Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09658/16
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
SUCURSAL CARECE DE AUTONOMIA FACE À SOCIEDADE SEDE (CASA-MÃE).
ARTº.4, Nº.1, DO C.I.V.A.
CONCEITO RESIDUAL OU NEGATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
TEORIA DAS CONTRAPRESTAÇÕES RECÍPROCAS.
PRINCÍPIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO COMUNITÁRIO NA ORDEM JURÍDICA INTERNA PORTUGUESA.
PRINCÍPIO COMUNITÁRIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME.
NOÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ONEROSA.
EXISTÊNCIA DE PRESTAÇÕES RECÍPROCAS E INDEPENDÊNCIA ENTRE O PRESTADOR E O BENEFICIÁRIO.
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL NÃO É SUJEITO PASSIVO DE I.V.A.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
2. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
3. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
4. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
5. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
6. A sucursal carece de autonomia face à sociedade sede (casa-mãe) porquanto, enquanto tal, não suporta qualquer risco sobre a actividade desenvolvida (o qual corre por conta da sede) e não dispõe de capital próprio, asserções que decorrem da própria natureza jurídica das sucursais e de qualquer representação permanente que não disponha de autonomia jurídica da respectiva sociedade constituinte/sede estrangeira, tudo no âmbito do direito tributário.
7. A natureza do I.V.A. como um imposto geral sobre o consumo implicou a existência de um conceito residual ou negativo de prestação de serviços. De acordo com o disposto no artº.4, nº.1, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas, além do mais, a título oneroso que não se qualifiquem como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. Assim, para efeitos deste imposto, são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, a cedência de direitos, de marcas, de patentes, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito de despesas a título de repartição de despesas comuns. Tendencialmente, a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável.
8. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de I.V.A. deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica. A jurisprudência comunitária tem vindo a reiterar que o conceito de actividade económica deverá ser interpretado de forma a atribuir um âmbito de aplicação muito abrangente a este tributo, vindo a relevar o carácter objectivo da mesma noção, salientando que a actividade se define por si mesma, independentemente dos fins ou resultados. A prestação de serviços será tributável em sede de I.V.A. se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, de acordo com a teoria das contraprestações recíprocas.
9. As disposições nacionais que tenham por base diplomas europeus (“máxime”, directivas, como sucede no caso do I.V.A., cujo código consiste na transposição da Sexta Directiva, então em vigor) devem ser interpretadas e aplicadas à luz da redacção e da “ratio legis” destes últimos, os diplomas europeus - é o que a jurisprudência e doutrina designam por "princípio comunitário da interpretação conforme". Recorde-se que o direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa).
10. De acordo com jurisprudência comunitária uniforme uma prestação de serviços só é efectuada a título oneroso, na acepção do artigo 2°, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas. Ora, a reciprocidade das prestações depende, necessariamente, de o "prestador e o beneficiário" actuarem de forma independente.
11. Perante a constatação da falta de autonomia de uma sucursal da respectiva casa mãe, entende a jurisprudência comunitária que os artigos 2, nº1 e 9, nº1 da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado-Membro e ao qual a sociedade sede fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo de I.V.A. em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.211 a 223 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "B...", tendo por objecto a autoliquidação de I.V.A. relativa ao período de Dezembro de 2001 e no valor total de € 119.170,00.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.257 a 272 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-ln casu, com o devido respeito, que é muito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 2.º do n.º 1, al. a), art. 4.º e art. 6.º, todos do CIVA; art. 5.º do CIRC; art. 125º,do CPPT; arts. 653°,655°,659°,art. 668°,nº 1,al.b) e 662° do CPCivil ex vi art. 2.º al. e) do CPPT) devidamente condimentados com o princípio da legalidade, assim como o teor da Informação oficial de fls. 80 a 86 do PAT junto aos autos; fls. 61, 62, 74 e 75 do PAT junto autos e fls. 56 a 75 (correspondentes ao Relatório da Inspecção Tributária);
2-Tudo assim, para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido, “maxime”, para que melhor se pudesse inferir pela improcedência de uma qualquer ilegalidade do acto e liquidação impugnado pela recorrida, mormente não se considerando a predita liquidação inquinada do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos, determinante da sua anulação;
3-Pelo que, a recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal “a quo”, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os elementos constantes dos autos, mormente do acervo probatório documental que foi apurado e sindicado e aqueloutro supra indicado e que não foi valorizado, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente;
4-A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal “a quo”, a qual, humildosamente, se pretende que seja devidamente sindicada pelo respeitoso areópago “ad quem”, foi, “mutatis mutandis”, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo Tribunal recorrido, uma errada valoração (e falta de valoração) do acervo probatório documental constante dos autos e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, culminando em erro de julgamento;
5-Tudo assim, não esquecendo que o objecto da presente lide tem que ver com a autoliquidação de IVA, efectuada com referência ao período de Dezembro de 2001, à qual a recorrida assaca vício de erro nos seus pressupostos, o qual, a verificar-se é susceptível de determinar a sua anulação;
6-Concretamente, “quaestio decidenda”, prende-se assim, com o saber se a autoliquidação de IVA “sub judice”, com referência ao período de Dezembro de 2001, padece de vício de violação de lei, por erro nos respectivos pressupostos, porquanto, as operações tituladas pela factura por si emitida à sucursal não são subsumíveis às regras de incidência subjectiva e objectiva do imposto;
7-No caso vertente, a recorrida, à data dos factos encontrava-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal, de periodicidade mensal e tinha como objecto social a actividade e "Instituições bancárias";
8-A recorrida entregou a declaração periódica de IVA relativa a Dezembro de 2001 em 2002/02/07 (vide fls. 78 do PAT);
9-Pela sua relevância para a boa decisão do caso em apreço, constata-se que, em exercícios anteriores, nomeadamente os de 1997 a 1999, cujo relatório de Inspecção consta de fls. 56 a 75, os SPIT (Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária) liquidaram adicionalmente IVA referente ao montante imputado pela "casa mãe", a titulo de encargos gerais de administração;
10-Naqueles anos foi constatado pelos SPIT que, o recorrido contabilizou na conta 74199 Diversos, vários montantes, referentes às quantias imputadas pela casa mãe, a título de encargos gerais de administração, nomeadamente despesas com pareceres, serviços gerais de informática, apoio de serviços jurídicos e de contencioso, beneficiados pela sucursal (impugnante). Consideram os SPIT que esses encargos consubstanciam-se numa prestação de serviços, enquadrada no art. 4.º do CIVA, localizada em Portugal, pelo que nos termos das al. c) e d) do n.º 8 do art. 6.º em conjugação com al. a) do n.º 1 do art. 2.º são tributadas à taxa de 17%, de acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 18.º da citada legislação. Pelo que, se apuraram vários montantes de IVA em falta, para cada exercício;
11-Pelo que tendo por base o entendimento dos SPIT para os exercícios anteriores, o B... decidiu à cautela, e aproveitando o regime de favor decorrente do DL n.º 248-A/2002 de 14/11, entregar ao Estado a quantia de € 119.170,00 euros, correspondente às operações realizadas em 2001 e da mesma natureza das referidas no ponto anterior;
12-Em bom rigor, verifica-se que, o recorrido não demonstra que, o montante de IVA autoliquidado, corresponde ao montante imputado pela "casa-mãe", a título de encargos gerais de administração. Mormente, não diligenciando pela junção aos autos de documento contabilístico que seja demonstrativo do alegado pelo B...;
13-No limite, mesmo que se entenda, sem qualquer prova que, estamos perante os encargos referidos pelo recorrido, sempre sem conceder, falece a razão da recorrida e o segmento decisório do aresto “a quo”. Pois que, e devidamente sopesado o teor do relatório da Inspecção Tributária, de fls. 56 a 75, respeitante aos exercícios de 1997 a 1999, quanto à matéria em apreço, verifica-se que;
14-Não obstante, no Plano do Direito Privado, as sucursais não terem personalidade jurídicas, no plano do Direito Tributário, as sucursais são consideradas estabelecimentos estáveis, sendo equiparadas a entidades independentes. O art. 5.º do CIRC, considera estabelecimento estável "qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”. Ora, no caso vertente, verifica-se que a sucursal portuguesa do B..., é de facto um estabelecimento em que existe uma instalação fixa, através da qual é exercida a sua actividade, e que como estabelecimento estável é equiparado a uma entidade independente, e consequentemente um sujeito passivo distinto da "casa-mãe";
15-Transpondo a definição de sujeito passivo, para o código do IVA, nos termos da al. a) do n.º 1 do art 2.º, sujeito passivo é toda a entidade que realize operações tributáveis e que reúna os pressupostos da incidência real de IRC. Acresce ainda que, o IVA é um imposto que incide sobre as operações e não sobre as entidades, pelo que também aquelas operações serão tributadas em sede de IVA;
16-No que tange à questão da não onerosidade das operações (encargos) em análise, nem sequer se coloca, tendo em conta a definição de onerosidade conjugada com o facto de o impugnante registar as verbas como custos, pois a simples consideração da operação como uma despesa implica a sua onerosidade;
17-Constata-se que, o montante de IVA autoliquidado, está devidamente fundamentado, conforme ponto 6.º e informação prestada no relatório de inspecção de exercícios anteriores a fls. 61, 62, 74 e 75 do PAT junto aos autos;
18-Nesta senda, atento o supra vazado, a sucursal em Portugal de um banco não residente, é considerada um sujeito passivo de IVA, sendo que o fornecimento de informações prestadas por uma entidade estrangeira, não sediada em Portugal, a sujeitos passivos com estabelecimento estável ou domicilio em Portugal, é tributável/localizado em Portugal, pelo que se deve manter o montante autoliquidado;
19-No que concerne ao ofício circulado n.º 30019 da Direcção de Serviços do IVA, constata-se que este não tem aplicação ao caso em apreço, porquanto não estamos perante uma cedência de pessoal nem a um reembolso exacto de despesas com pessoal;
20-Por tudo quanto vai dito, salvaguardado o devido respeito por melhor opinião, contrariamente ao asseverado pelo respeitoso Tribunal “a quo”, é entendimento da recorrente que no caso vertente, não verificam os pressupostos e requisitos factuais necessários e exigíveis para que ao mesmo se pudesse proceder à chamada à colação e consequente aplicação da famigerada "Sexta Directiva",(77/388/CE) do Conselho, de 17 de Maio de 1977, a qual estava em vigor à data dos factos. Pelo que, “in casu”, mais do que sindicar da boa ou errada aplicação daquela Directiva, a “vexata quaestio” que se impõe, e em relação à qual já foi sufragada a posição da Recorrente, é a da falta de pressupostos e requisitos factuais no caso vertente para se almejar a aplicação daquela Directiva;
21-O respeitoso Tribunal “a quo”, atenta a factualidade essencial a que supra se aludiu, conhecida nos autos e consubstanciada por acervo documental junto ao mesmo, não considerou nem valorou como o deveria o acervo probatório documental constante dos autos;
22-Nem tão pouco nos é dado a conhecer qual o itinerário cognoscitivo e valorativo que foi encetado pelo Tribunal “a quo” para ter desconsiderado tal documentação, em moldes para tanto exigíveis e necessários para se aquiescer o trilho cognoscitivo e valorativo que levou o Tribunal “a quo” a considerar determinada prova, em detrimento de outra;
23-O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico­formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo factual;
24-Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do Tribunal;
25-No caso vertente tal itinerário e trilho tomado pelo respeitoso Tribunal “a quo” na sindicância e sopesamento daquela prova, não é demonstrativo de juízo crítico e valorativo aqui exigível, pois se desconhece a mesma. No entanto a factualidade supra aduzida, serviu para que o Tribunal “a quo” fundamentasse a sua decisão relativamente no sentido propagado pelo impugnante;
26-Pelo que, “in casu”, foi inexistente o percurso lógico, racional e objectivo que levou a determinar o Tribunal “a quo” a integrar factos na sua fundamentação a não considerar outros por falta de valorização de acervo probatório documental que faz parte dos autos!
27-E sobre os quais se desconhece a forma como os mesmos foram efectivamente desconsiderados e daí, não terem sido elencados os factos que deles resultam no corpo factual que foi dado como assente pelo respeitoso Tribunal “a quo”;
28-Quanto a esta temática e factualidade concreta, a decisão não deu a conhecer, não apreciou nem valorou criticamente a prova, dentro dos parâmetros exigíveis, não explicitando quais os critérios lógicos e mentais que seguiu e que levaram o julgador, perante documentação díspar, a optar por uma ou outra documentação, não afirmando, inequívoca e completamente, as razões lógicas (decorrentes da normalidade das coisas, das regras da experiência, etc.) por que proferiu aquela decisão de facto - e não outra -, assim não deixando claros os fundamentos que sustentaram a convicção que formou;
29-Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito;
30-Pelo que, caso o respeitoso areópago “ad quem”, não considere verificar-se a predita falta de fundamentação e consequente nulidade, deverá então, desde já, considerar a sua mera insuficiência ou mediocridade da motivação, a qual, sendo de espécie diferente, poderá consequentemente, afectar o valor doutrinal da sentença “a quo” (quanto a este tema decidendo), sujeitando-a ao risco de ser revogada, com todas as consequências legais que lhe estão inerentes;
31-Decidindo como decidiu, o Tribunal “a quo” não considerou correctamente a prova documental produzida nos autos, assim como desconsiderou outra tanta, e não a tendo valorizado, consequentemente, laborou em errada aplicação das normas legais supra vazadas;
32-Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal “a quo” lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a documentação supra mencionada o que consubstancia erro de julgamento;
33-“Maxime”, no que concerne ao escopo dos arts. 2.º, do n.º 1, al. a), art. 4.º e art. 6.º todos do CIVA; art. 5.º do CIRC; art. 125°,do CPPT; arts. 653°,655°, 659°,art. 668°, nº 1, al.b) e 662° do CPCivil “ex vi” art. 2.º al. e) do CPPT) devidamente condimentados com o princípio da legalidade, assim como ao teor da informação oficial de fls. 80 a 86 do PAT junto aos autos; fls. 61, 62, 74 e 75 do PAT junto autos e fls. 56 a 75 (correspondentes ao Relatório da Inspecção Tributária);
34-NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais;
35-CONCOMITANTEMENTE, apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo", mais peticionando, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso caso se conclua pela procedência dos argumentos esgrimidos pelo recorrente (cfr.fls.273 a 299 dos autos), e terminando com as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrido na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitante ao período de Dezembro de 2001;
2-O Ilustre Representante da Fazenda Pública, ora recorrente, invoca desde logo nas suas alegações de recurso que "(...) o recorrido não demonstra que, o montante de IVA autoliquidado, corresponde ao montante imputado pela "casa-mãe", a título de encargos gerais de administração" (cf. página 6 das alegações de recurso);
3-Sendo este o fundamento em que o Ilustre Representante da Fazenda Pública suporta o seu recurso, não pode o recorrido conformar-se com o mesmo;
4-É que, tendo sido dado como provado na sentença recorrida que o montante de IVA autoliquidado respeitava, efetivamente, a encargos gerais de administração imputados pela casa-mãe à sucursal, a falta de impugnação especificada pelo Recorrente desse facto nos termos do artigo 640.º do Código do Processo Civil (CPC) condena o presente recurso ao insucesso;
5-Efetivamente, foi dado como provado na sentença recorrida que as despesas em causa respeitam a encargos gerais de administração [cf. nº.12 da matéria de facto assente na sentença recorrida], referindo-se que "(...) os factos provados assentaram, também, na circunstância de, em sede de inspecção interna, realizada em 2001, aos exercícios de 1997 a 1999, os SIT terem considerado que o montante contabilizado na conta "74199 - Diversos" os montantes referentes "aos Encargos Gerais de Administração imputado pela "Casa Mãe" e que "o valor debitado pela casa mãe traduz-se em despesas com pareceres, serviços gerais de informática, apoio de serviços jurídicos e de contencioso, beneficiados pela sucursal (cfr. RIT, a fls. 67 a 75 do PAT apenso)" (cf. p. 5 da sentença recorrida);
6-A singela invocação nas alegações de recurso de que o recorrido não demonstrou tal facto não é suscetível de comprometer a sentença recorrida no que concerne ao exposto, porquanto recai sobre o recorrente o ónus de especificar no seu recurso os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como determina o artigo 640.º n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 2.º alínea e), do CPPT;
7-Salvo o devido respeito, o recorrente incumpriu com o ónus de impugnação da matéria de facto, não sendo especificamente impugnados os factos dados como provados na sentença recorrida, nem indicados os meios probatórios que impunham decisão diversa;
8-Deste modo, o argumento “supra” invocado não pode deixar de estar condenado ao insucesso, concluindo-se pela improcedência do recurso;
9-Invoca ainda o Ilustre Representante da Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, na medida em que o ora recorrido configura um sujeito passivo autónomo da casa-mãe, nos termos do artigo 5.º do Código do IRC, sendo esta definição de sujeito passivo transponível para efeitos de tributação em sede de IVA;
10-Não assiste, com o devido respeito, qualquer razão ao Ilustre Representante da Fazenda Pública, devendo manter-se a sentença recorrida;
11-Com efeito, no ordenamento jurídico fiscal português não existe um qualquer preceito legal, para efeitos de tributação em sede de IVA, que determine que uma sucursal e a sua casa-mãe constituam dois sujeitos passivos distintos e autónomos e, não existindo uma norma nesse sentido, não se pode ter por aplicáveis normas do Código do IRC que ficcionam, estritamente para efeitos de tributação do rendimento, a autonomização jurídica dos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes;
12-A analogia é vedada como regra interpretativa das normas de incidência tributária por imperativo do princípio da legalidade em matéria fiscal (cf. art. 103.º da Constituição da República Portuguesa e art. 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária) e, como tal, nunca se poderia extrair da aplicação analógica de uma norma do Código do IRC a qualificação de uma entidade como sujeito passivo de IVA;
13-De facto, em momento algum, o legislador consagrou ou pretendeu consagrar um nexo de causalidade entre a figura do estabelecimento estável e do sujeito passivo para efeitos do IVA, não se retirando tal conclusão do artigo 2.º daquele diploma legal;
14-Acresce que o legislador tão pouco logrou utilizar determinadas ficções jurídicas por forma a alargar o âmbito de aplicação do conceito de pessoa coletiva, tendo, ao invés, desconsiderado como sujeito passivo do imposto as representações locais das sociedades, considerando-as meras extensões destas últimas;
15-Com efeito, se se entendesse que as transações entre estabelecimentos da mesma pessoa coletiva se reportariam a sujeitos passivos distintos, seria destituída de sentido a disposição do RITI que consagra expressamente a equiparação da aquisição intracomunitária de bens à afetação feita pelo sujeito passivo, às necessidades da sua empresa, relativamente a bens expedidos ou transportados por si ou por sua conta, a partir de outro Estado-Membro, no qual o referido bem tenha sido produzido, extraído, transformado, adquirido ou importado pelo próprio sujeito passivo no âmbito da sua atividade;
16-Este entendimento é o que melhor se adequa ao cumprimento das normas comunitárias que constituem a base enformadora de todo o regime de tributação do IVA vigente nos diversos Estados Membros, designadamente da Sexta Directiva 77/388/CEE;
17-O TJUE já se pronunciou sobre a questão da relação entre sede e sucursal, para efeitos de tributação das prestações de serviços em sede de IVA - decisão acolhida pelo Tribunal recorrido - tendo decidido que "(...) os artigos 2. n.º 1, e 9. n. º 1, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações " e acrescentado que "(...) a sucursal não suporta ela mesma os riscos inerentes ao exercício da actividade da instituição de crédito, como, por exemplo, a falta de reembolso de um empréstimo por um cliente. É o banco, na qualidade de pessoa colectiva, que suporta esse risco e é por isso que a sua solidez financeira e a sua solvabilidade são objecto de controlo no seu Estado-Membro de origem. Com efeito, enquanto sucursal, o F... não dispõe de capital próprio. Por conseguinte, o risco ligado à actividade económica recai integralmente no F.... Consequentemente, o F... depende deste último com o qual constitui um sujeito passivo único" (caso F... plc, de 23.03.2006, proferido no processo C-210/04);
18-Acresce que o IVA assenta em conceitos harmonizados, tal como o de "sujeito passivo", que não pode variar em função das várias disposições jurídicas nacionais, pelo que o conceito de "realidade económica" afigura-se determinante e é por força do mesmo que a base de tributação deve corresponder ao que foi efetivamente percebido em contrapartida do serviço prestado e não a um valor determinado em função de critérios objetivos;
19-Não existe, de acordo com o sistema jurídico europeu do IVA, no interior da mesma pessoa jurídica, dois sujeitos suficientemente autónomos de forma que se possam considerar sujeitos passivos distintos, porque não é de admitir que um estabelecimento estável possa agir de um modo inteiramente independente da sua sociedade-mãe, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, daquela Diretiva, e também porque o conceito de estabelecimento estável não constitui, na aceção do artigo 9.º, n.º 1, um verdadeiro sujeito passivo, distinto daquela sociedade-mãe (cf. conclusões do Advogado-Geral Philippe Léger, no processo C-210/04);
20-Tratando-se a recorrida de uma sucursal de uma instituição de crédito sediada num outro Estado-Membro, esta não dispõe de autonomia porquanto não exerce a sua atividade por conta própria, mas enquanto emanação daquela instituição de crédito, a qual, em virtude da autorização concedida no seu Estado de origem, tem o direito de exercer a sua atividade num outro Estado-Membro, por força do princípio do reconhecimento mútuo, instituído pela Diretiva n.º 89/646/CEE, do Conselho, de 15 de Dezembro de 1989 (Segunda Diretiva de Coordenação Bancária), sendo que acordo com o princípio, a instituição de crédito admitida em determinado país pode exercer a sua atividade em todos os países comunitários, sob controlo do país de origem, operada pela supervisão da instituição;
21-Efetivamente, como bem decidiu o Tribunal recorrido, "De regresso ao caso dos autos, nele se demonstra, tal como alegado pelo impugnante e não é contestado pela Fazenda Pública, que o impugnante exerce a sua actividade em Portugal através de um estabelecimento com a natureza de «sucursal», e a mesma é uma sucursal de uma instituição financeira. Ora, assim sendo, é indisputável, face ao respetivo regime legal, a ausência de autonomia da sucursal porquanto, enquanto tal, não suporta qualquer risco sobre a actividade desenvolvida (o qual corre por conta da sede) e não dispõe de capital próprio, asserções que decorrem da própria natureza jurídica das sucursais e de qualquer representação permanente que não disponha de autonomia jurídica da respectiva sociedade constituinte. Isso mesmo resultava do disposto no artigo 13.º, 5 do Regime Jurídico das Instituições de Crédito (...) Assim sendo, importa concluir, à semelhança do corolário extraído pelo Tribunal de Justiça no caso F..., que a sucursal do impugnante não deve ser considerada como um sujeito passivo autónomo em razão dos custos que lhe são imputados pela casa mãe pelas referidas prestações de serviços, não se podendo designá-la parte independente numa relação jurídica em que são trocadas prestações recíprocas e não podendo, por conseguinte, os serviços prestados e custos administrativos suportados a nível central debitados pelo impugnante à sua sucursal em Portugal ser qualificados como prestação de serviços, na acepção do IVA " (cf. página 10 da sentença recorrida);
22-Assim, em face de todo o exposto, conclui-se que a sentença recorrida não enferma de qualquer erro que a inquine de ilegalidade. Razão pela qual, deve improceder o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;
23-Invoca ainda o Ilustre Representante da Fazenda Pública que a operação é onerosa e localizada em Portugal, pretendendo trazer à colação no presente recurso a questão da verificação dos demais pressupostos de que depende a tributação em sede de IVA;
24-Sucede que a invocação de tais pressupostos é inócua no contexto do objeto do presente recurso, assente na imputação de determinados vícios à sentença recorrida, constituindo estes fundamentos de ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA “sub judice” cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão do Tribunal recorrido;
25-Não tendo a sentença conhecido de tais pressupostos, é inconsequente a invocação dos mesmos para suportar a ilegalidade da sentença recorrida, devendo, também com este fundamento, concluir-se pela improcedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;
26-Sem prejuízo do exposto, invoca ainda o recorrente que a sentença padece de omissão do exame crítico das provas, a qual implica a respetiva nulidade, nos termos dos artigos 668.º, atual artigo 615.º n.º 1, alínea b) do CPC e artigo 125.º do CPPT;
27-Ora, para que haja falta de fundamentação de facto, como causa de nulidade da sentença, toma-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que estabelece o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, e que suportam a decisão;
28-A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afetando somente a valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso, ou seja, configura erro de julgamento;
29-Contrariamente ao invocado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, o Tribunal “a quo” analisou a prova carreada para os autos, dando como assente aqueles factos que se afiguravam necessários para a decisão da causa, não existindo qualquer omissão da especificação dos factos provados, ditando a sentença recorrida que "Com relevância para a decisão considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos'', indicando os factos relevantes e remetendo-se para os documentos juntos aos autos e acrescentando que "A decisão de matéria de facto assenta na análise dos elementos constantes dos autos e do PAT apenso" (cf. pp. 3 a 5 da mesma);
30-Ainda assim, sempre resulta evidente que a alegada falta de análise crítica da prova não é suscetível de causar a nulidade da sentença (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20.05.2010, no proc. n.º 05853);
31-Atento todo o exposto, a alegada nulidade sustentada pela Ilustre Representante da Fazenda Pública é manifestamente improcedente, não se verificando, quer a ausência de discriminação de elementos probatórios em que o Tribunal se baseou para sustentar a sua decisão, quer a omissão total de especificação de factos, pelo que a decisão recorrida deve manter-se;
32-Ademais, invoca ainda o recorrente que, mesmo que "(...) não considere verificar-se a predita falta de fundamentação e consequente nulidade, deverá então, desde já, considerar a sua mera insuficiência ou mediocridade da motivação, a qual, sendo de espécie diferente, poderá consequentemente, afectar o valor doutrinal da sentença “a quo” (quanto a este tema decidendo), sujeitando-a ao risco de ser revogada, (cf. p. 10 das alegações de recurso);
33-Também aqui não assiste razão ao Ilustre Representante da Fazenda Pública na medida em que a questão controvertida nos autos, que se prendia com a inexistência de dois sujeitos passivos autónomos, é uma questão de direito, assente no regime legal da sucursal, e que carece de qualquer apreciação de elementos de prova;
34-De facto, a alegada falta de exame crítico da prova só é suscetível de inquinar de ilegalidade a sentença quando a decisão se preste a uma apreciação de elementos de facto e de elementos probatórios;
35-Nada disso sucede quando a decisão é exclusivamente uma decisão assente em matéria de direito;
36-Deste modo, inexiste qualquer erro de julgamento da sentença recorrida assente numa alegada falta de exame crítico da prova;
37-Razão pela qual não se encontra a sentença recorrida inquinada por um vício de erro de julgamento, devendo improceder o recurso apresentado pela Fazenda Pública e manter-se aquela;
38-Na eventualidade de proceder o recurso interposto pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, requer-se subsidiariamente a ampliação do objeto do recurso, nos termos do disposto no artigo 636.º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 2.º do CPPT, para o conhecimento dos demais fundamentos de ilegalidade da autoliquidação invocados pelo recorrido na petição inicial, o qual ficou prejudicado pela decisão proferida pelo Tribunal recorrido;
39-Com efeito, os encargos gerais de administração em causa nunca configurariam verdadeiras prestações de serviços sujeitas a IVA, contrariamente ao propugnado pela Fazenda Pública;
40-Desde logo, porquanto, de acordo com o artigo 4.º do Código do IVA, apenas são consideradas como prestações de serviços, sujeitas a imposto, as "(...) operações efectuadas a título oneroso", o que não se aplica à operação em apreço em que o pagamento efetuado pela ora recorrida configura somente o reembolso de despesas relativas a pareceres, serviços gerais de informática, apoio de serviços jurídicos e de contencioso, das quais beneficiou, mas que foram inicialmente suportadas pela sua "casa-mãe";
41-Não se pode presumir que existe onerosidade pela mera circunstância de ter sido contabilizado um custo, porquanto custo e despesa não são conceitos coincidentes tendo, “in casu”, a despesa sido suportada pela casa-mãe enquanto a recorrida se limitou a refletir contabilisticamente o custo, sem que tal tenha significado a assunção de qualquer despesa;
42-A casa-mãe não presta às suas sucursais serviços de qualquer tipo, designadamente de consultoria, engenharia, advocacia, tratamento de dados ou fornecimento de informações, sendo tais serviços prestados por terceiros, por forma a beneficiar toda a sua atividade, bem como a atividade das próprias sucursais, pelo que não se conforma a ora Recorrida com a subsunção de tais operações contabilísticas a verdadeiras prestações de serviços, tributáveis em sede de IVA;
43-Acresce que, de acordo com acórdão emitido no processo C-210/04, aquele débito de despesas efetuadas pela "casa-mãe" a um estabelecimento secundário noutro Estado­ Membro, "(...) não são suscetíveis de constituir operações tributáveis em IVA, mesmo quando o custo dos serviços tenha sido objeto de imputação a esse estabelecimento";
44-Em face de todo o exposto resulta que, no caso “sub judice”, inexiste qualquer prestação de serviços onerosa suscetível de ser tributada em sede de IVA, pelo, também por esta razão, deverá a liquidação de IVA em crise ser anulada;
45-Por último, independentemente do juízo que vier a ser formulado a respeito da qualificação da operação, nunca a mesma poderia consubstanciar uma operação localizada em Portugal, na medida em que não se enquadra em qualquer uma das situações previstas no n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA, de que resultaria a sua tributação em território português;
46-Sendo a entidade prestadora de serviços residente em França, para sustentar a localização dos mesmos em Portugal, ter-se-ia de concluir pela aplicação de alguma das situações excecionais previstas nas várias alíneas do n.º 8 do artigo 6 do Código do IVA, sendo que o disposto no n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA só teria aplicação caso se verificasse que o beneficiário dos serviços seria sujeito passivo de IVA em Portugal;
47-Tal enquadramento reputa-se inadmissível porquanto apenas existe a imputação de custos gerais de administração consubstanciados em serviços prestados à "casa-mãe" por terceiros e dos quais a sucursal só indiretamente beneficiou, sendo que, aliás, a casa-mãe nunca prestou qualquer serviço à sua sucursal até porque não é uma sociedade prestadora dos serviços em causa;
48-A razão de ser da incidência não se prenderia já com a tributação da contraprestação de qualquer serviço na sua aceção jurídica, mas tão-somente como uma ficção justributária motivada pela própria lógica de funcionamento do imposto, não podendo, nessa medida, aquela operação ser reconduzida às prestações de serviços legalmente tipificadas nas alíneas c) e d) do n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA;
49-Não sendo reconduzível a nenhuma das demais prestações de serviços elencadas nas restantes alíneas do n.º 8 do artigo 6° do Código do IVA, nunca a operação em causa seria tributável em Portugal por força da aplicação das regras da territorialidade do imposto, mas sim, em último caso, no Estado da sede do respetivo prestador, ou seja, em França;
50-Por todo o exposto, é pois inequívoco, também com base neste fundamento, a ilegalidade da liquidação de IVA em crise, devendo esta em consonância ser anulada, devendo ser proferida uma decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pelo recorrido integralmente procedente;
51-Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se, nesta parte, a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.317 a 320 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.322 e 322-verso do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.213 a 215 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, “B...”, é uma empresa de direito francês, com sede em Paris (cfr.documento junto a fls.129 a 169 dos presentes autos);
2-A sociedade impugnante detém uma sucursal em Portugal, “B... - Sucursal em Portugal”, com o n.i.p.c. …, sita na Av. … (cfr. factualidade admitida por acordo; documento junto a fls.18 dos presentes autos);
3-Em 2001, a sociedade impugnante encontrava-se enquadrada no regime normal e mensal de IVA e tinha por objecto social a prossecução da actividade de "Instituições Bancárias" - CAE 065121 (cfr.documento junto a fls.76 do processo administrativo apenso);
4-Em 7 de Fevereiro de 2002, a sociedade impugnante apresentou a declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2001, na qual inscreveu, no campo 10 do quadro 6 - aquisições intracomunitárias de bens e operações assimiladas - o valor de € 136.232,40, e no campo 11 do mesmo quadro - imposto a favor do Estado - o valor de € 20.208,52 (cfr.documento junto a fls.78 do processo administrativo apenso);
5-Em 26 de Novembro de 2002, a sociedade impugnante emitiu uma factura à sua sucursal em Portugal, debitando-lhe € 847.000,00 a título de ''Despesas da sede facturadas com referência ao ano findo em 31 de Dezembro de 2001" (cfr.documentos juntos a fls.107 e 109 dos presentes autos);
6-Tais despesas da sede debitadas pela sociedade impugnante à sua sucursal em Portugal, com referência ao ano de 2001, no apontado montante de € 847.000,00, apenas foram relevadas no valor de € 701.000,00, apurado com base num valor previsional de € 670.000,00, referente ao ano de 2000, a que acresceu um acerto no valor de € 31.000,00, atinente ao montante final de encargos debitados no ano de 1999, e contabilizado na conta 74199 - "Diversos" (cfr.documentos juntos a fls.96, 107, 109 e 113 a 121 dos presentes autos);
7-Em 23 de Dezembro de 2002, a sociedade impugnante declarou junto do … Serviço de Finanças de Lisboa ser devedor de um conjunto de quantias, de entre as quais se destaca o valor de € 119.170,00, respeitante a I.V.A. do período "01/12", e pretender beneficiar do regime de pagamentos previsto no Decreto­ Lei 248-A/2002, de 14 de Novembro (cfr.documentos juntos a fls.20 e 21 dos presentes autos);
8-Na mesma data, a sociedade impugnante procedeu ao pagamento do valor total de € 237.688,34, ao abrigo do regime de regularização excepcional de dívidas instituído pelo Decreto-Lei 248-A/2002, de 14 de Novembro, sendo € 233.027,78 respeitante a IVA, e no qual se incluiu o montante identificado no nº.7 (cfr.documento junto a fls.22 dos presentes autos);
9-Em 20 de Março de 2003, a sociedade impugnante deduziu reclamação graciosa junto da Direcção de Finanças de Lisboa, peticionando que fosse reconhecida a existência de "erro de subsunção legal que subjaz à auto-liquidação" de IVA efectuada com referência ao período de Dezembro de 2001, no valor de € 119.170,00, bem como a restituição do respectivo imposto (cfr.documento junto a fls.42 a 51 do processo administrativo apenso);
10-Em 3 de Abril de 2003, a sociedade impugnante procedeu à apresentação de declaração periódica de IVA de substituição (Modelo C) referente ao período de Dezembro de 2001, na qual inscreveu no campo 10 do quadro 6 - aquisições intracomunitárias de bens e operações assimiladas, o valor de € 837.232,40, no campo 11 do mesmo quadro - imposto a favor do Estado, o valor de € 139.378,52, e no campo 93-A do seu quadro 15 - imposto a entregar, o valor de € 119.170,00 (cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos; documento junto a fls.78 do processo administrativo apenso);
11-O apontado valor de IVA a entregar (€ 119.170,00) corresponde à autoliquidação de imposto, à taxa de 17%, respeitante ao montante das despesas da sede debitadas pela sociedade impugnante à sua sucursal em Portugal, com referência ao ano de 2001 e no montante relevado de € 701.000,00, tudo conforme descrito nos nºs.5 e 6 supra (cfr. documento junto a fls.18 dos presentes autos);
12-Tais despesas facturadas pela sociedade impugnante à sua sucursal em Portugal correspondem a uma quota-parte dos montantes suportados pela casa-mãe, relativos a encargos gerais de administração (cfr.documentos juntos a fls.96, 107, 109 e 113 a 121 dos presentes autos; factualidade admitida por acordo das partes);
13-A sociedade impugnante auto-liquidou IVA no apontado montante de € 119.170,00, para o período de Dezembro de 2001, com base no entendimento da Administração Tributária, veiculado no Relatório/Conclusões da acção inspectiva interna realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, segundo o qual incide IVA sobre a facturação dos encargos gerais de administração debitados à sua sucursal em Portugal (cfr.relatório de inspecção junto a fls.67 a 75 do processo administrativo apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos elementos constantes dos autos e do PAT apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados, bem como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (artigo 361º do Código Civil), tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.
Em concreto quanto aos números 12 e 13 supra, os factos provados assentaram, também, na circunstância de, em sede de acção de inspecção interna, realizada em 2001, aos exercícios de 1997 a 1999, os SIT terem considerado que o impugnante contabilizou na conta "74199 - Diversos" os montantes referentes "aos Encargos Gerais de Administração imputado pela "Casa Mãe" e que "o valor debitado pela casa mãe traduz-se em despesas com pareceres, serviços gerais de informática, apoio de serviços jurídicos e de contencioso, beneficiados pela sucursal" (cfr.RIT, a fls. 67 a 75 do PAT apenso)…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, anulando a auto-liquidação de I.V.A. objecto dos presentes autos, na parte contestada (cfr.nº.4 do probatório), mais condenando a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios ao impugnante.
X
Alega o recorrente, em primeiro lugar e em síntese, que se desconhece o trilho cognoscitivo e valorativo que levou o Tribunal “a quo” a considerar determinada prova, em detrimento de outra. Que o exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar o porquê da decisão e o processo lógico­formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo factual. Que foi inexistente o percurso lógico, racional e objectivo que levou o Tribunal “a quo” a integrar factos na sua fundamentação e a não considerar outros por falta de valorização do acervo probatório e documental que faz parte dos autos (cfr.conclusões 21 a 30 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, a nulidade da sentença devido a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.211 a 223 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se manifestamente improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
O apelante discorda do decidido sustentando, igualmente e em sinopse, que a sucursal, em Portugal, de um banco não residente, é considerada um sujeito passivo de I.V.A., sendo que o fornecimento de informações prestadas por uma entidade estrangeira, não sediada em Portugal, a sujeitos passivos com estabelecimento estável ou domicílio em Portugal, é tributável/localizado em Portugal, pelo que se deve manter o montante autoliquidado. Que a questão da não onerosidade das operações (encargos) em análise, nem sequer se coloca, tendo em conta a definição de onerosidade conjugada com o facto de a sociedade recorrida registar as verbas como custos, pois a simples consideração da operação como uma despesa, implica a sua onerosidade. Que as operações tituladas pelas facturas emitidas pela sociedade recorrida à sua sucursal são subsumíveis às regras de incidência subjectiva e objectiva do I.V.A., nos termos dos artºs.2, 4 e 6, todos do C.I.V.A. (cfr.conclusões 6 a 20 e 31 a 33 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro locupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, entendeu a A. Fiscal, resumidamente, que incide I.V.A. sobre a facturação dos encargos gerais de administração debitados à sucursal em Portugal da sociedade impugnante/recorrida, tudo porque tal operação se enquadra como prestação de serviços e sujeita-se à incidência de imposto nos termos conjugados dos artºs.4 e 6, nº.8, als.c) e d), do C.I.V.A.
Pelo contrário, o Tribunal "a quo" concluiu que a sucursal da sociedade impugnante/recorrida não deve ser considerada como um sujeito passivo autónomo em razão dos custos que lhe são imputados pela casa mãe, em face da referida facturação dos encargos gerais de administração, assim não se podendo designá-la parte independente numa relação jurídica em que são trocadas prestações recíprocas e não podendo, por conseguinte, os serviços prestados e custos administrativos suportados a nível central debitados pela impugnante à sua sucursal em Portugal ser qualificados como prestação de serviços, na acepção do I.V.A., tudo com base em jurisprudência comunitária.
Vejamos quem tem razão.
De acordo com a factualidade provada a sociedade impugnante/recorrida é uma entidade não residente que desenvolve a sua actividade empresarial em Portugal mediante uma sucursal, tal facto dando origem à existência de um estabelecimento estável, para efeitos de I.R.C., devido à presença de uma instalação fixa visando o desenvolvimento de uma actividade relevante (cfr.artº.5, do C.I.R.C.; Manuela Duro Teixeira, A Determinação do Lucro Tributável dos Estabelecimentos Estáveis de Não Residentes, Almedina, 2007, pág.21 e seg.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.306 e seg.).
Isso mesmo resultava do disposto no artº.13, § 5, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo dec.lei 298/92, de 31/12, com correspondência no actual artº.2­A, al.aa), daquele Regime, aditado pelo dec.lei 157/2014, de 24/10, segundo o qual se entende por sucursal o "estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa de que faz parte".
De regresso ao caso dos autos, nele se demonstra, tal como alegado pela sociedade impugnante/recorrida e não contestado pela recorrente, que aquela exerce a sua actividade em Portugal através de um estabelecimento com a natureza de "sucursal" de uma instituição financeira (cfr.nº.2 do probatório).
Ora, assim sendo, é indisputável, face ao respectivo regime legal, a ausência de autonomia da sucursal porquanto, enquanto tal, não suporta qualquer risco sobre a actividade desenvolvida (o qual corre por conta da sede) e não dispõe de capital próprio, asserções que decorrem da própria natureza jurídica das sucursais e de qualquer representação permanente que não disponha de autonomia jurídica da respectiva sociedade constituinte/sede estrangeira, tudo no âmbito do direito tributário (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.325 e seg.).
Tal como se referiu, a sociedade impugnante/recorrida vem colocar em crise a incidência objectiva e subjectiva do imposto sobre as operações visadas pelo presente processo, objecto da autoliquidação identificada na factualidade provada (cfr.nºs.10 e 11 do probatório).
Passemos, antes de mais, ao exame do conceito de prestação de serviços constante do artº.4, nº.1, do C.I.V.A., na versão em vigor no ano 2001 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil):
ARTIGO 4º.
(Conceito de prestação de serviços)

1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
(...)

A natureza do I.V.A. como um imposto geral sobre o consumo implicou a existência de um conceito residual ou negativo de prestação de serviços. O conceito de prestação de serviços acolhido no Código do I.V.A. não corresponde ao civilístico, de acordo com o qual o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artº.1154, do C.Civil).
A incidência do I.V.A. ganha, assim, uma vocação de universalidade. De acordo com o disposto no artº.4, nº.1, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas, além do mais, a título oneroso que não se qualifiquem como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Atento o referido, para efeitos deste imposto, são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, a cedência de direitos, de marcas, de patentes, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito de despesas a título de repartição de despesas comuns.
Tendencialmente, a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de I.V.A. deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica. Ou seja, deverá ser aferido, casuisticamente, se no caso controvertido existe, ou não, uma operação com substância económica que possamos tributar a título de prestação de serviços.
A jurisprudência comunitária tem vindo a reiterar que o conceito de actividade económica deverá ser interpretado de forma a atribuir um âmbito de aplicação muito abrangente a este tributo, vindo a relevar o carácter objectivo da mesma noção, salientando que a actividade se define por si mesma, independentemente dos fins ou resultados.
Por último, dir-se-á que a prestação de serviços só será tributável em sede de I.V.A. se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, de acordo com a teoria das contraprestações recíprocas (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.66 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.58 e seg.; ac.TJCE de 29/2/1996, Proc.C-110/94, Caso INZO; ac.TJCE de 15/1/1998, Proc.C-37/95, Caso Ghent Coal; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/1/2015, proc.8165/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/2/2016, proc.9096/15).
Atento o quadro legal em causa, importará, ainda, salientar que as disposições nacionais que tenham por base diplomas europeus (“máxime”, directivas, como sucede no caso do I.V.A., cujo código consiste na transposição da Sexta Directiva a que se vem fazendo alusão, então em vigor) devem ser interpretadas e aplicadas à luz da redacção e da “ratio legis” destes últimos, os diplomas europeus - é o que a jurisprudência e doutrina designam por "princípio comunitário da interpretação conforme". Recorde-se que o direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9385/16; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; José Carlos Moitinho de Almeida, Direito Comunitário, A Ordem Jurídica Comunitária, As Liberdades Fundamentais na C.E.E., Centro de Publicações do Ministério da Justiça, Lisboa, 1985, pág.61 e seg.).
Atentos os princípios enunciados, as decisões do Tribunal de Justiça Europeu constituem, como tal, um dos elementos hermenêuticos de maior importância a atender na interpretação de qualquer norma de direito europeu e, por conseguinte, do direito nacional dos Estados-Membros da União Europeia que naquele se estribe.
Em face do exposto, e malgrado a abertura com que o legislador português definiu o conceito de "prestações de serviços", nos termos do artº.4, nº.1, do C.I.V.A. - de resto, observando o artº.6, nº.1, da Sexta Directiva, supra identificada - importa notar que, de acordo com jurisprudência uniforme do TJUE "uma prestação de serviços só é efectuada a título oneroso, na acepção do artigo 2°, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas", conforme se pode ler, entre outros, no acórdão Tolsma, proferido em 3 de Março de 1994, no âmbito do Processo C-16/93. Ora, a reciprocidade das prestações depende, necessariamente, de o "prestador e o beneficiário" actuarem de forma independente, porquanto, como facilmente se infere, a ausência dessa independência no seio de dada relação jurídica prejudicaria a formação do sinalagma a que o TJUE se refere, o qual não assentaria, então, numa efectiva interdependência das prestações e não conferiria a cada uma das partes envolvidas o manancial de instrumentos legalmente previstos para coarctar a contraparte à prestação da obrigação a que se vinculou.
Esta foi, de resto, a conclusão a que o TJUE chegou no acórdão F..., prolatado em 23 de Março de 2006, no âmbito do Processo C-210/04.
O aresto acabado de identificar tinha por objecto uma situação idêntica à dos autos, relativa a uma sucursal italiana de um banco inglês, em que se pretendia determinar se "um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado-Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações".
Retomando a doutrina decorrente do acórdão Tolsma a que se fez menção supra, afirma o TJUE que "Para determinar se existe uma tal relação jurídica entre uma sociedade não residente e uma das suas sucursais a fim de sujeitar a I.V.A. as prestações fornecidas, há que verificar se o F... (sucursal, no caso) realiza uma actividade económica independente". Para esse efeito, deverá averiguar-se, designadamente, se a sucursal suporta "o risco económico que decorre da sua actividade".
Concluiu o TJUE, perante a constatação da falta de autonomia de uma sucursal da respectiva casa mãe, "que os artigos 2, nº1 e 9, nº1 da Sexta Directiva (...) devem ser interpretados no sentido de que um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado-Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações" (cfr.Acórdão do TJUE, de 23 de Março de 2006, F..., proc.C-210/04; Acórdão do TJUE, de 17 de Setembro de 2014, Skandia America Corp., proc.C-7/13).
Como, lapidarmente, se afirmou no referido acórdão do TJUE, F..., os débitos de despesas efectuadas pela casa-mãe a um estabelecimento secundário noutro Estado-Membro "(...) não são susceptíveis de constituir operações tributáveis em I.V.A., mesmo quando o custo dos serviços tenha sido objecto de imputação a esse estabelecimento".
Pelo que se vem de expor, não pode este Tribunal deixar de atender ao citado entendimento da jurisprudência comunitária, no sentido de que o montante imputado a título de encargos gerais de administração pela casa-mãe à sua sucursal não é susceptível de tributação em sede de I.V.A., desde logo, por falta do elemento subjectivo de tributação.
Deve, portanto, concluir-se pela ilegalidade da autoliquidação de I.V.A. efectuada pela sociedade impugnante/recorrida (vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos, determinante da sua anulação) e confirmar-se a decisão do Tribunal "a quo".
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 13 de Outubro de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)