste modo, não foi indicada “a proporção da respectiva responsabilidade” a que alude o art.º 607º n.º 6 do CPC, para o qual por sua vez remete o artigo 663º n.º 2, também do CPC, que se refere à elaboração do Acórdão.
3.
Atento o facto de a condenação quanto a custas não se encontrar estabelecida no que concerne à proporção do decaimento, solicita-se a reforma do Acórdão nesse segmento, cf. art. 616º e 615º al. d) do CPC, no sentido de ser fixada a proporção da respectiva responsabilidade das partes.
II. Quanto à isenção de custas de que beneficia a Fazenda Pública

4.
Nos termos do acórdão ora notificado à Fazenda Pública, verifica-se que no mesmo se decidiu julgar parcialmente procedente o recurso da Fazenda Pública, e foi esta condenada em custas na proporção do decaimento.
5.
Contudo, constata-se que o presente processo é uma impugnação judicial, cuja petição inicial tem data de entrada em juízo em 11.11.2003 [cfr. Fls. 1 dos autos].
6.
Assim sendo, haverá que atender ao facto de que (como referido no acórdão do STA de 25/01/2017, processo 01541/14, consultável em www.dgsi.pt) no regime de custas anterior à vigência do DL nº 324/2003, de 27/12 (diploma que introduziu alterações substanciais ao CCJ aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26/11), a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, de acordo com o disposto no art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11/2), como, aliás, já antes constava do art. 5º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo DL nº 42.150, de 12/2/59.
E não obstante as disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários tivessem sido revogadas pelo art. 4º, n.ºs 4 e 5, daquele DL nº 324/2003 (deixando, então, a Fazenda Pública de beneficiar de isenção no Código das Custas Judiciais que entrou em vigor no dia 1/1/2004 - art. 16º do mesmo diploma), este só é aplicável aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (cfr. o nº 1 do seu art. 14º), produzindo apenas efeitos, no que respeita às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (art. 15º, nº 2), que ocorreu na sequência da publicação do DL nº 325/2003, de 29/12, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (art. 18º)
7.
Acresce referir ainda, atendendo à data da instauração da presente impugnação, que, como se refere no citado acórdão, a norma revogatória da isenção de custas a favor do Estado e demais entidades públicas é inaplicável, mantendo-se a isenção de custas conferida pelo revogado art. 2° n° 1 al. a) do CCJ (arts. 4°, n° 7, 14°, n° 1 e 16°, n° 1, do citado DL n° 324/2003, de 27/12), sendo que tal isenção de custas subsiste ainda, quer na vigência do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL n° 34/2008, de 26/2), quer na vigência da Lei n° 7/2012, de 13/2 (que introduziu alterações ao RCP) – cfr. os arts. 27° n° 1 do DL n° 34/2008 e o art. 8°, n° 4, da Lei n° 7/2012).
8.
Assim sendo, verifica-se que, no caso dos autos, a Fazenda Pública está isenta de custas. O que inclusivamente foi reconhecido na sentença proferida em 1ª instância.
9.
Assim, face ao exposto, requer-se a reforma do acórdão, no que respeita à condenação em custas pela Fazenda Pública, de molde a que neste segmento o douto acórdão passe a fazer menção também à isenção de custas de que a Fazenda Pública beneficia.

Nestes termos e nos demais de Direito, se requer que seja determinada A REFORMA QUANTO A CUSTAS, determinando-se, consequentemente,
1. a indicação da proporção do decaimento de cada uma das partes nos presentes autos em sede de recurso e de 1ª instância.
2. o reconhecimento da isenção de custas de que beneficia a Fazenda Pública nos autos (designadamente em sede de recurso).»

Não houve resposta da parte contrária.

O Exmo. Senhor PGA pronunciou-se no sentido de nada obstar à apreciação da reforma do acórdão proferido nos autos.

Com dispensa dos vistos legais por manifesta simplicidade, cumpre decidir, em conferência.

*

Como primeiro fundamento da peticionada reforma, pretende o Recorrente que seja fixada a percentagem da sua sucumbência no recurso, que o ac. não determinou.

Em sentido técnico-jurídico, são custas as despesas ou encargos com processos judiciais, independentemente da sua natureza cível, criminal, administrativa ou outras, ou seja, o gasto necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação de facto (cf. Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, 2011, 3ª Edição, Almedina, pág. 129).

O primeiro critério a considerar para determinar a responsabilidade pelas custas é o do princípio da causalidade segundo o qual, suportará as custas a parte que lhes deu causa, entendendo-se por esta, de acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem. O critério subsidiário é o do princípio do proveito processual obtido.

Sucede que sendo o valor da acção necessariamente igual ao valor do pedido (ou pedidos), é em função da quantificação que a este (ou estes) foi dada pelos impugnantes que se afere, em caso de insucesso ou de vencimento parcial do processo, a proporção do respectivo decaimento.

Constata-se, porém, que embora os impugnantes tenham formulado pedido de juros indemnizatórios em complemento da pretensão anulatória das liquidações, não adicionaram para efeitos do pedido, no articulado inicial, qualquer valor (ainda que só) reportado aos juros vencidos (peticionados desde 1998, lembrando-se que a P.I. de impugnação foi apresentada em 11/11/2003)

Pois bem, o Recorrente (F.P.) decaiu quanto a custas nas questões do recurso relativas às liquidações de IRS de 1993 e 1994, nos valores respectivos de 41.261,79 euros e 25.661,43 euros. Mas obteve vencimento na questão dos juros indemnizatórios peticionados com relação à liquidação de IRS/94.

Quando no ac. cuja reforma se requer se usou a fórmula “Custas na proporção do decaimento”, a fundamentação pressuposta era a de que a medida da responsabilidade pelo pagamento das custas resultaria directamente do confronto entre a pretensão deduzida e a pretensão alcançada na proporção em que o fora.

Porém, coincidindo o valor do processo com o do pedido anulatório das liquidações de imposto (66.923,22 euros) – não impugnado e mantido na sentença – não podem os impugnantes ser penalizados no recurso, em sede de custas, por um hipotético valor do pedido (relativo a juros indemnizatórios) que não obteve expressão no valor do processo.

Assim, não obstante constar do segmento (i) do dispositivo do ac., “Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a AT no pagamento aos impugnantes de juros indemnizatórios referenciados à liquidação de IRS/94”, para efeitos de custas (e só), o decaimento da recorrente F.P., ora requerente, é total, não se mostrando correcta a condenação em proporção porque os impugnantes obtiveram total procedência do pedido reflectido no valor do processo.

Como segundo fundamento, o Exmo. Representante da Fazenda Pública requerer a reforma do ac. quanto a custas alegando para o efeito que a impugnação judicial que está na origem dos presentes autos foi instaurada em 11 de Novembro de 2003, conforme assente no ponto 14 do probatório do ac., razão pela qual beneficiará no processo da isenção subjectiva de custas prevista na al. a) do nº 1 do art. 2º do Código das Custas Judiciais (CCJ), devendo o acórdão, na parte em que condenou a Fazenda Pública em custas, ser reformado em conformidade. Vejamos.

Seguindo de perto o acórdão do STA, de 09/10/13 (processo nº 172/13), deve dizer-se, tendo presente que o processo de impugnação foi instaurado em 11 de Novembro de 2003, que:

“(…) no regime de custas anterior à vigência do Dec.Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, por expressa previsão dessa isenção no art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11 de Fevereiro), como, aliás, já antes constava do art. 5º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo DL n.º 42.150, de 12/2/59.

Ora, embora as disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários tivessem sido revogadas pelo art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, deixando a Fazenda Pública de beneficiar de isenção no Código das Custas Judiciais que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 (art. 16º), este diploma só se aplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (art. 14º, n.º 1), produzindo apenas efeitos, no tocante às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (art. 15º, n.º 2), transferência que ocorreu com a publicação do Dec.Lei n.º 325/2003, de 29.12, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (art. 18º).

Assim, tendo em conta os citados diplomas legais e a data da instauração da presente impugnação judicial, a Fazenda Pública não paga custas…”.

Não se questionando embora a isenção de custas de que goza a Fazenda Pública neste processo, assistindo plena razão ao requerente, haverá, no entanto, que esclarecer (até por a questão já ter motivado vários pedidos de reforma dirigidos ao Tribunal) que a isenção de custas não abarca as custas de parte, nos termos do n.º 7 do art.º 4.º do Regulamento das Custas Processuais, no segmento em que refere que “a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará”, aplicável aos autos por força do disposto no art.º 8.º, n.º 12 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, segundo o qual, «São aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei».

Tem, pois, razão o Requerente nos pedidos de reforma em apreciação, que não podem deixar de ser atendidos, embora com as ressalvas indicadas.

Nestes termos,

Acorda-se em deferir a requerida reforma do acórdão proferido nos presentes autos alterando o segmento condenatório em custas de que consta «Custas na proporção do decaimento», que passa a ser o seguinte: «Custas nesta instância a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção legal de que goza a Fazenda Pública (processo anterior a 2004)».

Sem custas.

D.N.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha