Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:558/19.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRESCRIÇÃO
ART.º 100.º CIRE
COMPENSAÇÃO
CITAÇÃO
Sumário:
I. Tendo sido suscitada a prescrição da dívida exequenda em requerimento apresentado na sequência de notificação do parecer exarado pelo IMMP, cumpria ao julgador conhecer de tal questão, dado ser do conhecimento oficioso, pelo que, não o tendo feito, incorreu em omissão de pronúncia.

II. A declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente, nos termos do art.º 100.º do CIRE.

III. A duração da suspensão prevista do art.º 100.º do CIRE, havendo aprovação de plano de pagamentos, depende da circunstância de se tratar de créditos abrangidos ou não pelo mencionado plano.

IV. Caso se trate de crédito não abrangido, a suspensão ocorre entre a data da prolação da sentença e o seu trânsito em julgado.

V. A decisão de encerramento do processo de insolvência determina, nos demais casos, a cessação da suspensão prevista no art.º 100.º do CIRE.

VI. A citação mediante postal registado não produz os efeitos típicos da citação, dado o seu caráter de provisoriedade, o que se reflete em termos de causas de interrupção da prescrição.

VII. Estando o PEF suspenso, não podem ser realizadas diligências tendentes à citação.

VIII. No caso de a executada ter sido declarada insolvente, a citação deve ser feita na pessoa do administrador de insolvência.

IX. O ato de compensação, como ato administrativo que é, tem de estar cabalmente fundamentado.

X. O ato administrativo que determina a compensação não se confunde com o ato que a materializa.

XI. Não tendo sido proferido qualquer despacho a ordenar a compensação, com a análise dos respetivos pressupostos, em momento anterior ao da execução de atos tendentes a efetivar essa mesma compensação, esta não se encontra fundamentada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

F….., Lda (doravante Recorrente ou Reclamante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 06.11.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal, por si apresentada, que teve por objeto o ato de compensação no valor de 8.224,80 Eur.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) Ressalvado o devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública [sic] conformar-se com o decidido na aliás douta sentença do Tribunal “a quo” que conclui que o ato de compensação efetuado pelo órgão de execução fiscal não padece de qualquer ilegalidade.

B) A Recorrente discorda do resultado a que chegou o Tribunal “a quo”, na análise por este efetuada dos factos dados como provados e da aplicação das normas legais.

C) Para que possa ocorrer a compensação das dividas fiscais, nos termos do disposto nos artigos 89º e 90º-A do CPPT é essencial que o crédito a favor do executado – sujeito passivo devedor - seja certo, liquido e exigível, ou seja, que esteja perfeitamente definido na ordem jurídica sem possibilidade de poder ser discutido o seu quantum, (Cfr. acórdão do STA datado de 9/10/2013, recurso nº 01442/13)

D) Para uma correta apreciação da factualidade em causa, a Mma. Juiz “a quo” deveria ter – se pronunciado sobre o teor do requerimento da Recorrente de fls. 110 a 112, e dar como provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa e que estão demonstrados documentalmente:

a) Não conta do processo administrativo a notificação à devedora F….. da certidão de divida relativa ao processo nº …...

b) Não consta do processo administrativo a notificação à devedora F….. da liquidação de SISA como está mencionado na referida certidão.

c) Na sentença que decretou a insolvência foi indicado como Administrador da Insolvente: Dr. J…...

d) E nomeado Administrador da Insolvência, o Dr. C…...

e) No âmbito do mencionado processo de insolvência, a Direção Geral dos Impostos reclamou o montante de impostos em divida, proveniente de 252.489,11€ de SISA, de 3.067,40€ de contribuição especial e 16.045,34€ de IMI, como se verifica pelo acórdão do Tribunal da Relação proferido a 22 de Março de 2011, junto à p. i. sob o Doc. nº 4/4, fls. 4 verso.

f) No plano de insolvência aprovado pelos credores e homologado por sentença transitada em julgado, foram fixados os termos da obrigação em que o Senhor Administrador da Insolvência, Dr. C….., ficou incumbido pela Comissão de Credores (sublinhados nossos):

a) “Efetuar a venda do lote de terreno para construção com área de 3.359,24 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob a ficha número …..da freguesia do Afonsoeiro, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..da referida freguesia, com o valor patrimonial de 948.790,00€ (novecentos e quarenta e oito mil, setecentos e noventa euros)

b) Esta venda a cargo do Sr. Administrador da Insolvência, destina-se a gerar meios de tesouraria suficientes para o pagamento das dividas fiscais e das custas judiciais do presente processo, assim como, para suportar os encargos com os credores eventuais” (…)

c) Com o produto da venda deste prédio, far-se-á o pagamento das custas judiciais do presente processo judicial, assim como, do crédito reclamado pelo Estado (Direção Geral de Impostos), no montante global de 335.899,47€ (trezentos e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos)

g) O Senhor Administrador da Insolvência vendeu o prédio supra identificado pelo preço de 85.000€ (oitenta e cinco mil euros) (cfr. Doc. nº 12 junto à p. i.), não constando da tramitação dos processos executivos junto nenhum pagamento à AT.

E) No que concerne à decisão de que estão reunidos os pressupostos legais para que fosse aplicado o crédito da F….. em processos executivos iniciados após a sua declaração de insolvência, aqui e salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” fez uma óbvia e notória errónea aplicação do direito.

- Quanto à prescrição:

F) Sem fazer a contagem do prazo de prescrição, a douta sentença recorrida considerou que que “… com a declaração de insolvência proferida em 30/06/2009 (cfr. alínea A) do probatório) ocorreu a suspensão do prazo de prescrição da sociedade devedora originária … tendo ocorrido a suspensão do prazo, a divida exequenda do processo nº ….. não prescreveu”

G) Contrariamente ao decidido, a declaração de insolvência da Recorrente em 30/6/2009, cf. alínea A) do probatório, não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, de acordo com o julgado em 3/10/2018 pelo STA, no âmbito do recurso nº 0694/17.8BEALM, disponível em www.dgsi.pt.

H) Pelo que, o período que decorreu entre a declaração de insolvência e a declaração judicial do seu encerramento (em 29/06/2011) não deve entrar para o computo do cálculo prescricional, verificando-se antes, que nesta altura o mesmo se encontrava a correr ininterruptamente

Caso assim não se considere,

I) Com a prolação da sentença de insolvência da Recorrente em 30/6/2009, suspende-se o prazo de prescrição.

J) Deve considerar-se o tempo decorrido até à sentença, suspende-se com esta e, cessada a suspensão com o encerramento do processo, a contagem do prazo reinicia-se (e adiciona-se aos dias já decorridos)

L) Assim, contado o prazo entre 1 de janeiro de 2009 (início do prazo de prescrição) até 30 de junho de 2006 (data da declaração de insolvência), decorreram 181 dias.

M) A partir desta data suspende-se o prazo de prescrição até 9 de junho de 2011, data em que foi proferida a sentença de homologação do plano de insolvência (cf. Doc. 6/2 junto à p. i.)

N) Em 9 de junho de 2011 reinicia-se a contagem do prazo até 17/4/2019, data em que foi proferido o despacho da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Montijo que decretou a compensação (cfr. alínea F) do probatório, decorreram 2834 dias.

O) A que acrescem os 181 dias contados até à declaração de insolvência, o que totaliza 3015 dias.

P) Logo, passaram mais de 8 anos desde 1/1/2009, considerando o prazo de suspensão, pelo que, dever-se-á concluir que, a divida exequenda do processo nº …..já prescreveu.

Q) Ao concluir pela não prescrição daquela divida exequenda, salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida incorreu em erro na aplicação do direito à situação factual, pois olvidou por completo que, a sentença que homologou o plano de insolvência da F….. fez cessar a suspensão da prescrição.

R) Existe também falta de fundamentação da sua decisão, dado que, na douta sentença recorrida apenas se limita a formular a conclusão da inexistência da prescrição, sem justificar como chegou a esta conclusão, o que constitui a violação dos deveres de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artº 208º, nº 1 da CRP e artº 154º, nº 1 do CPC)

S) Donde se conclui que, a douta sentença é nula nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, alínea b) do CPC, porque não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

T) A Mma. Juiz “a quo” deveria ainda ter-se pronunciado sobre os argumentos da Recorrente explanados no seu requerimento de fls. 110 a 112, onde defendeu que a divida exequenda do processo …..já estava prescrito.

U) Quando a alegada “notificação” da liquidação da Sisa “alegadamente” remetida à Reclamante em 2011-12-02, o que só se equaciona por mera hipótese, já o direito à liquidação estava prescrito por ter sido ultrapassado o prazo de oito anos, por ter sido ultrapassado o prazo de oito anos previsto no artº 92º do CIMISSD, com a redação dada pelo Decreto – Lei nº 472/99 de 8 de novembro, mesmo “descontado” o período da suspensão entre a data da sentença de insolvência (30/6/2009) e a data da sentença que homologou o plano de insolvência (9/06/2011)

V) Não tendo sido o mencionado crédito da sisa reconhecido no processo de insolvência da Recorrente, crédito este com origem e fundamento previamente à declaração de insolvência, a Recorrida não podia proceder à compensação do mesmo, como resulta do artº 217º, nº 1 do CIRE.

Quanto à omissão de pronúncia:

X) Nos termos do preceituado no artº 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do artº 2º do CPPT, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

Z) No caso sub judicie, sendo a causa de pedir, em primeira instância, a invocada falta de verificação dos pressupostos para a compensação dos créditos por iniciativa da AT, a Mma. Juiz “a quo” deveria ter também analisado a questão da prescrição da divida do processo executivo …...

AA) Tanto mais que, além desta questão ter sido invocada pela Recorrente no seu requerimento de fls. 110 a 112 após ter tido acesso ao processo administrativo, a prescrição da divida é de conhecimento oficioso tal como decorre do artº 175º do CPPT, em processo em que tenha intervindo anteriormente o órgão de execução fiscal.

BB) Pelo que, ao não ter analisado a invocada prescrição da divida do processo executivo ….., a sentença é nula de acordo com o disposto no artº 615º, nº 1, alínea d) do CPC, aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do artº 2º do CPPT.

- Da falta de notificação e da falta de fundamentação do ato reclamado

CC) Em resposta a estas duas questões suscitadas pela Recorrente na petição inicial, a Mma. Juiz “ a quo” limita-se a afirmar que a data de 25/06/2018 mencionada no Doc. nº 9 junto à p. i. “é a data do trânsito em julgado da decisão da impugnação judicial, isto é, a data em que se criou na esfera jurídica da reclamante o direito ao crédito de 8.224,00€ (cfr. alíneas D) e E) do probatório”

DD) O teor do referido Doc. nº 9 junto à p. i, constata-se que o mesmo é parco em informação e bastante lacónico, pelo que, padece de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ao impedir que o destinatário se aperceba do itinerário cognoscitivo subjacente à apreciação do pedido.

EE) Assim como, o facto de o mesmo não estar datado e não ter sido remetido por correio registado, é notória a sua desconformidade e, consequentemente estamos perante um ato ferido de nulidade.

- Da falta de citação no âmbito dos processos executivos:

FF) Da análise atenta da matéria de facto já elencada e daquela que deveria ter sido dada como provada como foi alegado, verifica-se ser inadmissível a compensação por falta de verificação do requisito da alínea c) do artº 89º do CPPT, ou seja, que o sujeito passivo, aqui recorrente, seja devedor, no processo de execução onde ocorreu a compensação de créditos, dos tributos compensados.

GG) Como atrás se alegou, a Recorrente nunca foi notificada para pagar a liquidação do imposto de sisa constante do processo nº …...

HH) Não tendo sido reclamado este crédito no processo de insolvência da Recorrente F….., a Recorrida não podia ter procedido à compensação do mesmo, de acordo com o disposto no artº 217º, nº 1 do CIRE.

II) Assim como, o IMI relativo à segunda prestação de 2008 (processo executivo nº …..) que foi reclamado nos autos de insolvência da Recorrente e o seu pagamento estava assegurado pelo produto da venda do bem imóvel identificado naquele processo.

JJ) Conclui-se que, além das referidas dividas exequendas estarem prescritas, a falta de citação e de notificação da Recorrente nos mencionados processos executivos, invalida o ato de compensação reclamado.

LL) Além de, o ato de compensação reclamado violar o disposto no artº 89º, nº 1 do CPPT, violou também os princípios legais da legalidade, proporcionalidade, justiça, celeridade, confiança e boa fé.

MM) Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” deveria ter analisado a factualidade (demonstrada documentalmente) invocada pela Recorrente, donde concluiria que a Administração Tributária tinha conhecimento que a divida reclamada nos autos de insolvência relativa à 2ª prestação do IMI de 2008 no montante de 16.045,34€, seria paga com o produto da venda pelo preço de 85.000€ do bem imóvel avaliado em 948.790,00€.

NN) A Autoridade Tributária teve conhecimento daquela venda, sabendo que o Senhor Administrador da Insolvência da F….. recebeu o preço de 85.000,00€ e não procedeu ao pagamento de qualquer divida ao fisco, tinha a obrigação legal de ter atuado na defesa dos interesses do Estado.

OO) Nada fez e “aproveitou” a existência do crédito a favor da Recorrente no montante de 8.224,00€ para, de má fé subverter a aplicação do artigo 89º do CPPT e efetuar a compensação ilegal.

PP) Ao julgar que o ato de compensação reclamado não padece de qualquer ilegalidade, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, além dos vícios assacados à douta sentença recorrida aqui alegados.

Nestes termos, nos mais de Direito aplicável e com o sempre douto suprimento de V. Exas., requer-se que seja julgado PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue a reclamação totalmente procedente, com as legais consequências”.

O recurso foi admitido.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Há erro de julgamento de facto?
b) Verifica-se nulidade da sentença, por omissão de pronúncia?
c) Verifica-se nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão?
d) Verifica-se a prescrição da dívida de imposto municipal de Sisa, relativa ao PEF …..?
e) Há erro de julgamento, na medida em que se encontra prescrita a dívida relativa ao PEF n.º …..?
f) Há erro de julgamento, na medida em que o ato de compensação praticado foi-o ilegalmente?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Por sentença proferida em 30/06/2009 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa - 4º juízo – proc. Nº 843/09.0TYLSB foi declarada a insolvência da sociedade F….., Lda., e nomeado administrador da insolvência C….. (cfr. teor de fls. 27/verso a 56 dos presentes autos).

B. Em 01/11/2009 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 4 o processo de execução fiscal nº …..para cobrança coerciva de IMI – 2ª prestação do ano de 2008 com data limite de pagamento de 30/09/2009 como consta da informação de fls. 91 dos autos e fls. 83.

C. Em 02/03/2012 foi instaurado no Serviço de Finanças de Montijo o processo de execução fiscal nº …..em nome da ora reclamante por dívida de imposto de sisa e de imposto sobre sucessões e doações no montante de € 2.864,12 cuja data limite de pagamento ocorreu em 02/01/2012 (cfr. teor de fls. 92 e 92/verso e fls. 83 verso dos autos).

D. Em 17 de maio de 2018 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, transitado em julgado em 25 de junho de 2018, nos termos do qual foi negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmada a sentença de procedência relativamente ao ato de liquidação de contribuição especial do ano de 2006 como consta de fls. 66/80, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

E. Com data de 17/03/2019 a advogada C….. dirigiu à Diretora de Finanças de Setúbal requerimento com o seguinte teor:

F. Em 06/05/2019 foi elaborada informação pelo serviço de finanças de Montijo na qual consta o seguinte “(…) O despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Montijo foi proferido em 2019-04-17, no âmbito do pedido apresentado pela mandatária da reclamante onde foi solicitada a restituição da quantia de 8.224,00€, tendo a mandatária sido notificada em 2019-04-22, por carta registada co AR (…..), que face à inexistência de remanescente entre o valor a restituir e o aplicado nas dívidas existentes em cobrança coerciva, não existe lugar a pagamento de qualquer crédito “ (cfr. fl. 91).

G. Foi dirigida à reclamante a seguinte notificação:

(cfr. teor de fls. 82 verso).

H. A notificação mencionada na alínea anterior foi recebida pela reclamante em 24/05/2019 (facto confessado).

I. O serviço de finanças de Montijo prestou informação na qual consta o seguinte:

“(…) O crédito de 8.224,80 € resultante do julgamento de procedência da impugnação judicial nº 121/08.1BEALM foi aplicado na compensação das dívidas cobradas nos referidos processos de execução fiscal, tendo o processo nº …..ficado pago na totalidade e o processo …..pago parcialmente, sendo a executada ainda devedora nesta data da importância total de 182.724,64€, em cobrança coerciva no indicado processo …..e em outros processos para além desse (…)” (cfr. fls. 91).

J. Em 31/05/2019 foi enviada por registo postal ao Serviço de Finanças a petição de reclamação de fls. 20/25verso e em 26/06/2019 deu entrada neste tribunal (cfr. fls. 91/verso e fls. 19)”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:
K. A sentença mencionada em A. transitou em julgado a 10.08.2009 (cfr. documento com o n.º 003823035 de registo no SITAF neste TCAS).
L. No âmbito dos autos mencionados em A., foi apresentado plano de insolvência, datado de 06.04.2010 (cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
M. No âmbito dos autos mencionados em A., foi proferida decisão, a 08.09.2010, de homologação do plano de insolvência (cfr. documento com o n.º 003823035 de registo no SITAF neste TCAS e documento n.º 3, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
N. A decisão mencionada na alínea em M. foi objeto de recurso (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
O. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.03.2011, foi julgado improcedente o recurso mencionado na alínea que antecede e confirmada a decisão mencionada em M. (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
P. A decisão de homologação do plano de insolvência transitou em julgado a 12.04.2011 (cfr. documento com o n.º 003823035 de registo no SITAF neste TCAS).
Q. No âmbito dos autos mencionados em A., foi proferida, a 09.06.2011, decisão de encerramento do processo de insolvência, transitada em julgado a 14.11.2011 (cfr. documento com o n.º 003823035 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
R. Foi remetido, pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, ofício, datado de 03.07.2009, dirigido ao Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 4, solicitando a avocação dos processos e comunicando a decisão mencionada em A. (cfr. fls. 19 e 42 do PEF …..apenso).
S. Foi proferido, a 24.11.2009, no âmbito do PEF n.º ….., pelo chefe de finanças adjunto do SF de Lisboa 4, despacho, ordenando a passagem de mandado de citação relativamente à Reclamante (cfr. fls. 5 do PEF n.º …..apenso).
T. Na sequência do referido em S., foi emitido mandado de citação (cfr. fls. 7 do PEF n.º …..apenso).
U. Foi registada a suspensão do PEF n.º ….., por “declaração de falência”, a 21.01.2010 (cfr. fls. 22 do PEF n.º …..apenso).
V. Foi elaborado, no âmbito do PEF n.º ….., documento, datado de 09.02.2010, designado de “certidão marcando hora certa”, no qual o respetivo signatário certifica ter-se deslocado à sede da reclamante, não a encontrando, e indicando o dia 10.02.2010 pelas 10 horas como dia para levar a efeito a citação (cfr. fls. 11 do PEF n.º …..apenso).
W. Foi elaborado, no âmbito do PEF n.º ….., documento, datado de 10.02.2010, designado de “certidão de citação com hora certa”, na qual foram apostas três assinaturas e se certificou ter-se procedido à citação por afixação na porta da sede, em virtude de não se ter encontrado quaisquer pessoas (cfr. fls. 12 do PEF n.º …..apenso).
X. Foi remetido, pelo SF de Lisboa 4, ofício, dirigido à Reclamante, datado de 11.02.2010, com o assunto “notificação de advertência (artº 241 CPC)”, via correio postal registado (cfr. fls. 36 do PEF n.º …..apenso).
Y. O ofício referido em X. foi devolvido ao remetente, com a menção “disseram-me que se mudou” (cfr. fls. 37 do PEF n.º …..apenso).
Z. Foi emitida, pelos serviços da AT, em data não concretamente apurada, mas do ano de 2011, liquidação oficiosa de imposto municipal de Sisa, relativa a compra e venda realizada em 23.10.2003, por força da caducidade a que respeita o art.º 16.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD) (cfr. fls. 1 do PEF …..apenso).
AA. No âmbito do PEF n.º …..foi elaborado ofício, datado de 07.03.2012, designado de “citação”, dirigido à Reclamante (cfr. fls. 4 do PEF …..apenso).
BB. O ofício mencionado em AA. foi expedido mediante correio postal registado (registo RM ..... PT), a 09.03.2012 (cfr. fls. 4 e 4 verso do PEF …..apenso).
CC. Foi emitido, a 16.04.2019, o documento único de cobrança n.º ….., no valor de 4.087,73 Eur., aplicado no PEF n.º ….., com a situação de pago a 24.04.2019 (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003839074).
DD. Foi emitido, a 16.04.2019, o documento único de cobrança n.º ….., no valor de 4.137,07 Eur., aplicado no PEF n.º ….., com a situação de pago a 24.04.2019 (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003839075).
EE. Foi proferido, a 17.04.2019, pela chefe do SF do Montijo, despacho, com o seguinte teor:
“Face à comunicação da DF de Setúbal quanto às diligências a efetuar relativamente ao valor de € 8.224,00 a restituir ao sujeito passivo F….. e verificando-se a existência de dívidas, procede-se à recolha de forma manual no MGIR para efeitos de imputação do montante em causa nos Processos Executivos. Relativamente à petição apresentada pela mandatária da sociedade, informe-se que, face à inexistência de remanescente entre o valor a restituir e o aplicado nas dívidas, não existe lugar a pagamento de qualquer crédito” (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003839073).
FF. Através de ofício, do SF de Montijo, datado de 18.04.2019, dirigido à mandatária da Reclamante, remetido via correio postal registado com aviso de receção, foi comunicado o despacho mencionado em EE. (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003839073).
GG. No aviso de receção mencionado em FF. foram apostas, no campo para preenchimento no destino, assinatura (C…..) e data (22.04.2019) (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003839073).
HH. Não foi proferido pela chefe do serviço de finanças do Montijo o despacho mencionado no documento referido em G. (facto que se extrai da informação constante de fls. 91 dos autos – numeração em suporte de papel – na qual expressamente se afirma que “[a] data de 2018-06-25 mencionada como despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, na notificação da restituição / compensação emitida pela Direção de Serviços de Contabilidade e Controlo da AT, é a data do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (…), não existindo na realidade nessa data o referido despacho”).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que errou o Tribunal a quo na decisão proferida quanto à matéria de facto.

Formula tal desacordo, considerando que deviam ter sido dados como provados os seguintes factos:

a) Não consta do processo administrativo a notificação à devedora F….. da certidão de dívida relativa ao processo nº …..;

b) Não consta do processo administrativo a notificação à devedora F da liquidação de SISA como está mencionado na referida certidão

c) Na sentença que decretou a insolvência foi indicado como Administrador da Insolvente: Dr. J…..;

d) E nomeado Administrador da Insolvência, o Dr. C…..;

e) No âmbito do mencionado processo de insolvência, a Direção Geral dos Impostos reclamou o montante de impostos em divida, proveniente de 252.489,11€ de SISA, de 3.067,40€ de contribuição especial e 16.045,34€ de IMI, como se verifica pelo acórdão do Tribunal da Relação proferido a 22 de Março de 2011, junto à p. i. sob o Doc. nº 4/4, fls. 4 verso;

f) No plano de insolvência aprovado pelos credores e homologado por sentença transitada em julgado, foram fixados os termos da obrigação em que o Senhor Administrador da Insolvência, Dr. C….., ficou incumbido pela Comissão de Credores:

a) “Efetuar a venda do lote de terreno para construção com área de 3.359,24 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob a ficha número …..da freguesia do Afonsoeiro, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..da referida freguesia, com o valor patrimonial de 948.790,00€ (novecentos e quarenta e oito mil, setecentos e noventa euros)

b) Esta venda a cargo do Sr. Administrador da Insolvência, destina-se a gerar meios de tesouraria suficientes para o pagamento das dividas fiscais e das custas judiciais do presente processo, assim como, para suportar os encargos com os credores eventuais” (…)

c) Com o produto da venda deste prédio, far-se-á o pagamento das custas judiciais do presente processo judicial, assim como, do crédito reclamado pelo Estado (Direção Geral de Impostos), no montante global de 335.899,47€ (trezentos e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos);

g) O Senhor Administrador da Insolvência vendeu o prédio supra identificado pelo preço de 85.000€ (oitenta e cinco mil euros) (cfr. Doc. nº 12 junto à p. i.), não constando da tramitação dos processos executivos junto nenhum pagamento à AT.

Vejamos então.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que a Recorrente cumpriu global e minimamente com as exigências decorrentes do art.º 640.º do CPC e já mencionadas, motivo pelo qual se passará à apreciação da impugnação da matéria de facto efetuada.

Desde já se refira que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

¾ Facto supra identificado com a alínea A), com a seguinte redação:

Não consta do processo administrativo a notificação à devedora F….. da certidão de dívida relativa ao processo nº …...

Não obstante a formulação sugerida pela Recorrente não ser a mais adequada enquanto facto, é percetível que a mesma pretende que seja dado como provado o facto negativo de que “a reclamante não foi notificada da certidão de dívida relativa ao processo de execução fiscal n.º …..”.

Sucede, porém, que a lei, concretamente o art.º 190.º, n.º 1, do CPPT, não exige que seja notificada a certidão de dívida, apesar de a mesma poder ser remetida em anexo à citação, nos termos ali prescritos.

Como tal, por irrelevante, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado com a alínea b), com a seguinte redação:

Não consta do processo administrativo a notificação à devedora F….. da liquidação de SISA como está mencionado na referida certidão.

Compulsada a petição inicial, verifica-se que nunca foi nessa sede alegada a falta de notificação da liquidação de Sisa (mas tão só a falta de citação no PEF respetivo), não sendo este o momento oportuno para a alegação de nova factualidade.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado com a alínea c), com a seguinte redação:

Na sentença que decretou a insolvência foi indicado como Administrador da Insolvente: Dr. J…...

Trata-se de facto irrelevante para a decisão da causa.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado com a alínea d), com a seguinte redação:

E nomeado Administrador da Insolvência, o Dr. C…...

O facto proposto decorre já da alínea A. do probatório.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Factos supra identificados com as alíneas e) e f), com a seguinte redação:

No âmbito do mencionado processo de insolvência, a Direção Geral dos Impostos reclamou o montante de impostos em divida, proveniente de 252.489,11€ de SISA, de 3.067,40€ de contribuição especial e 16.045,34€ de IMI.

No plano de insolvência aprovado pelos credores e homologado por sentença transitada em julgado, foram fixados os termos da obrigação em que o Senhor Administrador da Insolvência, Dr. C….., ficou incumbido pela Comissão de Credores:

a) “Efetuar a venda do lote de terreno para construção com área de 3.359,24 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob a ficha número …..da freguesia do Afonsoeiro, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..da referida freguesia, com o valor patrimonial de 948.790,00€ (novecentos e quarenta e oito mil, setecentos e noventa euros)

b) Esta venda a cargo do Sr. Administrador da Insolvência, destina-se a gerar meios de tesouraria suficientes para o pagamento das dividas fiscais e das custas judiciais do presente processo, assim como, para suportar os encargos com os credores eventuais” (…)

c) Com o produto da venda deste prédio, far-se-á o pagamento das custas judiciais do presente processo judicial, assim como, do crédito reclamado pelo Estado (Direção Geral de Impostos), no montante global de 335.899,47€ (trezentos e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos)

Quanto aos factos e) e f) propostos, os mesmos encontram-se já contidos nos factos L) a O) aditados na presente sede. Como tal, por essa via, é dada resposta à pretensão da Recorrente.

¾ Facto supra identificado com a alínea g), com a seguinte redação:

O Senhor Administrador da Insolvência vendeu o prédio supra identificado pelo preço de 85.000€ (oitenta e cinco mil euros) (cfr. Doc. nº 12 junto à p. i.), não constando da tramitação dos processos executivos junto nenhum pagamento à AT.

Da prova documental produzida, resulta, efetivamente, o alegado pela Recorrente.

Como tal, defere-se o requerido aditamento, apesar de com a seguinte formulação:

II. Foi outorgada, a 21.04.2016, no cartório notarial de P….., escritura de compra e venda, na qual surge, como primeiro outorgante, C….., na qualidade de administrador de insolvência da ora Reclamante, e como segunda outorgante, H….., e onde foi declarado que o primeiro vendia à segunda o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de Montijo e Afonsoeiro sob o art.º ….., pelo preço de 85.000,00 Eur. (cfr. documento n.º 12, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

JJ. No âmbito dos PEF n.º …..e …..não consta qualquer pagamento à AT na sequência da venda referida em II) (dos autos de execução fiscal apensos nada consta).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade, por omissão de pronúncia

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, porquanto, em requerimento apresentado a 24.09.2019, suscitou a prescrição relativa à dívida atinente a Imposto Municipal de Sisa, questão sobre a qual o Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia, sendo, ademais, questão de conhecimento oficioso.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que se verifica a mencionada nulidade.

Com efeito, na sequência da prolação pelo IMMP de parecer pré-sentencial, foi proferido, a 17.09.2019, despacho, para efeitos da respetiva notificação e exercício do direito ao contraditório.

Nesse seguimento, deu entrada, a 24.09.2019, requerimento da Recorrente no qual esta invocou, designadamente, a prescrição da dívida de imposto municipal de Sisa relativa ao PEF n.º …...

Ora, sendo certo que os fundamentos da reclamação têm de ser evidenciados na petição inicial, os mesmos podem sempre ser invocados em momento ulterior, se decorrerem de facto superveniente ou se forem de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, como referido, a mencionada prescrição foi invocada, sendo que se trata de questão do conhecimento oficioso.

Como tal, não se tendo o Tribunal a quo pronunciado sobre a referida questão, incorreu em omissão de pronúncia, assistindo razão à Recorrente nesta parte.

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, pelo que cumprirá apreciar a questão em causa, o que se fará infra.

III.B. Da nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão

Considera, por outro lado, a Recorrente que a sentença padece de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, em virtude de, no seu entender, apenas se concluir pela inexistência da prescrição relativa à dívida exequenda atinente ao PEF n.º ….., sem se explicar como se chegou a tal conclusão.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito[3].

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nas palavras de Alberto dos Reis[4], “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas ; é uma peça sem base”.

Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto [5].

Ora, in casu, não se pode afirmar que haja omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que decisão assenta.

Com efeito, do ponto de vista dos fundamentos de facto, foram elencados os factos provados, indicado que não existem factos não provados relevantes para a apreciação do litígio, bem como explanada a motivação subjacente a esse julgamento de facto, como, aliás, foi transcrito – v. pontos II.A, II.B e II.C, supra.

Por outro lado, em termos de fundamentação de direito, da sentença sob escrutínio decorre que foi considerado que a mencionada dívida não estava prescrita, em virtude da suspensão do respetivo prazo prevista no art.º 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Se tal conclusão está ou não correta trata-se de eventual erro de julgamento, a apreciar, e não de nulidade da decisão.

Como tal, nesta parte, não assiste razão à Recorrente.

III.C. Da prescrição da dívida imposto municipal de Sisa, relativa ao PEF …..

Cumpre, então, conhecer da alegada prescrição de dívida de imposto municipal de Sisa, a que nos referimos em III.A. supra.

In casu, como resulta provado, estamos perante liquidação de imposto municipal de Sisa, efetuada com referência à caducidade prevista no art.º 16.º do CIMSISSD, relativa a escritura de compra e venda lavrada em 23.10.2003.

Refira-se, antes de mais, que está em causa a prescrição da dívida (e não a caducidade do direito à liquidação, questão, aliás, que não é do conhecimento oficioso), pelo que carece de relevância a menção feita pela Recorrente atinente às normas que regem a caducidade do direito à liquidação.

Nos termos do art.º 180.º do CIMSISSD, na redação dada pelo DL n.º 472/99, de 8 de novembro:

“O imposto municipal da sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos do artigo 48º e 49º da lei geral tributária…”.

Como tal, o prazo de prescrição a ter em conta é o prazo de 8 anos, previsto na Lei Geral Tributária (LGT).

Cumpre, desde logo, aferir qual o dies a quo, para efeitos de contagem do prazo de prescrição.

Tratando-se de um imposto de obrigação única, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

Como referido no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.02.2010 (Processo: 0873/09):

“… [Há que aferir] se o “dies a quo” do prazo de prescrição da dívida exequenda é o da ocorrência do facto tributário (…) ou o da declaração da revogação da isenção dos impostos.

Dispõe o artº 8º, nº 2, al. a) da LGT que estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária “a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade”.

Daqui decorre que as características da prescrição das obrigações tributárias estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal.

Ou seja, todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica (cfr. artº 11º da LGT). Daí ressalta que vigora, nas relações jurídico-tributárias, o princípio de tipicidade fiscal, segundo o qual a tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.

Posto isto e relativamente ao caso em apreço, no que às obrigações tributárias diz respeito, estabelecem-se termos iniciais diferentes.

(…) [N]a LGT estabelecem-se termos iniciais distintos para os impostos periódicos e para os impostos de obrigação única.

Assim, nos termos do disposto no seu artº 48º, nº 1 o prazo de prescrição conta-se nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, salvo, também, o disposto em lei especial.

(…) Daqui se extrai que as referidas leis tributárias sempre fixaram, como momento a atender para a contagem do início do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário e não ao despacho que declarou a caducidade dos benefícios fiscais e muito menos a sua notificação ao contribuinte, salvo o disposto em lei especial.

Por isso, por imposição do princípio da legalidade, a declaração da revogação da isenção dos impostos como o “dies a quo” a que se deve atender para início da contagem do prazo de prescrição só será admissível se existir norma que o autorize.

(…) Sendo assim, referindo-se a prescrição à obrigação tributária, podemos concluir que o prazo de prescrição conta-se (…) a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT” (sublinhados nossos).

Especificamente relativamente a situação similar à dos presentes autos, referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.10.2011 (Processo: 0354/11):

“… a isenção de sisa de que goza a aquisição de prédios para revenda, caduca se estes não forem revendidos no prazo de 3 anos (arts. 11º nº 3 e 16º, nº 1 do CSisa), o que significa que essa isenção se encontra sujeita a uma condição resolutiva – art. 270º do CCivil (…).

No caso vertente, a dívida reporta-se a sisa referente a transmissão de imóvel efectuada por escritura pública de 7/9/2000, a qual ficou isenta de tal imposto, nos termos do nº 3 do art. 11º e do art. 13º-A do CSisa, em virtude da compra se destinar a revenda (…).

Mas, tal prédio acabou por não ser revendido, tendo a recorrente sido notificada para proceder ao pagamento da sisa devida e, não o tendo feito, foi instaurada a respectiva execução para cobrança da quantia correspondente.

(…) [C]oloca-se, então, a questão de saber se, sobrevindo a caducidade da isenção, o termo inicial do prazo de prescrição da dívida que, porventura, resulte da consequente liquidação da sisa (actualmente, do IMT) devida é o da data da aquisição ou o da data em que operou a dita caducidade da isenção.

Ora, como refere o Cons. Jorge de Sousa (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª ed. 2010, pp. 44 e sgts.) enquanto nas obrigações civis o prazo da prescrição não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido (cfr. art. 306º, nº 1, do CCivil) sendo que se a dívida for ilíquida o prazo só se inicia após o seu apuramento (nº 4 do mesmo normativo), já nas obrigações tributárias decorrentes de impostos não é assim: nestas, salvo lei especial, a prescrição começa a correr a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única (nº 1 do art. 48º da LGT, na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30/12.

Isto, independentemente de estar ou não já liquidada a obrigação tributária pois a prescrição refere-se directamente ao facto tributário, pelo que pode ter lugar sem que tenha ocorrido a respectiva liquidação (cfr. neste sentido, o Cons. Benjamim Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pág. 287, bem como, na jurisprudência, o ac. do STA, de 22/10/1997, rec. nº 21.813, in Apêndice ao DR, de 30/3/2001, pp. 2704 a 2707).

E que o afastamento da regra prevista no nº 1 do citado art. 306º do CCivil, parece ter sido representado pelo legislador resulta, igualmente, do facto de, para efeitos de caducidade do direito à liquidação, a al c) do nº 2 do art. 46º da LGT prever que o respectivo prazo se suspende «Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal de cumprimento da condição», ao passo que, para efeitos de prescrição da obrigação tributária, o art. 49º da LGT nada prescreve a respeito dessa mesma situação, sendo que, no entanto, há outras situações em que, relativamente ao IMT e ao Imposto do Selo, se prevêem termos iniciais especiais, como actualmente sucede no âmbito do IMT e do CIS. (…)

Por outro lado, como se salienta no ac. do Pleno desta Secção do STA, de 24/2/2010, rec. nº 0873/09, de acordo com o disposto na al. a) do nº 2 do art. 8º da LGT, «estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária “a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade”», daqui decorrendo que «as características da prescrição das obrigações tributárias estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal», ou seja, «todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica (cfr. art. 11º da LGT). (…)»

Ora, não obstante a realidade factual subjacente à pronúncia deste aresto se reportar a uma situação de isenção de IA, IVA e direitos aduaneiros, relativos à introdução no consumo de um veículo automóvel, a argumentação dele constante não deixa de ser aplicável ao presente caso.

(…) Não se desconhece, também, que para alguns autores, o facto tributário, no caso de isenção prevista no nº 3 do art. 11º do CSisa, ocorre na data da caducidade da isenção, por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial (cfr. Diogo Leite de Campos, Aplicação no tempo da taxa da sisa/IMT, in Boletim da Ordem dos Advogados, n° 28, Setembro/Outubro, de 2003, pp. 28/29; e Nuno Sá Gomes, Tributação do Património, Lições Proferidas no 1° Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2004), Almedina, 2004, pp. 142 a 148).

(…) Trata-se, porém, de entendimento que nem se coaduna com a reafirmada natureza de uma isenção sujeita a condição resolutiva, nem com a consideração de que o facto de um prédio adquirido para revenda não ter sido vendido no prazo de 3 anos, não significa que o adquirente o tenha que inscrever, imperativamente, no activo imobilizado, por o mesmo ter deixado de ser mercadoria: na verdade, o adquirente pode continuar a pretender revender o prédio e este pode vir a ser revendido em qualquer ano posterior.

Portanto, para além da relevância fiscal que a não revenda naquele prazo de 3 anos implica (em termos da liquidação da respectiva sisa – ou, actualmente, do IMT), não se vê que deva apelar-se também ao decurso desse prazo para efeitos de o considerar como factor determinativo da capacidade contributiva para a aquisição do imóvel e, por essa via, como factor determinativo da verdadeira transmissão, em ordem a considerar esta última data como momento da verificação do facto tributário.

(…) Acresce, como se disse, que, (i) não prevendo a lei a suspensão do prazo de prescrição no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada (ao contrário do que sucede com o prazo de caducidade da liquidação do imposto – al. c) do nº 2 do art. 46º da LGT), (ii) integrando a matéria da prescrição da obrigação tributária (quer os pressupostos da prescrição, quer os pressupostos relativos ao regime do respectivo prazo) o âmbito das garantias dos contribuintes e (iii) fixando a LGT, como momento relevante para o termo inicial do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário (sendo este o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária), não pode interpretar-se a norma contida no nº 1 do art. 48º da LGT com outro sentido que não seja o de que, no caso, o prazo de prescrição da sisa devida (imposto de obrigação única) se inicia a partir da data em que ocorreu o facto tributário substanciado na transmissão (aquisição por parte do sujeito passivo respectivo) e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu” (sublinhado nosso).

Assim, in casu, tendo a aquisição do prédio pela Recorrente operado por escritura de 23.10.2003, sendo este o termo inicial do prazo de prescrição, a prescrição verificou-se 8 anos depois, ou seja, a 23.10.2011, caso, até essa data, não tenha ocorrido nenhuma causa de suspensão ou de interrupção do respetivo prazo.

In casu, há que atentar, em matéria de causas de suspensão e interrupção da prescrição, no regime constante da LGT.

Quanto às causas de interrupção, o n.º 1 do art.º 49.º, na redação que lhe veio a ser dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho, consagra como tais “[a] citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo”.

Ainda no tocante às causas de interrupção, sublinhe-se que, até 2007, a LGT previa a possibilidade de sobreposição de vários efeitos interruptivos, à semelhança do que decorria quer do regime constante do CPCI quer do constante do CPT.

A este respeito, chama­‑se à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.04.2019 (Processo: 02369/15.3BEPNF 0983/16), onde se concluiu, designadamente, que, “[v]erificando-se uma sucessão cronológica de causas de interrupção da prescrição antes de 1 de Janeiro de 2007 (data em que entrou em vigor a redacção dada ao art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), cada uma delas tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, ainda que ocorra quando a anterior ainda está a produzir efeitos” [6].

Com efeito, apenas com a redação que a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, deu ao n.º 3 do art.º 49.º, da LGT, é que ficou definido que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar[7].

Quanto às causas de suspensão, as mesmas encontravam-se previstas, na versão inicial da LGT, no n.º 3 do art.º 49.º, nos termos do qual “[o] prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso”, redação que se manteve até à alteração ocorrida por força da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, com a qual as causas de suspensão passaram a estar previstas no n.º 4 do art.º 49.º, que previa que “[o] prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”. Atualmente, o mesmo n.º 4 prevê a suspensão do referido prazo “a) Em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizados; // b) Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida; // c) Desde a instauração até ao trânsito em julgado da ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público. // d) Durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente”.

É ainda de sublinhar que, para se verificar qual a lei aplicável, há que considerar a redação em vigor à data da ocorrência da causa interruptiva ou suspensiva[8].

Com efeito, nos termos do art.º 12, n.º 2, do Código Civil:

“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor” (sublinhado nosso).

Como refere Baptista Machado[9], “… o art.º 12.º, n.º 2 [do Código Civil], distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (…) (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos a que tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (…) constituídas antes da [lei nova] (…) mas subsistentes ou em curso à data da sua [entrada em vigor]…”.

É ainda, paralelamente, de atentar na causa de suspensão prevista no art.º 100.º do CIRE, nos termos do qual:

“A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.

Sobre a alegada inconstitucionalidade orgânica desta norma, na perspetiva da sua aplicação ao devedor originário, já se pronunciou o Tribunal Constitucional.

Assim, chama-se a este respeito à colação o seu Acórdão n.º 175/2020, de 11.03.2020 (no mesmo sentido, v. os Acórdãos n.ºs 709/2019 e 769/2019, de 04.12.2019 e de 12.12.2019, respetivamente), onde se refere:

7. (…) [O] objeto do recurso de constitucionalidade agora em apreciação é diferente daquele que foi analisado e decido no acórdão [Acórdão n.º 557/2018] (…), na medida em que o que agora está em análise é a suspensão da prescrição de dívidas tributárias exigidas ao próprio devedor insolvente (e não ao responsável subsidiário).

Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou também quanto a esta situação específica, nomeadamente nos Acórdãos n.º 709/2019 e 769/2019, decidindo pela não inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE, quando interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente.

Retomam-se, assim, os fundamentos do Acórdão n.º 709/2019, os quais são transponíveis para o caso sub judice:

«(…) 13. No n.º 2 do seu artigo 1.º, a Lei n.º 39/2003 habilitou o Governo a regular um processo de execução universal, tendo como finalidade a tomada das decisões de recuperação da empresa ou, não sendo esse o caso, a liquidação do património do devedor insolvente, seguida da repartição do produto obtido pelos respetivos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência.

Ora, na autorização concedida ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal” com tal finalidade não pode deixar de ir implicada a faculdade de dispor sobre todas as matérias necessárias à definição da totalidade dos créditos do insolvente, incluindo os termos e pressupostos da respetiva exigibilidade.

Conforme se escreveu no Acórdão n.º 557/2018:
«[…] a autorização ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal”, em que se possa apurar a totalidade dos créditos, envolve necessariamente a adoção de regras atinentes ao constrangimento de todos os credores à reclamação dos seus direitos em tal processo (artigo 90.º do CIRE), que se pretende ficarem estabilizados até ao respetivo encerramento. Isso justifica, aliás, os efeitos processuais sobre outras ações (artigos 88.º e 89.º do CIRE), designadamente a suspensão dos processos de execução fiscal que corram contra o insolvente (artigo 88.º do CIRE e artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário; cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 6.ª Edição, Almedina, 2018, p. 402). A regra da suspensão da prescrição é, assim, assumida como garantia de operacionalidade do processo de insolvência – para cuja disciplina estava o Governo autorizado –, remetendo todos os credores para o único e universal processo falimentar, quer essas dívidas sejam exigidas ao devedor originário, quer aos demais responsáveis tributários».

Pode, assim, afirmar-se com segurança que tanto o vencimento imediato de todas as dívidas do insolvente em consequência da declaração de insolvência, como a suspensão do respetivo prazo prescricional, como ainda a sustação de quaisquer outras ações executivas e o impedimento à propositura de novas ações contra o sujeito declarado insolvente, constituem os mais relevantes aspetos do regime no CIRE em que se consubstancia o carácter universal da ação falimentar.

Apresentando-se como uma condição essencial ao desenvolvimento do próprio processo insolvência, o regime que resulta da convergência de tais elementos encontra a sua razão de ser na natureza unitária do processo falimentar, mais concretamente no facto de nele obrigatoriamente se concentrarem as operações de apuramento dos créditos do insolvente, tendo em vista a tomada das decisões respeitantes à recuperação da empresa ou à liquidação do seu património, bem como, neste último caso, à definição do modo de repartição do respetivo produto pelos credores (cf. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, cit., p. 288; Maria do Rosário Epifânio, cit., p. 174; Alexandre Soveral Martins, cit., pp. 162 e 170).

A solução constante do artigo 100.º do CIRE só pode ser racionalmente compreendida à luz da teleologia própria do processo de insolvência: considerado o carácter universal deste último, tal solução «visa um “congelamento da massa, gerando uma “paralisação que a ordem jurídica impõe às vicissitudes jurídicas em curso” (v. Oliveira Ascensão, “Insolvência: efeitos sobre os negócios em curso”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, 2005, p. 284)».

Pode, por isso, concluir-se, tal como o fez o Acórdão n.º 362/2015, que a disciplina do artigo 100.º do CIRE visa, não direta e imediatamente os créditos tributários, mas «a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo caráter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hierarquia dos respetivos créditos». E que, «[nessa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador», sendo «inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência», e não «introduzindo, por isso, qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E, bem assim, que «a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua eventual exclusão redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público».

14. Tratando-se de um efeito produzido no âmbito do processo de insolvência, tanto necessário como instrumental da possibilidade de obterem aí o pagamento devido todos os credores do insolvente, na proporção e de acordo com a graduação que lhes corresponda, a suspensão prescricional das dívidas — de todas as dívidas — do devedor insolvente por efeito da declaração da insolvência liga-se, assim, à natureza de processo de execução universal que, através da Lei n.º 39/2003, o Governo foi autorizado a disciplinar.

O que através dela se pretende impedir é «que os credores possam ver extintos créditos que estão legalmente impedidos de exigir de outro modo» — isto é, fora do processo de insolvência —, sem criar com isso qualquer tipo de prejuízo ao próprio contribuinte devedor, «que não pode ser surpreendido pela impossibilidade de opor prazos de prescrição ou de caducidade aos mesmos credores» (Acórdão n.º 362/2015).

Assim compreendida a suspensão prescricional das dívidas do insolvente, estabelecida no artigo 100.º do CIRE, não há como não concluir que a mesma se encontra compreendida no âmbito material da autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, que, no n.º 2 do seu artigo 1.º, habilitou o Governo a conformar, em toda a sua extensão, a posição jurídica do devedor insolvente, através da definição da totalidade dos créditos da sua responsabilidade, incluindo, portanto, os de natureza tributária. O que há é apenas que sublinhar uma vez mais a ideia de que, tratando-se de dívida tributária do próprio insolvente, a natureza originária ou subsidiária da respetiva responsabilidade não assume, ao contrário do que sucedeu na hipótese apreciada no Acórdão n.º 557/2018, qualquer relevância. Do ponto de vista do conteúdo e limites da autorização contida na Lei n.º 39/2003, determinante é sim o facto de se tratar aqui de dívida tributária cobrada ao próprio devedor insolvente, e não, como se verificou, a um outro responsável tributário, estranho ao processo de insolvência que desencadeou a causa de suspensão do prazo prescricional.

Assim, a norma extraída do artigo 100.º do CIRE, segundo a qual a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a sua edição foi previamente autorizada por lei parlamentar” (sublinhados nossos).

Como tal, atentando a esta jurisprudência, que considerou não ser de julgar inconstitucional a norma do art.º 100.º do CIRE, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável insolvente no âmbito do processo tributário, há que ter em conta, in casu, tal causa de suspensão.

Apliquemos estes conceitos ao casos dos autos.

Como resulta da matéria de facto provada, cumpre, em primeiro lugar, atentar a suspensão do prazo de prescrição, prevista no art.º 100.º do CIRE.

Como já referimos supra, esta disposição legal prevê que a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição, durante o decurso do processo.

In casu, estamos perante um crédito que não foi reclamado no processo de insolvência, dado que, aliás, a emissão da respetiva liquidação apenas ocorreu já em momento ulterior à declaração de insolvência, tendo o PEF sido instaurado em momento ulterior ao próprio encerramento do processo de insolvência.

Nestes casos, consideram Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[10] que “sendo a insolvência decretada na sequência da aprovação de um plano de pagamentos, a suspensão da prescrição e da caducidade, operantes com relação a créditos não abrangidos, dura somente entre o proferimento da sentença declaratória e o seu trânsito em julgado”.

Ora, a sentença de declaração de insolvência foi proferida a 30.06.2009 e transitou em julgado a 10.08.2009, pelo que o mencionado prazo de prescrição esteve apenas suspenso durante esse período.

Como referimos supra, o dies a quo, in casu, ocorreu a 23.10.2003, tendo o prazo estado suspenso durante 41 dias, pelo que o prazo de prescrição se consolidou a 03.12.2011, ou seja, muito tempo antes sequer da instauração do PEF.

Aliás, refira-se que, ainda que se considerasse que o prazo de prescrição esteve suspenso entre a declaração de insolvência e o trânsito da decisão de encerramento do processo de insolvência (14.11.2011), a conclusão seria a mesma, porquanto a citação mencionada em AA. e BB. não tem efeito interruptivo da prescrição.

Com efeito, como resulta provado, a citação efetuada no âmbito do PEF n.º ….. foi uma citação postal registada.

Ora, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012 (Processo: 081/12):

“[E]sta citação mediante postal registado não configura uma citação em sentido próprio e técnico e não produz os efeitos típicos da citação, nomeadamente não determina o “dies a quo” do exercício dos direitos de defesa dos executados, constituindo uma citação com carácter provisório, uma diligência de aviso quanto à pendência da execução, pois a efectiva citação (pessoal ou edital) só ocorre caso se venha a efectuar a penhora de bens”.

Em termos de impacto da circunstância de estarmos perante uma citação provisória, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.10.2017 (Processo: 0203/17):

“Este artigo 327º, n.º 1 do Código Civil, sob a epígrafe "Duração da interrupção", refere-se à citação prevista no artigo 219º, n.º 1 do Código de Processo Civil, anterior artigo 228º, em que a citação se consubstancia no acto processual pelo qual se dá conhecimento pessoalmente ao réu, pessoa singular ou colectiva (arts. 225º e 246º), de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender, indicando-se o prazo dentro do qual pode oferecer defesa e as respectivas cominações em caso de revelia, cfr. actual artigo 227º, n.º 2.

Ou seja, a citação, enquanto acto de chamamento ao processo, que o legislador previu como idóneo à interrupção duradoura do prazo de prescrição, consubstancia-se no meio pelo qual se dá ao visado a oportunidade de se defender activamente no processo que contra si foi instaurado e corresponde à citação pessoal que se encontra prevista no artigo 192º do CPPT e consequentemente, também, à citação a que se refere o artigo 49º, n.º 1 da LGT.

Assim, "A citação judicial, como meio interruptivo da prescrição, baseia-se em que, se o titular faz valer judicialmente o seu direito, mostra ele que exerce o direito, pelo que não deve já valer para a prescrição o tempo decorrido. A exigência da citação judicial da outra parte destina-se a dar-lhe conhecimento do exercício judicial do direito pelo titular, por não ser razoável que essa outra parte, que acaso contava com a prescrição, tenha de se sujeitar à interrupção, sem seu reconhecimento.", cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, pág. 392.

Já à citação a que alude o artigo 191º do mesmo CPPT não se lhe pode atribuir o mesmo efeito interruptivo duradouro.

Ou seja, enquanto que a citação pessoal pressupõe que o citado executado assume no processo todos os direitos e obrigações que lhe permitam defender-se em juízo, com recurso a todos os expedientes processuais legalmente previstos, razão pela qual o prazo de prescrição só se iniciará novamente findo que esteja o processo com decisão transitada em julgado, já a citação postal prevista no artigo 191º não lhe garante os mesmos direitos e, nessa medida, não pode ter o mesmo alcance que a citação pessoal.

Sobre a natureza desta citação postal já este Supremo Tribunal se pronunciou no acórdão datado de 21.03.2012, recurso n.º 081/12 ao referir que a citação mediante postal simples ou postal registado, prevista no artigo 191.º do CPPT, constitui uma citação provisória, que dispensa a citação definitiva até ao momento em que seja efectuada a penhora de bens, essa citação provisória, pela falta de segurança de que se reveste, não é susceptível de abrir o prazo para a defesa do executado, designadamente o prazo de oposição à execução fiscal ou o prazo para o exercício de outros direitos que hajam de ser exercidos dentro daquele prazo, como resulta inequivocamente do disposto no artigo 203.º, n.º 1, alínea, a), do CPPT.

Assim, esta citação postal a que alude o artigo 191º do CPPT não pode ser idónea a produzir uma interrupção duradoura do prazo de prescrição em curso (), uma vez que não assume as características próprias e especificas da citação a que se referem os artigos 326º e 327º, n.º 1 do Código Civil e 49º, n.º 1 da LGT”.

Chama-se ainda à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02.07.2010 (Processo: 00141/10.6BECBR), onde se refere:

“A citação prevista no art. 191.º do CPPT, a efectuar através de postal, registado ou não, é considerada como uma forma de citação que, «embora tendencialmente funcione como meio de proporcionar ao destinatário o conhecimento da instauração de uma execução fiscal contra ele, não fornece garantias para o processo de ter chegado ao conhecimento do citando», motivo por que é considerada como uma «citação meramente provisória que só dispensa uma citação definitiva (pessoal ou edital), nos casos em que não vier a ser efectuada penhora.

Com efeito, no art. 193.º deste Código, prevê-se que, quando a citação é efectuada por simples postal, se ele não vier devolvido ou não indicar nova morada do destinatário, proceder-se-á de imediato à penhora, mas, se se conseguir penhorar bens, faz-se a citação pessoal do executado, levando-se a cabo a citação edital se não for conhecida a sua morada» (…)

(…) No entanto, esta solução da citação provisória, pela falta de segurança de que se reveste, não é susceptível de abrir o prazo para a defesa do executado, designadamente não abre o prazo de oposição à execução fiscal nem para o exercício de outros direitos que hajam de ser exercidos dentro daquele prazo, como resulta inequivocamente do art. 203.º, n.º 1, alínea, a), do CPPT, que alude à citação pessoal.

Note-se que «a citação através de postal, simples ou registado, não implica qualquer presunção de recepção do recebimento do mesmo, como se infere do facto de, no art. 193.º, se impor a citação pessoal do executado no momento da penhora e a citação edital se a citação pessoal não for possível» (…)

Tendo presente a falta de garantia processual da recepção da citação por postal nos termos do art. 191.º do CPPT, manifestada desde logo na ausência de presunção legal quanto ao seu recebimento e respectiva data, tudo decorrência da natureza provisória dessa citação, afigura-se-nos que a mesma também não é susceptível de produzir a interrupção do prazo prescricional.

Ou seja, a nosso ver a citação postal efectuada nos termos do art. 191.º do CPPT, porque não dá garantias quanto à sua realização, nem existe presunção que permita estabelecer o recebimento do postal e a respectiva data, tendo carácter provisório, não releva para efeitos de interrupção do prazo da prescrição.

Para que àquela citação fosse conferido o efeito interruptivo previsto no art. 49.º, n.º 1, da LGT, impunha-se que a lei permitisse determinar com precisão que foi efectuada a interpelação para cumprimento da obrigação e respectiva data. Ora, como deixámos já dito, tal não sucede com a citação efectuada nos termos do art. 191.º do CPPT, que tem carácter meramente provisório.

(…) Aliás, no rigor dos termos, a citação é, nos termos do art. 228º nº 1 do CPC, “o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…)” e o executado só se considera chamado ao processo para se defender quando é citado pessoal ou editalmente, como resulta da conjugação das normas dos arts. 192º, 193 e 203º nº 1 do CPPT.

Dir-se-á, contra isto, que na citação edital, também não ocorre a certeza de que a mesma chegou ao conhecimento do executado. Assim é, com efeito. No entanto, na citação edital, ao contrário do que sucede com citação postal prevista no art. 191º, a lei estabelece, clara e inequivocamente, a data em que a citação se considera efectuada e que é no dia em que se publique o último anúncio – cfr. art. 250º nº 1 do CPC»”.

Como tal, face à não virtualidade de a citação via postal interromper o prazo de prescrição, sempre a dívida estaria prescrita no momento em que foi efetivada a compensação.

Logo, assiste razão nesta parte à Recorrente.

III.D. Do erro de julgamento, no tocante à prescrição da dívida exequenda relativa ao PEF n.º …..

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, ao entender que a dívida exequenda atinente ao PEF n.º …..não se encontra prescrita, por considerar que a declaração de insolvência não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição. Entende, ademais, que, caso se entenda ser de aplicar a causa de suspensão prevista no art.º 100.º do CIRE, deveria ter sido tida em conta a cessação da suspensão motivada pelo encerramento do processo.

Vejamos então.

In casu, a dívida exequenda respeita a IMI do ano de 2008, pelo que, tratando-se de imposto periódico, o dies a quo ocorre no termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. art.º 48.º, n.º 1, da LGT). Como tal, in casu, tal momento situa-se no dia 31.12.2008.

Assim, inexistindo quaisquer causas de suspensão ou interrupção, tal prazo completar-se-ia a 31.12.2016.

Quanto às causas de interrupção, é legalmente considerada como tal a citação, como já referido supra. Não obstante, neste caso em concreto, por motivos diversos, a mesma não pode ser relevada enquanto tal.

Assim, como resulta dos factos provados, apenas decorre do PEF a existência de diligências tendentes à citação através de contacto pessoal.

Ora, como ficou provado, tais diligências foram realizadas depois de o PEF já estar suspenso por força da insolvência. Considerando o disposto no art.º 275.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT, enquanto durar a suspensão do processo só podem validamente praticar-se atos com vista a evitar dano irreparável, o que não resulta que seja o caso dos autos. Ou seja, a suspensão implica a inviabilidade da prática de atos.

Por outro lado, no caso, a Recorrente já tinha sido declarada insolvente a 30.06.2009, o que fora comunicado ao SF a 03.07.2009 (cfr. facto R).

Ora, nestes casos, há que ter em conta o disposto no art.º 156.º do CPPT, nos termos do qual:

“Se o funcionário ou a pessoa que deva realizar o ato verificarem que o executado foi declarado em estado de falência, o órgão da execução fiscal ordenará que a citação se faça na pessoa do liquidatário judicial”.

Aliás, em termos similares vai o disposto no art.º 41.º do CPPT, com a epígrafe Notificação ou citação das pessoas coletivas ou sociedades, nos termos de cujo n.º 3 “[o] disposto no número anterior não se aplica se a pessoa coletiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efetuada na pessoa do liquidatário”.

Estas disposições legais têm de ser lidas de forma atualista, atendendo à entrada em vigor do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março, e que revogou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (cfr. art.º 11.º do preâmbulo deste diploma).

Assim, as menções feitas ao liquidatário judicial têm de ser interpretadas no sentido de serem feitas ao administrador de insolvência[11].

Como tal, qualquer citação a realizar naquele momento temporal teria de ser feita na pessoa do administrador de insolvência, o que não sucedeu.

Ademais, nada resulta dos autos no sentido de ter sido feita qualquer citação no momento de realização de penhora.

Assim, não tendo sido feita citação válida do devedor, a mesma não pode ser considerada para efeitos de interrupção do prazo de prescrição.

Já quanto às causas de suspensão, nos termos já referidos supra, para os quais se remete, há que atentar à suspensão prevista no art.º 100.º do CIRE.

Além disso, cumpre ter em conta que o PEF em causa foi avocado ao processo de insolvência e que a dívida ao mesmo respeitante foi ali reclamada. Portanto, neste caso, há que considerar o período que medeia entre a data de declaração de insolvência e o trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo de insolvência. Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[12], “o encerramento do processo não pode razoavelmente deixar de ser, ele próprio, uma causa de cessação da suspensão de que trata o preceito anotando”.

Portanto, atento o exposto o prazo de prescrição esteve suspenso desde 30.06.2009, data da prolação da sentença de insolvência, até 14.11.2011 (data do trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo de insolvência), ou seja, por um período de 867 dias. Assim, caso não houvesse quaisquer outras causas de suspensão ou interrupção, o prazo terminaria a 17.05.2019.

In casu, dos elementos constantes dos autos, não resulta que tenha havido qualquer outra causa de suspensão ou interrupção.

Como tal, à data do pagamento dos DUC relativos à compensação, ou seja, 24.04.2019 (cfr. factos CC. e DD.), a dívida ainda não estava prescrita.

Logo, nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.E. Do erro de julgamento em virtude de a compensação ter sido feita ilegalmente

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, desde logo porque o ato reclamado padece de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito. Entende ainda que, não tendo sido efetuada citação no âmbito dos processos executivos, não se preenchem os requisitos previstos na al. c) do art.º 89.º do CPPT. Refere, ademais, que o ato de compensação violou também os princípios legais da legalidade, proporcionalidade, justiça, celeridade, confiança e boa fé, como resulta da própria atuação da AT no decurso do processo de insolvência.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 89.º do CPPT:

“1 - Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, exceto nos casos seguintes:

a) Estar a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução;

b) Estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º

(…) 3 - A compensação efetua-se pela seguinte ordem de preferência:

a) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, relativas ao mesmo período de tributação;

b) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, respeitantes a diferentes períodos de tributação;

c) Com dívidas provenientes de tributos retidos na fonte ou legalmente repercutidos a terceiros e não entregues;

d) Com dívidas provenientes de outros tributos, com exceção dos que constituam recursos próprios comunitários, que apenas serão compensados entre si.

4 - Se o crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas, dentro da mesma hierarquia de preferência, esta efetua-se segundo a seguinte ordem:

a) Com as dívidas mais antigas;

b) Dentro das dívidas com igual antiguidade, com as de maior valor;

c) Em igualdade de circunstâncias, com qualquer das dívidas.

5 - A compensação é efetuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido”.

O ato de compensação, como ato administrativo que é, tem de estar cabalmente fundamentado.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”[13], para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

É ainda pertinente chamar à colação a distinção entre ato administrativo que determina a compensação do ato que a materializa.

Como refere Jorge Lopes de Sousa[14], “[t]em-se constatado que, por vezes, a Administração Tributária não pratica um acto administrativo declarando a compensação, sendo esta efectuada através de operações materiais, designadamente a afectação de quantias em poder da Administração Tributária ao pagamento de dívidas fiscais, sem suporte em qualquer acto jurídico.(…) // As actuações deste tipo são ilegais, pois não têm qualquer cobertura legal e, actualmente, o princípio da legalidade, enunciado nos arts. 55.° da LGT e 3.° do CPA, tem um conteúdo positivo, erigindo a lei (em sentido lato, como bloco de legalidade) como fundamento e o limite de qualquer actuação administrativa . (…) // Assim, no nosso sistema de administração executiva, para poder dar um destino diferente às quantias que tem em seu poder e deviam ser entregues ao contribuinte, a Administração Tributária tem de praticar previamente um acto administrativo, isto é, um acto jurídico, praticado por quem tenha a qualidade de órgão, no uso dos poderes de autoridade de definição de situações jurídicas tributárias que a lei lhe confere, através do qual seja materializada a sua decisão de efectuar a compensação (…). Para além disso, praticado esse acto, só poder dar-lhe execução depois de ele se ter tornado eficaz em relação ao contribuinte, através da respectiva notificação (arts. 77.°, n.° 6, da LGT e 36.º , n.° 1, do CPPT). // Se for materializada compensação, através da afectação de quantias ao pagamento de dívidas (nomeadamente de forma automática, por meios informáticos) sem que tenha sido previamente praticado um acto administrativo que declare o direito da Administração Tributária a efectuá-la, estar-se-á perante uma situação de compensação ilegal (…) // Eventualmente, tal actuação material poderá ter subjacente uma aparência de acto administrativo, por exemplo, ser efectuada num procedimento tributário uma declaração no sentido de ser levada a cabo a compensação, proferida por quem não tem a qualidade de órgão da Administração Tributária e, por isso, não pode praticar actos administrativos (…) ou ser comunicado ao contribuinte que aquela foi efectuada, de forma semelhante à que seria se tivesse sido praticado um acto administrativo. Em situações deste tipo, em que não for razoável exigir-se ao contribuinte que conhecesse a inexistência de acto, será admissível que use um meio impugnatório, que será a acção administrativa especial (se a actuação da Administração ocorreu fora do processo de execução fiscal), ou a reclamação prevista no art. 276.° do CPPT (se a afectação ocorreu no âmbito de um processo de execução fiscal)”.

Ora, aplicando estes conceitos ao caso dos autos, decorre que o documento notificado à Recorrente, mencionado em G. do probatório, mais não é do que uma notificação da efetivação da compensação. Sendo tal documento lacónico em termos de fundamentação, não estando sequer explanados no mesmo os motivos que conduziram à consideração de que se reuniam os pressupostos para operar a compensação, sempre se poderia considerar que as mesmas constariam do despacho de 25.05.2018 da chefe do SF do Montijo ali mencionado. Sucede, porém, que tal despacho, como resulta provado, não existe e nunca foi proferido. Ou seja, assiste razão à Recorrente quando sustenta a falta de fundamentação do ato de compensação, aliás consubstanciada numa ausência total de fundamentação por ausência de ato que a determine. Sublinhe-se que, ao contrário do que parece resultar do entendimento da AT, não se pode considerar que tal fundamentação conste do despacho de 17.04.2019, mencionado em EE., do probatório, dado que se trataria de fundamentação a posteriori, não admitida por lei. Com feito, como resulta provado, os DUC relativos à compensação foram emitidos a 16.04.2019 (cfr. factos CC.e DD.), logo, em momento anterior ao do mencionado despacho. Sempre se refira, adicionalmente, que tal despacho não analisa a reunião dos pressupostos da compensação, limitando-se a extrair uma conclusão no sentido de não haver lugar a qualquer restituição, mas sem que seja verificada tal reunião dos pressupostos.

Veja-se que a realização de uma compensação pressupõe que estejam esgotadas as possibilidades de impugnação (administrativa ou judicial) do tributo ou de oposição à execução, o que tem de ser aferido e explanado, em termos de fundamentação, pela AT, o que não ocorreu (sendo certo que, nos termos já mencionados supra, desde logo em nenhuma das execuções fiscais em causa se pode considerar ter ocorrido citação pessoal).

Como tal, assiste razão à Recorrente nesta parte, resultando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência:
a.1. Declarar a nulidade da sentença recorrida, no que respeita à prescrição da dívida atinente ao PEF n.º ….., por omissão de pronúncia;
a.2. Revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a reclamação, anulando o ato reclamado.
b) Custas pela Fazenda Pública em ambas as instâncias;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de julho de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Vital Lopes)


______________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
[5] Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
[6] Cfr. igualmente, a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.04.2013 (Processo: 0443/13), de 09.04.2014 (Processo: 0367/14), de 15.06.2016 (Processo: 01800/13).
[7] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação tributária, 2.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 73, 78 e 79.
[8] V., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.12.2014 (Processo: 0341/12), de 24.09.2014 (Processo: 0935/14) e de 09.04.2014 (Processo: 0367/14).
[9] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, p. 233.
[10] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Vol. I, Quid Iuris, Lisboa, 2005, p. 387.
[11] Cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 88.
[12] Ob. cit., p. 388.
[13] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
[14] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 731 e 732.